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Rodrigo Uprimny e Mauricio García-Villegas

Tribunal Constitucional e emancipação social na Colômbia*

(texto não editado)

 

Introdução

Este capítulo pretende avaliar o potencial de emancipação de algumas decisões do Tribunal Constitucional colombiano consideradas progressistas. Nos últimos nove anos, este Tribunal teve um grande protagonismo na vida política colombiana. Além disso, em termos gerais, o Tribunal foi peremptório na protecção dos direitos das pessoas e das minorias, assim como na intenção de controlar os abusos por parte das autoridades e dos poderosos. Posto isto, o trabalho do Tribunal não foi enorme apenas pelo número de sentenças e pela variedade de temas que abordou, mas também, de certa forma, porque surpreendeu a sociedade colombiana devido à sua orientação progressista. Isto explica que o Tribunal tenha ganho um certo apreço e prestígio em sectores e grupos sociais que são muito críticos face a outros organismos do Estado, mas que vêem nas decisões do Tribunal uma das poucas possibilidades reais de encontrarem protecção para os seus direitos.

Esta experiência constitucional colombiana é atípica e não parece ter uma forte relação com o contra-hegemónico: por um lado, estes casos nascem numa instituição do Estado liberal capitalista contemporâneo e, por outro lado, operam através do direito, considerado como o instrumento mais essencial da dominação em tal modelo de Estado. Como foi isto possível na Colômbia? Não será por acaso um contra-senso falar de emancipação contra-hegemónica a partir do Estado? Estaríamos então na presença de uma espécie de «emancipação hegemónica»? O nosso propósito será o de explicar de que forma e com que limitações estes são interessantes casos de emancipação que adquiriram uma importância inusitada não só na Colômbia mas também noutros países semiperiféricos.

A forma como organizámos este capítulo obedece, em boa parte, à metodologia empregue. Considerámos que era impossível avaliar sistematicamente todo o trabalho do Tribunal, mas, de igual forma, julgámos necessário analisar, em termos empíricos, o impacto das suas decisões. Por isso decidimos combinar a reflexão teórica com o estudo de alguns casos que nos pareceram significativos. Inicialmente apresentámos então as posições mais relevantes do debate teórico sobre as possibilidades de realizar mudanças através do direito (secção 1). Tratámos de pôr a «dialogar» os argumentos provenientes de tal debate com os casos que temos estudado a partir da jurisprudência constitucional colombiana e, por conseguinte, com a nossa visão da realidade social e institucional (secções 2 e 3). Neste exercício tentámos aproveitar a riqueza analítica da discussão teórica nos países centrais com o objectivo de elaborarmos um quadro conceptual novo, a partir do qual fosse possível entender a relação entre direito e emancipação social em países semiperiféricos e de forma particular na Colômbia, e as possibilidades e limites da justiça constitucional a este respeito (secções 4 e 5).

 

 

1. Debate teórico

O estudo da dimensão emancipatória das decisões tomadas por juízes constitucionais na Colômbia é um tema menos particular do que à simples vista possa parecer. A partir de meados da década de 80 os juízes adquiriram um papel de protagonismo em boa parte dos regimes democráticos do mundo, a tal ponto que alguns autores falam de uma tradução da carga de legitimação democrática das instâncias políticas para as judiciais (Santos, 2001a). Os maiores protagonistas foram, por um lado, os juízes penais na luta contra a corrupção política e, por outro, os juízes constitucionais na defesa dos direitos fundamentais. Os Tribunais Constitucionais tiveram especial importância nos países da Europa de Leste e em muitos outros que se encontram em processo de transição para a democracia. Estes Tribunais têm desempenhado um papel chave, muitas vezes em contramão relativamente ao previsto pelo sistema político vigente e às vezes até mesmo contra a lógica do mercado capitalista. Isto implica uma judicialização dos conflitos políticos o que, por sua vez, arrasta consigo uma politização dos conflitos judiciais (Santos, 2001a). Os Tribunais Constitucionais da Hungria e da África do Sul são os exemplos mais conhecidos, mas outros casos igualmente importantes são o Supremo Tribunal da Índia, da Rússia, da Coreia e da Colômbia, tal como demonstraremos neste capítulo.

Porém, o carácter contra-hegemónico do protagonismo judicial deve ser analisado com cautela, uma vez que já há mais de uma década que as principais agências internacionais para o desenvolvimento, as quais não representam propriamente um símbolo da luta contra-hegemónica, dedicam o essencial dos seus recursos à promoção do poder judicial. Esta cautela é necessária nomeadamente no âmbito da justiça consuetudinária, penal e civil, dado serem os âmbitos privilegiados deste fenómeno de globalização judicial. Com efeito, uma boa parte destes recursos internacionais destina-se ao incremento da eficiência daqueles processos judiciais mais requeridos pelo mercado capitalista, e, consequentemente, pode-se estabelecer uma empatia prima facie entre eficiência judicial e interesses hegemónicos. A situação parece ser diferente no que se refere aos juízes constitucionais, em primeiro lugar, porque eles não têm sido beneficiários privilegiados dos recursos económicos mencionados e, em segundo lugar, porque as suas decisões costumam incidir sobre interesses hegemónicos essenciais, como se constatará mais adiante no caso colombiano. É, pois, importante não confundir o sentido destes desenvolvimentos paralelos: por um lado o aumento da eficácia judicial destinada preferencialmente à protecção de interesses capitalistas globalizados e, por outro, o protagonismo judicial contra a corrupção e as violações dos direitos fundamentais. Trata-se de lógicas diferentes e inclusivamente contrárias em termos gerais, embora em certas circunstâncias possam fortalecer-se reciprocamente.

Feita esta advertência, voltemos ao problema teórico. Em que medida as decisões judiciais podem engendrar mudanças sociais significativas? Será a luta jurídica perante os tribunais uma estratégia profícua para os movimentos sociais e para a esquerda política? Será o direito uma ferramenta eficaz para a emancipação social? Foram estas as questões que orientaram o debate sobre juízes e mudança social que teve lugar na década de 80 nos Estados Unidos da América. Na década anterior boa parte da luta política tinha sido encaminhada para a conquista de reformas jurídicas ou de decisões judiciais que pudessem constituir um obstáculo contra a discriminação. Esta estratégia ficou conhecida como o Civil Rights Movement. Uma década depois, os académicos tiveram de proceder à avaliação desta experiência (civil rights experience). Por um lado estavam aqueles autores que, desde a sociologia do direito, defendiam a ideia de que através das decisões judiciais podiam ser atingidas mudanças sociais significativas (Rosenberg, 1991:21-30). Contra esta orientação, os Estudos Críticos do Direito adoptaram um posicionamento céptico face às lutas jurídicas. Na opinião dos críticos, a luta pelos direitos civis não tinha produzido os resultados esperados.

Nos Estados semiperiféricos o debate direito/mudança social coloca-se em termos menos instrumentais que nos países centrais, isto é, menos ligados à lógica que relaciona propósitos jurídicos, meios e resultados. O facto pode ser explicado de diversas formas: a primeira tem origem no facto de que, na periferia, a distinção clássica entre Estado e sociedade civil - tanto como outras distinções daqui derivadas: direito/sociedade, público/privado, direito/política - costuma ser ainda mais problemática do que nos países centrais e, consequentemente, a autonomia do discurso jurídico relativamente a outros discursos sociais e institucionais costuma ser mais precária. O direito, e particularmente o direito público, tem uma menor autonomia relativa em relação ao sistema político. O jurídico adquire, em boa parte, a dinâmica do político, de tal forma que existe uma espécie de isomorfismo entre discursos políticos - que correspondem menos à representação de interesses sociais que a meros debates ideológicos - e normas jurídicas que obedecem menos às necessidades técnicas de regulamentação social que a necessidades políticas de legitimação institucional. A segunda razão é mais específica e está ligada à anterior; consiste em que nestes países o direito estatal é um instrumento de incidência social mais precário do que costuma ser nos países centrais. Dois factos evidenciam tal precariedade; por um lado a marcada diferença existente entre o direito escrito (law-in-books) e o direito aplicado (law-in-action); uma boa parte do direito escrito ou fracassa em termos instrumentais ou é criado com o objectivo de cumprir propósitos diferentes daqueles para os quais foi concebido. O segundo facto refere-se ao pluralismo jurídico, isto é, o da existência de múltiplas fontes oficiais e não oficiais de regulamentação, as quais, com frequência, se relacionam em complexas interpenetrações.

A Colômbia segue esta tendência geral dos países semiperiféricos, isto é, a redução da autonomia do sistema jurídico não apenas no que respeita ao sistema político, consequência derivada da intrumentalização política do direito, como também ao sistema social, consequência da ineficácia jurídica e do pluralismo jurídico. Porém, esta tendência encontra-se mais acentuada na Colômbia. À falta de raízes sociais da política que caracteriza a totalidade do sub-continente, há que acrescentar três elementos agravantes intimamente relacionados: 1) o relativo fracasso das tentativas governamentais de aprofundamento da democracia social, tanto pela via da reforma agrária (Findley, 1972: 923; Gros, 1988; Pinto, 1971), como pela via dos direitos sociais; 2) a desvalorização do sistema democrático como consequência da sua militarização através do estado de excepção e do seu carácter político fortemente excludente e clientelista e 3) a estreita relação que existe na Colômbia entre o desarreigamento do discurso político e violência através da história política nacional (Pécaut, 1978, 1997; Deas, 1995).

Três esclarecimentos adicionais atenuam um pouco esta imagem, talvez excessivamente politizada do direito colombiano em favor do Estado: em primeiro lugar, a «hiperjurisprudência» da vida institucional colombiana obedece não apenas a uma estratégia institucional de legitimação mas também a uma tradição civilista que vem desde a independência e que tornou possível um certo controlo do poder executivo através de decisões judiciais e do sistema eleitoral. A criação do Tribunal Constitucional colombiano, por exemplo, não teria sido possível se não tivesse havido uma longa e antiga tradição de aceitação do controlo de constitucionalidade das leis que existem no país. Em segundo lugar, e relacionado com o anterior, a utilização do direito com fins de legitimação institucional na Colômbia é efectiva na medida em que pelo menos se logra atingir um grau mínimo de eficácia instrumental (Edelman, 1971; Bourdieu, 1986: 14). Não se deve esquecer que uma estratégia habitual de legitimação política consiste em fazer do direito o que este diz querer fazer, isto é, em conseguir que o direito seja eficaz. Finalmente, e é isto o mais pertinente para o tema do nosso capítulo, é preciso ter em conta que, embora a produção do direito com fins de legitimação tenha sido uma estratégia mais ou menos fecunda de dominação social, é também uma arma de dois gumes na medida em que, eventualmente, os símbolos de mudança social e protecção dos direitos que ela representa podem vir a ser propriedade de movimentos sociais, de indivíduos ou até de instituições do Estado e, de maneira particular, de juízes que levam a sério o direito e utilizam-no como um instrumento de resistência ou emancipação contra o poder hegemónico. Neste caso, a força interna ou jurídica do Estado pode ser um elemento útil para articular práticas sociais emancipatórias ou no mínimo um instrumento de resistência ao poder hegemónico. O Tribunal Constitucional movimenta-se então nessa zona fronteiriça entre a debilidade institucional e as práticas sociais emancipatórias.

 

2. As razões do activismo progressista do Tribunal

O activismo progressista do Tribunal Constitucional colombiano suscita em princípio a seguinte interrogação: tendo em conta que os escassos estudos comparados sobre instituições judiciais ressaltam que os tribunais e o direito tendem a ser conservadores e a servir de reflexo e de protecção dos interesses dominantes existentes, que elementos poderão então explicar a tendência progressista e de protagonismo do Tribunal Constitucional colombiano? A resposta não é fácil, mas existem alguns elementos que poderiam explicar essa evolução.

O Tribunal Constitucional foi criado pela nova Constituição, aprovada pela Assembleia Constituinte de 1991. Porém, a Colômbia já tinha uma longa tradição de controlo judicial de constitucionalidade, pois já em 1910 tinha sido reconhecida ao Supremo Tribunal de Justiça a possibilidade de declarar, com poder geral, a insconstitucionalidade de uma lei. Por conseguinte, quando o Tribunal Constitucional começou a funcionar, em 1992, a cultura jurídica e política colombiana estava já muito familiarizada com a judicial review, ao ponto de não parecer estranho a quase ninguém que esse tribunal tivesse a faculdade de anular leis aprovadas no Parlamento. O Tribunal podia pois começar a actuar vigorosamente, sem temer que o Executivo ou as forças políticas decidissem encerrá-lo, contrariamente ao que havia acontecido noutros países, onde a primeira tarefa do tribunal constitucional teve de ser a conquista da legitimidade para a sua função.

Em segundo lugar, o próprio desenho processual faz com que na Colômbia o acesso à justiça constitucional seja muito fácil e de pouco custo. Assim, desde 1910, existe a acção pública, em virtude da qual, qualquer cidadão pode solicitar que se declare a inconstitucionalidade de uma lei qualquer, sem precisar de advogado ou de qualquer outro formalismo especial. A Constituição de 1991 criou também a acção de tutela, em virtude da qual qualquer pessoa pode, sem nenhum requisito especial, solicitar a qualquer juiz a protecção directa dos seus direitos fundamentais. Daí que seja relativamente fácil para os cidadãos converter uma reclamação numa discussão jurídica que deve ser constitucionalmente decidida, e num tempo bastante curto, pela justiça constitucional. E, como já o demonstraram estudos judiciais comparados, disto decorrem também maiores possibilidades de acesso aos tribunais e maior influência política dos mesmos (Jacob et al, 1996: 396 e ss.).

Em terceiro lugar, os desenhos processuais da justiça constitucional conferem igualmente um enorme poder jurídico ao Tribunal. Na prática, graças à faculdade de revogar, por razões constitucionais, as decisões de outros juízes, o Tribunal acaba por se impor como um supertribunal. E isto também facilita o seu activismo, uma vez que, como a sociologia comparada mostrou, tende a haver maior protagonismo judicial de topo nos países onde um único tribunal concentra a maior parte das atribuições e é supremo, como nos Estados Unidos da América, do que naqueles países, como a França, onde esse poder se encontra distribuído por distintos tribunais e jurisdições (Jacob et al, 1996).

Além desses elementos jurídico-institucionais, existem dois factores político-estruturais que estimularam o activismo do Tribunal: a crise de representação e a debilidade dos movimentos sociais e dos partidos da oposição.

O desencanto dos colombianos pela política levou a que certos sectores exigissem do poder judicial respostas a problemas que em princípio deveriam ser debatidos e resolvidos, graças à mobilização cidadã, nas esferas políticas. O fenómeno não é exclusivo do nosso país (Santos et al, 1995), mas no caso colombiano a debilidade dos mecanismos de representação política é mais profunda, o que possibilitou um maior protagonismo do Tribunal. Em muitas ocasiões, o que acontece não é que esse Tribunal se defronte com os outros poderes, mas sim que passe a ocupar o vazio que estes deixam; e essa intervenção torna-se legítima perante amplos sectores da cidadania que consideram que pelo menos existe um poder que actua de forma progressista e ágil.

Por outro lado, a Colômbia tem uma tradição histórica de movimentos sociais débeis em comparação com outros países periféricos ou latino-americanos. Além disso, nos últimos anos a violência tem vindo a aumentar consideravelmente os custos e os riscos de acção, dado terem sido assassinados muitos líderes e activistas. Estes dois factores - debilidade histórica e riscos crescentes - tendem a fortalecer o protagonismo judicial, e especialmente o do Tribunal Constitucional. Com efeito, se o acesso à justiça constitucional for barato e fácil, e os juízes constitucionais tenderem à adopção de medidas progressistas, é natural que muitos grupos sociais se sintam tentados a preferir o emprego das argúcias jurídicas, em vez de recorrer à mobilização social e política que na Colômbia apresenta enormes riscos e custos.

É isto o que poderia explicar o activismo do Tribunal; mas porque assume esse Tribunal um comportamento progressista, quando teria podido desenvolver um activismo de outra natureza? É para responder a esta interrogação que adquirem muita relevância as próprias características do processo de transição constitucional.

A Constituição de 1991 não é fruto do triunfo duma revolução, mas aparece, sim, dentro de um contexto histórico muito complexo, como tentativa de estabelecer um pacto de ampliação democrática, afim de enfrentar a violência e a corrupção política. Nestas circunstâncias, na Assembleia Constituinte tiveram uma participação muito importante forças políticas e sociais tradicionalmente excluídas da política eleitoral colombiana, como são os representantes de alguns grupos guerrilheiros desmobilizados, dos indígenas e das minorias religiosas. A composição da Assembleia foi pois muito pluralista para os padrões eleitorais colombianos. Consequentemente, o diagnóstico subjacente de muitos delegatários foi que a falta de participação e a debilidade na protecção dos direitos humanos eram os factores básicos da crise colombiana. Isto explica alguma das orientações ideológicas da Carta de 1991: a ampliação dos mecanismos de participação, a imposição ao Estado de deveres de justiça social e igualdade juntamente com a incorporação de uma extensa carta de direitos e de novos mecanismos judiciais para a sua protecção. A Constituição de 1991 não é, por conseguinte, seguindo a terminologia de Teitel, «backward looking» mas sim «forward looking» (1997: 214) porque, mais do que tentar codificar as relações de poder existentes, esse documento jurídico tende a projectar um modelo de sociedade a construir.

E é tudo isto o que explica a generosidade desta Constituição em matéria de direitos, não se limitando apenas a recolher os direitos civis e políticos mas a conferir uma grande força normativa aos direitos sociais e aos denominados direitos colectivos ou de terceira geração. Isto vem favorecer um certo activismo judicial em favor dos direitos da pessoa que, muito embora antes não fosse impossível, tinha menor poder normativo no precedente ordenamento constitucional.

Uma intervenção activista do Tribunal para desenvolver as componentes progressistas da Constituição não teria sido necessária se as próprias forças políticas tivessem empreendido uma tal tarefa. Porém, o que aconteceu foi que muitos dos actores sociais e políticos que dominaram a Assembleia Constituinte de 1991 enfraqueceram nos anos posteriores, de forma considerável e rápida. As forças que dominaram o Parlamento e o panorama eleitoral a partir de 1992, embora não sendo claramente inimigas da Constituição de 1991, que desfrutava do apoio crescente dos cidadãos, não se sentiam porém comprometidas no seu desenvolvimento.

Por outro lado, verificou-se também uma forte tensão entre o conteúdo social da Constituição e as estratégias de desenvolvimento que os governos colombianos puseram em marcha desde 1990. Assim, enquanto a Constituição, em certa medida exigia mais Estado e uma intervenção redistributiva das autoridades, os governos punham em funcionamento planos de desenvolvimento que tendiam a diminuir a presença social do Estado e a favorecer os mecanismos de mercado na atribuição dos recursos. Talvez o âmbito mais dramático - mas não o único - dessa tensão foi o do direito laboral: enquanto a Carta de 1991 constitucionalizava importantes garantias laborais e sindicais, e conferia força jurídica interna aos Convénios da OIT, o Governo Gaviria (1990-1994) impulsionava uma reforma laboral que dava uma machadada sobre a estabilidade no emprego.

A pouco e pouco foi-se criando uma tensão crescente entre a Constituição normativa (o texto, os valores e os direitos proclamados na Carta) e a Constituição real (a relação entre as forças políticas). (Gómez, 1995). O enfraquecimento na Assembleia das forças políticas que tinham redigido a Constituição e as estratégias neo-liberais de desenvolvimento promovidas pelo Governo fizeram com que uma das poucas instituições com possibilidade de desenvolver o conteúdo da Carta de 1991 fosse o Tribunal Constitucional. E este, após as primeiras sentenças, decidiu assumir com vigor essa função. Nestes anos decorridos, o Tribunal tendeu, pois, vagarosamente, à auto-representação como executor dos valores de liberdade e justiça social encarnados na Constituição, o qual lhe permitiu ganhar uma importante legitimidade em certos sectores sociais. Mas sempre se vem movimentando no fio da navalha, já que esse progressismo explica também as críticas ferozes de outros sectores, em geral ligados a grupos empresariais ou ao Governo, que atacam a jurisprudência do Tribunal por considerá-lo populista e ingénuo. Estes actores têm tentado além do mais, até agora sem sucesso, numerosas reformas para acabar com o Tribunal, ou, no mínimo, para limitar consideravelmente as suas competências. Assim, em certas ocasiões, enquanto alguns sectores da Assembleia da República tentavam reformas constitucionais para limitar o poder do Tribunal, o mesmo era objecto de apoios públicos por parte de representantes e líderes de alguns movimentos sociais. A nossa hipótese para explicar o activismo progressista do Tribunal poderia pois ser sintetizada desta forma: os projectos da justiça constitucional colombiana e a cultura jurídica tornam possível institucionalmente um importante activismo do Tribunal. A crise de representação e a debilidade dos movimentos sociais favorecem o recurso a mecanismos jurídicos por parte de certos actores sociais. O texto aprovado em 1991 estimula também uma visão progressista pelo Tribunal, o qual, devido ao vazio gerado pelo enfraquecimento das forças constituintes, tende a ver-se como o poder a quem compete executar os valores contidos na Constituição. Esse progressismo do Tribunal é, por sua vez, possível devido à debilidade das forças que estão contra ele e das tentativas de contra-reforma constitucional.

É indubitável que tudo isto poderia não ter acontecido. A Constituição de 1991 e a sua longa carta de direitos teriam podido possuir uma eficácia puramente retórica e legitimadora da ordem dominante, como tinha ocorrido nos anos 70 aquando da aprovação dos pactos de direitos humanos que nunca foram aplicados pelos juízes colombianos. Mas alguns magistrados do Tribunal decidiram aproveitar o contexto político que temos descrito e dar um impulso aos conteúdos emancipadores da Carta. E conseguiram fazê-lo, no mínimo ao nível jurídico, embora, como temos visto, com muito esforço e dificuldade. E, mais que isto, durante todo este processo, houve momentos que retrospectivamente mostram que as coisas poderiam ter sido diferentes. Alguns factos puramente conjunturais e casuais exerceram uma influência decisiva. Por exemplo, algumas decisões progressistas e polémicas do Tribunal foram decididas por uma estreita margem de 5 contra 4. Uma alteração mínima na composição do Tribunal teria evidentemente feito triunfar as teses opostas. Ora bem, é sabido que alguns magistrados considerados progressistas ganharam a sua eleição na Câmara do Senado por uma margem muito estreita frente a outros candidatos de orientação política e jurídica conservadoras. Teria bastado que um desses magistrados progressistas não fosse eleito para que algumas linhas de jurisprudência do Tribunal não tivessem chegado a existir. Da mesma forma, noutros momentos, algumas tentativas de supressão de competências muito importantes do Tribunal estiveram quase a triunfar. Porém, até agora, o Tribunal tem conseguido preservar as suas competências e um activismo progressista. E é dessa forma que a pouco e pouco tem vindo a produzir-se uma espécie de aliança contra-hegemónica tácita entre o Tribunal Constitucional - ou pelo menos entre alguns magistrados do mesmo - e certos sectores sociais excluídos ou atropelados para desenvolver os valores emancipatórios consagrados na Carta de 1991 (Cepeda, 1998: 76).

 

3. Casos

Poderia então ser o anterior contexto colombiano a explicar esse certo activismo progressista do Tribunal? Mas qual foi o impacto efectivo dessa jurisprudência? Para avaliarmos este ponto, decidimos analisar quatro casos cuja importância intrínseca não se deve apenas à transcendência das decisões do Tribunal e dos movimentos sociais implicados, mas também à própria diversidade dos casos, o que poderia permitir uma reflexão comparada e contextual sobre o potencial emancipatório da justiça constitucional.

3.1. O movimento indígena

Nenhum outro movimento social na Colômbia durante os últimos trinta anos tem paralelo com o dos indígenas, pela combatividade, força e conquistas (Gros, 1993: 11). Para além do mais, entre os movimentos indígenas da América Latina, o colombiano é, de longe, o que mais benefícios jurídicos e políticos conseguiu (Gros, 1994: 118). Isto é mais surpreendente ainda se tivermos em conta que a população indígena colombiana é muito reduzida quando comparada com a percentagem de indígenas noutros países latino-americanos como a Bolívia, o México ou o Equador, e que, além disso, é uma população muito dispersa pelo país e culturalmente muito heterogénea (Rappaport, 2000: 8). Como explicarmos então essa força e essas conquistas? Talvez se devam justamente ao facto de ser muito baixa a percentagem de população indígena na Colômbia e ao facto das concessões feitas pelo governo não representarem um preço inaceitável face à legitimação política conseguida. É isto que explica que no seio das elites dominantes haja uma falta de oposição ao processo de reconhecimento e protecção das culturas indígenas iniciado com a Constituição de 1991.

A especificidade da situação colombiana encontra-se no último dos elementos apontados, isto é, na vontade política do Estado, manifestada inicialmente através do apoio do Governo à causa indígena na Assembleia Nacional Colombiana e posteriormente nas decisões do Tribunal Constitucional em idêntico sentido. A este respeito, o Tribunal tomou importantes decisões. Entre outras destacamos as seguintes: o Tribunal vem protegendo o direito à autonomia cultural do povo U’Wa contra as pretensões da empresa multinacional Oxi e do governo colombiano de explorar petróleo em lugares considerados pelo povo U’Wa como formando parte do seu território, com fundamento na concepção deste povo segundo a qual a terra, e com ela o subsolo e o petróleo, é sagrada. O Tribunal tem limitado o direito à liberdade de expressão religiosa de alguns indígenas Aruacos convertidos a seitas protestantes que pretendiam fazer proselitismo religioso dentro do território indígena, contrariamente ao disposto pelas autoridades tradicionais. O Tribunal tem respeitado a decisão por parte das autoridades tradicionais do povo de impor castigos físicos como pena pela prática de delitos, contra o disposto pelo código penal colombiano.

Os elementos mais característicos e fecundos das lutas recentes dos indígenas estão ligados às decisões do Tribunal Constitucional. Estes elementos são: ênfase nos direitos culturais sobre as considerações económicas; aliança entre os denominados «intelectuais indígenas» e o Tribunal Constitucional propiciada justamente por essa ênfase (Rappaport, 2000: 31) e internacionalização da luta política indígena. Em termos gerais, os líderes indígenas entrevistados estiveram de acordo na hora de afirmar que as conquistas obtidas durante este último período «não se teriam atingido sem contar com o apoio do Tribunal Constitucional», que nenhuma outra instituição do Estado tem sido tão favorável ao movimento indígena (LZ: 24; RB: 2), que uma boa parte das decisões jurisprudenciais sobre indígenas têm sido recebidas pelas comunidades como «triunfos políticos» (EA: 26), que com frequência o Tribunal tem sido mais generoso do que o esperado (RB: 4), ou que, no mínimo,«tem cumprido o previsto na Constituição de 1991» (RB: 3), que as suas decisões servem para que os indígenas «tomem consciência dos seus direitos» (RB: 3), para unir os povos indígenas (C: 7), para tornar «mais visíveis as suas lutas» (LZ: 23), etc. Porém, o fortalecimento da luta jurídica não deixa de suscitar controvérsia no interior do movimento indígena. Duas tendências ficam em confronto: de um lado apresentam-se aqueles líderes que, assumindo uma atitude pragmática, consideram que os interesses do movimento são mais favorecidos quando se adopta uma estratégia de negociação com o governo, sem que isso implique ceder em matéria fundamental. Outros, pelo contrário, a partir de um posicionamento que poderíamos denominar integrista, desconfiam de qualquer concessão que emane das instituições e nesse sentido utilizam o direito apenas como mais um instrumento de pressão, sem que isso implique uma aceitação do direito do Estado. Esta tensão, que nunca se apresenta como uma ruptura definitiva, tem vindo a criar dificuldades de comunicação entre líderes tradicionais, dificuldades de representação, dificuldades de estratégia e dificuldades de comportamento político.

 

3.2. O movimento sindical

O movimento sindical na Colômbia tem uma longa história de lutas que se iniciam nas primeiras décadas do século XX (Urrutia, 1976). De maneira similar ao que acontece com o movimento indígena, a partir dos anos 60, a estratégia política dos sindicatos na Colômbia era essencialmente ideológica, de confronto e muito influenciada por uma concepção marxista da luta de classes. A Constituição de 1991 foi promulgada num momento de crise dos movimentos sociais e, em geral, da esquerda, momento esse que coincide com o aparecimento de novas lutas sociais geralmente orientadas para o reconhecimento das minorias. O movimento sindical teve dificuldades para se adaptar a este novo tipo de luta política - mais centrada no reconhecimento do que no económico (Fraser, 1998) - devido não só à natureza essencialmente económica dos seus interesses como também ao peso que a tradição de luta operária continua a ter entre os sindicalistas colombianos. Porém, as decisões do Tribunal em matéria de igualdade têm facilitado como nenhum outro facto a adaptação às novas necessidades políticas. Antes da Constituição de 1991, a estratégia legal dos sindicatos ficava reduzida à defesa dos seus direitos através da negociação de convénios colectivos de trabalho. No processo de deterioração crescente da legislação laboral devido às políticas neo-liberais de contratação e despedimento, esta estratégia ficou limitada à sua mínima expressão e foi a defesa jurídica que ganhou força neste contexto, fundamentalmente através do uso da tutela. Esta nova estratégia difunde uma nova cultura da negociação entre os sindicatos; uma cultura mais pragmática e menos centrada em princípios ideológicos imutáveis.

Esta mudança de perspectiva na acção política dos sindicatos foi facilitada pela ampliação do conceito jurídico que resulta das decisões do Tribunal Constitucional nas quais se protegem os direitos dos trabalhadores a partir dos próprios princípios constitucionais e não da lei laboral. Com efeito, o Tribunal, através da acção de tutela, desaprovou certas práticas discriminatórias contra os trabalhadores sindicalizados, práticas que, não obstante, não violavam qualquer norma do código laboral. Assim, por exemplo, o Tribunal ordenou a reintegração de trabalhadores sindicalizados que tinham sido despedidos, cumprindo-se todos os requisitos legais, mas violando-se o princípio de igualdade pelo facto de terem sido despedidos apenas aqueles trabalhadores que estavam sindicalizados. Num caso paralelo, o Tribunal ordenou a readmissão de 209 trabalhadores sindicalizados da «Empresas Varias de Medellín» com fundamento num conceito da Organização Internacional do Trabalho (Decisão T-568 de 1999).

A luta jurídica dos operários perante o Tribunal Constitucional é geralmente considerada pelos líderes sindicais como um factor de esperança, nunca sentida anteriormente, no meio de uma situação de contínuo deterioramento dos direitos dos trabalhadores. A crise económica, a política estatal de redução de pessoal e a situação de violência e insegurança que caracterizam a defesa dos direitos dos trabalhadores, afectaram gravemente a estratégia política dos sindicatos e nessa mesma medida propiciaram decisões do Tribunal Constitucional que foram compreendidas como um salva-vidas (AV: 2) ou como um remédio de emergência (AV: 4). A imagem que os líderes operários têm sobre o Tribunal é pois a de uma instância jurídica única que vem pôr freio, com relativo sucesso, ao deterioramento das condições laborais dos últimos anos. Ao mesmo tempo, os líderes são conscientes de que o Tribunal não pode impor mudanças estruturais; pode, sim, travar parcialmente as investidas do Estado contra os seus direitos. Considera-se então que o Tribunal é um símbolo do qual devem apropriar-se os sindicatos para articular uma luta defensiva e eficaz (EG: 1; AV: 4). Ainda mais, os líderes operários concordam que a importância deste símbolo é circunstancial; isto é, deve-se à situação de falta de defesa em que se encontram hoje os sindicatos e que, por isso mesmo, a médio e longo prazo, será a luta política, e não a jurídica perante o Tribunal, que será fundamental e decisiva para os direitos dos trabalhadores (AV: 4).

3.3. Os direitos dos homossexuais

Foi a partir da Constituição de 1991 que começou a ser visível a presença dos homossexuais em defesa dos seus direitos. Paralelamente, a partir dessa data, e em especial depois de várias sentenças do Tribunal Constitucional, o tratamento jurídico da homossexualidade variou de forma substantiva. Assim aconteceu, por exemplo, em diversos regimes laborais, como os dos educadores e os das Forças Públicas, que previam que uma pessoa pudesse ser sancionada pelo facto de manifestar condutas homossexuais. O Tribunal tem vindo a atacar a discriminação sofrida pelos homossexuais em todos esses âmbitos. Embora tenham sido criticado certos aspectos da jurisprudência do Tribunal, considerados tímidos e insuficientes, em geral estas decisões são consideradas muito avançadas não apenas por muitos membros dos grupos gay na Colômbia mas também por estudiosos de outros países (Morgan 1999: 265). Qual o impacto que pode ter tido a jurisprudência do Tribunal para esse maior reconhecimento social e jurídico dos homossexuais, e vice-versa?

As entrevistas a vários activistas gay sugerem que alguns deles viram na orientação globalmente progressista do Tribunal uma possibilidade jurídica e política, e decidiram então colocar acções judiciais afim de que o Tribunal se pronunciasse sobre os direitos dos homossexuais. O impacto destas vitórias judiciais parece ainda ter transcendido o campo jurídico, na medida em que veio fortalecer a própria identidade e auto-respeito dos homossexuais uma vez que a linguagem das sentenças e o próprio facto desses assuntos serem abertamente abordados pelo supremo Tribunal Constitucional contribuiu para que o tema deixasse de ser tabu. A doutrina elaborada pelo Tribunal tem permitido também que, através de uma grande criatividade jurídica, os grupos homossexuais avancem na conquista dos seus direitos, inclusivamente naqueles campos onde não conseguiram triunfar directamente perante a justiça constitucional. Assim, o Tribunal admitiu que a lei limitasse a união marital aos casais heterossexuais, mas indicava que a Constituição não proibia as uniões homossexuais. Perante isto, com essa doutrina constitucional, um grupo jurídico elaborou um contrato de matrimónio para casais homossexuais que se celebra perante um notário. E a verdade é que já se celebraram os primeiros «matrimónios» entre homossexuais na Colômbia, facto este que parecia impensável antes das decisões emanadas do Tribunal. Finalmente, a doutrina elaborada pelo Tribunal, e a maior «visibilidade» do movimento gay fizeram com que alguns sectores da Assembleia da República tenham apresentado, ainda recentemente, um projecto para reconhecer plenamente os direitos dos homossexuais e bissexuais.

O uso criativo dos recursos jurídicos por parte de activistas homossexuais e as decisões progressistas do Tribunal melhoraram assim a situação jurídica destas pessoas e facilitaram uma maior aceitação social, de maneira que alguns deles chegaram a converter-se inclusivamente numa minoria politicamente activa. Porém, apesar de todos os avanços, a discriminação contra os homossexuais na Colômbia está longe de ter acabado. Em certos aspectos, tornou-se mais subtil. E isto relaciona-se com o facto da população tender a aceitar os homossexuais, em abstracto, mas manifestar dificuldades em conviver com eles. E é para combater essa discriminação que as acções constitucionais parecem apresentar uma menor eficácia. Por outro lado, e o que é mais grave ainda, na Colômbia continuam a subsistir formas atrozes de violência contra os homossexuais que, sobretudo nas camadas sociais mais baixas, são assassinados nas chamadas operações de «limpeza social». Finalmente, apesar de estarem mais visíveis e desenvolverem uma certa participação na política, torna-se difícil admitir que na Colômbia exista um movimento dos homossexuais sólido que defenda os seus direitos. No máximo o que existe são grupos, com interesses diversos, que se reúnem conjunturalmente para promoverem algumas marchas ou acções judiciais.

3.4. O Tribunal e os devedores hipotecários (UPAC)

A partir de 1997, a Colômbia entrou numa aguda recessão económica que, juntamente com certas decisões de política económica, colocava numa situação muito complicada cerca de 800.000 pessoas que se tinham endividado hipotecariamente para adquirirem a sua habitação pelo sistema UPAC (unidade de poder aquisitivo constante). Dois anos mais tarde, comentava-se que 200.000 famílias poderiam estar em risco de perderem a sua habitação própria.

Estes devedores hipotecários eram nomeadamente pessoas da classe média, que geralmente não participavam em protestos sociais. Porém, a situação chegou a ser de tal gravidade que os devedores começaram a associar-se para se defenderem e fazerem frente às entidades financeiras, organizaram algumas marchas pacíficas e formularam pedidos ao Governo e à Assembleia Nacional para que modificassem esse sistema de financiamento e perdoassem os devedores. Alguns devedores delinearam também formas de «desobediência civil» e recusaram continuar a pagar as prestações e a devolverem as habitações às entidades financeiras.

Muito rapidamente e, segundo alguns, devido à escassa receptividade do Governo e da Assembleia, os devedores e as suas associações recorreram também à estratégia judicial, e interpuseram acções perante o Tribunal Constitucional contra as normas que regulavam o sistema UPAC. Entre 1998 e 1999 o Tribunal proferiu várias sentenças sobre o sistema UPAC que, em geral, tendiam a proteger os devedores hipotecários. A UPAC ficou vinculada à inflação, foi proibida a capitalização de juros e foi ordenada uma reliquidação dos créditos hipotecários para aliviar assim a situação dos devedores. Além disso, o Tribunal ordenou que no prazo de sete meses fosse elaborada nova legislação que regulasse o financiamento para a compra de habitação própria.

A atenção dos mass media e da opinião pública sobre essas decisões foi considerável. Além disso, o Tribunal ficou no centro do furacão, porque, embora os devedores e alguns movimentos sociais apoiassem as suas decisões, os grupos empresariais, alguns sectores do Governo e numerosos analistas atacaram duramente o Tribunal Constitucional, criticando-o por exceder as suas funções e desconhecer o funcionamento de uma economia de mercado, pelo que propuseram que o Tribunal não pudesse pronunciar-se acerca da constitucionalidade da legislação económica.

Nesse contexto, a Assembleia Nacional discutiu e aprovou, nos finais de 1999, uma nova lei de financiamento de habitação, que incorporava, entre outras coisas, perdão aos devedores no valor de dois biliões de pesos (uns 1.200 milhões de dólares). É evidente que sem os acórdãos do Tribunal Constitucional, muito provavelmente não teria havido uma modificação imediata do sistema UPAC, apesar da crise social que estava a desencadear.

As organizações de devedores hipotecários nasceram como reacção a uma crise de pagamento e procuraram sobretudo soluções para não perderem as suas habitações. Embora estes devedores se tenham servido ocasionalmente de mobilizações de rua e outras formas de acção política, foi a estratégia judicial, e, especialmente, a interposição de recursos perante o Tribunal, o que acabou por ser dominante e definir o perfil do movimento como uma espécie de desobediência civil relativa, judicializada e apoiada em argumentos constitucionais. A transformação dessas queixas individuais em debates constitucionais perante o Tribunal permitiu que essas associações usufruíssem de um relativo sucesso e por isso viessem a crescer muito rapidamente.

A avaliação do potencial emancipador deste movimento de devedores hipotecários e da jurisprudência do Tribunal não é tarefa fácil. Não há qualquer dúvida de que foram as sentenças do Tribunal que permitiram um certo alívio financeiro a um importante número de devedores e que, talvez em consequência disso, não perdessem as suas casas. É igualmente certo que os devedores viram aumentadas as possibilidades de se defenderem face a eventuais acções de despejo. Finalmente, o litígio constitucional permitiu uma maior articulação entre os devedores e as suas associações numa espécie de movimento social de desobediência civil, de classe média, contra o sector financeiro e a política estatal de habitação. O movimento não foi, é óbvio, criado pela justiça constitucional; porém, esta propiciou o seu dinamismo quando conferiu não só visibilidade política aos devedores e às suas associações como modificou o sentido das suas intervenções; já não se tratava de queixas de devedores isolados, mas sim de uma tomada de posição colectiva, com o aval do Tribunal, que pôs em questão a política estatal de habitação e o comportamento das entidades financeiras.

Mas a estratégia mostrou também os seus riscos e limites. Assim, não fica claro que as decisões do Tribunal se venham a traduzir num maior acesso futuro à habitação por parte dos sectores pobres, uma vez que não só algumas medidas poderiam agravar ainda mais o sector da construção como também o Tribunal teria protegido, com custos fiscais importantes, sobretudo devedores hipotecários da classe média. O peso excessivo da estratégia jurídica tem limitado também as potencialidades destas associações de devedores, algumas das quais ter-se-iam convertido em simples centros de recepção de queixas específicas acerca das dificuldades de reliquidação dos créditos.

 

4. Potencial emancipatório da justiça constitucional

Na segunda parte deste capítulo mostrámos o surpreendente activismo progressista do Tribunal Constitucional assim como as causas que o propiciaram. Posteriormente apresentámos quatro estudos de casos nos quais se aprecia a forma como diferentes actores sociais, após terem sido beneficiários de decisões do Tribunal, têm conseguido articular práticas sociais emancipatórias.

Nesta secção final abordaremos o estudo da relação entre decisões judiciais progressistas e práticas sociais emancipatórias.

4.1. A eficácia das decisões progressistas do Tribunal

Na Colômbia os governos sempre tiveram uma forte propensão para utilizar o direito constitucional como uma arma de legitimação governamental. As dificuldades de manobra política transformaram o direito num discurso imprescindível para responder à procura de segurança e justiça social por parte dos cidadãos. Porém, com a promulgação da Constituição de 1991 esta estratégia política tornou-se ambivalente, uma vez que se, por um lado, se atingiram, pelo menos em parte, os propósitos de legitimação institucional, por outro, também se desencadearam expectativas sociais inimagináveis de grupos e movimentos sociais que incorporaram a luta judicial pelos direitos como parte essencial da sua luta política. É pois importante diferenciarmos estas duas facetas do direito progressista.

Em primeiro lugar, o direito pode ser usado para reactivar a esperança colectiva. A esperança numa sociedade melhor tem, como a maioria dos valores colectivos fundamentais, várias facetas: uma delas está relacionada com a aceitação e confiança no presente, a outra com a possibilidade de obter uma mudança futura a partir da acção. A primeira funciona como um remédio contra a rebeldia, a segunda como um remédio para o conformismo. As constituições progressistas são, por um lado, uma concessão do aparelho estatal em benefício das pessoas e, nesta medida, traduzem-se num remédio contra a rebeldia e, por outro, também significam uma possibilidade de melhoria efectiva dos direitos cidadãos, tal como as normas o manifestam, e nesta medida são uma promoção de mudanças e um remédio contra o conformismo. Uma estratégia governamental possível consiste em escalonar no tempo estes dois efeitos: elaboram-se com o intuito de se obterem benefícios políticos da aceitação popular, de maneira imediata, para depois lutar por uma intervenção e aplicação dos textos promulgados compatível com as possibilidades económicas, políticas e sociais que rodeiam a execução da norma. Na Colômbia, os governos têm jogado com a diacronia destes dois efeitos, um dos quais se obtém de forma imediata enquanto o outro se retarda no tempo.

Porém, esta não é a única possibilidade e aqui aparece a segunda faceta do direito progressista. A estratégia de produção do direito com fins de legitimação institucional poder ter um uso contrário ao pretendido, isto é, pode traduzir-se mais num remédio contra o conformismo do que num remédio contra a rebeldia. A eficácia desta estratégia origina-se na rejeição profunda que os cidadãos mostram a todo o enunciado que afecte os mais importantes topoi ou lugares comuns da convivência social, tais como a justiça ou a igualdade. O abuso suporta-se menos quando, além de ser conhecido, é mencionado; por isso, um poder político que pode manipular em seu favor uma situação na qual a injustiça se vê e se sente, encontra reduzida a sua margem de manobra quando, além de ser vista e sentida, a injustiça é dita. O que aconteceu com a criação do Tribunal Constitucional na Colômbia foi que, por um lado, o discurso sobre os direitos plasmado na Constituição tem sido especialmente progressista e generoso e, por outro, a difusão social desse discurso tem tornado possível que grupos e movimentos sociais se tenham apropriado dele. Esta apropriação tem sido de tal maneira que, ao contrário do que acontecia anteriormente quando os direitos eram apenas mera letra, durante a última década a mobilização social derivada de algumas decisões do Tribunal tem sido notável, como mostram os casos analisados anteriormente neste capítulo, nos quais o direito judicial progressista tem servido mais para articular práticas anti-conformistas do que para apaziguar a rebeldia.

De acordo com isto, o poder emancipatório de certas decisões do Tribunal está em que elas contêm uma mensagem política na qual se concretiza a ideia de esperança depositada nos textos constitucionais, de tal forma que os actores encontram nessa mensagem um pretexto para a acção política. Por outros termos, o Tribunal é importante para as práticas políticas na medida em que, por um lado, facilita a consciência política emancipatória de alguns grupos sociais excluídos e, por outro, proporciona estratégias possíveis de acção legal e política para remediar a situação dos afectados. As decisões do Tribunal têm uma dimensão constitutiva importante na medida em que criam, ajudam a criar ou fortalecem a identidade do sujeito político. Isto é especialmente claro quando se trata dos chamados novos movimentos sociais (new social movements) que reivindicam reconhecimentos de género, de culturas ou de opiniões. O Tribunal tem contribuído para forjar a identidade política destes actores, e por essa mesma via para forjar a sua própria identidade.

Em síntese, o Tribunal Constitucional pode incidir de maneira favorável na realidade social e política dos movimentos sociais. Como já dissemos, essa incidência provém não só da capacidade que tem o Tribunal de ordenar de maneira coerciva certos comportamentos favoráveis à protecção dos direitos das pessoas, como também, e com frequência de maneira prioritária, da sua capacidade para inculcar na mente dos membros dos movimentos sociais e das pessoas em geral, um espírito de inconformismo que se baseia na afirmação autorizada de que a injustiça existe e de que deve ser remediada. É evidente que, com frequência, também este último efeito simbólico se atinge graças àquele efeito instrumental. Cada caso mostra uma combinação específica entre eficácia instrumental e efeitos simbólicos das decisões do Tribunal. Assim, por exemplo, enquanto nos sindicatos e no movimento dos UPAC parece ter predominado o primeiro tipo de eficácia, no caso dos gays e dos indígenas é o segundo tipo que parece ter sido mais importante.

4.2. O activismo judicial com potencialidade emancipatória

A relação entre decisões judiciais progressistas e práticas sociais emancipatórias é um fenómeno complexo; não se trata de uma relação causal directa (e menos ainda num país como a Colômbia onde, como já vimos, a eficácia instrumental do direito é tão precária). A incidência social das decisões judiciais não parece ser nem suficiente por si mesma para produzir mudanças sociais directas e efectivas, nem tampouco irrelevante quando se trata de avaliar certas mudanças sociais. É o momento de abordarmos a análise deste complexo fenómeno: que tipo de relação ou de encadeamento existe entre direito progressista e emancipação social? Não sendo uma relação de simples causalidade, devemos estudar as condições ou os factores que permitem que o primeiro elemento desta relação, isto é, a decisão judicial, tenha incidência no segundo, isto é a emancipação social. Em nossa opinião estes elementos são: 1) o tipo de decisão judicial, 2) o tipo de contexto social em que a decisão é tomada, 3) o tipo de actor social que recebe a decisão, 4) o tipo de estratégia predominante na luta política do actor social e 5) o tipo de meio internacional em que se desenvolvem as práticas emancipatórias.

4.2.1. O Tribunal: tipos de decisão

A análise dos casos colombianos, assim como as discussões teóricas comparadas (Chemerinsky, 1998), permitem concluir que o impacto de uma decisão judicial depende em parte da natureza da ordem preceituada pelo juiz. Por isso, é óbvio que uma decisão que anula um delito é praticamente auto-executável, dado que, uma vez considerada pelo juiz constitucional, a conduta deixa de ser punível e, em princípio, nenhuma pessoa poderia ser condenada por tal motivo. Por sua vez, se um indivíduo for preso por tal causa, a pessoa pode em geral comparecer perante o juiz, ou até perante o tribunal constitucional, que ordenaria a sua libertação. Esse tipo de decisões tem pois um efeito imediato. Pelo contrário, quando um juiz ordena a outras autoridades que realizem determinados comportamentos activos - como construírem um hospital ou melhorarem as condições de algumas cadeias - é muito possível que encontre maior resistência, dado que as autoridades encarregadas de cumprirem esses mandatos podem pôr obstáculos, através de meios muito diversos, à sua realização, no caso de não compartilharem os critérios do Tribunal. Podem alegar restrições orçamentais, dificuldades administrativas, problemas operativos, etc., e postergar assim, durante longo tempo, o cumprimento da ordem judicial, sem que o juiz possa claramente forçar o cumprimento, pois as outras autoridades não incorrem abertamente em desacato.

Uma variável importante que incide na eficácia das decisões judiciais é pois o tipo de decisões adoptadas pelos juízes. Em tal contexto, e seguindo em parte a terminologia proposta pelo juiz federal dos Estados Unidos da América, Wayne (1997: 302 e ss.); podemos distinguir duas formas de activismo judicial progressista. Por um lado, um juiz pode reconhecer direitos, que são contestados pelas forças políticas, por considerarem que esses valores não derivam claramente do ordenamento jurídico. Este activismo, que Wayne denomina jurisprudencial (Jusrisprudential activism), consiste pois em declarar judicialmente certos valores ou conferir determinados direitos a certos grupos sociais, pelo que propomos denominá-lo activismo valorativo ou ideológico. As decisões do Tribunal Constitucional que despenalizaram a eutanásia e o consumo de drogas têm esse carácter. Noutros casos, pode acontecer que ninguém conteste a existência de um direito, mas a decisão que um juiz tome para enfrentar uma violação desse direito pode ser criticada como activista por aqueles que consideram que as soluções ou remédios judiciais decretados invadem competências de outros órgãos do Estado. Trata-se pois de um activismo «remedial», segundo a denominação proposta por Wayne, e que aqui acolhemos. No caso colombiano, um exemplo típico deste activismo foram aquelas sentenças em que o Tribunal ordenou melhorar as condições desumanas das cadeias. Com efeito, poucas pessoas negam que os presos tenham direito a umas condições mínimas de dignidade, mas questionam que seja o Tribunal, e não o Governo, quem ordene às autoridades a realização de determinadas obras de infra-estrutura para atingir esse objectivo.

Mas não podemos ficar por aqui. Talvez seja útil definirmos melhor essa diferenciação. Assim, em matéria de remédios judiciais, é em geral mais fácil para um juiz fazer cumprir uma proibição do que um mandato, já que no primeiro caso é mais difícil para as outras autoridades desculpar uma violação da ordem judicial. Por isso, é interessante distinguir entre remédios positivos (mandatos) e remédios negativos (proibições). De igual forma, em matéria de activismo ideológico, às vezes os juízes constitucionais agem contra as maiorias para «criar» um direito que não tinha sido nunca reconhecido judicialmente, enquanto, noutros casos, a sua acção tende a «preservar» uma garantia que já existia no ordenamento, mas que as forças políticas desejam eliminar. Por isso, talvez seja conveniente diferenciar entre um activismo ideológico «inovador» e um outro «preservador». Colocadas assim as coisas, o quadro seguinte resume e exemplifica os tipos de decisões que pode tomar um tribunal progressista.

Formas de activismo progressista

Activismo ideológico

Activismo «remedial»

Activismo inovador

Activismo preservador

Remédios positivos

Negativos ou proibições

Despenalização do consumo de drogas

Protecção da estabilidade do trabalho contra a flexibilização dos contratos laborais

Melhoramento das condições das cadeias

Parar o enchimento da represa de Urrá

Esta análise do tipo de decisões é, portanto, útil para avaliar o potencial impacto emancipatório de uma decisão. Assim, em geral, pode-se supor que são mais fáceis de executar as ordens «remediais» negativas (proibições), enquanto que pode suscitar enorme controvérsia e oposição um activismo ideológico inovador que, além do mais, venha acompanhado de mandatos. Isto explica o facto de que, nos casos estudados, boa parte do impulso emancipatório dado pelo Tribunal estivesse baseado em decisões «remediais» que continham proibições.

4.2.2. O contexto da decisão: os custos políticos

As decisões progressistas geralmente acarretam elevados custos políticos para o Tribunal. Estes custos são difíceis de avaliar num contexto de fragmentação institucional, social e política como é o que vive hoje a Colômbia. É por isso que, geralmente, tais custos devem ser medidos em cada caso, na sua relação particular com alguma instituição ou com alguma parte da opinião pública. A especificidade da Colômbia, mais uma vez, estaria na enorme fragmentação das forças políticas, tanto de oposição como de apoio ao funcionamento do Tribunal, o que faz com que este opere de forma relativamente independente do sistema político. Nestas circunstâncias o Tribunal decide com a tranquilidade que decorre do facto de, por um lado, se sentir apoiado pela opinião pública e, por outro, saber que até ao momento presente a oposição nunca conseguiu articular uma estratégia política que pudesse pôr em causa a sua estabilidade institucional; mas, ao mesmo tempo, com a incerteza e a intranquilidade que advêm do facto de, num país à beira da guerra civil e no meio duma crise de legitimidade que afecta todo o Estado, o Tribunal poder ser a primeira vítima de uma reforma institucional conservadora. Em síntese, além de estar sujeito aos perigos específicos que resultam de decisões concretas contra actores sociais e institucionais específicos, o Tribunal encontra-se submetido a um perigo geral, que opera como pano de fundo do cenário em que o Tribunal actua, perigo este muito difícil de avaliar e que consiste na possibilidade mais ou menos latente de que as forças políticas se unam para o derrubar através de uma reforma constitucional. Este perigo geral adquire conotações similares, embora menos dramáticas e mais frequentes noutros contextos, quando se verifica a eleição de novos magistrados - como aconteceu a finais do ano 2000 - a qual coloca o perigo de uma neutralização do Tribunal através da nomeação de juízes conservadores.

Ora bem, que relação existe entre esta análise de custos políticos e a incidência social das decisões progressistas? O impacto social das decisões do Tribunal parece ser maior em contextos sociais e políticos nos quais existe consenso sobre os valores ou princípios defendidos pelos actores sociais e pelo Tribunal. Estes contextos denominamo-los «consensuais» para diferenciá-los daqueles outros em que predomina a diferença de visões e que denominamos «dissensuais». De qualquer modo, é difícil que um caso corresponda exactamente a um destes casos; trata-se de tipos ideais e, por isso mesmo, os casos reais situam-se num espectro intermédio de possibilidades. Assim, por exemplo, o caso dos indígenas, pelo menos durante os primeiros cinco anos de funcionamento do Tribunal, é um bom exemplo de contexto consensual. A partir da Assembleia Nacional Constituinte existe uma opinião favorável acerca da causa indígena. Esta opinião tem-se desvertebrado um pouco durante os últimos anos devido aos confrontos com o governo. Algo similar acontece com os movimentos dos UPAC, que parece gozar de um importante apoio popular. Os sindicatos e os gays, pelo contrário, parecem operar num contexto político menos favorável em que o apoio à causa é relativo e se confronta de igual forma com uma oposição importante.

4.2.3. Os receptores da decisão: visão da estratégia jurídica

A condição emancipatória da decisão judicial também está ligada à recepção que esta venha a ter entre os actores sociais. Antes de mais, torna-se necessário assinalar que há uma enorme variedade de actores sociais. Talvez o mais importante seja o grau ou o tipo de coesão interna entre os beneficiários da decisão. Segundo este ponto de vista diferenciamos três tipos. Em primeiro lugar estão aqueles actores mais dispersos, que actuam em regra geral à procura de um interesse individual e que só se vêem ligados a uma prática colectiva na medida em que isso favoreça a sua própria estratégia individual. Um exemplo deste tipo de actor encontra-se no caso do movimento dos afectados pela UPAC. É este um movimento muito forte que toma a decisão do Tribunal como o seu estandarte principal, mas que, ao mesmo tempo, pode ser desarticulado facilmente caso a implementação da decisão do Tribunal apresente dificuldades. O segundo tipo refere-se a actores fortemente unidos por vínculos comunitários em que o interesse geral é claramente prioritário. Os indígenas são sem dúvida um bom exemplo deste tipo de actor social. Eles criaram, se calhar, o movimento mais consolidado e menos afectado pela conjuntura política. A sua fortaleza encontra-se no facto de que a razão de ser da sua oposição está na defesa de valores comunitários, cuja protecção jurídica está fundamentada na decisão do Tribunal. Decisão que é pois um elemento secundário, embora importante, para a força do movimento. Finalmente temos aqueles actores ligados a um movimento social cuja coesão interna depende de interesses políticos compartilhados. É este o movimento social clássico (Touraine, 1988). O caso dos sindicatos que lutam pela defesa de interesses a partir das decisões do Tribunal ilustra bem este tipo de actor social. A sua coesão interna não depende exclusivamente das decisões do Tribunal, embora estas possam reanimar e proporcionar novas energias à luta política.

4.2.4. O peso relativo da estratégia jurídica

Ora bem, que incidência tem a decisão do Tribunal na estratégia de luta contra-hegemónica dos actores sociais? Duas possibilidades apresentam um interesse relevante. A primeira delas surge quando a decisão judicial explica, pelo menos em boa parte, não apenas as lutas emancipatórias dos actores sociais como também a sua própria existência, a sua combatividade e conquistas. É este o caso, por exemplo, dos devedores do sistema UPAC que encontraram na decisão do Tribunal o factor de coesão e de luta mais importante. Algo de similar, embora em menor medida, pode dizer-se do movimento gay. A segunda possibilidade apresenta-se naqueles casos em que a estratégia jurídica - embora no passado não tenha sido percebida como um elemento essencial, ou nem sequer como um elemento importante da luta política, num momento determinado, que geralmente coincide com o momento de crise da estratégia política ou com uma situação de perigo de desintegração - adquire uma importância inusitada que tem origem, pelo menos em boa parte, na decisão do Tribunal. É esta a situação própria dos sindicatos estudados neste capítulo, assim como a das organizações não governamentais e, talvez em menor grau, a dos indígenas. Na primeira situação falamos de uma estratégia jurídica constitutiva e na segunda de uma estratégia jurídica conjuntural.

4.2.5. A dimensão internacional

Pela influência crescente da globalização, é indubitável que a dimensão internacional, e em especial a existência de uma certa globalização jurídica, é relevante para examinarmos o potencial impacto progressista das decisões judiciais. Bem ilustrativo disto é o exemplo do caso Pinochet, pois é indubitável que o Supremo Tribunal de Justiça do Chile não teria podido levantar a imunidade ao ex-ditador, se previamente este não tivesse sido detido na Inglaterra devido ao pedido de extradição solicitado pelo juiz espanhol Garzón. Estas decisões, que exprimem a existência de um certo espaço judicial internacionalizado contra a impunidade, fortaleceram internamente os juízes chilenos que puderam tomar determinações que pareciam impossíveis alguns meses antes.

No mesmo sentido, nalguns dos casos estudados, a dimensão internacional favoreceu certas orientações do Tribunal Constitucional. É o caso daquelas decisões laborais nas quais o Tribunal se apoiou nas resoluções da OIT para amparar internamente os direitos dos sindicatos. É que, tal e como assinala Santos, «o potencial democrático da justiça dependerá cada vez mais do aparecimento de formas de justiça internacional mais adequadas para encarar o dano sistemático produzido pelos conflitos estruturais ao nível a que for produzido - ao nível global» (2001: 203). Isto não significa, como é óbvio, que esse espaço judicial ou semijudicial globalizado que se está a formar opere sempre em favor do potencial emancipador dos tribunais constitucionais. Ocasionalmente pode constituir um obstáculo tremendo, já que um acordo de integração económica pode anular muitas decisões judiciais progressistas. Contudo, é indubitável que a existência ou não de apoios jurídicos ou políticos internacionais é uma variável significativa para explicar o impacto das decisões de um tribunal constitucional.

O Tribunal Constitucional colombiano, como todos os tribunais constitucionais, opera sob uma tensão permanente entre a necessidade de proteger os direitos constitucionais e a necessidade de manter as condições económicas e institucionais existentes. Não obstante, esta tensão pareceria ser especialmente intensa na Colômbia devido às seguintes razões: 1) a existência de um texto constitucional não só muito progressista mas também muito enfático, muito normativo, em matéria de protecção judicial dos direitos fundamentais; 2) uma independência política originada na debilidade dos mecanismos de democracia representativa - fenómeno agravado na Colômbia como consequência da violência - o qual encerra tanto a ausência de oposição política organizada contra as decisões do Tribunal como a existência de apoio político organizado a favor das mesmas. O Tribunal parece um actor político tanto mais importante quanto mais desligado estiver do sistema político tradicional; 3) o direito na Colômbia costuma misturar práticas institucionais autoritárias e democráticas que dificultam o funcionamento de um Tribunal Constitucional. Com efeito, a Colômbia vive ainda problemas de construção do Estado - no estilo de Hobbes (Estado Leviatã) - o qual explica certas componentes muito autoritárias das actuais reformas, como a justiça sem rosto, por meio da qual o Estado pretende adquirir, quase a todo o custo, o monopólio da coacção, o que ilustra a tendência para estabelecer permanentes excepções às garantias constitucionais. Mas, por outro lado, no nosso país também se articula um projecto de construção de cidadania a partir da Constituição de 1991, projecto que é próprio dos Estados constitucionais mais sólidos. Estas lógicas em conflito - Estado de excepção e projecto de cidadania - têm uma incidência directa no funcionamento do Tribunal e explicam tanto a sua força como a sua debilidade.

Nestas circunstâncias o Tribunal deve tratar de conciliar, por um lado, a retórica comunitária e de solidarização que alimenta a esperança cidadã e, por outro, as práticas institucionais que permitem a conservação de um Estado efectivo no meio da guerra, da precariedade económica e da globalização neoliberal.

 

5. Conclusões

Uma maior efectividade emancipatória das decisões progressistas do Tribunal consegue-se quando se combinam os seguintes factores: decisões judiciais «remediais», preferentemente de não fazer (proibições), recebidas em contextos ou auditórios consensuais, apropriadas politicamente por movimentos quer dispersos quer comunitários, os quais adoptam a estratégia jurídica como parte constitutiva da sua luta política e da sua identidade como movimento e contam com vínculos internacionais de apoio. Este postulado, julgamos nós, contém a combinação ideal de factores ou condições sob as quais o activismo judicial progressista tem maior possibilidade de conquistar práticas emancipatórias. Não se trata pois de uma proposição inelutável, mas sim de uma tendência. Nem se requer que a combinação de factores se apresente de maneira completa para que necessariamente se possam lograr práticas emancipatórias, nem o facto de isso acontecer garantiria necessariamente a emancipação. Sendo esta uma explicação que apenas põe a descoberto tendências, a investigação empírica será então sempre indispensável para corroborar a veracidade das tendências em casos concretos. Porém, isto não significa que se trate de uma simples hipótese de trabalho; trata-se de um postulado que pode ser contrastado e falseado mas isso deve fazer-se mediante investigação empírica, tal como se fez para apoiar tal postulado.

Uma segunda advertência é a seguinte: na investigação que suporta este capítulo temos partido de casos que de maneira hipotética consideramos emancipatórios. Portanto, é com base na investigação empírica levada a cabo que concluímos que nesses casos das decisões progressistas do Tribunal tinham surgido efectivamente práticas emancipatórias. Porém, é evidente que nem toda a decisão progressista produz emancipação social. Um complemento interessante desta investigação, que esperamos realizar num futuro próximo, consiste em ampliar o número de casos estudados, de forma que se incluam decisões progressistas que não tenham originado práticas emancipatórias. Isto não só daria maior certeza como também maior cobertura às nossas explicações.

Feitos estes esclarecimentos, é agora o momento de extrairmos algumas conclusões. Ao revermos as práticas emancipatórias aqui estudadas constata-se que os factores nem sempre se cumprem e nalguns casos cumprem-se mais do que noutros. Vejamos pois aqueles elementos que faltam ou que são insuficientes em cada caso. No movimento indígena parece faltar a estratégia constitutiva; no movimento gay o elemento consensual é insuficiente; no movimento UPAC a internacionalização é inexistente; nos sindicatos parecem faltar no mínimo três factores: o auditório não parece ser consensual, o movimento não é nem disperso nem comunitário e a estratégia tampouco é constitutiva. Surpreende, de qualquer modo, o afastamento que se verifica no movimento sindical com respeito à noção que temos exposto de activismo potencialmente emancipatório. Onde fica então a explicação do carácter emancipatório das práticas sindicais ligadas às decisões do Tribunal?

Talvez a diferença mais notável entre o caso sindical e os restantes possa ser entendida a partir da diferença que se estabelece hoje em dia entre novos e velhos movimentos sociais. Enquanto os movimentos sociais velhos ou clássicos se caracterizavam pelo facto de apoiarem reivindicações políticas geralmente vinculadas com interesses de classe (Giddens, 1984; Touraine, 1997), os novos movimentos sociais possuem um catálogo de reivindicações mais amplo, geralmente vinculado a temas culturais e de reconhecimento social e político (Santos, 1998: 312; Frazer, 1998). Estes últimos tiveram um auge extraordinário a partir de meados da década de 80; fazem parte de uma nova cultura dos direitos globalizada e, em geral, são liderados por grupos minoritários que reivindicam o seu reconhecimento social e político. As características da luta política destes movimentos estão em sintonia com os factores ideais que temos vindo a definir e, de maneira especial, em sintonia com a luta emancipatória nos casos aqui estudados. Há pelo menos três elementos que são comuns tanto aos novos movimentos sociais como, claro está, aos casos. Em primeiro lugar, trata-se de grupos ou movimentos novos para os quais a estratégia jurídica é um elemento essencial não apenas da sua luta emancipatória mas também da sua sobrevivência e da sua identidade como grupo ou movimento político. Em segundo lugar, o anteriormente exposto mantém estrita relação com o facto de estes movimentos serem relativamente dispersos e estarem em período de consolidação. Finalmente, estes movimentos ou grupos sociais, em geral, apresentam reivindicações ligadas ao reconhecimento de direitos, as quais, em boa medida, podem ser satisfeitas mediante decisões de não fazer. Os restantes factores - a internacionalização e o auditório consensual -, que parecem ser um suporte importante dos novos movimentos sociais, têm menor importância nos nossos casos, o que leva a pensar que o seu contributo para as práticas emancipatórias é relativamente reduzido.

Ora bem, que se passa com o movimento sindical e especialmente com o sindicato das «Empresas Varias de Medellín» que parece tão afastado dos factores ideais apontados?; que significa o facto de não se cumprirem neste caso a maior parte dos factores? Como já foi indicado, a teoria crítica do direito tem sustentado que a estratégia jurídica pode ter efeitos contraproducentes na estratégia global de movimentos sociais clássicos. Isto deve-se a que nestes casos a estratégia política, e não a jurídica, é inerente à identidade do movimento e consequentemente a luta através do direito adquire sentido apenas na medida em que ela tenha razão de ser dentro de uma estratégia política mais essencial e global. Muito se tem já escrito, nomeadamente desde uma perspectiva marxista (Tushnet, 1984), sobre os perigos que derivam de concentrar a luta política numa estratégia jurídica. Como salientámos na parte teórica deste capítulo, a luta política através do direito é acusada de obscurecer o verdadeiro rumo da luta política e por essa via de «des-ideologizar» o movimento social e de desagregar os seus membros. O risco de que a luta política banalize, despolitize e desagregue as lutas políticas dos movimentos sociais e, por isso mesmo, seja incapaz de transformar essas lutas em mudanças estruturais, é sem dúvida elevado, tal como indica Santos (2001b: 196, 201). Destas premissas os críticos do direito deduziram que a estratégia jurídica deve ser sempre eludida em benefício de outras acções. Porém, esta crítica não exclui o facto de que se possam atingir práticas emancipatórias através do direito; o que ela sustenta é que essas práticas não perduram e podem inclusivamente ser contraproducentes a longo prazo. Mas esta última afirmação tem sido fortemente rebatida por boa parte da sociologia jurídica contemporânea, e o nosso estudo parece confirmar, em contextos semiperiféricos, a validade desta opinião contrária à da posição crítica.

Em qualquer dos casos, o carácter emancipatório derivado da estratégia jurídica empreendida pelos sindicatos e, em especial, pelo sindicato das «Empresas Varias de Medellín» parece indubitável. De novo a pergunta é: se isto é assim, porque é que a nossa análise de factores parece tão afastada das condições que deram origem a ditas práticas? Relembremos as condições específicas sob as quais se enquadra a luta do sindicato das «Empresas Varias de Medellín». Na opinião dos trabalhadores entrevistados, a decisão da readmissão dos sindicalistas expulsos chegou num momento de crise do sindicato e de falta de esperança por parte dos afectados. A acção de tutela foi interposta no meio de um cepticismo quase generalizado e como um último recurso. A decisão favorável do Tribunal veio alterar completamente o panorama ao ponto da luta política chegar a adquirir dimensão nacional através do assessoramento a outros sindicatos em situações similares. Nestas condições não parece exagerado dizer que para o sindicato das «Empresas Varias de Medellín» a estratégia jurídica fez reviver a sua força política e, consequentemente, adquiriu, nos últimos dois anos, um papel fulcral no contexto da luta política do movimento. O enfraquecimento da luta sindical tradicional e as enormes expectativas criadas pela acção da tutela explicam tal situação, sem dúvida excepcional para um sindicato, na qual a estratégia jurídica adquire uma importância primordial, de tal maneira que até parece ser quase uma estratégia de tipo constitutivo, pelo menos para o período analisado. Sendo assim, o peso relativo e a importância da estratégia jurídica do sindicato das «Empresas Varias de Medellín» assemelha-se ao que acontece com os movimentos sociais dispersos ou comunitários. Isto não exclui uma advertência que evoca algo do pensamento crítico e que está em relação com os maiores riscos da estratégia jurídica na luta a longo prazo dos movimentos sociais clássicos.

Algo parecido acontece no caso indígena. Neste, também a estratégia jurídica, era em princípio, conjuntural. Não obstante, mostrámos como as lutas indígenas perante o Tribunal derivaram em importantes práticas emancipatórias para o movimento. E deve-se a que também aqui a estratégia jurídica durante a última década passou a ser um elemento essencial da luta política, de tal maneira que as estratégias clássicas de confronto político passaram a segundo plano. Aqui também é válida uma idêntica advertência sobre os riscos de que a referida estratégia desnaturalize ou simplesmente debilite a coesão comunitária do movimento.

Em síntese, tanto os movimentos sociais clássicos como os novos movimentos sociais podem alcançar emancipação social através da estratégia jurídica propiciada pelo activismo progressista do Tribunal. No caso dos movimentos clássicos parece, claro está, necessário que se encontrem numa situação de dificuldade considerável para poderem avançar nas suas lutas tradicionais. Por outro lado, os riscos desta estratégia são evidentemente mais elevados quando se trata destes últimos movimentos.

A este respeito, é importante ter em conta que o Tribunal também assume riscos com estes propósitos emancipatórios. A fragmentação social e institucional que vive a Colômbia traduz-se num fenómeno de prevalência progressiva dos contextos «dissensuais» sobre os consensuais. Nestas circunstâncias existem dois riscos para o Tribunal Constitucional: em primeiro lugar, o incremento do perigo de que os inimigos do Tribunal consigam consolidar uma estratégia de eliminação ou de atenuação do controlo constitucional, como já o tentaram fazer no passado; em segundo lugar, o outro perigo é que o Tribunal, em prol da sua própria protecção, adopte uma atitude jurisprudencial conservadora. Estes dois riscos afectam o potencial emancipador do Tribunal.

Porém, nem os riscos nem as possibilidades emancipatórias podem ser avaliados como necessidades inatacáveis. Ambos os elementos devem ser contrastados e avaliados nas condições concretas em que se apresentam. O caso colombiano e a discussão teórica mostram pois que é necessário abandonar posições extremas para dar resposta à pergunta sobre se é possível ou não lograr transformações emancipatórias por esta via judicial; o contexto e certas decisões criativas dos actores envolvidos têm um peso decisivo, pelo que convém elaborar estudos comparativos que permitam uma melhor compreensão contextual das possibilidades e limites destas estratégias.

O nosso estudo confirma assim uma ideia simples mas importante. Em determinados contextos, o direito em geral e a justiça constitucional em particular podem vir a tornar-se instrumentos de emancipação social. Mas não é por isso que o direito perde a sua vertente de dominação social: as potencialidades emancipatórias da justiça constitucional são pois limitadas e o predomínio das estratégias judiciais apresenta riscos para o dinamismo e a criatividade dos movimentos sociais. Em todo o caso, estes riscos devem ser contrastados com as potencialidades progressistas da justiça constitucional, que tentámos descrever e sistematizar na secção anterior. Duas consequências derivam desta conclusão. Uma académica: a conveniência de desenvolver estudos comparados que permitam uma melhor compreensão contextual das possibilidades e limites destas estratégias judiciais. E outra política: a justiça constitucional pode chegar a ser importante para o progresso democrático, sempre e quando for entendida como uma componente de lutas sociais mais amplas. A realização das promessas emancipatórias de muitas constituições é um assunto demasiado sério para deixá-lo unicamente nas mãos de juízes constitucionais.

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