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Patrick Heller

T.M. Thomas Isaac

O perfil político e institucional da democracia participativa: lições de Kerala, Índia

 

 

Introdução

Na avaliação da democracia nos países em desenvolvimento, os académicos incidem as suas análises maioritariamente na natureza do regime no poder e focam a sua atenção no papel dos partidos políticos e de outros actores políticos organizados na esfera eleitoral. Os académicos também direccionaram naturalmente a sua atenção para a análise da forma como as estruturas estatais moldam os padrões de envolvimento e para a investigação minuciosa de padrões e modos de representação. A grande maioria destes trabalhos elegeu o Estado-nação como a unidade crítica de análise. O que, no entanto, tem faltado é uma compreensão mais aprofundada das práticas democráticas quotidianas, particularmente dos campos institucionais sub-nacionais onde tanto os agentes políticos formais como os informais se envolvem entre si e com o Estado. Na ausência de tais análises, torna-se deveras difícil compreender as razões pelas quais tantas democracias nos países em desenvolvimento foram ineficazes não só a garantir os direitos sociais, mas até mesmo na implementação de direitos básicos de cidadania. Por que motivo a participação política permaneceu tão restrita, à excepção do exercício periódico do direito de voto? Os Estados em desenvolvimento adequaram a sua resposta política ao eleitorado, mas será que as instituições burocráticas herdadas do aparelho absolutista ou colonial se abriram à participação dos cidadãos comuns? Terão mudado efectivamente os modos de governação, os parceiros sociais privilegiados e os objectivos prioritários de desenvolvimento? Serão o alcance e a robustez da legitimidade pública suficientes para assegurar o exercício equitativo dos direitos de cidadania? O Estado sofreu indubitavelmente uma transformação, mas será que, na linguagem que hoje prevalece nos discursos da pós-transição sobre desenvolvimento, se aproximou das pessoas?

Se a construção de um Estado democrático apresentou dificuldades, a criação de um Estado responsável ainda se revelou mais complicada. Isto é particularmente perceptível na Índia. Os traços gerais da democracia indiana recordam-nos que não existe uma progressão democrática linear. Na medida em que a robustez das instituições democráticas indianas tem sido justamente aclamada, também a eficiência dessas mesmas instituições tem sido crescentemente questionada. Cinquenta e quatro anos de governação democrática quase ininterrupta pouco contribuíram para a diminuição das inúmeras exclusões de que são vítimas as camadas subalternizadas. Ademais, aprofundando a questão, pode-se constatar que, dentro do domínio institucional unitário demarcado pelas fronteiras do Estado-nação indiano, existem acentuados desníveis de democracia ou, nas palavras de Guillermo O’Donnel (1993), diferenças no grau de cidadania. A história da pós-transição indiana gerou diversas trajectórias de democratização. Se, por um lado, é possível identificar baluartes de autoritarismo quasi-feudal (o Estado de Bihar, por exemplo), por outro, também se encontram casos actuais de aprofundamento da democracia. O caso do Estado de Kerala, no sudoeste da Índia, é sintomático, não apenas devido à conhecida tradição de movimentos populares liderados pelo Communist Party of India (Marxist) - CPI(M) e de um Estado activista que logrou algumas das mais importantes vitórias a nível social e de redistribuição de riqueza num país em desenvolvimento (Heller, 1999), mas também porque, desde 1996, tem sido palco de uma das mais ousadas, conscientes e abrangentes experiências de governação participativa capacitante.

Em 1996, a coligação Left Democratic Front recuperou o poder em Kerala e o executivo liderado pelo CPI(M) cumpriu imediatamente a sua promessa eleitoral mais importante ao implementar a «Campanha Popular pela Descentralização do Planeamento» (doravante Campanha). Apesar de a Campanha se encontrar apenas no seu 5º ano, já logrou alcançar um grau muito superior de delegação de poder decisório do que qualquer outro Estado indiano. Todos os 1.214 órgãos de poder local de Kerala - municípios e os três níveis rurais de panchayats (a designação indiana para assembleias locais): distrito, bloco e grama - receberam novas funções e poder de decisão, e liberdade de gestão para 40% dos fundos governamentais para o desenvolvimento. No entanto, a campanha representa muito mais do que uma mera descentralização de poderes governativos para níveis de representação mais baixos. Tanto o seu intuito político como o institucional ambicionam uma transformação social - um pouco na linha de Porto Alegre - de compensação pelas deficiências das estruturas representativas e processos decisórios burocráticos formais através da construção e capacitação de instituições participativas. Em diversas perspectivas, emerge claramente como uma arrojada experiência de construção de uma democracia participativa. A primeira perspectiva incide sobre a sua escala e alcance. A descentralização de uma vasta gama de responsabilidades ao nível do desenvolvimento para 1.214 órgãos democráticos locais representa uma profunda reconfiguração do Estado e da sua relação com a sociedade e apresenta a possibilidade de transformar dramaticamente as práticas democráticas quotidianas dos 31 milhões de habitantes de Kerala. A segunda perspectiva, incidindo sobre o plano institucional das instituições-chave da Campanha - Grama Sabhas (assembleias locais), development seminars (seminários de desenvolvimento), task forces (grupos de trabalho por iniciativas específicas) e local governments (governos locais) - tentou conscientemente desenvolver e capacitar um modelo de planeamento democrático e participativo do desenvolvimento. Por um lado, ao delegar funções de planeamento e implementação aos círculos locais, a campanha conseguiu, pela primeira vez na Índia, capacitar efectivamente as comunidades e governos locais para responder aos seus problemas concretos. Todo o ciclo de planeamento - começando pela recolha de informação local e acabando na formulação de um amplo plano local contendo centenas de projectos - consiste basicamente num longo exercício de resolução de problemas concretos. Por outro lado, tanto o carácter institucional como o carácter político da campanha revelam uma forte preocupação com a promoção de uma participação de baixo para cima. A delegação de poder e de recursos aos governos locais reduziu significativamente os custos de transacção da participação, e o hiato de conhecimento e capacidade que tradicionalmente excluía o cidadão comum de uma participação efectiva na governação foi consideravelmente reduzido através de programas massificados de formação, da mobilização activa das competências da sociedade civil e de esforços concertados de empoderamento de grupos tradicionalmente marginalizados - mulheres, adivasis («tribais») e dalits («intocáveis»). Ademais, as instituições participativas da campanha são deliberativas de uma forma auto-conscientemente - fundamentadas em processos decisórios participativos e racionais - e directamente dotadas de poder, dado que conjugam a selecção e a elaboração de projectos com a sua implementação efectiva. Em todos estes aspectos, a campanha constitui um momento crítico na caminhada democrática de Kerala: é nada menos do que um projecto político explicitamente configurado para desmanchar certas formas de prepotência burocrática e clientelismo fortemente enraizadas ao revigorar a tradição de Kerala relativamente ao envolvimento político directo e activista e ao democratizar radicalmente o carácter institucional do Estado.

 

1. Desagregando a democracia

A discussão das transições democráticas tem-se compreensivelmente centrado na implementação de instituições processuais, constitucionais e eleitorais. A unidade de análise é recorrentemente o Estado-nação. Embora útil em termos de categorização de regimes e de distinção entre democracia e absolutismo, o enfoque nas instituições formais centrais proporciona um suporte analítico algo limitado em termos de conceptualização do aprofundamento da democracia. Devido ao carácter relacional e conjuntural tanto das instituições como das políticas, os seus atributos nunca são completamente isomórficos: nem horizontalmente, através de diferentes orientações políticas; nem verticalmente, entre diversos níveis do aparelho estatal. Conforme o Estado se propaga para fora do seu núcleo funcional e geográfico, a sua autoridade e eficiência oscila dramaticamente. Assim como grande parte dos teóricos do Estado-sociedade reclamam actualmente uma desagregação do Estado (Migdal et al., 1994), também nós precisamos de uma desagregação da democracia.

De acordo com a sua definição convencional, a democracia formal caracteriza-se pelo sufrágio universal, eleições regulares e livres, responsabilização do aparelho de Estado para com os representantes eleitos e consignação legal dos direitos de associação (Huber et al., 1999: 168). Uma democracia eficaz é aquela em que as práticas democráticas se encontram disseminadas na sociedade, regendo não apenas as relações dos cidadãos com o Estado, mas também o relacionamento público entre cidadãos. O grau de legalidade pública em muitas democracias formais permanece fortemente restringido geográfica e funcionalmente. Em tais democracias, afirma O’Donnel, «a componente de legalidade democrática e, também, de transparência e de cidadania, desvanece-se nas barreiras geográficas de relações entre diferentes classes, sexos e etnias» (1993: 1361). O espaço de intervenção pública é substituído por um poder privatizado. As instituições e cargos públicos de carácter local são colonizados por chefes, dirigentes, fidalgos ou caciques. O patrimonialismo, clientelismo e coerção corroem a autoridade democrática. Temos assim que olhar além das fachadas macro-institucionais dos parlamentos, constituições e eleições e analisar as instituições de cariz intermédio e local e as arenas consultivas existentes nos interstícios do Estado e sociedade, onde as formas de democracia quotidiana florescem ou morrem. É necessária, dito de outra forma, uma sociologia política da democracia, uma sociologia que reconheça especificamente que uma democracia activa tem ser uma democracia efectiva.

Uma democracia efectiva possui duas características inter-relacionadas - uma sociedade civil robusta e um Estado capaz. Uma sociedade civil livre e dinâmica torna o Estado e os seus agentes mais responsabilizáveis, ao assegurar que a auscultação popular não ocorre apenas através de eleições (mandatos periódicos), mas também através de feedback e negociação constantes. A sociedade civil é essencial à prática democrática pois alarga o alcance e o estilo reivindicativo para além do interesse representativo formal característico da sociedade política. Movimentos sociais, associações e sindicatos mobilizam novos actores e levantam novas questões. Neste processo não só proporcionam um contrapeso relativamente a formas mais burocráticas e centralizadas de representação de interesses, como também criam novas solidariedades, que desafiam directamente, em muitas instâncias, certas desigualdades, impulsionando desta forma a própria democratização de sociedade em si. O cerne da questão é que a sanidade de uma democracia se mede tanto pela natureza qualitativa dos seus padrões de associação como pelo carácter formal das suas instituições, e enquanto estas duas variáveis se condicionam mutuamente - os padrões associativos são condicionados pelo envolvente institucional e a sensibilidade institucional é condicionada pela vitalidade associativa -, os padrões tanto podem ter efeitos positivos como negativos.

A capacidade do Estado é também central para a efectividade da democracia. Garantias processuais de direitos políticos e cívicos, incluindo o direito de associação e de liberdade de expressão, não se traduzem automaticamente no exercício efectivo desses direitos democráticos. A cidadania não é um direito, é uma relação. Quando as desigualdades entre diferentes estratos sociais são tão pronunciadas que criam formas extra-constitucionais de restringir a autoridade (clientelismo, sistema patriarcal, subordinação de castas), o exercício da cidadania é subvertido. Como têm vindo a afirmar os teóricos da sociedade civil, as suas qualidades associativistas revelam-se apenas quando existe uma dupla diferenciação face ao Estado e face aos grupos sociais primários (famílias, grupos de afinidade, estirpes). O pré-requisito para um exercício efectivo dos direitos cívicos e políticos consiste num Estado capaz de assegurar a aplicação imparcial, equitativa e racional da autoridade pública. As pessoas e os grupos necessitam de uma protecção efectiva contra a acção estatal arbitrária, mas também face a formas de autoridade social possíveis de limitar ou violar as suas liberdades cívicas e políticas. E a criação de espaços públicos estanques a tentativas de autoridade não democrática exige muito mais do que produção legislativa e responsabilização das estruturas públicas. Isto assinala uma mudança fundamental na distribuição e localização do que Weber denominou «dominação legítima» da sociedade face ao Estado. Dado o carácter inacabado e polémico deste processo de construção do Estado em muitos países em desenvolvimento, e particularmente a fraqueza institucional (ou vulnerabilidade face à influência das elites) dos órgãos locais, a força da autoridade pública legalmente imposta permanece limitada, criando uma espécie de cidadania de baixa densidade. Este problema está intimamente relacionado com os limites do poder público ao nível das infra-estruturas e autoridade. Em termos de infra-estruturas, o aparelho estatal - polícia, justiça, educação - encontra-se erigido de forma muito ténue e desigual para impor e fomentar os direitos dos cidadãos. Em termos de autoridade, a esfera legítima da dominação do Estado (arenas constitucionalmente definidas onde a sua autoridade é restritiva e coerciva) é questionada e enfraquecida por fontes antagónicas de autoridade. E mesmo quando as instituições do governo central são robustas e razoavelmente imunes aos interesses privados (autonomia relativa), tanto instituições de âmbito meso como local - igualmente críticas para assegurar direitos efectivos de cidadania, nomeadamente a participação - podem ser fortemente permeáveis.

 

2. Os limites da democracia efectiva na Índia

As instituições democráticas indianas resistiram ao teste do tempo e ao teste de uma sociedade fissípara. A infra-estrutura processual básica da democracia - concretamente a constituição e a protecção dos direitos de associação, a separação de poderes e a existência de eleições abertas e regulares tanto a nível nacional como estatal - enraizou-se de fortemente. Não obstante alguns episódios embaraçosos de violência entre castas, as instituições democráticas não só ajudaram a gerar uma nação a partir de diversas nacionalidades como também institucionalizaram a submissão à incerteza legislativa decorrente da rotatividade governativa. Apesar do episódio absolutista de 1975-77, a hipóteses de um retrocesso na caminhada democrática na Índia parece remota. As classes dominantes, proprietários e profissionais, sustentam a democracia, quanto mais não seja porque beneficiaram extraordinariamente da generosidade das políticas democráticas proteccionistas (Bardhan, 1984).

A efectividade das instituições democráticas indianas é uma questão totalmente diferente. Ao longo de vastas regiões da Índia, o exercício dos direitos de cidadania, mesmo no sentido meramente político do termo, encontra-se condicionado pela manutenção de formas tradicionais de controlo social. Quando mais de metade das famílias rurais da Índia se encontram na dependência de senhorios para acederem à terra e ao trabalho, os laços clientelistas mantêm-se nas estratégias dos grupos dependentes. Com os seus rituais de exclusão e relações hierárquicas tão profundamente enraizados, o sistema de castas estabeleceu estas desigualdades materiais com um nível de controlo social e cultural difícil de igualar. O baixo nível de literacia e o tratamento discriminatório por parte das instituições estatais controladas pelas castas superiores, limitam ainda mais a autonomia associativa das castas e classes mais baixas. O corolário desta situação é a predominância de uma soberania fragmentada. O alcance e autoridade do Estado democrático e legal acaba, ou mais correctamente transforma-se, onde começa a jurisdição e poder das elites locais e dos adeptos do sistema de castas. Num modelo bastante similar tanto ao brasileiro como ao africano, as fontes extra-democráticas de autoridade não só resistem, como corrompem e privatizam o poder estatal (Weyland, 1996: Mamdani, 1996). As elites locais dominam normalmente as instituições locais, nomeadamente ao nível da administração local, instituições escolares, cooperativas e estruturas burocráticas de desenvolvimento. A permeabilidade da autoridade estatal é ainda mais perceptível devido à manutenção por algumas castas de exércitos privados (particularmente em Bihar) e ao controlo que as elites exercem sobre as forças policiais locais.

Não quer isto dizer que as instituições democráticas indianas não tenham nenhuma eficácia. As duas últimas décadas testemunharam uma erosão do clientelismo político tradicional. A democracia concorrencial formal indiana subjugou a legitimidade da autoridade social tradicional, incubando uma nova geração de empresários políticos e criando novos espaços de mobilização de grupos. Mas as forças políticas emergentes estão mais baseadas em clivagens sociais do que nunca. A base de mobilização passou do proteccionismo para o populismo identitário. À medida que as eleições se foram tornando mais concorrenciais e mais grupos foram tendo acesso à arena política autonomamente, o proteccionismo foi-se ligando cada vez mais a políticas de identidade. A exigência de quotas governamentais e de privilégios especiais, quer para comunidades maioritárias, quer para comunidades minoritárias, domina agora a agenda reivindicativa. Esta explosão de exigências restritas iniciou uma frenética competição de soma nula pela disputa de tratamento preferencial, o que Bardhan adequadamente classificou como «disputa entre os grupos de interesses pela igualdade de oportunidades» (1997: 16).

Neste clima político de populismo e fragmentação organizacional, as formações políticas mais abrangentes são a excepção à regra. Os sindicatos nunca saíram fora da aura protectora do sector organizado (grandes fábricas e função pública) e, em muitos casos, mais não são do que veículos de promoção política de dirigentes regionais. As associações de agricultores são dominadas pelos interesses dos grandes agricultores. Com o alcance da legitimidade pública limitado pelo poder das elites locais, o esforço de organização em torno das questões económicas por parte das classes e castas mais baixas (fora de Kerala e Bengal Ocidental) tem sido invariavelmente derrotado (Brass, 1994: 334). Face a este contexto de fragmentação política, a capacidade mobilizadora das instituições democráticas e, particularmente, a sua capacidade de resolução de problemas de distribuição da riqueza é cada vez mais posta em causa. As políticas de cidadania social, conforme Metha (1997: 64) observou, primam pela ausência. Assim, à semelhança do caso brasileiro, a fragmentação política corroeu o potencial (e a promessa) democrático da diminuição das desigualdades (Weyland, 1996).

Se a ausência de forças políticas abrangentes limita a possibilidade de inclusão programática dos interesses das classe mais baixas, a quase ausência de instituições democráticas apenas acentuou o problema da ineficiência democrática. Até há pouco tempo, os órgãos de poder local indianos nem sequer eram formalmente democráticos. O teórico mais proeminente do CPI(M), E. M. S. Namboodiripad, afirmou que «se, ao nível do Estado central, a Constituição implementou a democracia, ao nível regional apenas trouxe a burocracia». Efectivamente, apenas com a aprovação das 73ª e 74ª emendas à Constituição em 1993 é que foram implementadas eleições regulares para os órgãos de poder regionais. E mesmo quando os órgãos regionais assumiram uma legitimidade eleitoral, não conseguiram assegurar poderes decisórios relevantes. A grande maioria dos órgãos de poder local apenas tem exercido funções de implementação administrativa de programas desenvolvidos a nível central.

Apesar de a ideia de empoderamento do poder local ser um elemento base da herança de Gandhi, , desde o Programa de desenvolvimento comunitário de Nehru até aos esforços a nível central e regional de empoderamento dos governos regionais, a questão da descentralização, tal como a da reforma agrária, tem sido pautada por promessas quebradas, paralisação burocrática e legislação vazia. Nos casos em que o poder local tem conseguido angariar algum poder, este tem sido usurpado pelas elites locais através de formas variadas de clientelismo. Não obstante com as assimetrias regionais, o balanço é claro: com a possível excepção de Bengal Ocidental, o processo de concepção e implementação de iniciativas de desenvolvimento, incluindo os mais básicos serviços públicos quotidianos, tem-se mantido um processo de cima para baixo, dominado pelas elites políticas e burocráticas das capitais regionais e seus intermediários, agentes e mediadores.

 

3. Democracia e movimentos sociais em Kerala

Existem provavelmente poucos casos no mundo em que o elo causal entre movimentos sociais organizados e ganhos importantes a nível social e de redistribuição de rendimentos seja tão forte como em Kerala. Em suma, a longa história de mobilização social iniciada com os movimentos de reforma do sistema de castas e algumas revoltas pontuais das décadas de 1920 e 1940 cristalizaram-se num movimento das classes populares sob a protecção do partido comunista que ascendeu ao poder em 1957. Sucessivos mandatos comunistas, juntamente com um processo quase contínuo de mobilização militante massificada, exerceram uma pressão inflexível no poder central para o alargamento de programas sociais, o controlo do mercado de trabalho e a implementação de reformas agrárias. Apesar de um período de quase duas décadas de estagnação económica (1970-1990), os indicadores sociais apresentaram uma melhoria contínua, os níveis de pobreza diminuíram dramaticamente e os salários para os trabalhadores não especializados (trabalhadores agrícolas, da construção civil, estivadores, beedi e trabalhadores ligados à produção de caju) continuam muito elevados. A mobilização massiva de classes diminuiu significativamente nos anos 1980, mas nenhum executivo cancelou ou cortou financiamentos a nenhum programa social importante (e isto apesar das crescentes limitações orçamentais) e em muitas áreas o governo do Estado de Kerala (independentemente do partido no poder) continua a propor reformas inovadoras de combate à pobreza (Heller, 1999). É inquestionável que esta actividade de combate à pobreza e de redistribuição de riqueza não encontra paralelo em termos de coerência e sucesso em nenhum outro Estado indiano nem provavelmente em nenhum outro Estado democrático.

Tudo isto torna a iniciativa «Campanha Popular pela Descentralização do Planeamento», iniciada em 1996 pelo governo regional (liderado pelo CPI(M)), algo intrigante. Consensualmente considerada a experiência mais abrangente e radical de descentralização alguma vez realizada na Índia, o projecto político implícito pouco tem passado de um confronto directo aos feudos da burocracia do Estado e às redes de clientelismo estabelecidas no sistema político. O paradoxo existente, conforme indicou Thomas Isaac, consiste em «o governo promover um movimento para o obrigar a reestruturar radicalmente o seu modelo de governação. Por que motivo haveria qualquer executivo de empreender tal iniciativa?» (2000: 316). A resposta a esta questão implica uma breve análise do percurso político e de desenvolvimento de Kerala. A trajectória dos movimentos nacionalistas, agrários e anti-sistema de castas de Kerala chegou a um impasse quando o Partido Comunista venceu as primeiras eleições em 1957. Os comunistas e seus parceiros nunca lograram alcançar uma maioria que garantisse estabilidade governativa, tendo consequentemente alternado no poder. Se a isto juntarmos a sua recorrente desconfiança face à «democracia parlamentar» - o que os levou a serem duas vezes destituídos do poder pelo governo central - encontramos a justificação da sua permanente reinvenção e reforço de capacidade mobilizadora. «A esquerda não confia no poder transformacional autónomo do executivo estatal, que é apenas uma parcela de um Estado indiano burguês-proprietário. Desta forma, quer dentro quer fora do executivo, continuam a apoiar as massas nas suas reivindicações. A pressão constante das bases é importante na compreensão da capacidade de resposta do aparelho estatal» (Thomas Isaac, 2000: 141-42). Nos anos 1940, o CPI(M) liderou o movimento independentista. Nos anos 1950 e 1960 lutou pelos direitos dos rendeiros mais pobres. Nos anos 1970, tendo perdido o apoio de muitos dos beneficiários da reforma agrária, o partido defendeu a causa dos trabalhadores sem terra. E nos anos 1980 empreendeu uma campanha agressiva de sindicalização dos trabalhadores do sector informal (Heller, 1999).

Um efeito crucial desta dinâmica de mobilização foi o envolvimento do Estado e o alargamento da legitimidade pública. À medida que o poder dava resposta às reivindicações populares de redistribuição da terra, de produção de legislação laboral, de criação de serviços sociais, emaranhava-se na sociedade. Quer ao nível macro quer ao nível local, isto criou um importante tecido de autoridades e instituições democráticas. Contrastando com o modelo indiano habitual, em que as instituições locais e regionais se encontram muito ligadas às elites locais e castas dominantes, no caso de Kerala, uma vasta gama de instituições, nomeadamente órgãos distritais, panchayats, associações de estudantes, cooperativas e estruturas quase-corporativistas, tem atribuído crescente poder representativo aos interesses das classes mais baixas.

Devido ao grande sucesso da mobilização dos sectores populares de Kerala, materializado até nos programas eleitorais de um partido político, o executivo manifesta uma forte inclinação para as classes desfavorecidas e desenvolveu importantes reformas sociais e de redistribuição de riqueza. Mas se o carácter político do Estado se afastou fortemente dos padrões indianos, o seu carácter institucional - e especificamente o seu carácter altamente centralizado e burocratizado - não o fez. Apesar da força dos movimentos e instituições das bases, o poder estatal permaneceu fortemente centralizado e, até à campanha de 1996, o governo local de Kerala era pouco mais do que uma delegação administrativa do governo central. Dado o cariz sub-nacional de Kerala, isto não causa estranheza. O Estado indiano - e com ele o Estado de Kerala - nasceu da intersecção de uma burocracia imperial com uma visão de transformação planeada de inspiração soviética, fortemente imbuída de um modernismo. No entusiasmo que caracterizou a celebração nacionalista do Estado como agente de modernização e emancipação, o planeamento de cima para baixo tornou-se o instrumento de desenvolvimento preferencial. Como afirma Kaviraj,

Em meados da década de 50 essa doutrina ultra-racionalista enraizou-se na ideologia de planeamento e consequentemente do Estado indiano. O ‘Estado’, ou quem quer que assumisse essa incumbência em lugar dos cidadãos, deveria ser o promotor e, como se não bastasse, a avaliador do processo de desenvolvimento (1998: 62).

Sem cair numa perspectiva associal e redutora que vê um ambicioso predador em cada burocrata e político, a acumulação de tais poderes, exercidos com pouca confiança das bases, criou inevitavelmente jogos de interesses e redes de influências que só têm a perder com uma descentralização do poder. A consistência política deste modelo encontra a sua lógica distributiva nos rendimentos que as classes dominantes - incluindo burocratas e políticos - construíram para si (Bardhan, 1984 e 1997).

Na sua comprovada capacidade de implementação de programas sociais e no seu grau superior de legitimidade pública, o caso de Kerala é uma proposta muito distante do sistema predatório dos Estados do norte da Índia. Mas como vimos, a grande diferença encontra-se mais no lado da procura - pressões dos movimentos sociais e voz activa da sociedade civil na exigência de intervenção do Estado - do que no da oferta, pois o aparelho de Kerala também alberga muitos interesses enraizados de tipo rentista. A dimensão e poder desses interesses resulta em boa parte do projecto de redistribuição de Kerala, nomeadamente do crescimento exponencial da burocracia de serviços e da proliferação de empresas públicas (na sua maioria não lucrativas). Além disso, o CPI(M) sempre adoptou o «centralismo democrático» e, com ele, a uma visão ortodoxa de desenvolvimento de iniciativa estatal de cima para baixo.

Para compreender as razões pelas quais o CPI(M) acolheu agora a descentralização, três questões são de interesse capital. Primeiro, o partido apercebeu-se das limitações do seu poder eleitoral e, num contexto de competitividade partidária, reconheceu na descentralização democrática - com os seus princípios implícitos de apartidarização, governação desburocratizada e desenvolvimento sustentado - o caminho para cativar novos sectores da população. Segundo, a aceitação da descentralização implica um reconhecimento tácito do esgotamento das capacidades de redistribuição do Estado desenvolvimentista. Os amplos movimentos sociais que originaram o alargamento da cidadania social foram substituídos por interesses mais sectoriais e restritos. Se um Estado forte, centralizado e intervencionista assegurou grande parte dos benefícios associados ao modelo de Kerala (elevados níveis de desenvolvimento social, infra-estruturas públicas abrangentes, reformas institucionais básicas), a segunda geração de desafios que se colocam ao desenvolvimento social (enfoque na qualidade, em vez de na quantidade dos serviços públicos) apela a um modelo governativo bastante diferente. Terceiro, apesar de um salto recente do crescimento, os problemas económicos estruturais de Kerala - especialmente a falta de dinâmica no sector industrial - ampliaram os fracassos do Estado dirigista, e anteciparam o reconhecimento da necessidade de desenvolver formas de intervenção estatal mais flexíveis e descentralizadas, planeadas de forma a fomentar, mais do que regulamentar ou controlar, a actividade económica. Finalmente, o golpe mais visível e devastador ao desenvolvimento de cima para baixo proveio da amplamente reconhecida deterioração dos serviços públicos. Em termos comparativos, a qualidade dos serviços públicos de saúde e educação de Kerala encontra-se décadas à frente de qualquer outro Estado indiano. Mas, para os padrões locais, nomeadamente os de uma sociedade educada e cada vez mais de classe média, uma deterioração marginal mínima da qualidade do serviço, levou a uma insatisfação pública geral. Apesar de maioritariamente atribuída à burocracia ineficiente, a deterioração do sector público tem sido associada à lógica mercantilista da globalização (e especificamente à súbita proliferação de clínicas e escolas privadas em Kerala) e aos imperativos de restringimento orçamental do neo-liberalismo.

 

4. A Campanha Popular pela Descentralização do Planeamento

Embora o regresso do CPI(M) ao poder em 1996 tenha criado as condições para a transformação do Estado, foi o Departamento de Planeamento Estatal (DPE) que formulou, concebeu e conduziu a campanha. Ao fazê-lo, é importante destacar que a DPE se fundamentou numa grande componente de conhecimento prático, ideias e ensaios construídas ao longo de vinte e cinco anos de experiências a nível local conduzidas por ONGs, nomeadamente na Kerala Sastra Sahitya Parishad (KSSP) - People’s Science Movement. O KSSP tem desempenhado um papel muito activo ao nível das bases na implementação da campanha. O resto deste capítulo irá descrever e avaliar as instituições-chave e os procedimentos da campanha e fundamenta-se essencialmente no envolvimento directo de um dos autores - T.M. Thomas Isaac, que é membro da DPE e activista de longa data no KSSP - e em pesquisa desenvolvida por ambos.

Como programa de reforma das instituições, a campanha foi concebida especificamente para fomentar maior participação directa por parte dos cidadãos nos processos decisórios e fundamentou-se em dois princípios básicos. O primeiro era o de que as instituições do poder local deveriam passar de meros instrumentos de implementação de programas nacionais a instituições governativas dotadas de autonomia funcional, financeira e administrativa e que a devolução de incumbências e de recursos deveria ser feita com base no princípio da subsidiariedade (o que pode ser feito melhor a nível local deve ser aí feito). O segundo princípio é o de que as estruturas representativas tradicionais necessitam de ser complementadas por formas mais directas de democracia. A participação popular, conforme argumentado, implicaria representantes eleitos continuamente e não apenas periodicamente responsabilizados pelos cidadãos e traria maior transparência ao funcionamento da burocracia. Níveis crescentes de participação directa e informada exigiriam quer uma mobilização dos cidadãos, quer uma estruturação institucional que permitisse ao cidadão comum desempenhar um papel activo na escolha, concepção e implementação de planos de desenvolvimento local.

Os obreiros da campanha também perceberam desde o início que os instrumentos do Estado não eram adequados, quer em termos políticos quer em termos práticos, ao desiderato da implementação das necessárias reformas. Dada a inércia das instituições existentes e o poder dos interesses instalados, a legislação, por si só, nunca conseguiria impor mudanças tão profundas. O sucesso das reformas agrárias de Kerala nos anos 1970 - de longe considerada a mais abrangente e igualitária naquele sub-continente - foi alicerçado no apoio de um movimento de camponeses extremamente poderoso. Uma campanha massiva de literacia em 1991 (em que o KSSP esteve envolvido de forma activa) chamou a atenção para a grande importância à mobilização da iniciativa popular. Aproveitando estes ensinamentos, e o reconhecimento de Kerala como um grande reservatório de capacidade mobilizadora, a ênfase estratégica foi colocada desde início na necessidade de desenvolver as reformas como uma campanha.

No próximo ponto será apresentada uma análise detalhada da concepção institucional da campanha e procurar-se-á harmonizar os objectivos democráticos de participação alargada e deliberação efectiva com a necessidade de competência técnica e coordenação na formulação e implementação de planos de desenvolvimento. A efectividade desses mecanismos no alcance dos objectivos da descentralização democrática é avaliada de forma crítica no final.

4.1. Invertendo a sequência das reformas descentralizadoras

A descentralização democrática implica alterações nas estruturas administrativas, na alocação de funções e poderes e no controlo dos recursos. Todos estes aspectos estão interrelacionados e precisam de ser implementados simultaneamente. No modelo tecnocrático advogado pelas agências de desenvolvimento multilaterais, a descentralização é vista como um processo institucional incremental desenvolvido essencialmente pela administração pública e pelas ciências empresariais. Convencionalmente aceita-se que se têm que garantir certas condições, definidas por uma clara delimitação de funções entre os vários níveis, antes de se poder delegar com sucesso um poder de decisão genuíno: têm que se criar estruturas administrativas de apoio, implementar procedimentos organizacionais, redistribuir recursos humanos, desenvolver uma nova base informacional e dar formação aos novos funcionários (tanto voluntários como contratados). Mais importante ainda, a restituição dos recursos financeiros tem que ser cuidadosamente adaptada e calibrada de acordo com a capacidade de absorção das novas instituições.

O grande problema neste modelo linear de descentralização é o pressuposto de que a transformação do modo de funcionamento do governo se pode atingir através de um processo prescritivo de introdução de soluções técnica e administrativamente racionais. Assume-se a existência de um mundo apolítico e não conflitual. No entanto, uma descentralização democrática bem-sucedida e sustentável é a excepção e não a regra, devido essencialmente à inércia burocrática - particularmente a resistência à mudança por parte de departamentos mais poderosos e aos interesses políticos instalados.

Certamente que em Kerala também existem feudos burocráticos e formações políticas com interesse na manutenção do status quo. No entanto, neste curto percurso feito pela campanha, a delegação já ultrapassou largamente a mera imposição legislativa e hierárquica.

O passo mais dramático tem sido a delegação, desde 1997-98, de cerca de 35 a 40% do orçamento anual de desenvolvimento às instituições locais autogovernadas (panchayats de grama, bloco e distrito e municípios) - as ILAGs. Em 1997-98 o total dos recursos devolvidos (subsídios) atingiu os 10 250 000 000 rupias e em 1998-99 os 11 780 000 000 rupias, montantes que não incluem os apoios concedidos através de programas do governo central nem empréstimos institucionais aos governos locais. Antes de 1996-97, as ILAGs recebiam uma média de 200 000 000 rupias por ano em financiamentos desconexos. Parece claro que a capacidade administrativa e a experiência de gestão dos órgãos locais recém-eleitos estaria algo aquém do exigível para a prossecução de tamanha mudança. Mas a delegação dos recursos orçamentais e seu controlo - mesmo enquanto a envolvente regulamentar estava em construção e a capacidade administrativa a ser criada - teve duas consequências estratégicas cruciais. Primeiro, agora que os órgãos locais dispõem de poder orçamental discricionário, o planeamento de intervenções locais assume um carácter muito mais tangível e imediato. Isto, como iremos ver, conduziu a elevados níveis de participação dos cidadãos. Segundo, a transferência da autoridade orçamental para níveis mais baixos limitou as possibilidades de clientelismo político e subversão hierárquica dos processos.

4.2. O planeamento como instrumento de mobilização social

Outra característica distintiva da experiência descentralizadora de Kerala é o papel central das funções planificadoras das ILAGs. Como requisito estatutário para atribuição dos subsídios governamentais, as ILAGs têm que apresentar um plano regional completo. O processo de planeamento, conforme indicações da DPE, implica a promoção de assembleias locais, e a formação de grupos de trabalho sectoriais em que peritos independentes e voluntários preparam directamente relatórios, elaboram projectos e esboçam planos sectoriais. As diversas fases de planificação representam efectivamente novos espaços participatórios onde os cidadãos, órgãos eleitos e funcionários públicos discutem e estabelecem prioridades, projectos e objectivos de desenvolvimento.

De forma a garantir a transparência e uma participação construtiva no planeamento, o processo encontra-se dividido em fases distintas com objectivos diferenciados, actividades chave e programas de formação. Apesar de serem feitas algumas alterações todos os anos, o modelo base implementado em 1997 (Tabela 1) permanece inalterado

 

Tabela 1

Fases da Campanha Popular no ano inaugural de 1997-98

Fase

Período

Objectivo

Actividades

Participação

1. Grama sabha

Ag.-Out. (1997)

Identificação das necessidades sentidas pelas pessoas

Grama sabha nas zonas rurais convenções regionais nas zonas urbanas

2 milhões de pessoas assistiram aos Grama sabha

2. Seminário de Desenvolvimento

Out.-Dec. (1997)

Levantamento dos recursos e problemas da zona e formulação de estratégias de desenvolvimento local

Estudos participativos:

Preparação relatórios de desenvolvimento, organização de seminários de desenvolvimento.

300 000 delegados participaram nos seminários

3. Grupos de trabalho

Nov.1997- Mar.1998

Elaboração de projectos

Reuniões dos grupos de trabalho

100 000 voluntários nos grupos de trabalho

4. Planos ao Nível das Bases - Municípios e Panchayats

Mar-Jun (1998)

Formulação de planos de base

Formulação de planos e reuniões com os representantes eleitos.

25 000 voluntários na formulação dos planos.

5. Planos de Nível Alargado - Blocos e Distritos

Abril-Jul (1998)

Formulação de planos de nível mais alto

Formulação de planos e reuniões com os representantes eleitos.

5 000 voluntários na formulação dos planos.

CTVs (Corpos Técnicos Voluntários)

Maio-Out. (1998)

Apreciação e aprovação de planos

Reuniões das Comissões de Peritos

5 000 peritos voluntários envolvidos nas comissões de apreciação

Um componente essencial da campanha tem sido o programa de formação que se transformou num dos maiores programas educacionais informais alguma vez empreendidos na Índia. No primeiro ano, em sete sessões a vários níveis, cerca de 15 mil dirigentes eleitos, 25 mil funcionários públicos e 75 mil voluntários receberam formação. Cerca de 600 formandos a nível central - considerados Recursos Humanos Chave (RHC) - receberam cerca de 20 dias de formação. Aproximadamente 12 mil formandos a nível distrital - Recursos Humanos Distritais (RHD) - receberam 10 dias de formação e a nível local mais de 100 mil pessoas receberam um mínimo de 5 dias de formação. Todos os representantes eleitos participaram no programa de formação em algum dos níveis. Cada sessão de formação incidia sobre uma actividade de planeamento específica. Manuais e guias separados, totalizando quase 4 mil páginas de documentação foram preparados e distribuídos em cada sessão.

4.3. Construindo o envolvimento cívico

Após a análise pioneira de Putnam (1993), é agora amplamente aceite que uma sociedade civil robusta - nomeadamente em termos das suas «normas de reciprocidade e redes de envolvimento cívico» e encarnada em formas diversas de instituições cívicas - é essencial para assegurar uma efectividade das instituições democráticas. A interpretação de Putnam sobre a contribuição da vida associativa no aprofundamento da democracia é, no entanto, inspirada numa interpretação essencialista que entende o comportamento cívico como sendo fortemente enraizado na cultura e na história. É, conforme argumentam Skocpol e Fiorina (1999), uma visão socio-psicológica da questão que deixa pouca margem para o papel do conflito no desenvolvimento das aptidões democráticas. Os críticos referem também que as formas de vida cívica que contribuem para assegurar bens de desenvolvimento (por exemplo, capital social) são na realidade construções políticas (Evans, 1996) e que a vida associativa é em grande parte artefactual, ou seja, produto de ambientes institucionais, transformando relações sociais e intervenções estatais (Cohen e Rogers, 1995). Esta mutabilidade da sociedade civil é perfeitamente visível na história contemporânea de Kerala. Se a sua longa tradição de mobilização social contribuiu de forma decisiva para a efervescência da sociedade civil, também teve influência em certos desenvolvimentos que contribuíram para corroer a capacidade de acção cívica. Os conflitos baseados na redistribuição da riqueza a nível de classes tiveram dois efeitos. Primeiro, a polarização do panorama político de Kerala entre duas facções (esquerda e direita), muito activas e com elevada capacidade mobilizadora, que sistematicamente se faz notar em organizações da sociedade civil. Assim, escolas, cooperativas, comissões de fábrica e instituições locais, tudo se converteu numa arena de competição política. Com esta politização sistemática da sociedade civil, tornou-se cada vez mais difícil distinguir o fornecimento de bens e serviços públicos de objectivos e imperativos político-organizacionais. Segundo, as reivindicações de redistribuição assistiram ao aumento da dimensão e do papel do Estado e ao crescimento das estruturas burocráticas. Apesar de as intervenções em grande escala na educação, saúde e protecção social terem contribuído para o desenvolvimento social de Kerala, o crescimento da burocracia restringiu fortemente o âmbito da iniciativa da sociedade civil. Dado que o processo de desenvolvimento burocrático coloca a sua ênfase no topo da estrutura e é mais sensível a altos interesses do que a forças populares, o cidadão comum apenas manifesta interesse nos programas governamentais em termos do seu retorno individual. As políticas parasitárias substituem cada vez mais as políticas de desenvolvimento comunitário e a longa tradição de Kerala de acção de desenvolvimento de base popular sofreu uma acentuada erosão.

O empenho subjacente ao lançamento da campanha deriva directamente de uma crítica aos efeitos corrosivos desses desenvolvimentos. Por um lado, existe uma consciencialização crescente de que um Estado centralizado, empreendedor e controlador, já não é capaz de dirigir o desenvolvimento de Kerala e de que são necessárias novas formas de acção pública e estatal. Assim, os apoiantes da campanha têm manifestado a sua opinião de que o clima político fraccionado e dividido partidariamente se tornou um obstáculo ao desenvolvimento e de que um dos objectivos-chave da campanha - um pouco como o orçamento participativo em Porto Alegre - é o de acabar com o clientelismo político. Por outro lado, existe o entendimento de que as iniciativas da sociedade civil deverão receber mais apoios e oportunidades de envolvimento efectivo com as autoridades públicas.

Ao conceptualizar o planeamento como um instrumento de mobilização social, a campanha procurou aprofundar a democracia em três vertentes. Primeiro, devolvendo o planeamento e o poder de decisão às arenas locais para possibilitar uma abordagem mais integrada ao desenvolvimento que desafie directamente as hierarquias e os seus poderes de controlo. Segundo, ao proporcionar incentivos visíveis e relevantes à participação, e ao enfatizar o processo deliberativo, o planeamento local do desenvolvimento tem a possibilidade de renovar a acção cívica e aliviar o sufoco do clientelismo e partidarismo. Terceiro, ao transformar significativamente o modo e os canais de tomada de decisão, a campanha criou uma nova configuração política e novas redes de política pública. Assim, os órgãos representativos locais, cujas funções eram anteriormente meramente protocolares, foram colocados em posições com poder de decisão, incluindo autoridade sobre as estruturas públicas locais. De forma idêntica, foram dadas às ONGs e às CBOs novas oportunidades de envolvimento directo no desenvolvimento, e foram desenvolvidos esforços concertados no sentido da criação de novas ligações entre instituições profissionais, académicas e comunidades de modo a aproximar os peritos das bases (particularmente na fase transaccional em que a burocracia tem sido tudo menos cooperante). Este último desenvolvimento espelha, em muitos aspectos, a fluidez dinâmica das relações Estado-Sociedade caracterizada pela emergência de novas redes associativas que Chalmers et al. (1997) identificaram como características das sociedades civis revitalizadas da América Latina.

Resumindo, o objectivo da Campanha Popular pela Descentralização do Planeamento não é meramente a elaboração de um plano de baixo para cima. O próprio processo de planeamento foi concebido como um meio de transformação do carácter e alcance da participação e da natureza da conjugação de interesses. Tal transformação não se consegue garantir apenas através de directivas governamentais. Necessita da criatividade e lógica social de um movimento (Thomas Isaac, 1999a).

4.4. Institucionalização

Um dos grandes desafios da implementação da democracia participativa consiste no desenvolvimento de modelos institucionais suficientemente robustos para resistir às pressões dos grupos de interesses tradicionais interessados em subverter ou sufocar o processo deliberativo. No clima político extremamente volátil de Kerala, em que as duas facções políticas têm alternado no poder, este problema é particularmente pertinente e complexo. Os governos liderados pelo Partido Congressista têm uma tradição de retrocesso de reformas descentralizadoras, particularmente nomeando pessoas de confiança para a direcção das instituições recém-criadas.

A campanha enfrentou o desafio da institucionalização criando o máximo de envolvimento popular possível. Altos níveis de participação garantiram grandes retornos, tendo já partidos associados ao Partido do Congresso - e curiosamente a conservadora Aliança Muçulmana - manifestado o seu apoio à Campanha. As estruturas locais de planeamento criaram espaços onde novas alianças políticas e colaborações foram constituídas. Ao substituir os sistemas convencionais de responsabilidade vertical dos partidos políticos e burocracias por um sistema de cooperação mais horizontal e fontes autónomas de autoridade, as estruturas de planeamento local da campanha conseguiram comprometer os políticos e os funcionários públicos locais com um novo sistema. A incerteza política também sublinhou a necessidade de institucionalização formal da campanha, através da sua adequada transposição para a lei. Assim, o governo já emendou de forma abrangente a Panchayathi Raj Act de 1994 e o Kerala Municipality Act de 1994 de forma a assegurar a autonomia das ILAGs e a incumbir às Grama Sabhas a apresentação de planos e orçamentos locais. Novas leis de transparência da administração e acesso à informação também foram promulgadas. Ademais, centenas de despachos governamentais criando novos sistemas de responsabilização, devolvendo a autoridade aos funcionários públicos locais e implementando novos procedimentos de prestação de contas enraizaram muitas das características da campanha no quotidiano da função pública.

Em Maio de 2001, mantendo uma tradição de fracasso do partido no poder, a Frente Democrática de Esquerda foi destituída do poder por uma coligação liderada pelo Partido do Congresso. A maioria dos analistas concordou que a derrota do CPI(M) não implicou nenhuma censura à Campanha. Neste momento (Novembro 2001), ainda é muito cedo para avaliar o impacto da mudança no executivo na campanha. No entanto, desgastar a autonomia e autoridade das ILAGs não será fácil devido não só ao grande esforço legislativo que requereria, mas também porque iria desunir o Partido do Congresso e dar protagonismo a quem conseguisse, em coligação, controlar metade das ILAGs.

 

5. Formulação e implementação de planeamento de participação

O planeamento na Índia é uma tarefa tradicionalmente solitária e hierárquica. A literatura oficial de planeamento descentralizado na Índia tem mantido algum cepticismo relativamente à participação popular directa no processo de planeamento (Gov. da Índia 1969, 1978 e 1984). Os planos a nível distrital são normalmente elaborados por peritos oficiais baseados no máximo em consultas superficiais a grupos de interesses seleccionados. No início da década de 1980, existia na maioria dos Estados um aparelho de planeamento e o processo era descrito no Relatório do Grupo de Trabalho de Planeamento Distrital (Gov. da Índia 1984) da seguinte forma:

normalmente, após a votação do orçamento do Estado em assembleia, é solicitado aos diversos chefes de departamento que elaborem uma partição distrital dos recursos alocados no orçamento. O resultado é seguidamente comunicado aos distritos, quer através de departamentos sectoriais ou pelo departamento de planeamento do Estado. Isto decorre normalmente quatro a cinco meses após o início do ano fiscal. Após a recepção desta informação, o distrito tenta incorporar uma justificação para as despesas a nível distrital e o plano distrital é elaborado desta forma, a qual consiste numa pura agregação de esquemas departamentais (nossa ênfase).

No âmbito da Campanha, pela primeira vez na Índia os panchayats e municípios elaboraram verdadeiros planos operacionais e apenas posteriormente foram gerados os planos desagregados de nível inferior - ao nível dos panchayats de grama (aldeia) e municípios - então agregados ao nível distrital para garantir a coordenação regional. Existem 990 grama panchayats, 58 municípios, 152 blocos e 14 distritos em Kerala. As assembleias para cada nível de governo local são eleitas directamente. Ao nível de bloco e de distrito, o carácter democrático do planeamento é assegurado através do envolvimento de funcionários eleitos e várias comissões de cidadãos. Ao nível municipal e de panchayat de aldeia, o procedimento do planeamento é conduzido por participação popular directa.

O poder decisório autónomo foi concedido aos governos locais através de subsídios desconexos. A tradição burocrática tem sido atenuada pela garantia de participação contínua, de massas e independente em cada fase da preparação e implementação dos planos. Na criação de estruturas deliberativas contínuas a Campanha teve que vencer dois desafios de formulação a nível micro. O primeiro foi a criação de formas institucionais de correcção das assimetrias de poder entre agentes locais. O segundo foi o de tornar a participação local efectiva ao conceder espaço para a intervenção das bases e para a deliberação sem restringir técnica ou economicamente os requisitos do planeamento.

5.1. As Grama Sabhas

As grama sabhas, assembleias dos círculos dos panchayats representam o momento deliberativo chave no processo de planeamento. Legalmente têm que se efectuar pelo menos 4 vezes ao longo do processo de planeamento com um quorum mínimo de 150 residentes. A primeira assembleia funciona como um fórum aberto onde os residentes identificam os problemas de desenvolvimento local, definem prioridades e organizam seminários de desenvolvimento sectorial onde as propostas específicas são elaboradas. As duas assembleias seguintes são efectuadas quer para uma discussão mais alargada (de propostas apresentadas por grupos de trabalho) ou para discussão e aprovação de beneficiários para os esquemas visados. Na assembleia final, o conselho apresenta a proposta final de orçamento para discussão.

A despeito do que diz Rousseau, não há nada de espontaneamente democrático numa assembleia geral, particularmente numa sociedade tão imbuída de desigualdades complexas e estruturais como a indiana. O evolvimento dos arquitectos da campanha e dos activistas na construção de instituições deliberativas reflecte-se no tempo e energia empregue na busca de soluções práticas para os problemas das grandes assembleias. Uma inovação óbvia, mas que exigiu um grande esforço organizativo, foi a adopção de uma abordagem por grupos pequenos. Em cada grama sabha, após uma reunião geral de introdutória (normalmente com várias centenas de participantes), os participantes são divididos em grupos menores, cada um debatendo um sector específico do desenvolvimento, de forma a discutir os assuntos aprofundadamente. Esta organização em grupos possibilitou a participação dos cidadãos comuns, nomeadamente as mulheres, nas discussões. Uma segunda inovação foi a introdução de um formato semi-formal de discussão e de um moderador em cada grupo. Ao trabalhar com um padrão básico de questões e de conceitos de planeamento úteis, o papel do moderador local concentra-se no fomento da participação.

5.2. Recolha de informação local

As assimetrias de informação são uma fonte crítica de dominação em instituições nominalmente deliberativas. Mesmo no clima altamente politizado e com um nível elevado de educação dos cidadãos de Kerala, as desigualdades sociais estruturais e a acumulação de competências pelas instituições governamentais enviesou seriamente o acesso a informação relevante. Ademais, apesar da disponibilização de informação de planeamento ser uma fonte importante de poder, não é de forma alguma adequada às especificidades do desenvolvimento local. Retirando muita da sua inspiração do KSSP - que se dedica desde a fundação, em 1962, a «levar a ciência às pessoas» - a campanha consagrou a recolha local de informação com o primeiro passo no processo de planeamento.

Após a primeira série de grama sabhas, os panchayats tinham que desenvolver um levantamento formal dos recursos humanos locais. A ideia era a de fomentar uma integração efectiva do planeamento e da optimização de recursos ao comparar especificamente necessidades expressas com mais-valias locais. Com apoio de recursos humanos com formação específica e através da utilização de técnicas desenvolvidas pela campanha, foi desenvolvida uma série de estudos sobre participação em cada grama panchayat e em cada município. Estes incluíram a recolha e sistematização da informação disponível em diversos serviços de cariz local, da identificação e categorização de eco-zonas locais através da utilização de técnicas avançadas, análise de projectos em andamento nos departamentos locais, auditorias sociais e levantamento da história local. Diversas estruturas recusaram cooperar, o que provocou sérias consequências na integração de projectos em curso nos novos planos. A qualidade dos dados era extremamente variável de sítio para sítio, mas o exercício em si tinha a vertente importante de auxiliar as pessoas no desenvolvimento de técnicas úteis e na assimilação de conhecimento local.

5.3. Relatórios e seminários de desenvolvimento

O resultado das recolhas de informação eram «relatórios de desenvolvimento» elaborados de acordo com as orientações do Departamento de Planeamento Estatal. Com um horizonte estratégico de cinco anos, os relatórios funcionam como base do planeamento anual. Apresentando em média 75 a 100 páginas, os relatórios proporcionam uma análise global do desenvolvimento local e incluem um capítulo sobre a história social local para sublinhar o papel que a mobilização social pode desempenhar na resposta aos desafios de desenvolvimento. O corpo dos relatórios consiste em doze capítulos que avaliam o Estado de cada sector, analisam os projectos em curso, problemas visíveis e fazem recomendações.

Dado que as recomendações dos relatórios de desenvolvimento podem ser diferentes das necessidades debatidas nas grama sabhas e uma vez que as reivindicações dos diferentes círculos têm que ser integradas numa perspectiva global, os relatórios são debatidos em seminários de desenvolvimento. A maioria dos delegados presentes nos seminários são eleitos pelos grupos de debate das grama sabhas, com representação igualitária de homens e mulheres em princípio. Funcionários públicos de estruturas locais relevantes são convidados, tal como os peritos convidados pelas comissões executivas dos panchayats. Em média, os seminários de desenvolvimento têm 231 delegados, sendo os funcionários públicos cerca de 13,8%, as Castas e Tribos Documentadas - Scheduled castes e Scheduled tribes, a designação oficial para os «intocáveis» e população tribal) 10,5% e as mulheres apenas 22,1%. A organização cuidada destes seminários inclui a distribuição dos Relatórios de Desenvolvimento a todos os delegados e sua divulgação alargada na forma de panfletos, festivais, jathas (marchas) e exposições. Os seminários assumem bastante importância, sendo cerca de metade deles inaugurados por um Membro da Assembleia Legislativa ou por um Ministro. Grande parte do seminário é ocupada em grupos de debate sectoriais de forma a proporcionar uma análise de fundo dos relatórios de desenvolvimento e formular propostas de alterações. As recomendações dos diversos grupos são então apresentadas em plenário e adoptadas.

5.4. Grupos de trabalho e preparação de projectos

No fim dos seminários de desenvolvimento do primeiro ano da Campanha, grupos de trabalho de cerca de 10 pessoas foram formados para preparar propostas de projectos baseados nas recomendações dos seminários (nos anos seguintes, os grupos de trabalho tornaram-se no ponto de partida do processo de planeamento tendo os seminários de desenvolvimento lugar numa fase posterior para avaliar o seu trabalho). Um desafio essencial na construção das instituições participativas consiste em assegurar que os peritos, mais do que debater e decidir entre si, se envolvam em deliberações conjuntas com os cidadãos (Fung e Wright, 2002). As incumbências dos grupos de trabalho vão muito para lá do mero nivelamento do campo de acção, assegurando de facto que o processo de concepção de projectos é apoiado pelos peritos mas conduzido pelos cidadãos. Os seminários de desenvolvimento constituíram um total de 12 grupos de trabalho, uma para cada sector de desenvolvimento. Os delegados seleccionados nos seminários de desenvolvimento são cidadãos comuns, embora muitos passem por uma formação específica ao longo da Campanha. O líder do grupo de trabalho é um conselheiro eleito nos círculos locais. Isto garante que o desempenho do grupo de trabalho esteja directamente ligado e subsequentemente apoiado pelas deliberações dos conselhos municipais e de panchayats. De forma a assegurar as competências relevantes bem como a coordenação com as estruturas estatais, o elo de ligação com o grupo de trabalho é um funcionário superior.

A sustentabilidade de uma instituição participativa é fortemente influenciada pela sua capacidade de resolução eficiente de problemas. De forma a garantir um certo grau e controlo de qualidade e acompanhamento, os grupos de trabalho devem preparar propostas de projectos de acordo com um conjunto de parâmetros e orientações do Departamento de Planeamento Estatal. Assim, todas as propostas têm que incluir uma definição de objectivos (em termos o mais quantificáveis possível), critérios de selecção de zonas de intervenção, um horizonte temporal, uma análise organizacional do papel desempenhado pelas agências de implementação, uma análise financeira incluindo uma identificação das fontes de financiamento, um estudo do impacto social e ambiental e uma especificação dos mecanismos de acompanhamento previstos.

5.5. Documentos e coordenação do planeamento

A quarta e última fase do processo de planeamento local é assinalada pela prioriatização e integração dos projectos desenvolvidos pelos diversos grupos de trabalho num único Plano. A forma final do Plano é a prerrogativa legal do conselho eleito que deve votar formalmente o Plano. Existem no entanto alguns mecanismos formais e informais para garantir que os órgãos eleitos respeitam as recomendações e projectos gerados pelos vários procedimentos participativos. Formalmente, o Plano aprovado deve respeitar um formato detalhado de prestação de contas que estabelece a estratégia base e os objectivos do Plano bem como os critérios sectoriais e de redistribuição. Os projectos aprovados têm necessariamente que estar ligados ao intento estratégico e a formalização completa da proposta deve constar de um anexo. Este processo não só assegura uma responsabilização, como a sua extrema complexidade leva a que o conselho - que possui um apoio administrativo limitado - não tenha outra alternativa que não seja confiar no trabalho dos grupos de trabalho. O facto de os conselheiros participarem activamente em todos os níveis do processo participativo, desde a assistência aos grama sabhas e seminários de desenvolvimento à liderança de grupos de trabalho, também garante uma integração entre os processos participativos e as deliberações dos órgãos representativos. Finalmente, todo o processo de selecção dos beneficiários, naturalmente vulnerável aos abusos políticos, é desenvolvido, como veremos, através de um processo à parte de transparência e participação reguladas.

Desde o início da Campanha, os financiamentos do plano são explicitados separadamente no orçamento do Estado, com orientações gerais relativamente à alocação sectorial a ser desenvolvida pelas estruturas locais. Estes parâmetros têm um carácter tanto funcional (sectorial) como redistributivo e são concebidos para coordenar e integrar as opções locais com os objectivos globais. Por exemplo, para redireccionar o investimento público das opções tradicionais de serviços sociais e infra-estruturas, o Departamento de Planeamento Estatal estipula que 40 a 50% dos recursos do plano devem ser aplicados no sector produtivo. No aspecto da redistribuição, os governos locais são obrigados a gastar um mínimo de 10% em projectos direccionados às mulheres, e outros 10% para as Castas e Tribos Documentadas.

As panchayats de bloco e de distrito apenas iniciam a preparação dos seus planos anuais após as panchayats de grama terem esboçado os seus. Esta ordem sequencial pretende assegurar que os planos dos diversos níveis sejam integrados e que os dos níveis superiores complementem, em vez de duplicarem, os dos níveis inferiores. Um modelo de análise matricial foi desenvolvido para ajudar os blocos e os distritos a integrarem as análises e programas dos panchayats de grama nos seus planos. Os blocos foram também incumbidos de integrar nos seus planos os programas de combate local à pobreza tradicionalmente conduzidos por organismos centralizados. Tanto os burocratas como os órgãos locais se opuseram a esta reconfiguração. Isto deve-se parcialmente a problemas concretos decorrentes da existência de directivas distintas para programas conduzidos a nível central e a nível local, mas é essencialmente a sua reacção à perda de importantes poderes de decisão.

No primeiro ano da campanha, uma avaliação dos projectos propostos pelas autoridades locais concluiu que grande parte deles teria que sofrer modificações para garantir a sua viabilidade técnica e financeira antes de poderem ser implementados.

No total, cerca de 100 mil projectos tiveram que ser avaliados. A avaliação não se destinava a aprovar ou rejeitar os projectos, mas sim a identificar e suprimir as falhas de natureza técnica e financeira que apresentassem. Esta gigantesca empresa teve que ser efectuada em apenas 3 ou 4 meses. O aparelho de Estado não tinha nem capacidade nem vontade para a empreender.

O departamento de Planeamento Estatal resolveu o problema criando os Corpos Técnicos Voluntários (CTV). Peritos técnicos reformados e activos foram aliciados a disponibilizar as suas competências para avaliar os projectos e planos dos órgãos locais. Um grau profissional ou universitário ou experiência laboral no sector do desenvolvimento foram definidos como requisitos mínimos para participar nos CTVs. Um/a perito/a voluntário/a comprometia-se a empregar pelo menos um dia por semana a prestar apoio técnico aos panchayats. Foram providenciadas assembleias distritais para os peritos que se disponibilizarem para os CTVs. Envolveram-se mais de 4 mil peritos técnicos nos CTVs. Foram criadas comissões de peritos integrando funcionários públicos a vários níveis.

As comissões de peritos funcionavam, tanto como órgãos de aconselhamento técnico das Comissões Distritais de Planeamento, apoiando a avaliação dos planos e projectos, como comissões de aconselhamento dos órgãos de planeamento locais que elaboravam os projectos. As comissões não têm poder para alterar as prioridades definidas pelas estruturas locais. As suas tarefas consistem no fornecimento de um limitado aconselhamento técnico e financeiro e na avaliação de projectos, propondo modificações quando necessário. As Comissões Distritais de Planeamento aprovam os planos com base nos pareceres das comissões de peritos.

A constituição das comissões de peritos no decurso do primeiro ano da campanha foi uma inovação organizacional importante na medida em que ajudou na desburocratização da avaliação de projectos e dos procedimentos de rectificação técnica. Sem esta mobilização de competência extra-burocráticas, estas tarefas teriam ficado bloqueadas na inércia e resistência burocrática. Sem surpresa, estas comissões têm estado no centro de grandes debates públicos baseados na acusação de que consistem em tentativas partidárias de criação de estruturas paralelas aos órgãos representativos.

5.6. Procedimentos financeiros

No sistema tradicional de planeamento do desenvolvimento, o processo decisório era conduzido de forma arbitrária e clientelista pelos órgãos de poder eleitos e a implementação era prerrogativa do aparelho burocrático. Um aspecto importante na transformação do processo decisório num processo mais participativo consiste em garantir o envolvimento dos beneficiários e da população em geral na fase da implementação. A participação directa dos interesses das bases aumenta a responsabilização e reduz a as possibilidades de intermediação por parte dos aparelhos partidários e burocráticos. O envolvimento popular aumenta a eficiência ao possibilitar um feedback mais rico e mais rápido e aumenta a responsabilização ao multiplicar as formas de avaliação. A Campanha introduziu uma grande variedade de novos fóruns e regras de maximização da participação e transparência.

Os procedimentos financeiros da Campanha para canalizar os fluxos de subvenções para as estruturas locais e para os projectos específicos foram concebidos para maximizar a eficácia do acompanhamento. Uma vez que os vários funcionários transferidos para os panchayats prestam directamente contas aos órgãos eleitos, podem ser responsabilizados directamente pelos fluxos financeiros. Os financiamentos atribuídos aos órgãos locais são transferidos em quatro tranches. Todos os fundos estão ligados directamente a projectos ou programas aprovados, e é tido em conta o facto de ser administrado por um funcionário específico. A saída dos fundos está sujeita também à autorização do líder do órgão local.

A criação democrática de comissões de beneficiários também foi uma inovação importante. Em vez de implementar as obras públicas através de empreiteiros, os órgãos locais formam comissões de beneficiários do projecto para assumir a tarefa. A ideia subjacente é a de limitar as possibilidades de conluio entre os empreiteiros, políticos e técnicos públicos que são historicamente a maior fonte de corrupção. Isto implica a criação de comissões de beneficiários suficientemente autónomas e empoderadas para resistir às garras dos interesses instalados. Um passo importante foi a passagem da autoridade efectiva de aprovação técnica dos funcionários públicos para as comissões de peritos. Os altos funcionários públicos são os coordenadores das comissões respectivas e continuam a ter poderes de aprovação técnica. No entanto, agora actuam como membros de uma comissão e não como dirigentes hierárquicos. Uma segunda inovação processual foi a transferência da responsabilidade de avaliação de resultados e autorização de pagamentos de funcionários públicos para engenheiros independentes dos CTVs.

5.7. Selecção dos beneficiários

Uma alteração de fundo da campanha foi a introduzida no procedimento de selecção de beneficiários para os projectos de desenvolvimento. No passado, a selecção era pouco mais do que uma prática concertada de favorecimento com o conluio de todos os partidos. As regras impostas pela Campanha requerem uma divulgação dos critérios de elegibilidade e ordenação dos beneficiários. Avisos comunicando os projectos e os critérios têm que ser amplamente divulgados em locais públicos, impressos e postos a circular. As candidaturas terão que ser disponibilizadas gratuitamente na língua malayalam. As regras devem incluir um sistema de confirmação das informações prestadas. Essa confirmação deverá ser efectuada por funcionários nomeados ou por uma comissão escolhida pelo panchayat. Finalmente, a lista de candidatos deve ser submetida a um grama sabha e os grupos respectivos incumbidos do seu processamento. Os grama sabhas são também autorizados a introduzir sub-critérios de ordenação.

A responsabilidade de consolidação e decisão relativamente ao ordenamento das listas de beneficiários recebidas de cada grama sabha é do panchayat. A lista final tem que ser efectuada com base em regras claras. Em situação alguma podem ser contrariadas as prioridades específicas de qualquer círculo. Representantes da população e da imprensa podem assistir ao processo de ordenação final. A lista provisória deve ser divulgada. Todas as objecções públicas devem ser analisadas e esclarecidas.

6. Analisando a campanha de forma crítica

Até agora temos exposto a concepção processual e institucional idílica da campanha. Mas como funcionaram realmente estas estruturas? De uma forma mais crítica, quão deliberativo foi o processo de planeamento, e em que grau foram as actividades das unidades descentralizadas coerentemente coordenadas e integradas nos níveis superiores de planeamento? Dada a elevada complexidade e escala do projecto, as habituais dificuldades iniciais e a ausência de suficiente informação estruturada, é ainda cedo para fazer um julgamento definitivo. A aprendizagem institucional que já decorreu permite no entanto retirar alguns ensinamentos importantes para a nossa compreensão da democracia participativa e a emergência de algumas tendências visíveis e persistentes permite fazer uma avaliação provisória.

6.1. Recursos financeiros

Conforme mencionámos na introdução, foi a decisão de destinar cerca de 35 a 40% da dotação orçamental aos órgãos de poder local que lançou as bases para a Campanha. A maior proeza da Campanha até à data tem sido a vontade política de manter ou até aumentar a dinâmica de restituição nos anos seguintes, apesar das graves restrições orçamentais que enfrenta o governo central. Noutros termos, os governos locais têm beneficiado de uma contínua e significativa alocação de recursos.

Se a escala de delegação de recursos se tem mantido, o seu carácter redistributivo tem-se acentuado. No primeiro ano, a delegação financeira baseou-se numa fórmula simples de capitação que não tinha em atenção as desigualdades inter-regionais. O que se perdeu em termos de orientação política, ganhou-se em termos de disputa política partidária. Esta fórmula tinha a vantagem de não permitir manipulação política, de forma que estava salvaguardada de possíveis críticas de partidarismo. Para mais, a fórmula corrigiu de forma eficiente os enviesamentos criados pelos favorecimentos e clientelismo do passado (em que a área desfavorecida do norte de Kerala era sucessivamente prejudicada) desempenhando de facto um efeito de redistribuição. Nos anos seguintes, a fórmula foi incorporando de forma progressiva novos índices de pobreza e subdesenvolvimento.

6.2. A formulação dos planos

Só o facto de, pela primeira vez, os municípios e os panchayats de todo o país terem participado no processo de elaboração de planos locais é já um grande feito. Dada a dimensão da tarefa e a falta de competências e capacidades a nível local, a preparação dos planos no primeiro ano atrasou-se 6 meses. Os ganhos de aprendizagem reflectem no entanto uma redução linear dos atrasos nos anos seguintes. Para o ano fiscal de 2000-2001 é, aliás, esperado que os planos sejam concluídos logo no início.

Um dos grandes objectivos do planeamento descentralizado é o de fazer coincidir as necessidades e as potencialidades locais com a despesa pública real. A racionalização da alocação de recursos baseada na utilização de informação mais directa e mais rica no processo decisório é uma de duas vantagens críticas da descentralização do planeamento (sendo a outra o aumento da responsabilização). Dadas as dificuldades de uma comparação empírica dos padrões de alocação dos recursos antes e depois da Campanha (não existem dados a nível local antes da Campanha), uma avaliação segura terá que esperar. Podem, no entanto, ser desde já sublinhadas três tendências gerais. Primeiro, as prioridades de investimento dos planos preparados pelos órgãos locais são substancialmente diferentes das formuladas anteriormente. É agora atribuída uma maior prioridade a necessidades básicas como sejam a habitação, água e saneamento. Nos sectores produtivos houve uma clara viragem no sentido da agro-pecuária, floricultura e sistemas de irrigação. Ambas as viragens têm fortes implicações em termos de redistribuição. Segundo, contrastando com a situação anterior, as prioridades de investimento dos planos especiais para as Castas e Tribos Documentadas diferem significativamente das dos planos gerais. Isto indica um esforço de apoio às comunidades mais carenciadas. Terceiro, em vez da lógica padronizada do passado, existem importantes diferenças inter-regionais nas prioridades de investimento dos órgãos locais.

A fraqueza mais notória da preparação dos planos no primeiro ano foi a qualidade dos projectos propostos. Muitos deles eram pouco mais do que versões modificadas de esquemas estatais estandardizados. Em grande parte dos casos foi prestada pouca atenção ao enquadramento temporal dos projectos e poucos foram verdadeiramente integrados no plano central. A tendência para a distribuição mecanicista de recursos com base nas relações de poder revelou-se persistente, particularmente nos níveis mais elevados.

No segundo ano foram implementadas medidas para melhorar a qualidade dos projectos e programas. A mais importante foi a introdução de programas específicos de formação para os elementos dos grupos de trabalho. Este programa de formação consistiu numa série de medidas provisórias a nível local que teve um efeito muito limitado. No terceiro ano, o programa de formação foi melhorado e formalizado a nível nacional, estabelecendo protocolos com instituições reputadas, como sejam a Universidade Agrícola de Kerala, o Instituto de Administração Governamental, o Centro Tecnológico Rural Integrado do KSSP e o COSTFORD, um instituto de formação em habitação de baixo custo reducriado por uma ONG. Estes programas de formação especializada associados a um envolvimento maior dos membros dos CTVs nos grupos de trabalho contribuíram para melhorar a qualidade dos projectos.

Além das limitações técnicas, o procedimento também registou algumas dificuldades de coordenação entre os diferentes níveis de participação. O planeamento efectivamente descentralizado tem que ser, por definição, integrado. Isto é essencial não apenas para optimizar a alocação de recursos, reduzir a duplicação e garantir a sustentabilidade, como também para descobrir e disseminar as inovações desenvolvidas nas unidades descentralizadas. A vantagem comparativa da «coordenação descentralizada» reside no incremento da capacidade de aprendizagem do sistema como um todo ao combinar empoderamento deliberativo com centralização coordenativa e feedback. Este constituiu um dos maiores desafios que a campanha enfrentou.

No primeiro ano, muitos factores contribuíram para a frágil coordenação entre os planos de diferentes níveis de estruturas locais e o plano central. Embora os procedimentos de planeamento introduzidos pelo Departamento de Planeamento Estatal implicassem a consideração das prioridades e programas dos níveis inferiores na elaboração dos planos dos níveis mais elevados, na realidade isso não aconteceu no primeiro ano (também em grande parte devido à escassez de tempo). No ano seguinte, foram estabelecidas orientações mais específicas, mas os problemas mantiveram-se. No terceiro ano, o modelo do planeamento distrital foi drasticamente revisto. Atribuiu-se maior importância ao papel do distrito em 1) fornecer uma perspectiva mais alargada do desenvolvimento sustentável distrital, 2) melhorar a integração ao consolidar os planos do níveis de maior proximidade e identificar falhas e duplicações e 3) fornecer uma perspectiva estratégica de longo prazo para os planos anuais futuros.

6.3. Realizações físicas

Uma crítica muito forte feita à Campanha é a de que toda a importância atribuída ao processo e à participação se deveu aos resultados obtidos medidos pelas realizações físicas (o trade-off entre processo e resultado). A lógica subjacente é desajustada pois não reconhece que a qualidade da participação é um objectivo importante por si só. O interesse que é dado aos objectivos financeiros e às despesas por muitos críticos da campanha é reflexo de uma concepção restrita e tecnocrática de desenvolvimento. Mas mesmo que a implementação de instituições participativas se possa justificar apenas pelo alargamento da cidadania, a sua viabilidade a longo prazo, particularmente num contexto de liberalização da economia nacional, vai depender em muito da sua capacidade de fornecimento de bens de desenvolvimento tangíveis.

Nesta fase, uma apreciação precisa das realizações físicas é dificultada pelos problemas práticos de acompanhamento e agregação da informação existente. Os resultados físicos, particularmente nos sectores produtivos como a indústria e a agricultura, levarão tempo a ser perceptíveis. E mesmo no caso do sector social e das infra-estruturas, o desiderato de medir a qualidade da implementação dos projectos é virtualmente impossível dada a ausência de um sistema local de recolha de dados.

A realização física de mensuração mais fácil dos primeiros dois anos de planeamento descentralizado é, no entanto, bastante impressionante. Em dois anos (1997 a 1999) foram construídas 98 494 habitações, 240 307 instalações sanitárias, 50 162 poços, 17 489 fontes públicas e limpos 16 563 reservatórios de água. Foram distribuídas sementes e fertilizantes a um total de 2 800 179 beneficiários individuais. Foram construídos cerca de 8 mil Km de estradas, o que é fabuloso quando comparado com o passado.

Como o ritmo de obtenção de resultados ultrapassou todas as expectativas, o governo central tomou medidas para fomentar o aumento do financiamento institucional dos órgãos locais através de um esquema de empréstimos. E pela primeira vez na história de Kerala, o governo regional estabeleceu um prazo (2003) para conseguir fornecer abrigo, instalações sanitárias e água potável (num raio de 200 metros) a todas as famílias do Estado. A universalização do ensino pré-primário, a melhoria da qualidade do ensino e da saúde e a conclusão da electrificação rural também são objectivos considerados. Conseguir realizações tangíveis também nestes sectores num futuro próximo será de extrema importância para manter e estabilizar o processo de descentralização democrática.

6.4. Qualidade deliberativa

A campanha criou inúmeras oportunidades para o cidadão comum participar activamente nas diversas fases de formulação e implementação dos planos. Mas qual foi a adesão dos cidadãos a essas oportunidades? Foram os debates manipulados pelos interesses locais dominantes? Foram os diversos fóruns meros instrumentos de legitimação de decisões impostas pelas elites?

Todo o cidadão, independentemente da sua filiação partidária ou envolvimento em qualquer tipo de movimento, tem o direito e a oportunidade de participar no processo de planeamento ao participar nos grama sabhas. Uma das maiores proezas da Campanha foi a demonstração de que as assembleias populares podem funcionar de forma eficiente. No ano anterior à Campanha os grama sabhas foram convocados após a constituição dos novos órgãos locais, mas a grande maioria nem chegou a reunir. Nas primeiras grama sabhas da Campanha em Agosto - Setembro de 1996 participaram mais de 2 milhões de pessoas, numa média de 180 por assembleia, representando cerca de 11,4 % dos eleitores e aproximadamente 1 em cada 4 famílias. Embora as taxas de participação tenham diminuído ligeiramente nos anos seguintes (talvez devido ao aumento do número de grama sabhas anuais de 2 para 4), estas assembleias populares tornaram-se uma característica incontornável do panorama político de Kerala.

Existem contudo limitações importantes ao carácter deliberativo das grama sabhas. Para começar, são ainda demasiado extensas e complicadas para permitir uma deliberação aprofundada, apesar da abordagem de grupos pequenos. Devido à dispersa matriz de fixação da população, os participantes nos grama sabhas têm que percorrer longas distâncias e a duração das reuniões não pode exceder as 2 - 3 horas. Isto não permite um debate aprofundado da quantidade e complexidade das questões em análise. A matriz de participação ainda apresenta algumas assimetrias em termos de grupos socio-económicos. A participação das classes médias tem sido baixa, e a grande maioria dos participantes são membros das classes mais desfavorecidas e potenciais beneficiários dos projectos de desenvolvimento. A participação das Castas e Tribos Documentadas esteve abaixo da sua quota populacional e apenas 25% dos participantes eram mulheres. Nos anos seguintes estas proporções melhoraram, mas mantiveram-se as desigualdades.

A constituição de Grupos de Bairro (GBs) de cerca de 40 a 50 famílias foi uma resposta vinda de baixo - muitas vezes fomentada pelos activistas do KSSP - para fazer face às limitações dos grama sabhas. Apesar de não serem formalmente exigidos, foram constituídos GBs em cerca de 200 panchayats. Um estudo descobriu que em 100 panchayats (Thomas Isaac, 1999c) os GBs funcionavam como mini grama sabhas, onde se debatiam problemas e prioridades locais, revia a implementação dos planos e seleccionavam beneficiários. Os representantes dos GBs formavam habitualmente comissões de círculo que se tornavam muitas vezes em verdadeiras comissões executivas dos grama sabhas. Os GBs também assumiram outras funções, tal como resolução de conflitos, programas de educação de adultos, centros de saúde, actividades culturais, programas de racionalização de despesas e implementação de projectos. Está actualmente em marcha uma campanha encabeçada pelo KSSP para alargar os GBs a todo o Estado e institucionalizar o que é efectivamente uma nova camada de democracia de base. O carácter apelativo deste conceito está a ter um efeito multiplicador na vida associativa de Kerala, como podemos comprovar pela proliferação de grupos de auto-ajuda, nomeadamente esquemas femininos de micro-crédito (Seema e Mukherjee, 200; Manjula 2000).

6.5. Corrupção e nepotismo

Uma das maiores críticas feitas à descentralização é a de que muitas vezes pouco mais faz do que delegar a corrupção. De facto, concentrar localmente recursos importantes sem criar as devidas salvaguardas, propiciará inevitavelmente jogos de interesses e até conflitos comunitários. A imprensa e a oposição em Kerala têm feito acusações graves de nepotismo na selecção dos beneficiários e de corrupção na implementação dos projectos. Sustenta-se que um grande número das cerca de 30 mil comissões de beneficiários são lideradas por agentes de empreiteiros (chamadas comissões benami). Agências de investigação estatais também encontraram diversas irregularidades na implementação do plano do primeiro ano (Thomas Isaac, 1999d).

Na sua própria avaliação, o Departamento de Planeamento Estatal concluiu que as irregularidades encontradas no primeiro ano se deviam mais a inexperiência e pressa do que a corrupção. Por exemplo, quando os órgãos locais sentiram dificuldades no primeiro ano em receber e distribuir devidamente os fundos, muitos transferiram essas verbas para gastos não relacionados ou depositaram o dinheiro em agências governamentais como a Direcção da Energia ou a Autoridade da Água para alegar a sua execução antes do encerrar dos prazos. Apesar de as regras terem sido torneadas e até quebradas, não houve desvios. As despesas irregulares identificadas foram desautorizadas e corrigidas e com a implementação de novas regras nos anos seguintes, as incorrecções diminuíram abruptamente.

Restam poucas dúvidas de que muitas comissões de beneficiários se deixam subjugar pelos interesses instalados. Mas também há poucas dúvidas de que o elo de corrupção entre os empreiteiros, funcionários e políticos foi seriamente quebrado em grande parte dos órgãos locais. Por exemplo, no Estado de Kannur - um bastião comunista - uma investigação descobriu que as comissões de beneficiários tinham sido cuidadosamente criadas e geridas de acordo com os critérios de transparência e responsabilização democrática definidos. O fortalecimento da capacidade e responsabilização das comissões de beneficiários permanece uma das prioridades da Campanha, e uma série de reformas importantes foram já introduzidas. Mas mesmo tendo existido e continuando a existir alguma fuga de fundos devido à manipulação de comissões de beneficiários pelos interesses instalados, a maioria dos observadores concorda que a multiplicação de vistorias e avaliações e a responsabilização acrescida associada à participação dos cidadãos representa uma melhoria fundamental na pilhagem sistemática que caracterizava o sistema tradicional.

A respeito dos processos de selecção dos beneficiários, os resultados da afinação institucional e do aumento da experiência comunitária são visíveis. Ao longo do primeiro ano, as queixas foram uma constante em quase todos os círculos. O volume de reclamações é per si um bom indicador do aumento da transparência do sistema. O sistema tradicional assentava essencialmente no favorecimento. Não havia muitas reclamações pela simples razão de que apenas alguns dirigentes e amigos tinham acesso à informação. As regras de selecção dos beneficiários têm sofrido alterações todos os anos e pelo terceiro ano consecutivo, menos de um quinto dos panchayats recebeu reclamações.

6.6. Promoção da equidade

Por muito que a Campanha se tenha preocupado com a eficiência das instituições deliberativas, e em conexão com a tradição de lutas de redistribuição, também promoveu uma estratégia de construção de formas equitativas de participação e de redução sustentada das desigualdades. A justiça sexual tem sido considerada um dos objectivos-chave da Campanha. São notórios alguns esforços de aumento da participação feminina nos grama sabhas, e o florescimento de GBs e de organizações de auto-ajuda mostram um fortalecimento da capacidade associativa feminina. Duas outras vertentes importantes têm sido os esforços de implementação da quota constitucional de representação que garante 1/3 dos lugares nas ILAGs a mulheres e a introdução de um Componente Feminino do Plano com 10% dos fundos. Como tem decorrido a experiência até agora?

A experiência confirma a importância da acção afirmativa (chamada reservations na Índia) nas estruturas representativas e sugere que este princípio deveria ser alargado a níveis mais altos. Mas esta acção só por si não chega. Um estudo de fundo dos representantes eleitos revelou que enquanto as representantes femininas são mais letradas que os seus companheiros masculinos (um facto social único no contexto indiano), as mulheres são em média mais novas mas mais experientes e não dominam tão bem as regras, legislação e questões administrativas. As representantes femininas têm para mais que suportar o fardo triplo de um cargo público, actividade laboral e deveres domésticos. Desde o início que a campanha tem desenvolvido programa alargado e contínuo de apoio às representantes femininas. O programa de formação, que se modificou fortemente de forma a se adaptar aos novos desafios, conseguiu resultados impressionantes. Um estudo de auto-avaliação feito às representantes femininas mostra que os seus conhecimentos administrativos e competências de gestão, bem como a capacidade de desempenho dos cargos públicos e de interagir eficientemente com os seus constituintes melhorou substancialmente nos últimos anos (Thomas Isaac et. al., 1999).

No primeiro ano, o Plano da Componente Feminina (PCF) não alcançou os seus objectivos, nem em termos de alocação de recursos nem de relevância dos projectos. Um factor redutor importante é a falta de recursos femininos qualificados. Este problema foi enfrentado directamente com a criação de níveis subsequentes de formação. À medida que as activistas e representantes femininas assumiram um papel mais pro-activo e importante na campanha, a eficiência, conteúdo e alcance do PCF têm-se desenvolvido. Primeiro, foi atribuída mais do que a quota legal de 10% dos fundos em todos os distritos. Segundo, foi reduzida a importância exagerada atribuída ao crédito e à contribuição para projectos de desenvolvimento feminino e foram adoptados padrões mais realistas de financiamento ao longo do segundo ano. Terceiro, a qualidade dos projectos evoluiu. A tendência de inclusão de projectos gerais no PCF fundamentada nos benefícios indirectos para as mulheres foi eliminada (por exemplo, a contabilização de metade do custo de uma estrada como projecto feminino fundamentada no pressuposto de que metade dos utilizadores seriam mulheres).

O receio de que os interesses de Castas e Tribos Documentadas são mais facilmente subvertidos a nível local onde resistem fortes desigualdades sociais com base no sistema de castas foi repetidamente levantado pelos líderes destas castas e tribos. Como têm reagido as Castas e Tribos Documentadas a este planeamento descentralizado?

O Plano da Componente Especial (PCE) tal como o Sub-Plano Tribal (SPT) tem sido desenvolvido e implementado de forma descentralizada desde meados da década de 1980. Mas esta descentralização tem sido puramente burocrática e não tem conseguido uma participação efectiva de nenhum representante eleito, abandonando os cidadãos à sua sorte. No âmbito da Campanha, 75 a 80% dos recursos dos PCEs e SPTs deixaram de estar nas mãos da burocracia central.

O primeiro impacto visível do planeamento descentralizado tem sido o aumento significativo dos fundos destinados e despendidos com as Castas e Tribos Documentadas. Uma análise cuidadosa mostra que grande parte dos PCEs e SPTs têm sido calculados com base em fluxos imaginários, isto é, ao englobar programas gerais que ignoram em vez de visar as comunidades de Castas e Tribos Documentadas. A Campanha extinguiu completamente este sistema de cálculo. Como resultado, o Departamento de Planeamento Estatal estima que os recursos efectivos para os sectores mais carenciados aumentaram 30 a 40 % face ao período anterior. A avaliação feita pelo DPE também revelou que os receios de que os órgãos locais poderiam desviar fundos eram infundados: salvo raras excepções, os órgãos locais atribuíram sempre aos PCEs e SPTs os fundos devidos. E mesmo sendo possível transferir até 30% destes subsídios para projectos estruturais como estradas e pontes, este expediente não levou mais do que 20% dos recursos. A ênfase era em projectos que pudessem ser direccionados a beneficiários individuais nas comunidades das Castas e Tribos Documentadas, como sejam a habitação, instalações sanitárias e animais de rendimento.

7. Conclusão

Durante grande parte da história de Kerala após a independência, os movimentos e os partidos de esquerda têm tentado conquistar ou influenciar o poder. A Campanha representa um marco ao tornar a própria natureza e carácter institucional do Estado alvo de contestação. Em cada plano local formulado e em cada projecto local implementado, as novas instituições e procedimentos de planeamento descentralizado vão criando as suas raízes. Uma vez que esta situação fortalece a sociedade civil e traz para a arena política actores outrora excluídos ou marginalizados, pode-se bem dar o caso de este aprofundamento da democracia se tornar auto-sustentável. Mas porque a forma de mobilização preconizada pela Campanha se torna cada vez mais difícil de sustentar à medida que o planeamento local se vai rotinizando, a manutenção da integridade e eficiência das instituições deliberativas vai obrigar a uma institucionalização da base de autoridade e de recursos do órgãos de poder local. Relativamente à promulgação da legislação e regulamentação necessárias muito tem sido feito. Mas estes ganhos podem ser facilmente revertidos ou perder relevância caso as novas instituições deixem de obter resultados. E os resultados físicos sustentáveis assentam, primeiro, na manutenção de níveis adequados de delegação financeira e, segundo, na reforma do aparelho burocrático. Ambos os factores se baseiam em modificações da equação política.

O regresso ao poder do Partido do Congresso significa o fim do apoio político da campanha. Mas os cinco anos de experiência de planeamento descentralizado em Kerala criaram novas fontes de autoridade democrática e proporcionaram lições que não serão facilmente esquecidas. Politicamente, a grande lição consiste na confirmação de que a descentralização e a participação dos cidadãos podem funcionar e funcionam efectivamente. Mesmo se apenas uma pequena porção dos panchayats se aproximou do ideal de planeamento local, só a demonstração da sua possibilidade teve repercussões profundas. Muito concretamente, estas centenas de experiências proporcionaram inúmeras inovações na concepção e implementação de projectos, que foram profusamente disseminadas através de programas inovadores de formação. Uma burocracia outrora inacessível e toda-poderosa foi em centenas de comunidades locais substituída em funções pelo esforço colectivo do cidadão comum. Cidadãos comuns, a quem nunca tinha sido proporcionada a possibilidade de se envolverem efectivamente no Estado fora de movimentos sociais reivindicativos, deliberam e cooperam de forma permanente com os seus representantes eleitos e funcionários públicos na decisão de alocação de elevadas dotações orçamentais. E o descontentamento generalizado e até desespero cínico deu lugar a um ataque aberto, organizado e implacável à política de favorecimento e ao começo de uma nova forma de política transformadora, através de práticas participativas quotidianas. No mínimo, isto reflecte-se no recente respeito dos partidos pela sociedade civil.

A segunda grande lição a retirar é a de que não existem mapas e que qualquer esforço reformador deste alcance e profundidade terá que ser necessariamente uma aprendizagem feita de experiência. A confiança na desejabilidade normativa de instituições participativas implica a consciência de que a sua implementação é um processo de experimentação e erro que implica feedback e adequação institucional constante. Essa flexibilidade implica, por sua vez, desenhos institucionais que estabelecem um equilíbrio entre autonomia local, dotada de parâmetros processuais e critérios de redistribuição e integração estratégica ao nível mais alto. Todavia, o que a experiência de Kerala sugere é que tais instituições tendem a emergir de um projecto político que conscientemente inclui a sociedade civil e se constrói a partir da lógica criativa e até turbulenta dos movimentos sociais.

 

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