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Sharit Bhowmik

As cooperativas e a emancipação dos marginalizados: estudos de caso de duas cidades na Índia

Introdução

Este capítulo procura analisar o papel dos trabalhadores cooperativos no empoderamento de sectores marginalizados da classe trabalhadora. Exemplificaremos esta situação com a ajuda de dois estudos efectuados em duas diferentes metrópoles na Índia. Estas são Ahmedabad, na Índia Ocidental, e Calcutá, na Índia Oriental. Estudaremos as cooperativas formadas por colectores de lixo em Ahmedabad e cooperativas de trabalhadores em Calcutá. Estes casos mostram-nos como os trabalhadores marginalizados pela sociedade tentam, através da acção colectiva, proteger o seu direito a um emprego remunerado.

O processo de globalização, através dos ajustamentos estruturais, afectou desfavoravelmente a classe trabalhadora em todo o mundo. O trabalho em muitos dos países desenvolvidos ressentiu-se, uma vez que a reestruturação da indústria conduziu, invariavelmente, ao desemprego, originado pelo encerramento das unidades industriais «não lucrativas». Na Índia, a Declaração sobre Políticas Industriais, efectuada no Parlamento a 24 de Julho de 1981, estava em sintonia com o processo global de ajustamento estrutural. Duas características evidentes desta política são: em primeiro lugar, minar o sector público e, em segundo lugar, a redução do emprego no sector organizado e formal. Em geral, os sindicatos opuseram-se a esta política e organizaram greves nacionais, o encerramento de fábricas e comícios. Tudo isto teve um impacto nulo ou reduzido nas decisões do governo.

Os principais problemas são enfrentados pelos trabalhadores das pequenas e médias indústrias, onde as disposições legais respeitantes à segurança no emprego e à segurança social não são aplicadas com o mesmo rigor. Estes trabalhadores constituem o grosso da mão-de-obra da indústria do país. É nestas áreas que são necessários meios alternativos de produção. O governo mostrou algum interesse em encorajar o controlo das empresas por parte dos trabalhadores. O parágrafo 16 da Declaração sobre Políticas Industriais estabelece: «a participação dos trabalhadores na administração será incentivada. Os trabalhadores das cooperativas serão encorajados a participar em programas concebidos para regressarem às empresas em dificuldades económicas». Até agora, isto parece pouco credível, dado o governo não ter tomado qualquer posição para encorajar estas cooperativas. Simultaneamente, existem algumas cooperativas que surgiram através da luta dos trabalhadores para manter o emprego e a produção. Há alguns exemplos de cooperativas de trabalhadores em plantações de chá, minas e unidades industriais. Os trabalhadores da Sonali Tea Estate, uma plantação de chá que emprega cerca de 500 trabalhadores no distrito de Jalpaiguri no estado de Bengal Oeste, formaram, em 1974, a primeira cooperativa de trabalhadores da indústria do chá. Em Tripura, um Estado no Nordeste da Índia, cinco plantações de chá são gerida com sucesso, desde 1980, por estes trabalhadores (Bhowmik, 1992). Em Dali Rajhara, próximo da Plantação Bhilai Steel Plant, no Estado de Chattisgarth, na Índia Central, existem seis cooperativas de trabalhadores que trabalham no ferro fundido ou na extracção de minério (Bhowmik, 1994). Desde o início da década de 80, existem em Calcutá, a capital do estado de Bengal Ocidental, pelo menos 20 unidades industriais que são geridas por trabalhadores cooperativos. Todas estas cooperativas sobrevivem com pouco ou nenhum auxílio financeiro por parte do governo. O facto de estas cooperativas terem sobrevivido sem ajuda externa durante quase duas décadas, ou mais, é por si só uma prova do seu sucesso. Neste capítulo tentamos estudar algumas destas cooperativas.

A par do desemprego causado pelo encerramento de indústrias, há um número cada vez mais elevado de pessoas que se deslocam para as áreas urbanas, especialmente as metrópoles, em busca de trabalho. Estas pessoas saem das áreas rurais, ou pequenas cidades, devido à falta de qualquer meio de sobrevivência. Possuem poucas qualificações que lhes permitam competir no mercado de trabalho e procuram qualquer tipo de trabalho que afaste a fome. Estas são as formas mais degradantes de trabalho por conta própria e abrangem a maioria dos pobres urbanos. Contudo, podemos observar, tal como sucede no caso das mulheres colectoras de lixo em Ahamedabad, que eles também podem melhorar as suas condições de vida através da acção colectiva. Porém, antes de discutirmos estes casos, analisaremos o papel das cooperativas na ajuda aos marginalizados.

 

1. As Cooperativas e os trabalhadores marginalizados

As origens da cooperação, enquanto movimento para a modificação e melhoria das condições económicas e sociais de sectores menos desenvolvidos da sociedade, podem ser encontradas, na primeira metade do século XIX, na filosofia de Robert Owen. A primeira cooperativa nasceu na Inglaterra, em 1844; foi criada uma loja cooperativa por iniciativa dos tecelões desempregados de Toad Lane, em Rochdale. O grupo ficou conhecido como Equitable Pionneers of Rochdale e o seu objectivo era fornecer, a preços justos, produtos de consumo aos trabalhadores. Os Pioneiros de Rochdale entendiam as cooperativas como um primeiro passo para atingir maiores objectivos, nomeadamente uma sociedade socialista baseada na democracia económica. Rochdale serviu de modelo para muitas outras cooperativas em Inglaterra, nos Estados Unidos da América e na Europa. Os princípios básicos de funcionamento destas cooperativas foram adoptados pelo movimento cooperativo em todo o mundo. Os princípios são: um voto por cada membro (e não de acordo com o número de acções, como sucede nas sociedades anónimas); as vendas são efectuadas de acordo com os preços do mercado; a distribuição dos lucros entre os accionistas tem como base as acções detidas; e a existência de um número limitado de acções por pessoa.

O movimento cooperativo nasceu da necessidade de alterar a sociedade existente através de uma ideologia baseada no igualitarismo. Os primeiros cooperadores, como os Pioneiros de Rochdale e Robert Owen na Inglaterra, Schultz e F. W. Raiffeinsein na Alemanha, propagaram o movimento cooperativo como uma alternativa à natureza exploradora da sociedade capitalista do século XIX na Europa. Para eles, a cooperação era um veículo através do qual a exploração capitalista podia ser substituída por uma sociedade justa e igualitária constituindo as cooperativas um instrumento de transformação dessas sociedades. Assim, os objectivos das cooperativas diferiam não só dos objectivos das empresas privadas, mas também das formas tradicionais de troca e relações interpessoais.

O ponto de vista de alguns dos primeiros promotores das cooperativas, como Robert Owen, eram criticados porque, uma vez que viam as cooperativas como uma fonte de transformação social, acreditavam que o movimento teria sucesso se o capital e o trabalho cooperassem nesta transformação. Karl Marx, especialmente, era muito crítico em relação a este ponto de vista. Contudo, o próprio Karl Marx não estava contra a formação de cooperativas de trabalhadores. Com efeito, ele defendia que os trabalhadores cooperativos podiam desempenhar um importante papel na emancipação da classe trabalhadora, em relação ao capitalismo, desde que fossem aliados do movimento trabalhista. A principal contribuição destas instituições reside na sua habilidade para demonstrar de forma prática que os trabalhadores são capazes de controlar e gerir os meios de produção. Nas suas instruções aos delegados presentes no I Congresso da Associação Internacional de Trabalhadores em Genebra, em Setembro de 1866, ele referiu

Nós reconhecemos o movimento cooperativo como uma das forças transformadoras da presente sociedade baseada no antagonismo das classes. O seu grande mérito é mostrar, em termos práticos, que o presente sistema da subordinação do trabalho ao capital, que é despótico e aumenta a pobreza, pode ser suplantado pelo sistema republicano e beneficente da associação de produtores livres e iguais» (Marx e Engels, 1976: 81).

Assim, Marx via as cooperativas como uma forma de emancipação para os trabalhadores oprimidos. As cooperativas transmitiam maior confiança ao trabalhador comum quando este tomava consciência que podia transformar as relações sócio-económicas prevalecentes através da acção colectiva. O Comité sobre Princípios Cooperativos, nomeado, em 1965, pela International Co-operative Alliance (ICA), tinha uma visão idêntica. Uma cooperativa, referiam eles,

existe para colocar pessoas comuns no efectivo controlo dos mecanismos da vida económica moderna [...] ela tem de dar ao indivíduo, muitas vezes reduzido a um papel insignificante nessa máquina, uma oportunidade de se manifestar, ser uma voz nos negócios e destinos da sua cooperativa e ter liberdade para exprimir a sua opinião» (NCUI, 1969: 20).

Deste modo, as cooperativas, se forem geridas democraticamente, podem ajudar a reduzir a alienação entre os trabalhadores. Assim, não se espera que as cooperativas funcionem apenas como sociedades de benefícios mútuos. Para além disso, elas possuem obrigações sociais que estão traduzidas nos princípios da cooperação. Quando se debruçou sobre este aspecto, a Comissão sobre Princípios Cooperativos referiu:

A cooperação, nos seus melhores propósitos, vai além da promoção dos interesses dos membros enquanto indivíduos... pelo contrário, o seu objecto é promover o progresso e bem estar da humanidade. É este objectivo que torna a sociedade cooperativa algo diferente de um normal empreendimento económico e justifica estar a ser testada, não só do ponto de vista dos seus valores morais e sociais que elevam a vida humana acima do meramente material» (ibidem:10).

Nós precisamos de ter presentes estes objectivos enquanto analisamos a contribuição das cooperativas. É o que tentaremos fazer na próxima secção.

 

2. Os colectores de lixo em Ahmedabad

Uma parte da população de todas as metrópoles ganha a vida a reciclar o lixo. A estas pessoas é atribuído o estatuto mais baixo entre os pobres urbanos e economicamente são os mais pobres entre os pobres. Muitos destes colectores de lixo são mulheres e crianças. Eles deambulam pelas ruas a pé, procurando lixo, que colocam dentro de sacos que transportam. Deixam as suas casas ao amanhecer, andando vários quilómetros todos os dias, para poderem completar a sua recolha ao fim da tarde. Os seus instrumentos de trabalho compreendem um saco para a recolha e uma vara para espetar e remexer o lixo. No trabalho correm vários riscos: ficam com cortes e ferimentos de objectos cortantes e bocados de vidro ou adquirem no lixo alergias na pele causadas por lixos químicos. Depois de terminada a recolha do dia, os colectores separam os materiais e vendem-nos aos comerciantes. O que recebem como pagamento pela recolha é muito pouco, vivendo estas pessoas no limiar da pobreza. A condição dos colectores nas cidades indianas parece ser pior do que nas suas homólogas da Colômbia, que se deslocam em carroças puxadas por animais enquanto procuram lixo reciclável.

Estes colectores de lixo estão de facto a servir as necessidade dos cidadãos pois enquanto trabalham para sobreviver, estão a limpar o lixo das ruas. Infelizmente, a polícia e as autoridades municipais não os vêem desta forma. São perseguidos pelas autoridades urbanas, enfrentam frequentes ameaças e sofrem mesmo agressões por parte das autoridades. Os sectores mais ricos da cidade consideram-nos um aborrecimento público e, frequentemente, apresentam queixa contra eles.

A cidade de Ahamedabad é a capital de Gujarat, um dos Estados mais prósperos do país. Esta cidade possuía um grande número de indústrias, mas era especialmente conhecida por ser um centro de produção têxtil. Agora, o cenário é muito diferente. Nos últimos quinze anos, sensivelmente, muitas fiações da cidade fecharam, ficando muitos dos trabalhadores sem emprego. Muitas mulheres e filhos destes trabalhadores foram forçados a «ir para as ruas apanhar lixo» (SEWA, 1999: 56). Tal como outras grandes cidades, também Ahamedabad possui uma quantidade de colectores de lixo que dependem da reciclagem para a sua existência. De há vinte e cinco anos para cá, uma das actividades da Self-employed Women´s Association (SEWA), sediada em Ahmedabad, é organizar as mulheres que apanham o lixo (ibidem). Iremos analisar algumas das actividades deste sindicato na ajuda a este sector da classe trabalhadora.

As origens da SEWA encontram-se na Textile Labour Association (TLA). Este sindicato foi criado por Mahatma Gandhi, em 1918, e tornou-se mais tarde o principal sindicato de trabalhadores de Ahmedabd. Em 1968, o TLA decidiu impulsionar a Women´s Wing do sindicato e convidou Ela Bhatt para a dirigir (Rose, 1992: 41). A principal actividade desta Ala consistia em ministrar programas de formação, de modo a melhorar as qualificações das mulheres pobres, para poderem ter meios de sobrevivência. O aumento das qualificações significa, sobretudo, ensinar as mulheres a costurar à máquina, encorajando-as a dedicarem-se a actividades como imprimir em tecidos e peças de roupa a partir de moldes, tingir roupas e etc.. O seu trabalho era, quanto à sua natureza, mais próximo do de serviço social. Depois de se ocuparem nestas actividades por algum tempo, os organizadores perceberam que o tipo de actividade a que elas se dedicavam só poderia proporcionar a estas mulheres marginalizadas um auxílio parcial. O que elas precisavam era de uma organização que as pudesse reunir em lutas colectivas pelos seus direitos básicos, como o salário mínimo, a saúde, a educação, etc..

Em 1972, ao abrigo da Lei Sindical de 1926, a Women´s Wing decidiu transformar-se num sindicato. Isto era mais fácil de dizer do que de concretizar. Apesar das trabalhadoras estarem convencidas de que podiam formar um sindicato, a repartição de registo de associações pensava o contrário. A principal objecção era que não existia numa associação de trabalhadores por conta própria uma relação entre empregado e empregador. Foram precisos dez meses para convencer a repartição de registo de associações que uma associação desta natureza podia ser um sindicato (Bhat, 1997: 214). Actualmente, a SEWA, com um total de quase 250.000 membros, é o maior sindicato do Estado. Inicialmente, a SEWA possuía relações estreitas com a TLA, mas estas acabaram em 1981.

2.1. Sindicalizar os colectores de lixo

Para além de organizar as trabalhadoras por conta própria em sindicatos, a SEWA promove cooperativas entre os seus membros para cobrir a variedade de serviços e também para ajudar a proporcionar oportunidades alternativas de emprego. Em 2000, a SEWA patrocinou mais de 80 destas cooperativas, cobrindo uma grande variedade de áreas. Estas incluíam cooperativas industriais e de produtores e cooperativas de serviços. Depois da formação de uma cooperativa, o sindicato presta assistência aos seus membros, desenvolvendo as suas capacidades financeiras e de gestão: para além de as ensinarem a ler e a escrever, organizam aulas para adultos onde estas mulheres aprendem a fazer cálculos, sendo-lhes também ensinados, entre outras coisas, os objectivos das cooperativas. Estas actividades ajudam a conferir o poder aos seus membros para gerirem as cooperativas pelos seus próprios recursos, em vez de dependerem de estranhos.

Umas das primeiras actividades da SEWA enquanto sindicato foi a organização dos colectores de lixo. A SEWA sindicalizou estas mulheres para que elas pudessem ser protegidas da perseguição das autoridades municipais. O sindicato proporcionava aos seus membros aventais, luvas, sapatos e sacos para a recolha do lixo. No início, foram recolhidos donativos para fornecer estes artigos. Os aventais e sacos são azuis e têm escrito SEWA em letras brancas. Essencialmente, esta tornou-se a sua identidade enquanto membros do sindicato, embora também fossem portadoras do cartão de membros. Depois de formarem o sindicato, os colectores de lixo passaram a ser menos perseguidos. Passaram a ter acesso a diversas ruas, onde anteriormente eram impedidos de estar. A sua identificação como membros da SEWA é a grande responsável por esta mudança de atitude, uma vez que agora são considerados como parte de um colectivo.

A perseguição e a obstrução na realização das suas actividades não são as únicas formas de exploração que estes trabalhadores enfrentam. Os comerciantes, a quem vendem a recolha diária, exploram-nos pagando-lhes preços bastante baixos. As mulheres são muito pobres e aceitam qualquer preço que os comerciantes lhes paguem, pois este é o único meio de subsistência para elas e para as suas famílias. Não há qualquer hipótese de negociarem melhores preços com os comerciantes. No caso dos comerciantes se recusarem a aceitar as suas mercadorias, elas passarão fome nesse dia.

Os activistas sindicais da SEWA estudaram o mercado da reciclagem do lixo e descobriram que a procura de papel deitado fora flutuava ao longo do ano: crescia nalgumas alturas do ano e decrescia noutras. Os comerciantes aumentavam os seus lucros armazenando o papel deitado fora quando a procura era baixa e vendendo-o quando a procura era alta. Depois de estudar as flutuações do mercado, os activistas sindicais descobriram que as mulheres podiam praticamente duplicar os preços quando a procura era alta. No entanto, estas mulheres não tinham nem espaço para armazenarem o que recolhiam, nem a capacidade para armazenarem as suas mercadorias durante um longo período de tempo. A sua condição económica obrigava-as a vender o que recolhiam cada dia. Assim sendo, a SEWA decidiu então construir um armazém para guardar a recolha diária efectuada pelos seus membros. Eles seriam pagos diariamente pela sua recolha a um preço fixo. Esta seria vendida em leilão quando os preços subissem. Qualquer lucro proveniente da venda seria distribuído entre as mulheres como um bónus. Este esquema teve bastante sucesso e rapidamente mais armazéns foram construídos noutras partes da cidade.

2.2. A formação de cooperativas

O passo seguinte por parte dos sindicatos foi encontrar oportunidades alternativas de emprego, ou salários regulares para estas mulheres. Se uma parte delas pudesse subsistir com outro tipo de trabalho, os restantes rendimentos subiriam à medida que as suas recolhas aumentassem. Estas novas actividades podiam ser empreendidas formando cooperativas entre as mulheres.

Em 1983, a SEWA iniciou a formação de uma cooperativa cuja actividade era limpar escritórios e aí recolher papel. Esta cooperativa chamava-se Cooperativa Saundariya Mahila SEWA. Actualmente, esta cooperativa tem cerca de 500 membros e possui contratos para limpar um grande número de escritórios, instituições académicas e outros edifícios públicos. Ao mesmo tempo, a cooperativa aceita contratos para remover o papel velho dos escritórios. A cooperativa paga a estes gabinetes um montante fixo para que autorizem a recolha de papel.

Cerca de 200 membros da cooperativa estão envolvidos nestas actividades. Estes membros têm um salário regular pelo seu trabalho. Os lucros da cooperativa são distribuídos entre todos os seus membros. Mais tarde, em 1999, as cooperativas enfrentaram alguns problemas porque o governo estatal não renovou os contratos para a recolha do papel velho dos seus gabinetes. Este facto é mencionado no relatório anual de 1999 da SEWA. O relatório realça igualmente que a Cooperativa Saundariya estava optimista relativamente à renovação do seu contrato com os gabinetes governamentais, num futuro próximo. Isto veio a acontecer após o sindicato e a cooperativa convencerem, em conjunto, os dirigentes do governo estatal que o acordo era benéfico para ambas as partes.

Alguns dos colectores de lixo tinham experiência suficiente para cozinharem diferentes tipos de comida. O sindicato tentou ajudá-los a desenvolverem as suas qualificações para que pudessem iniciar um empreendimento comercial. Em meados de 1992, um grupo destas mulheres, patrocinadas pelo Integrated Child Developmente Scheme (ICDS), começou a fornecer comida para o governo. Este projecto foi iniciado para ajudar os pobres em áreas urbanas e rurais. O ICDS proporciona mais instrução a crianças em idade pré-escolar. Ao meio-dia, é dada uma refeição a estas crianças. O grupo começou a aceitar contratos para catering em recepções. Em 1994, o grupo formou uma cooperativa, a Sociedade Cooperativa Trupi Nasta Mahila SEWA. A cooperativa tinha 130 membros, todos antigos colectores de lixo. Os membros celebraram contratos para fornecer e servir comida em casamentos, recepções públicas e outros eventos. Ocasionalmente, apenas são contratados para servir a comida ou para preparar as sobremesas para as recepções. Para além destas actividades, a cooperativa conseguiu contratos para abrir cantinas e salas de chá em edifícios de escritórios.

A cooperativa organiza programas de formação para os seus membros, incidindo em vários aspectos da gestão alimentar, incluindo a nutrição, realizando também programas sobre educação cooperativa e alfabetização. A Trupi Nasta é um dos empreendimentos cooperativos de maior sucesso patrocinados pela SEWA. Tem obtido lucros e os seus clientes apreciam a comida por ser saborosa, comparativamente menos dispendiosa e servida apropriadamente. A cooperativa costumava operar a partir da sede da SEWA, em Ahmedabad. Agora adquiriu o seu próprio espaço de trabalho na cidade (SEWA, 1999: 50).

A SEWA tem organizado algumas actividades económicas, em tempo parcial, para as mulheres que recolhem o lixo, de forma a aumentar os seus rendimentos. Uma parte dos seus membros ocupa-se a descascar ervilhas e legumes de manhã e a recolher papel à tarde. Outros grupos dedicam-se a fazer sacos de papel e material em papel para escritório.

2.3. Recuperar o respeito próprio

O sucesso das duas cooperativas de recolha de lixo em Ahmedabad deve-se sobretudo aos seus fortes laços com o sindicato, especialmente com a SEWA. Em primeiro lugar, o sindicato ajudou-os a ganhar respeito próprio, enquanto trabalhadores por conta própria. Em segundo lugar, os membros do sindicato foram capazes de criar projectos alternativos de emprego através das cooperativas, que têm aumentado as suas escolhas.

É também de notar que, na Índia, a sociedade se baseia em grupos sociais que estão posicionados com base numa hierarquia. Estes são conhecidos como castas. Acidentalmente, a palavra casta tem a sua origem na palavra portuguesa casta. A pertença a uma casta é baseada no nascimento, tal como a posição hierárquica da casta, que é fixada de acordo com o estatuto da casta em que cada um nasceu. Assim, mesmo que o estatuto profissional de um indivíduo se modifique, o seu estatuto social mantêm-se inalterado. Em muitos casos, os colectores de lixo pertencem a castas que estão mal posicionadas. A natureza do seu trabalho, que inclui recolher lixo reciclável das ruas e de caixotes do lixo, é olhado como uma ocupação suja pelas castas mais altas. Estas pessoas desempenham esta actividade porque são muito pobres e não têm outro meio de subsistência. Deste modo, são social e economicamente oprimidos e tratados como proscritos pelos habitantes das cidades.

A formação de cooperativas ajudou estas mulheres a melhorar a sua condição, mas o factor crucial é estarem ligadas ao seu sindicato. A vontade de melhorarem as suas condições de trabalho adveio da acção colectiva após a sua sindicalização. Isto deu-lhes confiança nas suas próprias capacidades. Elas estavam aptas a aumentar as suas capacidades com a ajuda das cooperativas. Assim sendo, podemos ver que a interligação entre os sindicatos e as cooperativas se pode tornar um meio efectivo para a emancipação dos pobres e socialmente oprimidos.

De seguida, centraremos a nossa atenção noutro tipo de cooperativas e analisaremos como estas contribuem para a emancipação de outro sector da classe trabalhadora. Na secção seguinte, estudaremos o funcionamento das cooperativas de trabalhadores na cidade de Calcutá.

 

3. As cooperativas de trabalhadores em Calcutá

Calcutá foi outrora uma famosa e vibrante metrópole industrial, conhecida pelas suas fiações e fábricas de construção de máquinas. A partir do final da década de 60, o cenário modificou-se claramente. A cidade foi testemunha do encerramento de um grande número de unidades industriais. Durante os anos 80, cerca de 1.500 unidades industriais cessaram as suas funções. Isto fez com que 1.580.000 trabalhadores se tornassem excedentários. Várias outras indústrias estão à beira do encerramento.

No meio deste cenário deprimente, encontramos uma ténue esperança num razoável número de cooperativas de trabalhadores. Identificámos cerca de 20 unidades em Calcutá e arredores. Basicamente, são pequenas ou médias empresas que possuem entre 20 e um pouco mais de 100 trabalhadores cada. Quatro destes casos serão objecto da nossa atenção.

É necessário referir alguns elementos relacionados com estes casos, de modo a possuirmos sobre eles um maior conhecimento. Calcutá é a capital do Estado de Bengal Ocidental, situado na parte Oriental da Índia. Este Estado é governado por uma coligação comunista e partidos de esquerda, conhecidos como Letf Front. O maior e dominante partido político da coligação é o Communist Party of India (Marxist) (CPI(M)). Esta coligação foi eleita em 1997 e manteve-se no poder até à presente data (Março de 2001). O maior sindicato do Estado é o Center for Indian Trade Unions (CITU), que é considerado o sindicato do CPI(M). Em todas as cooperativas de trabalhadores de Calcutá, incluindo os quatro casos apresentados neste capítulo, os sindicatos são filiados no CITU.

As quatro cooperativas foram seleccionadas depois de terem sido observadas 18 delas (duas das cooperativas cessaram funções). Estas incluíram uma unidade de construção naval, uma fábrica de cabos de alumínio e condutores eléctricos, uma unidade de tipografia e uma unidade que fabrica maquinaria de arame. Até certa altura, cada uma destas unidades estava a funcionar muito bem e eram consideradas melhores na sua respectiva área de produção. Tentámos examinar as razões que levaram ao seu declínio e como os trabalhadores tentaram recuperá-las.

3.1. A cooperativa de construção naval

Situada na área de Cossipure, em Calcutá, a East Bengal River Steam Service and Enginneering Workers' Industrial Co-operative Society Limited foi criada em 1979. A companhia original era uma empresa criada nos finais do século XIX. Ela adquiriu uma empresa naval de sucesso e mais tarde a construção de navios tornou-se uma das suas maiores actividades. A partir de 1965, por diversas razões, a companhia evidenciou uma quebra. Alguns dos factores foram externos, relacionados principalmente com as restrições aos negócios com o então Paquistão Oriental (agora Bangladesh), outros devido à gestão interna da companhia. A empresa conseguiu sobreviver até 1969. As folhas de balanço de 1968-1969 mostravam lucro. A partir daí, a empresa começou a registar perdas significativas. Em Setembro de 1976, os proprietários fecharam a empresa, uma vez que as dívidas eram insustentáveis. A sua mão-de-obra, que em tempos era de 1000 trabalhadores, ficou reduzida a 91 trabalhadores, pois muitos deles saíram para procurarem outro emprego. Os credores requereram no Tribunal Superior de Calcutá a recuperação da empresa.

Após a eleição da Left Front, o sindicato propôs ao governo estatal que declarasse a empresa em situação económica difícil e assumisse a sua administração. Em 1978, o governo estatal enviou uma proposta ao governo central para que este assumisse o controlo da empresa, mas esta foi rejeitada. Então, o sindicato requereu ao governo central autorização para gerir a empresa. O pedido foi aceite pelo governo e este aconselhou o sindicato a formar uma cooperativa de trabalhadores para estes gerirem a empresa. O Departamento Governamental para a Reconstrução Industrial ajudaria a financiar o empreendimento. A cooperativa foi registada em Novembro de 1979. Todos os 91 trabalhadores se tornaram membros. Os líderes locais do CPI(M) e do CITU auxiliaram os trabalhadores no empreendimento. O secretariado do comité local do CPI(M) foi o principal apoiante deste empreendimento. O governo estatal aceitou a proposta do sindicato, principalmente porque o sindicato era filiado no CITU e por causa do apoio político do CPI(M). Com base na garantia dada pelo governo, a cooperativa recorreu ao Tribunal Superior, de modo a ser reconhecida a compra da empresa. O Tribunal concordou e ordenou que um funcionário avaliasse a empresa. Consequentemente, o preço foi fixado e a cooperativa tomou posse da empresa a 30 de Outubro de 1980. A escritura de venda foi efectuada em 1981. O governo estatal concordou em conceder um empréstimo à cooperativa para comprar a empresa. A produção teve início em Dezembro de 1981. Uma garantia de 3.000.000 Rs foi dada por um banco nacionalizado (depois do governo estatal concordar em ser fiador) e 400,00 Rs foram concedidos para a contratação de recursos humanos. Este montante era bastante reduzido e não foi possível aos trabalhadores modernizar o equipamento existente. A cooperativa esperava conseguir um empréstimo de uma instituição bancária. Com essa finalidade, solicitaram uma garantia ao governo estatal. Infelizmente, quando abordaram o governo, este recusou-se a honrar o compromisso efectuado.

Esta decisão foi um choque para os trabalhadores. Anteriormente, na altura da formação da cooperativa, o Ministro das Finanças deu a entender aos trabalhadores que esta situação era temporária, até o governo estatal assumir a gestão da empresa. Só nesta altura é que os trabalhadores se aperceberam de que o governo não assumiria o controlo do estaleiro, nem ajudaria a cooperativa a desenvolvê-lo. Após várias reuniões, em que os líderes locais do CPI(M) também participaram, os trabalhadores decidiram que teriam de gerir sozinhos a empresa. Duas grandes decisões foram tomadas. Em primeiro lugar, decidiram congelar os salários até que a situação financeira melhorasse. Em segundo lugar, decidiram aumentar a produtividade, na medida em que isso contivesse os custos de produção. A cooperativa decidiu trabalhar para outras empresas (outsourcing), principalmente na reparação de navios. Este esforço valeu a pena, uma vez que as empresas que efectuaram encomendas ficaram satisfeitas com o resultado. Algumas delas, estavam dispostos a fornecer a matéria-prima necessária para o trabalho de recuperação e, por vezes, até adiantar dinheiro. Em 1991, a cooperativa tinha acumulado cerca de 1.400.000 rupias de lucros, que poderia usar em recursos humanos. Nessa altura, os órgãos directivos da cooperativa tomaram a importante decisão de não aumentarem os salários, apesar dos lucros registados. Os trabalhadores compreenderam que o seu futuro só poderia estar seguro se a cooperativa possuísse fundos suficientes.

Em 1991 a situação alterou-se. Nessa altura, o Ministério dos Transportes Terrestres estava na expectativa de conseguir um grande lote de terreno para construir uma garagem e uma oficina para uma das suas sociedades, a North Bengal State Transport Corporation (NBSTC). O governo estatal sugeriu que a cooperativa cedesse à NBTC uma parte dos terrenos que possuía. Isto poderia formar um acordo global para reabilitar a cooperativa. A NBSTC pagaria 10.000.00 rupias. A Inland Water Transport Corporation do governo estatal assumiria o controlo da cooperativa e modernizaria o estaleiro e a oficina. A cooperativa teria de reduzir a sua mão-de-obra para 50 trabalhadores. Apenas trabalhadores com menos de 55 anos poderiam ser mantidos, recebendo os restantes uma compensação adequada. A cooperativa concordou com esta proposta.

A partir da altura em que asseguraram aos trabalhadores que o controlo da empresa seria assumido pelo governo estatal, estes decidiram distribuir os lucros que tinham acumulado. Pagaram um elevado bónus aos membros, construíram alojamentos para o pessoal de segurança e gastaram grandes quantias em festas.

Em 1992, realizaram-se as eleições para a assembleia de Estado. O governo da Left Front foi novamente eleito, mas o Ministro dos Transportes Terrestres foi substituído. O novo ministro quis rever o projecto e colocou várias objecções à localização dos terrenos e ao custo da sua aquisição. Assim, o negócio foi cancelado. Os trabalhadores sofreram um sério prejuízo. Eles estavam agora em piores condições do que anteriormente, uma vez que não possuíam mão-de-obra para executar as encomendas. No entanto, este incidente fortaleceu a decisão de dependerem das suas próprias forças e não de outros. Só podiam depender da boa vontade que tinham conquistado anteriormente. Lentamente, começaram a receber encomendas e, gradualmente, a melhorar a sua posição.

Visitei esta cooperativa em meados de 1998. Os trabalhadores pareciam determinados a fazer do empreendimento um sucesso. Muitos deles eram idosos. Os seus uniformes estavam amarrotados e gastos. Contudo, havia determinação nos seus rostos quando trabalhavam continuamente. Quando falaram comigo, não me deram nenhum indício de desânimo ou incapacidade. Os empregados de escritório eram mais críticos em relação à situação. Eles estavam amargurados, porque o governo que tinham apoiado, e especialmente o CPI(M), lhes voltou as costas. Estas pessoas ainda tinham esperança que o governo assumisse o controlo da empresa. O líder local do CPI(M), que proporcionou a liderança externa desta tentativa, tornou-se um crítico desta atitude do governo. Todas estas pessoas acreditavam que o cancelamento da proposta anterior do governo se ficou a dever à corrupção. Foi-me dito que o negócio não trazia nenhuma vantagem a quem estava no poder, daí ter sido abandonado.

A falta de dinheiro impediu a cooperativa de contratar pessoal técnico. Tinha um consultor que era engenheiro naval. Esse indivíduo foi, em tempos, administrador geral da empresa e mais tarde ajudou os trabalhadores a geri-la. Trabalhava em tardes alternadas, oferecendo o seu conhecimento técnico. Não cobrava honorários pelos seus serviços, pois era um simpatizante do CPI(M) e os seus rendimentos provinham da consultoria realizada noutras empresas. A presença deste consultor, e do líder local do CPI(M), aumentou a confiança dos trabalhadores que sentiam que mesmo nestes tempos conturbados não estavam sozinhos.

A situação era idêntica quando visitei a cooperativa em Junho de 2000. A sua situação económica era ligeiramente melhor e os trabalhadores recebiam salários mais elevados. O consultor ajudou-os a conquistarem novos negócios. A amargura gerada pela falta de apoio do governo aumentou. Contudo, tanto o sindicato como o CPI(M) apoiavam a cooperativa a nível local. Esta foi a principal razão pela qual os membros permaneceram no sindicato, apesar das reclamações em relação ao governo liderado pelo CPI(M). A principal consequência desta situação foi tornar os trabalhadores mais auto-confiantes. Já não dependiam de entidades externas para resolverem os seus problemas. Esta foi a maior contribuição da cooperativa –o crescimento da auto-confiança dos trabalhadores.

3.2. A cooperativa tipográfica

A Eastern Type Foundry and Oriental Printing Works Employees' Industrial Cooperative Society Limited iniciou o seu funcionamento em 1987. A cooperativa tem 42 membros-trabalhadores. A cooperativa tem no total 51 trabalhadores, dos quais 7 são trabalhadores administrativos e os restantes operários.

Esta empresa, conhecida como Eastern Type Foundry and Oriental Printing Works, foi fundada em 1890 e, em 1912, foi constituída como sociedade anónima. A empresa manufacturava material de impressão para a imprensa escrita. A partir da altura em que foram introduzidas as impressoras off-set, em muitas partes do mundo, esta técnica tornou-se obsoleta. Anteriormente, a empresa era uma das melhores do país nesta área. Os seus produtos difundiram-se por toda a Índia e eram exportados para outros países, incluindo a China, o Nepal e a as Ilhas Maurícias. Na altura, a sua mão-de-obra rondava os 500 trabalhadores. Apesar das modificações na tecnologia de impressão, a empresa conseguiu manter a sua posição, por ser o único produtor nesta área. A imprensa escrita do país dependia. As impressoras eram também conhecidas pela sua alta qualidade e recebiam encomendas dos editores líderes do mercado.

Os problemas da empresa começaram nos anos 60, sobretudo devido às disputas entre os membros da família fundadora da empresa. No seu conjunto, eles possuíam a maioria das acções da empresa. Nos anos 70, o sindicato apontou várias irregularidades na sua gestão. Embora os trabalhadores recebessem os salários habituais, foi descoberto que os descontos destinados à segurança social não eram entregues aos organismos competentes. Estes organismos requereram a recuperação das quantias em tribunal. A gerência não foi capaz de as pagar e, em 1980, finalmente, a cessou o funcionamento da empresa, encerrando a fábrica. A situação arrastou-se durante 7 anos, ao longo dos quais muitos trabalhadores saíram para procurar outros empregos. O sindicato sugeriu que os trabalhadores deviam formar uma cooperativa, que poderia assumir o controlo da empresa, com a ajuda do governo. Assim, a cooperativa foi fundada em 1987, com 30 trabalhadores, que tiveram de continuar a lutar pelos seus direitos. Entretanto, a empresa entrou em liquidação e a cooperativa, com o apoio financeiro inicial do governo estatal, conseguiu comprar a empresa.

A cooperativa iniciou o seu funcionamento em 1989. Embora fosse proprietária da empresa, não possuía muita mão-de-obra. Apesar disso, conseguiu obter encomendas para impressão e fundição. Os negócios melhoraram gradualmente e a cooperativa necessitou de mais trabalhadores. De acordo com a Recomendação do Comité Local do CPI(M), foram contratados a prazo 15 trabalhadores. Eles tornaram-se efectivos após 1 ano e 12 deles tornaram-se accionistas. Pouco tempo depois, em 1994, começaram os problemas. Os trabalhadores mais antigos eram idosos, enquanto os mais novos eram jovens. Estes últimos exigiram que os mais velhos se aposentassem e abrissem caminho a pessoas mais novas. Além disso, o Comité Local do CPI(M) exigiu que o partido fosse autorizado a usar um dos edifícios como seu escritório. Os trabalhadores mais antigos, e que também eram apoiantes do CPI(M), opuseram-se a este pedido, uma vez que sentiam que isso encorajaria o comité local a assumir a posse do edifício. Isto conduziu a relações tensas entre o CPI(M) e estes trabalhadores.

Os problemas internos da cooperativa foram criados pelos líderes locais do CPI(M). Os membros mais antigos apoiaram o CPI(M) e, inicialmente, confiaram nos seus líderes locais. Depois destes acontecimentos, eles tornaram-se mais críticos em relação ao funcionamento do partido. Suspeitavam que o comité local os queria dispensar para aí colocar a sua própria gente. Ao mesmo tempo, estes trabalhadores não se voltaram contra o CPI(M) enquanto partido. Votaram nos seus candidatos nas eleições e até faziam campanha pelo partido. Os seus problemas eram sobretudo com os líderes locais do CPI(M). Por insistência dos jovens trabalhadores, na assembleia geral da organização, em 1997, o governo indicou um director administrativo que suprimiu temporariamente as funções do comité de gestão.

A cooperativa ainda está a funcionar, consegue pagar os salários dos trabalhadores e pode melhorar a sua posição se conseguir encomendas para a fundição. No entanto, há falta de mão-de-obra. As prensas funcionam bem, mas a tensão entre os trabalhadores mais velhos e mais novos tem afectado a sua eficiência.

3.3. Cabos e condutores de alumínio

Esta cooperativa é conhecida como Alcond Employees' Industrial Co-operative Society Limited e foi formada por trabalhadores da Aluminum Cables and Conductors Private Limited em 1987. Em 2000, possuía 150 trabalhadores, dos quais 35 eram administrativos e os restantes operários. A cooperativa era uma sociedade de 265 pessoas, todas trabalhadoras da empresa, mas mais tarde algumas saíram da empresa para trabalhar noutros locais.

A empresa fabrica condutores de energia e cabos de alumínio. Antigamente, era bastante conhecida neste ramo de produção e considerada um empreendimento rentável. A procura dos seus produtos cresceu a partir da altura em que as empresas eléctricas estatais decidiram optar por fios de alumínio de alta tensão, em vez de cabos de cobre. A empresa tinha cerca de 500 trabalhadores e, até à década de 70, foi uma empresa rentável. Tanto na Índia como no estrangeiro possuía muitos clientes. A sua fábrica situa-se em Hyde Road, onde estão situadas muitas unidades industriais.

A partir de 1978, a Alcond começou a registar grandes prejuízos. Os trabalhadores acreditavam que este facto se devia a um desvio dos recursos financeiros da empresa para outros investimentos. Em 1983 a fábrica fechou. Os trabalhadores do sindicato tinham influência em todos os quadrantes do governo, usando todo o tipo de pressões sobre os administradores para reabrirem a fábrica. Em 1986, ao fim de 3 anos de uma luta feroz, os trabalhadores conseguiram forçar a administração a reabrir a fábrica. Passados 15 dias, a fábrica encerrou novamente, desta vez por causa da instituição financeira ter requerido ao tribunal a sua liquidação para recuperar os débitos em atraso. Assim, o sindicato decidiu organizar os trabalhadores numa cooperativa para gerirem a fábrica.

O governo financiou a iniciativa do sindicato para formar uma cooperativa e esta foi registada em 1987. Nessa altura, o Tribunal Superior ordenou que a empresa fosse leiloada, de modo a liquidar as dívidas. O governo estatal comprou a empresa e, em 2 de Dezembro de 1989, entregou-a à cooperativa. O governo contraiu empréstimos e forneceu matéria-prima para iniciar a produção. Além disso, actuou como fiador nos empréstimos bancários superiores a 45.000.00 rupias. O West Bengal State Electricity Board, uma organização estatal, alargou o apoio prestado, encomendando equipamento. Na altura de assumir o controlo da cooperativa, os seus membros descobriram que as máquinas e o equipamento da fábrica estavam danificados. A cooperativa despendeu uma grande quantia na sua reparação e manutenção. A produção só teve inicio em 1990, depois de 7 anos de encerramento. No primeiro ano, a cooperativa registou perdas de 60.000.000 rupias e um rendimento líquido de 750.000 rupias. A cooperativa conseguiu empregar 300 dos trabalhadores demitidos no primeiro ano e a outros 100 no segundo ano. O que é notável é que os trabalhadores puderam regressar à empresa 18 meses depois dos trabalhadores terem assumido o controlo da cooperativa.

Os problemas da cooperativa começaram nos anos seguintes. Para executar as encomendas, a cooperativa contraiu empréstimos junto de uma instituição bancária, dando como garantia as suas acções. A maior parte dos contratos celebrados pela cooperativa era com empresas públicas, como o Electricity Boards de Bengal Ocidental e de Uttar Pradesh. Os pagamentos efectuados por estas entidades eram feitos com um considerável atraso, entre 12 a 18 meses após a entrega.

Assim, o capital foi congelado, não sendo possível aceitar mais encomendas e a sua força de trabalho estava exausta. Simultaneamente, os juros dos empréstimos contraídos aumentaram. Tal como noutros casos, o governo estatal, que inicialmente tinha concordado ser o fiador dos empréstimos bancários, recuou. Finalmente, em 1997, a produção foi suspensa, uma vez que não foi possível conseguir mão-de-obra para executar as encomendas. Os recursos financeiros estavam esgotados e não foi possível pagar os salários. Muitos dos seus membros abandonaram a cooperativa para procurarem trabalho noutros locais. A cooperativa ficou com 150 trabalhadores.

Em Junho de 1998, depois de recuperar alguns dos créditos pendentes, a cooperativa conseguiu recomeçar a sua actividade. Foi decidido não aceitarem trabalhos independentes, através de concursos. Pelo contrário, começaram a aceitar encomendas de outras unidades industriais, o que proporcionou alguns lucros. Em Maio de 2000, a sua condição financeira melhorou, mas as experiências passadas deixaram um sentimento de amargura em relação à atitude do governo. Neste aspecto, os problemas são idênticos aos da cooperativa de construção naval. A perda de contratos ficou a dever-se à incapacidade da cooperativa para oferecer subornos às autoridades envolvidas. Da mesma forma, a recuperação de créditos devidos pelas comissões de electricidade foi retardada pela mesma razão. Os trabalhadores estavam amargurados porque, apesar das suas ligações políticas ao CPI(M), tiveram de enfrentar este problema.

3.4. A cooperativa de maquinaria de cabos

A Wire Machinery Employees Industrial Co-operative Society Limited localiza-se na área de Panihati, no distrito de Parganas, no norte de Calcutá. A fábrica tem 106 trabalhadores, dos quais 90 trabalhavam nas várias fábricas, seis trabalham no escritório e seis são seguranças. Há também dois engenheiros e dois desenhadores. A cooperativa indicou um director executivo para supervisionar o total funcionamento da cooperativa, mas em 1997 este demitiu-se. A gestão da cooperativa é feita por um comité de gestão eleito e inclui um presidente, um secretário e sete membros do comité. O presidente é um membro da organização e o secretário é um trabalhador. A cooperativa tem 95 membros e foi registada a 10 de Setembro de 1980.

A cooperativa produz arame de diversas medidas para guindastes e outros equipamentos de reboque. A fábrica manufactura material de fundição de tamanho pequeno e médio que é necessário a grandes unidades industriais.

A Wire Machinery Manufactoring Cooporation Limited, como era inicialmente conhecida a unidade, foi criada em 1962 e possuía um grande mercado para os seus produtos. Em 1970, quando Calcutá enfrentou graves cortes de energia, os problemas começaram. A fábrica requeria um fornecimento regular de energia para fazer trabalhar os seus potentes motores e os frequentes cortes de energia perturbaram a produção. Assim, a cooperativa não foi capaz de responder às encomendas pendentes e, gradualmente, o seu mercado decaiu. A companhia poderia criar a sua unidade de energia própria, superando a escassez existente, mas os seus proprietários não estavam interessados em ter despesas adicionais. Entre os membros da família proprietária da fábrica existiam graves conflitos que contribuíam para a crise, uma vez que não podiam ser tomadas decisões de investimento a longo prazo.

Em 1975, a companhia fechou a fábrica, pois não podia pagar os salários aos trabalhadores. Os 290 trabalhadores ficaram sem trabalho. O seu sindicato tentou que os proprietários reabrissem a fábrica, ou pagassem aos trabalhadores as indemnizações devidas, mas não tiveram sucesso. Esta situação manteve-se nos três anos seguintes. Alguns dos trabalhadores deixaram a empresa em busca de trabalho noutros sítios. Finalmente, em 1978, os proprietários apelaram ao Tribunal Superior para obterem permissão para liquidar a empresa.

Inicialmente, os trabalhadores ficaram chocados ao ouvir as notícias. Os líderes do sindicato foram também envolvidos e sugeriram que os trabalhadores deveriam tentar gerir a fábrica, formando uma cooperativa. Esta seria uma medida temporária, dado que o sindicato tentaria persuadir o recém eleito governo da Left Front a assumir o controlo da empresa. Os 95 trabalhadores que apoiaram o sindicato durante os três anos em que a empresa esteve encerrada formaram, em conjunto, a cooperativa. Após registarem a organização, os trabalhadores apelaram ao Tribunal Superior, para que, ao invés de leiloar a empresa, fosse dada à cooperativa a oportunidade de a gerir. Ela estava disposta a arrendar a fábrica e a alugar as suas máquinas. Assim, a cooperativa podia aceitar trabalho, proporcionando alguns rendimentos aos seus membros empobrecidos. O tribunal concordou com este acordo, realçando, no entanto, que este estaria sujeito a uma renovação anual. Além disso, esta situação só se prolongaria até ser encontrada uma alternativa para dispor dos bens da empresa. A cooperativa funcionou desta forma durante alguns anos.

Inicialmente, o negócio não correu muito bem e os trabalhadores obtiveram escassos rendimentos para a sua sobrevivência. Em cerca de um ano, ou seja, a partir da altura em que a cooperativa foi capaz de obter outras encomendas regulares, a situação melhorou. Em 1985, a cooperativa conseguiu alguma estabilidade e os seus membros auferiam salários mais elevados. Assim, os membros começaram a discutir o aumento dos seus salários, sobretudo porque começaram a fabricar os seus próprios produtos, em vez de trabalharem para outros. Porém, a sua concretização não era fácil. De modo a iniciar a fabricação dos seus produtos, a cooperativa necessitava de reparar alguma da maquinaria e actualizar outra. Isto não era possível porque a cooperativa não era proprietária das máquinas. O Tribunal Superior apenas tinha concedido o aluguer da sua propriedade, por isso, a cooperativa não podia modificar ou substituir qualquer parte do bem alugado. A cooperativa podia recorrer ao Tribunal Superior e procurar obter a permissão para actualizar a maquinaria, mas de onde viria o financiamento para este empreendimento? Os contactos efectuados pelos líderes sindicais revelaram que nenhuma instituição estava disposta a conceder empréstimos para este empreendimento, uma vez que a cooperativa não era titular da propriedade.

A única saída que restava à cooperativa era comprar a empresa, mas não possuía meios para o fazer. Após algumas discussões entre os trabalhadores e os líderes sindicais locais, chegou-se um consenso: a cooperativa devia comprar a companhia. Os trabalhadores estavam determinados em reunir o montante necessário para o fazer. A 2 de Junho de 1985, foi efectuado um requerimento ao Tribunal Superior, solicitando que os bens da empresa fossem leiloados e fosse dada à cooperativa uma oportunidade justa para licitar. A cooperativa solicitou que, se a sua licitação fosse aceite, dever-lhe-ia ser permitido pagar esse montante em prestações. Com base neste pedido, o Tribunal Superior marcou um leilão para 24 de Janeiro de 1986. Os membros da cooperativa tentaram economizar o máximo que lhes foi possível, de modo a conseguirem comprar a cooperativa. Reduziram os seus salários e fizeram trabalho extra para as poupanças aumentarem. O custo total da compra foi fixado em 1.450.000 rupias, um montante demasiado alto para a cooperativa. Todavia, o Tribunal decidiu que se a cooperativa tinha interesse em comprar a companhia, deveria depositar inicialmente 463.000 rupias, a título de sinal, e o valor total poderia ser pago em 6 meses. O sinal tinha de ser pago dentro de duas semanas a partir da data do leilão. O maior problema da cooperativa foi recolher o dinheiro para o sinal. Quando os membros trabalhadores recorreram ao Tribunal Superior para comprar a empresa, pensaram que seriam autorizados a pagar o montante total em prestações, a pagar durante vários anos. Eles não podiam imaginar que o Tribunal ordenaria que o comprador pagasse uma soma tão elevada. Os fundos da cooperativa estavam bastante abaixo do montante exigido. No entanto, os trabalhadores estavam determinados em comprar a empresa e começaram a reunir o dinheiro para o pagamento do sinal recorrendo a todas as fontes. Eles recorreram também ao Tribunal para prorrogar o prazo em alguns meses. Os trabalhadores começaram, então, a fazer um balanço da situação. As economias da cooperativa perfaziam menos de um quarto do dinheiro do sinal. Os trabalhadores decidiram abdicar dos seus salários durante alguns dos meses seguintes e com eles contribuírem para o fundo. Quando esta medida se revelou ineficaz, os trabalhadores decidiram contribuir individualmente com tudo o que podiam. Houve trabalhadores que contraíram empréstimos pessoais; outros que empenharam as jóias das suas esposas e alguns que venderam os seus bens pessoais. Depois de terem juntado, com dificuldade, tudo o que podiam, os trabalhadores conseguiram finalmente obter uma quantia, que depositaram junto do Tribunal Superior. Pouco tempo depois, foi permitido à cooperativa tomar conta da fábrica, com a condição suplementar do montante total ser pago no prazo de 6 meses. Felizmente, este problema foi resolvido, pois o banco concordou em conceder o restante montante a título de empréstimo. Deste modo, em Maio de 1986, a cooperativa tornou-se a proprietária da fábrica.

Na altura de assumir o controlo, a cooperativa tinha 69 membros. O salário médio era de 450 rupias por mês, o que era muito pouco. Os salários poderiam ter sido aumentados depois da cooperativa se ter tornado proprietária, mas os seus membros decidiram que o principal objectivo era melhorar a maquinaria e aumentar a produção. Tais procedimentos assegurariam a estabilidade a longo prazo. Nas reuniões realizadas sobre esta matéria, os trabalhadores adoptaram posições divergentes. Alguns (uma minoria) defenderam que os seus recursos pessoais estavam esgotados e que os salários deviam ser aumentados para que pudessem melhorar a sua esgotada capacidade económica. Outros sustentaram que era mais importante melhorar as condições da fábrica. Os trabalhadores tinham feito sacrifícios e enfrentado provações durante vários meses. Assim sendo, podiam continuar a fazê-lo durante mais alguns, até a situação melhorar. Finalmente, os trabalhadores decidiram que a necessidade imediata era melhorar a fábrica e concordaram não aumentar ainda mais as despesas através dos salários.

Outro aspecto que os trabalhadores sentiam ser igualmente importante, era a necessidade de contratarem pessoal qualificado e tecnicamente competente. Eles podiam melhorar a maquinaria, mas poderiam encarregar-se dos aspectos técnicos da renovada fábrica? Todos os seus esforços seriam em vão se, depois de terem contraído empréstimos para arranjar a maquinaria existente, fossem incapazes de atingir uma produção óptima. Precisavam de pessoal técnico especializado, mas que gestor técnico estaria disposto a juntar-se a um empreendimento economicamente debilitado? Os trabalhadores decidiram que pagariam um salário mais elevado a quem se oferecesse para os ajudar a construir o seu empreendimento. O então secretário do comité de gestão, um trabalhador, disse-me

Nós decidimos que precisávamos de gente boa. Precisávamos de um engenheiro que fosse capaz de gerir a fábrica e outro que promovesse as vendas. Nós somos trabalhadores qualificados. Nós podemos trabalhar na fábrica e produzir bens, mas não podemos ir às grandes empresas e pedir-lhes que os comprem. Quem é que falaria connosco? Então, decidimos que mesmo que nós ganhássemos 500 rupias por mês, pagaríamos aos nossos gestores Rs. 5.000 por mês, se fosse necessário. O futuro desta fábrica é o nosso futuro. Tínhamos de fazer com que ela tivesse sucesso.

Assim, eles nomearam dois administradores, um dos quais estava encarregado da produção, do planeamento e das finanças e outro da gestão. Ambos se tornaram membros da cooperativa e um deles, o gestor de produção, foi mais tarde eleito seu presidente.

Os sacrifícios dos trabalhadores, e a sua visão, produziram frutos pouco tempo depois. A cooperativa cresceu rapidamente. No início de 1992, o número de trabalhadores cresceu para 110, devido ao aumento do volume de trabalho. O seu volume de negócios cresceu 10 vezes. Os salários dos trabalhadores também triplicaram durante esse período. Em 2000, ganhavam mais do que os trabalhadores de outras fábricas dessa área.

Para além do aumento dos salários, os trabalhadores recuperaram também outros benefícios. Estavam abrangidos pela Employees State Insurance Scheme (para doença e acidentes). Este esquema já tinha estado em vigor, pois era obrigatório para empreendimentos deste tamanho, mas tinha sido suspenso no período em que a fábrica esteve fechada. O Fundo de Previdência também tinha sido suspenso, o que afectaria as pensões de reforma dos trabalhadores. A cooperativa decidiu reiniciar o esquema e ainda pagar as contribuições em dívida. Outros esquemas relacionados com a segurança social, como o Group Gratuity Scheme, foram implementados com efeitos retroactivos a partir de 1982, liquidando as contribuições em atraso.

Os gastos da cooperativa aumentaram, pois foi necessário reparar a fábrica e melhorar as suas infra-estruturas. O governo estatal concedeu-lhe um empréstimo sem juros de 300.000 rupias. Desse montante, 200.000 rupias foram usados para reparar o edifício da fábrica. A cooperativa comprou também um gerador de 81 KWA para fazer face às falhas de energia. A primeira administração, que era financeiramente mais seguro, tinha-se recusado a instalar uma unidade de energia cativa por considerá-la demasiado dispendiosa. Estes trabalhadores fizeram-no porque se aperceberam que uma fábrica bem gerida seria mais lucrativa. A maior parte do custo do gerador foi suportado pelos recursos da própria cooperativa. Além disso, pagou em 4 anos o empréstimo ao governo estatal. O empréstimo ao banco foi pago em 1992.

Embora a cooperativa tenha progredido significativamente, ela enfrentou problemas que posteriormente afectaram o seu desenvolvimento. Um dos maiores problemas que enfrentaram foi o da mão-de-obra adequada. Os membros do comité de gestão disseram-me que a unidade poderia produzir muito mais se tivessem mais mão-de-obra. Esta situação permitiria à cooperativa comprar matéria-prima para executar as encomendas. A sua falta traduzia-se na incapacidade de expandir os seus negócios por não poderem aceitar mais encomendas.

A falta de mão-de-obra deve-se principalmente ao facto da cooperativa ter vindo a ser incapaz de obter crédito junto de instituições bancárias e do governo estatal. Pouco tempo depois de terem pago o empréstimo ao banco pela compra da unidade, o banco concedeu à cooperativa outro empréstimo para contratar mão-de-obra, que foi pago no prazo estipulado. Depois disso, e apesar de ter pago o empréstimo, a cooperativa não conseguiu obter mais nenhum empréstimo do banco. Nós descobrimos que o banco pretendia garantias para conceder empréstimos. Os empréstimos que a cooperativa contraiu anteriormente foram concedidos com base em garantias dadas pelo governo estatal. Infelizmente, tal como noutros casos, o governo estatal recusou-se a ser fiador. A cooperativa confrontou-se, então, com uma situação em que poderia expandir os seus negócios, mas em que faltava mão-de-obra para o fazer. Esta situação afectou seriamente a sua rentabilidade. A cooperativa teve de utilizar os seus próprios recursos para adquirir matérias primas, para reparar e actualizar a sua maquinaria e para as outras despesas imediatas.

A corrupção na obtenção de encomendas e a dificuldade na cobrança de dívidas é também outro grande problema para a cooperativa. Isto manifestava-se, sobretudo, quando conseguiam encomendas do governo e os seus principais clientes eram os governos estatais. Foi-me referido que, mesmo depois de serem conseguidas as encomendas com base na oferta, era esperado que a cooperativa pagasse subornos para acelerar o processo. Os pagamentos também eram atrasados se o dinheiro não mudasse de mãos. Este é um problema com que se deparam muitas das cooperativas analisadas neste capítulo, que estão dependentes de encomendas do governo ou dos municípios. Finalmente, a cooperativa decidiu superar estes problemas, aceitando encomendas através de agentes. Neste caso, os seus rendimentos eram menores já que tinham de pagar uma comissão aos agentes, mas assim o problema da corrupção deixava de ser seu. Os agentes cuidavam deste assunto. As encomendas efectuadas pelos governos estatais foram tratadas por agentes. A cooperativa também exporta os seus produtos para países do Médio Oriente e também estas são tratadas por agentes, já que é necessário subornar funcionários ligados ao meio com ligações às exportações.

Nalguns casos, a cooperativa negociava directamente as encomendas, principalmente em outsourcing para empreendimentos maiores. Por exemplo, a maquinaria pesada fabricada para o transporte de carvão é feita para uma companhia de engenharia em grande escala do sector privado. Esta companhia proporcionou um adiantamento monetário, para permitir à cooperativa fabricar o equipamento. A cooperativa podia obviamente não fabricar o equipamento, dado que não possui o capital necessário para organizar a produção e publicitar os produtos. Ambos os aspectos exigem investimentos financeiros mais elevados. Daí nós podermos considerar que a falta de crédito e a corrupção são os principais obstáculos que impedem a cooperativa de melhorar o seu desempenho.

4. Conclusão: as cooperativas e a emancipação social

Na secção anterior analisámos dois tipos de cooperativas situadas em duas cidades diferentes. Apesar das diferenças, estas cooperativas têm alguns traços comuns. Em primeiro lugar, todas elas foram iniciadas pelos seus sindicatos. Este aspecto foi muito importante para a formação das cooperativas. A cooperativa de colectores de Ahmedabad foi iniciada pela SEWA, como parte das actividades do seu sindicato. A SEWA possuía uma clara estratégia de promoção de cooperativas como parte da actividade do seu sindicato.

4.1. O apoio dos sindicatos

Em Calcutá, as cooperativas foram também começadas pelos sindicatos, mas existe uma diferença em relação à estratégia utilizada pela SEWA. Os líderes do sindicato propuseram que os trabalhadores assumissem o controlo das unidades depois dos administradores as terem encerrado. Ao mesmo tempo, a posição inicial dos sindicatos era ambivalente, ao contrário da abordagem positiva da SWEA. Tinham apoiado a ideia da formação das cooperativas e assumiram o controlo da produção, como uma medida imediata de auxílio. Os líderes sindicais tentavam, acima de tudo, suster o problema do desemprego, resultante do encerramento da companhia, mas também acreditaram que era um prelúdio para o assumir do controlo por parte do governo estatal. Os trabalhadores também acreditaram nisso.

Após o apoio inicial, o governo estatal mostrou-se indiferente face ao destino das cooperativas. Isto resultou das mudanças nas orientações do governo da Left Front. Em 1977, quando esta foi eleita pela primeira vez, adoptou uma política pro-laboral. A partir de 1987, quando foi eleita pela terceira vez, a sua postura alterou-se. Então, o governo tentou adoptar uma política propícia ao investimento estrangeiro. Neste processo, os interesses do trabalho foram postos de lado. Os trabalhadores das cooperativas foram vítimas das novas políticas governamentais. Isto criou um sentimento de amargura entre os trabalhadores, bem como entre os líderes locais dos sindicatos que apoiavam as cooperativas nesta área. Como foi referido anteriormente, os sindicatos, dos quais os trabalhadores são membros, são filiados na CITU e os seus líderes são também líderes locais do CPI(M). Estes líderes foram a maior fonte de encorajamento dos trabalhadores, apesar da falta de apoio que o CPI(M) prestava ao governo da Left Front.

Uma consequência positiva desta situação é que as cooperativas aprenderam a depender da sua própria força para sobreviverem, em vez de dependerem de ajuda externa, nomeadamente da do governo estatal. Apesar das adversidades, estas cooperativas continuaram a existir. É o caso não só das quatro cooperativas estudadas neste capítulo, mas também das restantes cooperativas de trabalhadores de Bengal Ocidental. Das restantes 20 cooperativas existentes em Calcutá, no final dos anos 70 e início dos anos 80, até agora só duas foram dissolvidas.

A cooperativa tipográfica é uma excepção. Neste caso, os líderes locais do CPI(M) tentaram desmantelar o funcionamento da cooperativa. Os membros originários da cooperativa afirmam que os líderes locais do CPI(M)/CITU ajudaram a formar a cooperativa, mas posteriormente alteraram a sua posição, quando descobriram que os membros-trabalhadores se opuseram à cedência de um edifício para aí instalarem os gabinetes do partido. Por isso, tentaram criar divisões entre os membros, instigando os mais novos contra os mais antigos. Estes últimos também eram membros do CITU, mas depois dos conflitos com os novos membros, iniciados pelos líderes sindicais, ficaram desiludidos com o sindicato e deixaram de ser membros. Na observação inicial que realizámos na cidade acerca das cooperativas de trabalhadores na cidade encontrámos dois casos idênticos. Nestes casos, os líderes do CPI(M), que iniciaram as cooperativas, viam-nas como fontes de financiamento do partido e como oportunidade para empregar os seus quadros.

4.2. O funcionamento democrático

Para além do apoio do sindicato, outro factor importante para o funcionamento destas cooperativas é a sua democracia interna. Nas cooperativas iniciadas pela SEWA, a democracia não se restringe à eleição dos líderes. O sindicato organizou programas para os membros das cooperativas, com o objectivo de os treinar para assumir o controlo da organização. Posteriormente, descobrimos que os membros ordinários das duas cooperativas estavam conscientes do funcionamento das suas cooperativas. Eles participavam activamente nas reuniões regulares realizadas pelo sindicato para analisar os problemas das cooperativas. O aspecto mais importante destas discussões é que os pontos de vista dos membros ordinários eram levados a sério e estes eram encorajados a serem críticos quando expressavam a sua opinião ou apresentavam sugestões.

Em Calcutá, as cooperativas possuíam uma democracia interna e os líderes sindicais desempenharam um papel positivo na sua promoção, com excepção da cooperativa tipográfica. Os líderes encontravam-se frequentemente com os trabalhadores e explicavam-lhes os problemas. A disseminação da informação é a base da democracia interna. Nas três cooperativas, os líderes tentaram manter os membros informados em relação a todos os aspectos das cooperativas. As actividades do dia-a-dia e os assuntos políticos eram resolvidos por consenso. Este facto garantiu que todos os trabalhadores participassem activamente no funcionamento da cooperativa.

Na cooperativa, a democracia foi praticada através de meios formais e informais. Os meios formais incluíam as Assembleias dos Órgãos Gerais da cooperativa, onde os relatórios eram apresentados para discussão e as políticas eram determinadas. Existiam regularmente eleições para o Conselho de Gestão. O resultado das eleições na cooperativa de construção naval era sempre unânime. O número de membros era reduzido, sendo possível aos líderes tentarem chegar a um consenso sobre os lugares no Conselho de Gestão.

A cooperativa de cabos de alumínio tinha, comparativamente, um maior número de trabalhadores e as eleições eram disputadas, apesar dos seus estatutos preverem que só os que se dedicassem ao empreendimento podiam contestar as eleições. Apesar de puderem votar, os membros que não trabalhassem na cooperativa não podiam contestar as eleições. Em todas as cooperativas, os membros do Conselho de Gestão eram substituídos por intermédio da realização de eleições, dando assim oportunidade a um maior número de membros de tomar parte no processo de decisão. Os métodos informais incluíam manter discussões e agendar reuniões com os sindicatos, com o objectivo de explicar aos trabalhadores o funcionamento da cooperativa. Este método possibilitou uma maior compreensão dos problemas da cooperativa. Os trabalhadores também podiam dar sugestões sobre a melhor forma de gerir a cooperativa.

A democracia interna estava bem implantada na cooperativa de maquinaria de arame. As decisões políticas eram tomadas pelo Conselho de Gestão. Neste Conselho, existia um pequeno grupo que parecia dominar o processo de decisão. Inicialmente, este facto deu a impressão que este grupo de cinco membros estava a tomar todas as decisões em nome da cooperativa. No entanto, posteriormente, descobrimos que este grupo consultava os trabalhadores antes de tomar as decisões mais importantes, ou mantinha os trabalhadores informados acerca de todas as decisões.

O funcionamento democrático tornou-se um problema na cooperativa de tipografia, uma vez que os seus membros estavam divididos. As reuniões dos órgãos gerais desta cooperativa terminavam invariavelmente num caos, uma vez que as posições entre os dois grupos estavam claramente demarcadas. Na altura em que efectuámos este estudo, os novos membros, com a ajuda da influência política dos líderes locais do CPI(M), conseguiram que o Departamento Cooperativo nomeasse um administrador para a cooperativa, uma vez que o Conselho de Gestão era incapaz de tomar qualquer decisão ou aprovar qualquer resolução. Assim sendo, a situação interna da cooperativa enfraqueceu o seu funcionamento democrático.

4.3. O papel do Estado

Outro aspecto importante é o papel do Estado. No caso das cooperativas de colectores de lixo, o Estado nem ajudou nem impediu a sua formação. Ao mesmo tempo, existiam outras situações, como a perseguição por parte das autoridades locais e o termo dos contratos para recolher papel velho dos gabinetes governamentais, que podem ser consideradas aspectos negativos da interferência do Estado. As cooperativas foram capazes de ultrapassar estes problemas através da acção do sindicato. Enquanto sindicato, a influência da SEWA vai para além da filiação dos colectores de lixo e, assim, o seu peso colectivo é elevado. Por isso, o apoio da SEWA como sindicato foi em grande parte responsável pela superação das situações adversas enfrentadas pelas mulheres colectoras de lixo.

A situação dos trabalhadores cooperativos em Calcutá era mais complexa. A intervenção do Estado era necessária para a sua formação. O apoio do Estado adveio sobretudo do apoio político de que gozavam os seus sindicatos. No entanto, depois das cooperativas serem formadas, o apoio do Estado foi retirado. Os trabalhadores tiveram que se defender a eles próprios. Outra característica que sobressai é a da corrupção. Para além de não obterem as garantias prometidas para contraírem empréstimos, as cooperativas descobriram que tinham de pagar subornos a diversas agências governamentais para obterem as encomendas e cobrarem as dívidas. Isto apesar do facto do governo estatal ter uma regra em que se deve dar às cooperativas preferência na obtenção encomendas.

A corrupção poderia ter sido neutralizada se o sindicato (CITU) tivesse tomado, a nível estatal, uma posição de resistência a estas práticas. O sindicato assegurou que estas cooperativas obtivessem a preferência prometida pelos governos estatais e pressionou o Estado para efectuar os pagamentos às cooperativas de forma célere. Infelizmente, isso não se verificou. Há uma diferença entre o apoio dos líderes locais do CITU às suas cooperativas e a posição do CITU a nível estatal. De facto, nem o CITU nem o CPI(M) realçaram as realizações destas cooperativas nas conferências do Estado ou nos seus relatórios anuais. A sua abordagem surgia como: os trabalhadores cooperativos podiam ser tolerados, mas não tinham qualquer valor. Esta abordagem é inoportuna porque, embora o CITU e o CPI(M) proclamassem serem organizações marxistas, pareciam não ter consciência dos pontos de vista positivos de Marx em relação aos trabalhadores cooperativos. Por outro lado, o relatório anual da SEWA faz uma referência especial às realizações e aos problemas das cooperativas que ela apoiou.

Em conclusão, podemos afirmar que, apesar de todos os problemas e deficiências, estas cooperativas demonstraram que, se lhes for dada a essa oportunidade, trabalhadores comuns são capazes de assumir o controlo dos meios de produção. Os trabalhadores cooperativos em Calcutá tentaram, dentro das suas limitações, proteger os postos de trabalho e a produção através do seu esforço colectivo. A sua determinação, que ficou demonstrada pelo seu esforço, e pode ser aferida no facto da cooperativa ter existido durante vários anos, apesar das contrariedades verificadas. Os colectores de lixo, organizados pela SEWA em Ahmedabad, demonstraram que os sectores mais pobres e socialmente marginalizados podem melhorar a sua condição económica e social através do movimento cooperativo.

 

Bibliografia

 

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