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Teresa Cruz e Silva

União Geral de Cooperativas em Moçambique: um sistema alternativo de produção?

 

 

Introdução

O eixo da economia colonial no Sul de Moçambique, teve como base a economia camponesa familiar que funcionou como suporte: a) da produção de uma agricultura para o abastecimento do mercado interno e para exportação, b) da indústria nacional e outros sectores de serviços, e c) como gerador de divisas através do trabalho migratório para os países vizinhos (O’Laughlin, 1981: 13-14).

As políticas económicas introduzidas pelo governo de Moçambique depois da independência (1975) visavam transformar as relações sociais de produção e tornar Moçambique independente do sistema mundial capitalista. A estratégia consistia em construir um sistema socialista onde a cooperativização da produção da agricultura familiar camponesa, o reassentamento das populações em aldeias comunais e o investimento no sector estatal de produção seriam os grandes motores da transformação (O’Laughlin, 1981; Coelho, 1998; Francisco, 2003). As medidas económicas preconizadas pelo Estado pós-colonial mostraram no entanto ser as menos adequadas e acabaram por marginalizar os camponeses familiares a favor do desenvolvimento de uma agricultura mecanizada, destruindo assim o sistema que havia garantido a produção para o abastecimento do mercado interno e para exportação.

À crise económica, juntaram-se as calamidades naturais e a desestabilização provocada pela guerra. Estes processos, acompanhados por várias transições políticas e económicas acarretaram custos sociais com reflexos na qualidade de vida das populações, elevando assim os níveis de pobreza e o crescimento da exclusão. Ao mesmo tempo, e como resposta a esta situação, eles foram também geradores de iniciativas e alternativas populares de gestão social e económica.

Utilizando o estudo de caso da União Geral de Cooperativas Agro-Pecuárias de Maputo (UGC) - que se apresenta como um projecto multisectorial onde se cruzam e interagem as formas económicas e sociais -, pretendemos equacionar neste capítulo a possibilidade de realização de alternativas de produção, onde o espaço criado para a participação democrática e para o acesso e controle de recursos económicos e sociais abre o caminho para igual acesso a várias formas de poder e de uma alteração das relações sociais de género, com a viabilidade do projecto se manter como uma alternativa válida de solução de problemas, num contexto de economia aberta.

A nossa opção pelo estudo da União Geral de Cooperativas Agro-Pecuárias de Maputo (UGC) confinou o contexto deste capítulo a um espaço social urbano, uma vez que a maior parte das cooperativas e unidades de produção que formam esta união se situam nas zonas peri-urbana e urbana da cidade de Maputo, desenvolvendo uma parte significativa das suas actividades produtivas na cintura verde que circunda a cidade, particularmente no vale das Mahotas e com menor incidência, no vale do Infulene. Da mesma forma, uma parte importante das unidades de produção da UGC funcionam nas mesmas áreas geográficas.

Este capítulo está ainda circunscrito ao Sul do país, onde a história da economia política desta região, a relativa disponibilidade de meios de comunicação e consequente facilidade de acesso aos mercados, complementada por uma boa rede comercial, para além dos desenvolvimentos económicos mais recentes, lhe conferem caracteristicas muito especificas do ponto de vista sócio-económico e político.

 

1. Um sistema alternativo de produção ou uma agricultura urbana «capturada» pela dimensão de uma economia globalizante?

A nossa questão de partida centrou-se em torno da necessidade de saber até que ponto a UGC poderia ser considerada uma pré-figuração de um sistema alternativo de produção, numa situação de mercado aberto. Significaria isto falar de uma forma alternativa não-capitalista de produção e distribuição de mercadorias e serviços? Ou de que forma é que a UGC conseguira sobreviver, particularmente depois da adesão de Moçambique às instituições de Breton Woods, ajustando-se a algumas das imposições hegemónicas do mercado, ao mesmo tempo que procurava caminhos alternativos?

Se concordarmos que o sistema capitalista global através da hegemonia do mercado fragmenta e permeia as áreas políticas, culturais e sociais, fica também claro que a sua violência gera a produção de alternativas não exclusivamente a nível económico mas abrangendo também as dimensões do social, sendo as suas inter-ligações formas necessárias quer para a sua sobrevivência, quer para o seu sucesso (Giddens, 1998; Santos, 1998 e Appadurai, 1999).

Mahmood Mamdani, ao discutir a África contemporânea e o legado do fim do periodo colonial, defende a especificidade da experiência africana sem a considerar como excepcional e exótica, e tomando em consideração a necessidade de evitar que ela seja absorvida por um corpus teórico tão lato que a torne rotineira e banal (Mamdani, 1996: 13). Neste processo, Mamdani critica o argumento de Goran Hyden sobre a especificidade de um campesinato africano livre, porque ainda não «capturado» pelas outras classes sociais, referindo-se justamente ao facto de Hyden ignorar as relações através das quais o campesinato «livre» é «capturado» e reproduzido (Mamdani, 1996: 13). Mamdani levou-nos assim a estender esta problemática do campesinato «capturado» para a nossa análise, onde a experiência da UGC, embora apresentando formas alternativas a outras formas dominantes e portanto um processo que visa contribuir para uma maior inclusão social, não nos pode deixar perder de vista que a sua sobrevivência depende em parte da sua capacidade para responder às exigências do mercado. Isso implica de imediato uma modernização, e a sua inserção na «divisão do trabalho global» (Giddens, 1998: 53), onde os cooperativistas e os trabalhadores da UGC são consequentemente «capturados» pela dimensão de uma economia globalizante e sua divisão do trabalho.

O estudo da UGC, porque inserido num meio ambiente urbano, obrigou-nos a repensar sobre o significado e abrangência do conceito campesinato neste contexto, bem como sobre a problemática da agricultura urbana.

Sem entrar nos debates que envolvem os planificadores e teóricos do desenvolvimento, sobre os espaços rural e o urbano e sobre a agricultura urbana (Tinker, 1995), é fundamental questionarmos quem são os agricultores urbanos objecto do nosso estudo, para podermos situar a nossa análise.

Numa situação em que se torna difícil delimitar o urbano do peri-urbano e em que estes mesmos espaços se permeiam com o rural, particularmente no rápido e descontrolado processo de expansão das cidades, é necessário tomar em linha de conta o peso da produção agrária no abastecimento das cidades e sua contribuição para o rendimento das famílias da cidade capital.

Com uma tradição que remonta ao período colonial, em que a reprodução dos trabalhadores imigrantes quer para os países vizinhos quer do campo para a cidade era em parte garantida pela agricultura familiar, a economia agrária mantém ainda um peso importante no desenvolvimento económico das cidades como Maputo. A produção da cintura verde garante o abastecimento dos mercados da cidade com hortícolas, frutas, pequenas espécies animais e outros produtos característicos da agricultura urbana. Ao mesmo tempo, a produção proveniente das pequenas parcelas agrícolas que permeiam as zonas entre o urbano e peri-urbano e nas zonas periféricas da cidade, ou ainda a proveniente das parcelas agrícolas na terra natal dos seus habitantes e nas proximidades da cidade de Maputo, constituem um contributo importante para o rendimento económico de um inestimável número de famílias.

Maioritariamente formado por mulheres - uma vez que elas constituem o maior número de produtores agrícolas em Moçambique, se exceptuarmos os operários agrícolas que trabalham nas quintas viradas para o abastecimento das cidades, mas que não são objecto do nosso estudo -, os produtores agrícolas de que estamos a tratar, fazem parte deste grupo de trabalhadores acabados de referir. Originalmente ligados a uma agricultura de subsistência, eles são provenientes dos vários universos culturais que caracterizam a cidade de Maputo, entre originários da área geográfica em que a cidade se insere, imigrantes antigos e em menor escala resultantes das migrações mais recentes que caracterizaram as consequências da guerra entre as décadas de 1980 e 90. Deste modo, se é verdade que em muitos agricultores urbanos podemos encontrar o prolongamento de uma existência rural em citadinos não plenamente adaptados, e em que a situação económica os obriga a manter uma ligação com o meio rural, para muitos também associada a formas de sociabilidade e à construção de universos cognitivos e simbólicos, há entre eles, os mais jovens, cada vez mais afastados destes padrões.

A concepção do tipo de movimento cooperativo introduzido em Moçambique depois da independência nacional, emergiu das experiências das «zonas libertadas», durante o processo de luta armada de libertacão nacional, na base de uma «instituição caracterizada pela socialização dos meios de produção e da força de trabalho» (Muthemba, 1998: 22). Este processo sofreu todavia uma evolução ao longo dos anos, para fazer face às transformações políticas e económicas que o país atravessou.

A UGC é, sobretudo, uma união de cooperativas, com uma dimensão multisectorial, enraizada entre as camadas mais pobres da sociedade, que se afirma como um sistema baseado nos princípios de autogestão. A sua filosofia de crescimento insere-se no princípio da necessidade de criar as condições económicas e sociais que permitam aos cooperativistas, maioritariamente mulheres, o acesso aos recursos económicos e sociais e seu controle, por via da sua capacitação para tomar decisões que levem a melhorar o seu desenvolvimento económico e social.

A filosofia da UGC leva-nos assim ao encontro do que entendemos por empoderamento (empowerment) das mulheres e o seu significado no contexto em que estamos a trabalhar. O empoderamento no processo da UGC pode assim ser visto como uma forma «individual e colectiva de poder decidir, controlar e transformar» (Osório, 1999: 21), levando os seus associados a adquirir capacidades que lhes permitam alterar o curso dos acontecimentos em seu próprio benefício (Giddens, 1976).

O acesso aos recursos, como a terra e o crédito, à educacão formal e à formação no domínio das tecnologias modernas de produção, bem como o crescente aumento do controle democrático das actividades da união e sua consequente participação na tomada de decisões, contribuiram para um aumento gradual do poder das mulheres. Com níveis diferentes de responsabilidades, esta autonomia é não só extensível às que ocupam os lugares mais importantes da direcção das cooperativas, uniões de zona e da união geral, mas estende-se até à unidade básica, a cooperativa.

Se considerarmos que o cerne da filosofia de desenvolvimento da UGC assenta na ideia de que as cooperativistas devem assumir a consciência da sua condição social e lutar pela resolução dos seus problemas, e que o acesso ao poder deve ser utilizado para ultrapassar as dificuldades que as rodeiam, esta mesma filosofia pode ser enquadrada no âmbito do desenvolvimento das teorias feministas que defendem várias formas e caminhos de empoderamento, «de baixo para cima» (Townsend et al, 1999: 19-20), a partir da sua tomada de consciência como cidadãs. Em nossa opinião, o fundamental na estratégia da UGC foi ela ter mantido ao longo do seu desenvolvimento a ideia de que o acesso ao poder serve para aprender, organizar, remover obstáculos, em conclusão, para mudar a sua vida para melhor, através da produção de resultados.

Importa também reter, que as linhas de trabalho da UGC, mais do que assegurar a solução dos problemas económicos e sociais das cooperativistas, através da garantia da sua subsistência e das suas famílias e de um serviço de segurança social, contribuiram para a mudança gradual das relações de género, com impactos a nível familiar das comunidades inseridas neste movimento.

 

2. A cidade de Maputo no contexto das transições pós-independência

A literatura disponível sobre alguns dos processos de transição económica e social de Moçambique, caracteriza e avalia os diversos passos de evolução deste país, entre 1975 e 1984, apresentando várias interpretações. Em todas elas, independentemente do centro de gravidade da «deslocação do paradigma» se ter movido, ou não, das forças externas, para fazer recair as culpas sobre a FRELIMO - Frente de Libertação de Moçambique, no que respeita às diversas crises porque passou o país durante este período (Saul, 1994: 6-7), fica claro que a estratégia socialista de desenvolvimento, à qual está subjacente o processo de colectivização da produção, redundou num fracasso. Os incentivos «morais» repletos de voluntarismo, sem alternativas sociais e económicas para o melhoramento da vida dos camponeses, mostraram-se insustentáveis (Roesch, 1986: 234). Em 1983, o IV Congresso da FRELIMO reconhece, todavia, o fracasso da estratégia económica então em vigor.

O reforço da «hegemonia ocidental» (Saul, 1993: 19) na região e a adesão de Moçambique em 1984, ao FMI - Fundo Monetário Internacional e às políticas do Banco Mundial, a somar aos aspectos já referidos, levaram o país a passar por várias transições económicas e políticas desde a sua independência nacional em 1975. Depois de uma fase de economia centralmente planificada, em 1985 dão-se os primeiros passos para a sua liberalização. Visando reverter as tendências negativas do crescimento económico através de um reajustamento estrutural, em 1987 é introduzido o Programa de Reabilitação Económica (PRE) e em 1990 o Programa de Reabilitação Económica e Social (PRES), «num sinal de se atribuir uma maior ênfase social» a este processo (Francisco, 2003). As reformas económicas que caracterizaram as décadas de 80 e 90 em Moçambique, levaram a uma revitalização da economia, o que não significa necessariamente uma redução dos índices de pobreza. «A pobreza, entendida como ausência das condições para uma vida longa, instrução e um padrão de vida aceitável, afecta a maioria esmagadora da população de Moçambique» (PNUD, 1998: 81; Ministry of Planning and Finance, 1998: 3).

Moçambique é um país de assimetrias que se reflectem nas discrepâncias que caracterizam os níveis de desenvolvimento humano e económico entre as diversas províncias e entre estas e a capital do país, Maputo (PNUD, 1999: 87-91). Deste modo, embora esta cidade se destaque do resto do país, contribuindo com cerca de 35% para o PIB nacional e situando-se num nível médio de desenvolvimento humano (PNUD, 1999: 89-90), estes dados não captam a distribuição social, que possivelmente nos daria níveis de discrepância variadíssimos.

Um mapeamento dos níveis de desenvolvimento económico e social da cidade capital dar-nos-ia certamente várias áreas demarcadamente distintas pelos elevadíssimos índices de pobreza, particularmente zonadas nas periferias urbanas, que as migrações aceleradas pela guerra pós-independência terminada em 1992 e os impactos dos processos de reformas económicas ajudaram a expandir e consolidar.

O processo explosivo de crescimento da cidade de Maputo e a ocupação de áreas reservadas levou entre outros problemas ligados ao seu desenvolvimento desadequado, a um descontrolado uso do solo urbano e a desequilíbrios ecológicos nas suas áreas limítrofes (Araújo, 1990: 80). Neste processo podemos colocar o acesso à terra arável, particularmente aos solos mais férteis situados nos vales que circundam a cidade, também conhecidos por zonas verdes, ou cinturas verdes.

A cidade de Maputo é circundada por uma cintura verde onde predominam terras altas de sequeiro com níveis freáticos baixos, e por terras baixas com níveis freáticos mais altos e uma boa aptidão para as culturas, particularmente de hortícolas e fruteiras. Os registos documentais referem que já em 1930 a região do país mais produtiva em hortícolas se estendia desde uma área um pouco ao norte da Vila da Manhiça na província de Maputo, no vale ao longo do rio Incomáti, até Marracuene, prolongando-se em direcção ao Sul pelos vales das Mahotas e Infulene (Ministério da Agricultura, 1995), na área geográfica em que a maior parte das cooperativas e unidades de produção da UGC estão hoje instaladas.

Antes da independência, a cintura verde da cidade de Maputo era ocupada por pequenos e médios proprietários agrícolas colonos, para além de numerosos camponeses familiares distribuídos em pequenas parcelas de terreno, desenvolvendo actividades agro-pecuárias que permitiam o abastecimento da cidade em hortícolas, frutas e pequenas espécies animais (Ministério da Agricultura, 1995).

Depois da independência nacional a maior parte das propriedades acabadas de referir, foram abandonadas e posteriormente ocupadas por camponeses familiares. Uma parte dessas quintas ou parcelas de terra foram destinadas às chamadas «machambas do povo», e algumas cooperativas embrionárias, sob direcção e controle das entidades políticas locais, como os «Grupos Dinamizadores». A falta de um domínio técnico e insumos para a agricultura, aliada a um desinteresse pela produção feita na base do voluntariado, gerou níveis baixos de produção e rendimentos. Isto não pode no entanto ser dissociado da dependência dos rendimentos dos agregados familiares da produção familiar em pequenas parcelas de terreno, como já foi referido, bem como do trabalho assalariado, que o rendimento incerto e baixo das cooperativas não poderia compensar (Ayisi, 1995; O’Laughlin, 1981).

Em finais da década de 1970, o governo iniciou o desafio para o relançamento da produção agro-pecuária ao nivel da cintura verde das cidades, visando criar oportunidades de emprego, e abastecer as cidades em produtos alimentares, particularmente hortícolas e animais de pequenas espécies. Em 1980, para gerir estas parcelas de território, foi criado o Gabinete das Zonas Verdes da cidade de Maputo (GZV), tendo por objectivo dar conhecimentos administrativos e técnicos às cooperativas e agricultores privados sediados nestas áreas. Ligado ao Concelho Municipal da cidade, o GZV tinha uma dupla subordinação, já que estava também ligado ao Ministério da Agricultura, na sua qualidade de promotor de apoio técnico através dos seus centros agrícolas, as chamadas casas agrárias.

Nos anos que se seguiram à sua fundação, o GZV alargou as suas actividades de apoio técnico às cooperativas, para o sector privado, tendo depois entrado no sector da formação de camponeses, na área de vários projectos hidráulicos para a reabilitação ou construção de redes de irrigação e drenagem, promoção e desenvolvimento de associações de agricultores, comercialização de equipamentos e insumos agrícolas e construção de infraestruturas sociais.

 

3. União Geral de Cooperativas, uma alternativa de produção?

Para além dos problemas estruturais que inviabilizaram o projecto de socialização do campo, em cuja estratégia global a cooperativização deveria desempenhar um papel fundamental, o movimento cooperativo acabou também por ser afectado pelas consequências do processo de desestabilização que atingiu a maior parte do país, até à assinatura dos acordos de paz entre a FRELIMO e a RENAMO (Resistência Nacional de Moçambique), em 1992.

A deterioração económica que atingiu Moçambique depois da independência sofreu um maior agravamento na década de 1980 (Francisco, 2003), aprofundada pela situação militar. Se é verdade, como afirmam alguns autores (O’Laughlin, 1981) que o problema de acesso à terra neste período não era um problema real que justificasse a dinamização do movimento cooperativo, a guerra e o consequente processo de migração campo-cidade e a luta pelo acesso a terras férteis como as da cintura verde da cidade de Maputo, mudaram esta situação, pelo menos em termos relativos.

A concentração populacional na capital e arredores levaram a uma desmedida pressão sobre o acesso e uso das terras mais férteis e a uma prática de agricultura intensiva com o consequente aumento de uma carga populacional sobre o sistema ecológico, criando desequilíbrios com consequências a longo prazo. O processo de cooperativização nas zonas verdes de Maputo acabou, assim, por enfrentar um processo de luta pelo acesso à terra, devido ao contexto sócio-económico em que emergiu.

O primeiro embrião da União Geral de Cooperativas (UGC) nasceu da relação entre as cooperativas da cintura verde da cidade de Maputo e do Gabinete das Zonas Verdes desta área, em 1980, a partir de um núcleo de mulheres que se organizaram para coordenar as actividades das cooperativas (Casimiro, 1999), estimuladas pelo apoio do Padre Prosperino Gallipoli.

Tomando como base os factores internos, isto é, o nível de desenvolvimento da UGC, e os factores externos, como os impactos das transformações económicas e sociais a nível nacional, a nossa análise da UGC será dividida em três diferentes períodos: a) 1980-1987: Origem e evolução da UGC, os novos desafios; b) 1987-1990: O movimento cooperativo no novo quadro económico em vigôr no país; e c) 1990-2000: Consolidação da UGC: problemas e perspectivas.

3.1. 1980-1987: Origem e evolução da UGC, os novos desafios

O GZV, ao criar um espaço político-administrativo para a organização dos camponeses pobres na cintura verde da cidade de Maputo, está necessariamente associado à história do movimento cooperativo. Convém no entanto ressaltar, que este movimento assumiu depois características peculiares e um tipo de amadurecimento que estiveram na origem da criação da embrionária UGC, em 1980 (UGC, 1998).

Na sua fase inicial, a UGC, porque enquadrada nas políticas que visavam a construção do socialismo aparece associada aos «Grupos Dinamizadores» em representação do Partido no poder, a FRELIMO, e à OMM - Organização da Mulher Moçambicana, a liga das mulheres do mesmo partido, já que a maior parte dos cooperativistas eram mulheres. O crescimento das cooperativas agro-pecuárias e a necessidade de resolver muitos dos seus problemas, impunham no entanto uma maior descentralização de poderes e uma maior participação efectiva dos seus membros no controle dos recursos e na tomada de decisões, dificultadas pelas formas de actuação e controle quer dos «Grupos Dinamizadores» quer da OMM. Neste processo, a UGC acabou por se distanciar das instituições partidárias, num processo emancipatório cheio de dificuldades, dado o contexto político e económico em que se realizava.

Na sua fase inicial este movimento era maioritariamente formado por mulheres sem escolarização, sem formação técnica e sem emprego, o que caracteriza o perfil das cooperativas em termos de composição de classe (UGC, 1998). Estava-se assim perante um enorme desafio.

Os objectivos iniciais da embrionária UGC consistiam em criar uma plataforma que permitisse produzir um suplemento alimentar e um rendimento adicional para minimizar as carências dos agregados familiares. Para fazer face a esta plataforma, no entanto, era necessário introduzir uma formação técnica básica dos seus membros e criar infraestruturas adicionais que garantissem o aprovisionamento alimentar às cooperativistas e seus familiares, dada a crise profunda de abastecimento em bens de consumo em que o país se encontrava mergulhado, o que contribuiu para o desenvolvimento de mercados paralelos e uma subida de preços de bens essenciais (Tickner, 1992). Foi assim que nasceu uma loja móvel para o abastecimento das cooperativas e se foram gradualmente introduzindo outros benefícios sociais, como as creches, onde as mulheres podiam deixar as crianças para poderem produzir, e mais tarde a introdução de um serviço embrionário de saúde comunitária com a contratação de uma enfermeira, em 1986 (Kirchney et al, 1987).

A larga adesão às cooperativas ligadas à UGC que teve lugar entre 1981 e 1986, de 24 cooperativas e 1177 membros em 1981 a 194 cooperativas e 10.500 membros em 1986 (Kirchney et al, 1987), deveu-se, assim, quer à possibilidade de acesso aos bens de consumo, instrumentos e factores de produção, quer ainda ao crescer dos benefícios sociais concedidos aos associados, particularmente depois de 1981, com a emancipação das cooperativas da tutela administrativa e política anterior (Kirchney et al, 1987; Casimiro, 1999).

Os vários testemunhos recolhidos nas cooperativas da UGC no vale das Mahotas, particularmente entre as cooperativistas mais velhas, referem a origem da UGC. É o caso dos testemunhos de Lúcia C., com cerca de 60 anos, da cooperativa Alberto Cassimo:

A maior parte das cooperativistas começaram a trabalhar nas machambas do povo, onde sofreram muito até formarem as suas cooperativas. Em 1980, começámos com a cooperativa Alberto Cassimo. Tivémos que desmatar os terrenos e os machongos. As dificuldades e a produção baixa, levaram muitas mulheres a disistir.

As palavras de Lúcia C. não são diferentes dos outros testemunhos de mulheres que nos falaram da fome que se vivia nos perídos 1978-79, da fraca produtividade das suas machambas, ou dos magros proventos que recebiam quando se fazia a distribuição dos rendimentos provenientes da produção colectiva. Todas foram unânimes em afirmar que o dinheiro da venda do produto do seu trabalho ficava sob controle do «Grupo Dinamizador» e da OMM, e que as cooperativas não tinham controle sobre a distribuição dos seus lucros. Luísa M., com 48 anos, da Unidade de Produção de Flores da UGC, referindo-se à relação entre as cooperativas e as estruturas políticas do bairro, disse-nos:

Iniciei as minhas actividades em 1976, cultivando nas machambas do povo, onde era possível encontrar um pouco de rendimentos, mas que não ficava nas cooperativas. O dinheiro era entregue ao Grupo Dinamizador. Quando em 1980 aderimos ao movimento organizado por Prosperino, já era possível ver os rendimentos serem distribuídos. Nessa altura, a função da UGC era ajudar na organização das cooperativas, mas eram as cooperativas que faziam o controle da produção.

O diálogo com os associados na procura de melhores formas de organização e escoamento da produção levou à reformulação dos métodos de trabalho nas cooperativas e à introdução de formas democráticas de controle e tomada de decisões, através de debates permanentes no seio das cooperativas e entre estas e seus dirigentes eleitos, para a tomada de decisões, que ajudaram a construir as formas de relacionamento entre as cooperativas e a União Geral. Em 1982, nasceu a primeira Assembleia Geral da UGC, onde se realizavam as discussões sobre os problemas das cooperativas e se delinevam as primeiras decisões, num processo que foi amadurecendo gradualmente.

No processo de diversificação da produção para mercado e melhoria da dieta alimentar dos associados introduziu-se a suinocultura, e mais tarde e em associação com esta actividade a produção de biogaz, como energia alternativa para alimentar as creches e outros serviços sociais das cooperativas.

A embrionária UGC alarga o campo das suas actividades, iniciando a venda de sementes, insecticidas, e organização do escoamento da produção das cooperativas e sua colocação no mercado. Neste processo, jogaram a seu favor, não só a agressividade da sua direcção, mas também o facto de as unidades de produção estarem situadas maioritariamente em zonas com facilidades de comunicações e acesso a um mercado com capacidade de absorção rápida dos seus produtos.

A diversificação das actividades promovidas pela união e o crescimento do movimento cooperativo, exigiam já uma gestão eficiente e transparente, e portanto, formação técnica e escolar dos seus associados. Com a criação do primeiro centro de formação para camponeses nas Mahotas em 1981, estavam também criadas as condições para a realização de cursos de alfabetizacão e educação de adultos, e para a formação técnica, nas áreas de agro-pecuária e gestão, cursos aos quais se acrescentaram progressivamente outras temáticas como liderança, organização e cooperativismo. Em 1986, a UGC registava já um total de 4 centros para o ensino da 5ª e 6ª classes, e mais tarde criou uma escola secundária, dando assim possibilidades de acesso a este nível de ensino aos filhos dos seus membros.

O processo de desenvolvimento exigia também uma contabilidade organizada e investimentos, sobretudo na construção de infraestruturas para as áreas sociais e para o sector produtivo. Para além do apoio financeiro e técnico recebido de organizacões não-governamentais, o acesso ao crédito para investimentos e o apoio técnico para a formação na área contabilística foi feito através do Banco Popular de Desenvolvimento (BPD), em Moçambique.

Em 1983 inicia-se o movimento para a oficialização da UGC, que tem lugar em 1984. O projecto inicial da UGC teve sobretudo a adesão de mulheres, que assumiram igualmente a maior parte dos postos de direcção da união. Em 1986, elas representavam 95% do total dos seus membros (Kirchney et al, 1987). Uma análise estatística feita por Anneke Mulder, sobre a composição social das cooperativas revela-nos uma média situada entre 20 a 60 membros por cooperativa, e idades médias de 39 anos para 1983 e 35 anos para 1986 (Kirchney et al, 1987).

O crescimento das cooperativas e a necessidade de se articularem para a solução dos problemas e sua ligação com a União Geral levaram à criação das uniões de zona, para onde são eleitos democraticamente os representantes de um grupo de cooperativas duma determinada zona, com voz na Assembleia Geral da União Geral, que se reúne uma vez em cada mês. Este é o orgão social onde se discute a vida da união e onde se tomam as decisões mais importantes. Em 1986, registavam-se já 10 uniões de zona para um número de 194 cooperativas e cerca de 10 500 cooperativistas (Kirchney et al, 1987).

A década de 1980, foi o período de lançamento e introdução de novas experiências. As formas democráticas de controle das actividades, «de baixo para cima», e o melhoramento das condições de vida e trabalho foram também um processo de aprendizagem para todos. Sem esquecer o aspecto económico, deu-se no entanto uma particular importância ao incremento das actividades sociais, uma forma de não perder de vista os aspectos humanos, devido à conjuntura em que a UGC nasceu e se desenvolveu.

Em termos globais, os índices médios de produção da UGC são considerados baixos para esta fase. A maior parte das cooperativas são fracas e caracterizadas por um excesso de mão de obra. É no entanto importante notar que o balanço das actividades da UGC para o ano de 1984, referia já: a) um crescimento em 60%, relativamente a 1993, da produção global das cooperativas agro-pecuárias de Maputo; b) um aumento na formação geral e dinamismo dos seus membros, com especialização de força de trabalho nas cooperativas e na área de gestão empresarial, imprimindo uma atitute agressiva e preparados para discutir os seus avanços e problemas visando melhorar a sua vida, e c) a introdução de novos serviços (aprovisionamento, comercialização, contabilidade, construção, assuntos sociais e creches, reprodução de suinos, viveiros, mecanização e transportes), em resposta ao crescimento das cooperativas (UGC, 1985; Kirchney et al, 1987).

Apesar das dificuldades, o crescimento da UGC entre 1981 e 1986, leva à sua aceitação no mercado nacional. Na década de 1980, a UGC transformou-se num dos principais fornecedores de carne e hortícolas de Maputo e seus arredores (UGC, 1998). A união tinha já neste período assegurado os meios de transporte para o escoamento dos produtos. O mercado de carne permitia, já em 1986, o funcionamento de uma salsicharia para a produção de derivados de porco, e havia já planos para investir numa fábrica de rações.

O nível de crescimento da UGC levou-a assim, a passar a uma fase mais organizada da sua produção e a um consequente crescimento dos seus rendimentos. Os meios de produção deixaram de ser oferecidos e passaram a ser vendidos aos associados, revertendo os lucros a favor de um fundo que deveria apoiar rotativamente as cooperativas, as uniões de zona ou a UGC. Neste período, é igualmente iniciado o processo de modernização das cooperativas com a introdução electrobombas, furos de água e electrificação das áreas onde estavam instaladas as cooperativas e unidades de produção, e outros meios que visavam melhorar a qualidade da produção e a sua rentabilidade, através de um critério baseado na promoção como prémio pela prova de capacidade e empenhamento das cooperativistas, aliada a factores como auto-confiança.

Se um dos objectivos iniciais da UGC era garantir um complemento alimentar e salarial aos agregados familiares, nesta fase era já possível distribuir uma salário mensal às cooperativistas, correspondente a um pouco mais que um salário mínimo, que funcionava como um rendimento certo no agregado familiar, garantindo assim uma auto-confiança dos seus membros no crescimento das cooperativas, e uma maior estabilidade no seio das suas famílias.

O apoio aos agregados familiares era também reforçado pela possibilidade de acesso a: a) uma parcela de território das cooperativas para o desenvolvimento da agricultura familiar, por cooperativista, b) à extensão rural feita através de apoio técnico às terras de exploração familiar dos associados, e c) à possibilidade de formação em áreas técnicas e criação de postos de trabalho na UGC, onde eram preferencialmente empregados os filhos dos cooperativistas.

O grande investimento feito pela UGC em infra-estruturas sociais, os baixos índices das cooperativas em termos produtivos, aliados a uma grande dependência da ajuda externa, colocam-nos, já nesta fase, o problema da eficácia da UGC e suas possibilidades de sobrevivência.

Com a adesão de Moçambique ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional em 1984, em 1985 foram introduzidas as primeiras medidas para a liberalização dos preços de certos produtos alimentares como as frutas e verduras. A partir de 1987, com a introdução do Programa de Reajustamento Estrutural (PRE) houve um enquadramento sistemático e amplo de «um comércio liberalizado em grande escala e as unidades agrícolas e industriais foram privatizadas» (Francisco, 2003).

A UGC tem agora que fazer face a um mercado cada vez mais competitivo. A desvalorização da moeda e a inundação do mercado por produtos tradicionalmente produzidos pelas suas cooperativas e unidades de produção, são alguns dos primeiros problemas que ela tem que enfrentar, desenhando outras estratégias para se reajustar às pressões da nova hegemonia.

3.2. 1987- 1990: O movimento cooperativo no novo quadro económico em vigor no país

Depois de um «boom» do movimento cooperativo verificado no período anterior, a UGC atingiu também uma fase de crescimento considerável, em termos qualitativos e quantitativos. As suas actividades estavam viradas para as suas duas componentes essenciais: i) a sede da união geral de cooperativas para a gestão administrativa e financeira, serviços de apoio técnico, a área de formação, e as unidades de produção, economicamente independentes das cooperativas e ii) as cooperativas.

Na sua fase de emergência e desenvolvimento, a UGC fez investimentos nas áreas sociais e económicas e introduziu novas modalidades de organizacão da produção, criando mais espaços de participação democrática e de oportunidades para a resolução dos problemas pelos associados, particularmente através das discussões nas várias assembleias, e de acordo com os seus princípios básicos. O período compreendido entre 1987 e 1990, representa assim uma fase mais madura da união, onde a sua sobrevivência, enquanto alternativa, depende da forma como as suas estratégias de desenvolvimento se vão ajustar às pressões provocadas pela hegemonia do mercado. Este é também um dos seus períodos mais difíceis, por se tratar da fase da sua reafirmação. É assim que imediatamente a seguir à introdução de novas reformas económicas e à consequente liberalização dos preços, a UGC inicia um processo de reflexão sobre a inserção das cooperativas no novo quadro económico do país.

As dificuldades de colocação dos produtos nos mercados e as já referidas consequências da desvalorizacão da moeda moçambicana, o metical, nos preços de insumos e implementos agrícolas, rações para animais e outros produtos, têm reflexos pesados e rápidos sobre a economia da UGC.

Nesta fase de transição económica gera-se um processo gradual de desmobilização dos cooperativistas e sua consequente deserção. Uma explicação para estas deserções pode ser encontrada no aumento da vulnerabilidade criado pelas reformas económicas sobre as famílias mais pobres e o consequente incremento da sua fraca capacidade de sobrevivência. Neste período, a procura de uma resposta mais rápida, mesmo que menos segura, para tentar responder de imediato ao declínio do rendimento familiar, levou muitas mulheres cooperativistas a juntarem-se ao sector informal (Cruz e Silva, 2003; Andrade et al, 1998: 60), abandonando as fileiras da UGC.

Como nos foi confirmado por algumas cooperativistas do vale do Infulene, o retorno imediato na venda de pequenas quantidades de bens de consumo no mercado informal, para resolver os problemas mais imediatos do dia a dia, levou muitas associadas da UGC a optar por este tipo de trabalho, abandonando assim as cooperativas. Outros testemunhos das cooperativistas do vale das Mahotas, falaram-nos também das dificuldades porque tiveram que passar no movimento de organização das cooperativas, que levaram muitos membros a abandonar estes projectos. Delfina M., da cooperativa Alberto Cassimo, disse-nos a este propósito:

Em 1980, na Cooperativa Alberto Cassimo eram cerca de 80 pessoas. Havia dificuldades e muitas mulheres abandonaram as cooperativas. Hoje, passaram muitos anos e muitas desejam voltar, mas depois das que estão nas cooperativas terem sofrido tantas dificuldades, não aceitamos o regresso delas de qualquer forma. Hoje comem, vestem e cobrem-se graças à cooperativa [...] chegaram onde chegaram graças à cooperativa. Dos 80 membros, hoje ficamos apenas 15 das antigas.

Uma outra cooperativista, Lurdes M., da cooperativa Ngungunhana, fala-nos das dificuldades que as mulheres enfrentaram na sua cooperativa:

Comecei o meu trabalho nas machambas do povo, em 1980. A cooperativa Ngungunhana foi criada em 1982, com o apoio da Casa Agrária. Nessa altura, não tínhamos nada para produzir. Cada qual trazia o que tinha para cavar a terra e regar, na cooperativa. Primeiro, o meu trabalho era feito nas terras altas, onde semeávamos mandioca e batata-doce, mas produzíamos pouco. Com a ajuda do Grupo Dinamizador conseguimos terras situadas na parte mais baixa do vale. Com as sementes que recebemos gratuitamente fomos melhorando a nossa produção. O período mais difícil, foi mesmo entre 1984 e 1985, onde o número de cooperativistas se reduziu muito. Nessa altura, a Casa Agrária tambem caiu, mas conseguimos resolver os problemas com o apoio da UGC. Actualmente plantamos couve, cenoura, pimentos, alface, cebola e tomate no tempo frio, e no tempo quente plantamos milho e folhas de abóbora. Também temos aviários.

O processo de repensar a UGC para este período, delineou novas estratégias, visando assentar o desenvolvimento do movimento cooperativo através de: i) poupança em divisas; ii) prestação de serviços no seio do movimento a baixo custo; iii) um programa de reabilitação agrícola com a introdução de culturas alternativas e de rendimento e sectores pecuários alternativos; iv) modernização das cooperativas e sistemas de produção e v) introdução de unidades de produção de rendimento, que permitissem à UGC fazer face à concorrência dum mercado aberto.

No balanço realizado pela UGC para repensar estratégias pesaram também os aspectos positivos do movimento, tendo ressaltado entre outros: a) a importância do seu apoio ao sector familiar, através das cooperativas e uniões; b) terem conseguido fazer face à crise provocada pelas reformas económicas sem ter de alienar o seu património a entidades nacionais ou estrangeiras, nem despedir trabalhadores ou cooperativistas; c) as rendas médias dos cooperativistas serem 1,5 superiores a um salário mínimo nacional, apesar da maior parte dos seus membros serem mulheres com níveis baixos de escolarização e muitas serem já idosas (Casimiro, 1999: 199; UGC, 1997: 8).

A criação de uma unidade para gerir os serviços administrativos e financeiros da UGC no geral, das unidades de produção e de prestação de serviços, representa também uma imagem do seu crescimento e a tentativa de responder às questões e problemas do dia a dia, tentando melhorar a sua eficácia e apresentar uma imagem de transparência. Os lucros provenientes das unidades de produção permitiram à UGC criar um capital para fazer investimentos nas cooperativas e nos sectores sociais.

Depois de uma fase de crise, em 1989 a UGC começa a redesenhar as suas esperanças. A suinocultura que estava em fase de baixa produtividade devido ao problema de rações e dificuldades de colocação da sua carne no mercado tinha sido substituída pela avicultura, com um ciclo reprodutivo mais rápido e uma boa aceitação no mercado nacional. A produção de carne de frango passa, assim, a constituir parte de um processo em cadeia que envolve as cooperativas, as unidades de produção da UGC, e a área comercial e de administração e finanças. Tudo isto conta com um ciclo onde a eficiência e a qualidade são fundamentais, o que implica um sistema de formação de trabalhadores da UGC e cooperativistas para operarem nas diferentes fases deste processo. A produção de carne de frango faz, assim, parte de um sistema moderno em que todos os desperdiços são aproveitados quer para a produção de proteínas para rações, quer como fertilizantes para a produção agrícola.

A avicultura apresentou-se nesta fase como um dos focos mais importantes para a recuperação económica da união. Porque esta mesma produção era não só feita a nível das unidades de produção da UGC, mas também a nível das cooperativas, sectores sociais e individualmente por cooperativistas, ela permitiu também o aumento dos rendimentos individuais de cada sócio, e que as unidades de apoio social também se tornassem economicamente independentes da união. O processo contou com um sistema de crédito e do apoio técnico da UGC às cooperativas, tendo o sector familiar beneficiado igualmente do apoio técnico.

Num contexto de reajustamento estrutural, a UGC manteve um investimento na área social, mantendo com isso a sua ideia inicial de apoiar os mais pobres, preservando uma dimensão humana (Depelchin, s/d: 6).

3.3. 1990- 2000: Consolidação da UGC: problemas e perspectivas

A década de 1990 encontra a UGC perante uma encruzilhada, entre o crescimento qualitativo e quantitativo dos últimos 10 anos, onde «não basta a dedicação, a boa vontade e a coragem» (Celina Cossa, s/d) para a sua manutenção e desenvolvimento, e a necessidade de montar uma organização moderna e científica para enfrentar o futuro (Celina Cossa, s/d).

Registada como uma empresa com personalidade jurídica a 2 de Março de 1990, a UGC é legalmente reconhecida no seu novo estatuto. A União Geral de Cooperativas Agro-Pecuárias de Maputo, passa agora a ser uma empresa cooperativa, com 185 cooperativas, 12 uniões de zona, 5500 sócios e um património registado, que deve gerar receitas para ser economicamente viável. Os seus órgãos sociais são constituídos por uma Assembleia Geral, um Conselho Directivo, Conselho Fiscal, Comissão de Gestão e Conselho de Controle, eleitos democraticamente (Casimiro, 1999; UGC, 1999).

Tendo iniciado as suas actividades nas zonas verdes da cidade de Maputo, com 7 cooperativas e 500 membros (UGC, 1999), a UGC tem hoje unidades de produção e cooperativas em várias zonas da Província de Maputo. O seu conjunto diversificado de actividades agro-pecuárias está essencialmente voltado para avicultura, rações para animais (PRODAG), agricultura, artesanato, uma frota de transportes, sector de comercialização de produtos frescos, frangos vivos e processados (congelados), contruções, criação de gado bovino e serviços complementares de apoio às unidades de produção e às cooperativas.

Projectos como o plantio de fruteiras nas cooperativas como culturas alternativas de rendimento são ainda recentes e não começaram a produzir resultados quantificáveis. A introdução a partir de 1998 da produção de flores e a reprodução de cajueiros, tal como as fruteiras já referidas, inserem-se num programa de longo prazo, que visa não só criar mais locais de trabalho para os cooperativistas e suas famílias, mas superar as dificuldades económicas e encontrar alternativas de sobrevivência fora da ajuda externa. A união pretende colocar-se assim ao nível de competividade com o mercado internacional, particularmente o da região Austral de África.

Aliado à produção da castanha de cajú, a UGC estuda também a possibilidade de alargar estas culturas a grandes extensões e construir fábricas de processamento da sua amêndoa, tendo planos para introduzir ao mesmo tempo a experiência de uma indústria de descasque de amendoa de cajú, baseada em trabalho doméstico, com a distribuição de pequenas máquinas para o seu processamento pelas cooperativistas e suas famílias. Se este projecto for em frente, a UGC deverá estar preparada para enfrentar mercados tão competitivos como a Índia e o Brasil. As políticas do governo para a agro-indústria nos próximos anos, particularmente no desenvolvimento da indústria de processamento da amêndoa de cajú, e o comportamento do mercado, jogarão igualmente um papel decisivo na evolução deste projecto (PNUD, 1998: 77-78).

A UGC tem ainda outros projectos em carteira para o melhoramento e a diversificação da produção de frutas, e em geral da produção agrícola, cujo sucesso em termos de produtividade está ainda dependente da introdução de novas tecnologias, entre as quais um sistema eficiente de rega, a introdução de sementes de alto rendimento e baixos custos, bem como a melhoria da formação dos cooperativistas. Estando Moçambique enquadrado na região Austral de África, a UGC tem que estar preparada para competir não só com o mercado nacional, mas ser também capaz de enfrentar o mercado internacional, onde a África do Sul pode simultaneamente transformar-se quer no seu maior concorrente, quer no seu melhor mercado, dependendo da qualidade e capacidade de competição da UGC.

A UGC funciona hoje como uma «holding», onde os 5.500 sócios representam as «shareholdings», tendo já criado, em 1997, uma ONG no seu seio - a UGC/AD - União Geral de Cooperativas/Apoio ao Desenvolvimento - que funciona como uma cooperativa de poupança e crédito (Casimiro, 1999, UGC, 1999 e entrevistas a P. Gallipoli, a 20 de Julho 2000 e 27 de Abril de 2001).

Apesar do enorme crescimento da UGC e de ela ter conseguido sobreviver às reformas económicas, ajustando-se na sua forma e objectivos, continua a depender das doações do financiamento externo e de empréstimos bancários para poder sobreviver. Mesmo assim, a UGC está capacitada para financiar pequenos projectos para apoio às cooperativas e tem um eficiente sistema de crédito às actividades das cooperativas, como já foi referido.

No «ranking» das 100 maiores empresas de Moçambique, realizado pela KPMG (KPMG Moçambique, 2000), tendo como quadro principal o volume de negócios de 1999, a UGC colocou-ne na 9ª posição, num conjunto de 15 empresas do ramo de alimentação e bebidas. No quadro das 100 maiores empresas, num universo de 191 empresas, a união ficou colocada na 49ª posição (KPMG Moçambique, 2000).

Na área social, a UGC estendeu os benefícios aos cooperativistas, tendo passado do pagamento de um salário, à organização de um fundo para a segurança social dos seus trabalhadores. Deste modo, as cooperativistas mais velhas têm já uma reforma assegurada, que corresponde a metade do salário das cooperativistas ligadas ao sector produtivo. Hoje, a UGC tem postos de saúde e oferece assistência aos seus sócios e familiares, através dos programas de saúde pública (UGC, 1999: 17).

As creches para os filhos das trabalhadoras cresceram de acordo com as necessidades, e hoje, do ponto de vista financeiro, muitas delas já não dependem do apoio da UGC para a sua sobrevivência. A área educacional sofreu igualmente um crescimento progressivo, e para além do conjunto de escolas de nível primário e secundário já referidas, ela oferece hoje uma formação média e técnica, através da sua escola e instituto comerciais, e tem já alguns dos seus trabalhadores com bolsas de estudo no ensino superior (UGC, 1999).

O crescimento do movimento cooperativo provou ser necessário estender as experiências existentes a outras partes do país. Assim, em 1993, foi criada a UNAC - União Nacional de Camponeses, que congrega as associações de camponeses existentes no país e que não estão ligadas à UGC.

A UGC mantém ligações a vários níveis com outras organizações congéneres a nível internacional e nacional, sendo membro da UNAC. A presidente da UGC, Celina Cossa, é também presidente da UNAC.

Ao longo dos seus 21 anos de trabalho é fácil verificar que a União enfrentou várias dificuldades, muitas das quais superadas. Ainda dependente de financiamentos externos e créditos bancários, ela continua a ter que fazer face a vários problemas, entre os quais o nível de produtividade de algumas cooperativas, que lutam também com o problema de uma mão de obra maioritariamente constituída por mulheres idosas e iletradas, onde nem sempre é fácil fazer mudanças. A UGC prepara um programa social para passar à reforma as mulheres mais idosas, ciente de que necessita modernizar as cooperativas para fazer face à concorrência imposta por um mercado aberto.

As dificuldades de crescimento enfrentadas pelas cooperativas mais fracas podem ser também explicadas, pelo menos em parte, como o resultado da contradição que existe entre as cooperativas e a UGC, na competição pelos melhores trabalhadores. Temos assim uma UGC reforçada nos seus sectores mais importantes, como unidades de produção e cooperativas piloto pelas cooperativistas mais vivas e dinâmicas, em detrimento das cooperativas mais fracas. Uma eventual explicação para esta situação, pode ser a necessidade de reforçar os sectores mais rentáveis da UGC enquanto se procuram alternativas para essas mesmas cooperativas em crise.

Ao longo do nosso trabalho de campo, foi-nos possível contactar com mulheres com uma capacidade extraordinária de gestão, liderança e organização, ocupando lugares na chefia das unidades de produção da UGC ou nas cooperativas mais importantes. Ao mesmo tempo, verificámos que em outras cooperativas era-se sócia apenas por uma questão de sobrevivência, mas sem perspectivas para o futuro. Eis alguns dos nossos testemunhos:

Eugénia N., tem 56 anos, e é responsável pelo viveiro de fruteiras, e trabalha há 17 anos na UGC, depois de ter passado pela cooperativa Marien Ngouabi. Sob a sua responsabilidade há 42 trabalhadores, dos quais 38 mulheres. A função desta equipa de trabalho, é criar fruteiras melhoradas, entre as quais cajueiros, através do sistema de enxertias para produzir um tipo de planta economicamente mais rentável. É casada, tendo duas das suas filhas como trabalhadora da UGC, uma das quais na escola de formação de mecânica. Eis a sua história:

Iniciei as minhas actividades na machamba do povo em 1979, mas não estava satisfeita porque trabalhava sem rendimentos. Depois de um ano, apareceu o senhor Prosperino que juntou as mulheres e nos ajudou a organizar em cooperativas, e ensinou-nos sobretudo a produzir muitas coisas. Tivémos depois necessidade de fazer uma casa agrária e de ter a nossa organização. Aprendemos novas ideias, sobre novas culturas, como fazer canteiros, canais de irrigação, e como aproveitar melhor a água. No início tínhamos que dar uma pequena contribuição, para alugar um transporte para levar os nossos produtos ao mercado. Recebíamos uma quantia mínima da venda dos produtos, mas tínhamos o grande apoio da produção de alimentos para as nossas famílias. Aos poucos aprendemos a utilizar o banco para depositar as nossas economias. Mais tarde fizémos a produção de porcos. Mas quando vimos que a produção de porcos era lenta e que precisávamos de pelo menos dois anos para ver os resultados do nosso investimento, então mudámos para os frangos. Era mais fácil, podíamos sentir o resultado do nosso trabalho apenas em 45 dias, ao mesmo tempo que melhorávamos a agricultura. A UGC abriu um matadouro por causa dos frangos, e a maior parte das mulheres que aí trabalham, como noutras unidades de produção, saíram das cooperativas. As melhores cooperativistas vão trabalhar para as unidades de produção da UGC. As cooperativas ficam mais fracas, mas por outro lado, isso melhora o trabalho da união.

A cooperativa Che Guevara é uma cooperativa piloto, com tractores e um sistema de rega alimentado por uma moto-bomba, onde pela rentabilidade do seu trabalho a UGC faz investimentos. A cooperativa tem um terreno com 25 hectares, embora não totalmente cultivados. Dedicam-se basicamente à produção de hortícolas durante a maior parte do ano, com culturas alternativas ajustadas a cada estação do ano. Nela trabalham 38 indivíduos, dos quais apenas 10 são trabalhadores assalariados, e contam já com um número de 11 reformadas com pensão paga pela UGC. Para além da produção agrícola, que inclui 800 cajueiros e um plano para o desenvolvimento de citrinos, a cooperativa tem uma unidade de produção de carne de frango, com a capacidade de 4000 pintos, e as cooperativistas estão satisfeitas com os resultados do seu trabalho. Eis o testemunho de um dos seus membros:

Começámos as nossas actividades em 1980. Durante o tempo do Grupo Dinamizador abrimos as matas e formámos a cooperativa. Não temos medo de trabalhar. A cooperativa tem 25 hectares, e cultivamos couve, alface, tomate, batata-doce, feijão verde e pimentos. No tempo quente semeamos pimentos, feijão verde, tomate e milho. Temos um plano de produção que é feito em conjunto com a UGC. Há um carro que vem regularmente à cooperativa e leva os nossos produtos para vender. O contabilista regista a nossa produção. Os lucros são depositados na conta da UGC e entram na contabilidade da nossa cooperativa, para pagar os empréstimos que recebemos. Uma vez em cada mês fazemos uma reunião para discutirmos o trabalho realizado e o que fazer. Estamos representados na Assembleia Geral da UGC, mas há reuniões anuais para fazer o balanço dos trabalhos das cooperativas e é aí que se decide sobre o futuro.

Há cooperativistas que são retiradas das suas cooperativas para trabalhar na UGC, mas isso reforça a capacidade da União, sobretudo de certas unidades. Achamos que isso é importante, porque é a UGC que nos garante o sustento. Para as mulheres chefes de família a cooperativa é uma ajuda para alimentar a família, principalmente porque podemos ter um bocado de terra para produzir para nós.

Para testemunhar a outra face das cooperativas mais fracas da UGC, escolhemos a cooperativa Marien Ngouabi, onde das 50 cooperativistas que estiveram na sua formação, hoje há apenas 7, das quais duas tinham sido retiradas pela UGC no dia anterior à realização da nossa entrevista, para realizar outros trabalhos, a presidente encontrava-se há mais de seis meses doente e as outras eram mulheres de idade avançada. A cooperativa enfrenta sobretudo uma falta gritante de mão de obra. Sob a direcção de F. Moiane, de 48 anos, destacada pela União para ajudar nos trabalhos de produção, na ausência da presidente, faz-se agricultura utilizando sistemas de ajuda mútua, como alternativa à carência de mão de obra.

A cooperativa tem um pequeno aviário destruído há mais de 6 meses por um vendaval, e 300 laranjeiras. Sobre o aviário, sua rentabilidade e possível recuperação, as cooperativistas entrevistadas nada nos souberam explicar, já que a sua colega que assumia a responsabilidade por esta área estava ausente. Abordadas acerca do seu futuro, limitaram-se a informar-nos que nada sabem sobre se as fruteiras poderão ou não constituir uma alternativa para melhorar os seus rendimentos, e que apenas se mantinham ligadas à cooperativa porque podiam auferir o benefício da utilização de uma parcela de terra para a produção familiar, já que os rendimetos eram exíguos.

Numa entrevista colectiva realizada com as associadas das cooperativas Alberto Cassimo, Ngungunhana, Manuel Pinto da Costa e José Eduardo dos Santos, encontrámos um grupo de mulheres de várias idades, em plena produção agrícola, mas igualmente vazias de perspectivas e acomodadas a uma situação em que o mais importante era conseguir lutar pelo menos para a sobrevivência, e que o faziam no quadro das actividades da cooperativa. C. Tchaúque, 60 anos, da Cooperativa Manuel Pinto da Costa, disse-nos:

Nos anos de 1980, quando fundámos a cooperativa, éramos 40 elementos. O número foi sofrendo uma redução até chegar a 9 membros que hoje formam a cooperativa. Fizémos a produção de porcos e mais tarde de frangos, onde era possível tirar lucros mais rapidamente, já que é possível produzir pelo menos três vezes por ano. Primeiro o negócio dava lucros mas ultimamente temos muitas dívidas. O grande problema nos aviários são as contas que temos que pagar por causa dos prejuízos que sofremos. Mesmo assim, não desistimos de trabalhar, já estamos habituadas. Não recebemos muito. O nosso vencimento não dá para viver e mandar os filhos à escola. Na agricultura perdemos muito dinheiro nas hortícolas, porque há muitas pessoas que fazem os mesmos produtos e o mercado está cheio, mas pelo menos temos a possibilidade de dar comida à família, pois cada uma de nós tem terra para cultivar dentro da cooperativa. Temos este projecto, com as árvores de fruta e trabalhamos bem, mas não sabemos se vamos melhorar.

Lurdes, Rosalina e Ruth, envolvidas no mesmo projecto de cooperativas acima referido, falando das suas cooperativas e do projecto que a UGC está a financiar para a sua reabilitação, disseram-nos que o mesmo engloba cinco cooperativas, mas que não sabem se a sua vida vai melhorar, mesmo com as fruteiras e o apoio da UGC. Têm esperanças mas nada sabem. Estão endividadas. Metade dos pintos que recebem a crédito morrem, mas ficam as dívidas difíceis de saldar. Outras cooperativistas mais jovens, mostraram-se também sem esperanças num futuro melhor. Destas entrevistas, ficou-nos a impressão que poucas das mulheres que fazem parte das cooperativas com mais problemas acreditam em mudanças que possam alterar as suas vidas.

Uma reflexão sobre as declarações das informadoras acabadas de mencionar, levou-nos à nossa questão de partida, sobre a viabilidade da UGC como alternativa numa situação de mercado concorrencial. Juntámos alguns destes depoimentos, e um sumário dos resultados do nosso trabalho, e organizámos uma conversa com Prosperino Gallipoli, a quem pedimos que fizesse uma análise da situação:

Em 1990 havia uma situação de mobilização. Era necessário verificar sempre numa cooperativa quem eram os óptimos, os bons, os médios e os maus, ou seja, os mais inteligentes, abertos e críticos. Os óptimos nem chegavam a 10, os bons eram cerca de 20 e os maus uns 50%. Nessa altura, traçou-se uma estratégia e começou-se a fazer uma selecção para melhorar os níveis, do bom, para cima. Ao fim de 10 anos, temos 10% óptimos.

A idade avançada é um factor importante nas nossas camponesas, com influências mesmo para a formação. Neste processo de formação abrangem-se os dirigentes, mas não se pode esperar uma revolução!

Uma das coisas mais importantes para as cooperativas é poder receber um salário. Até 1987, todas as cooperativistas tinham salários. Depois veio o aumento dos salários e todos os problemas ligados ao PRE.

Os aviários foram uma solução económica depois da carne de suínos, mas hoje não resolvem os problemas. Há muita concorrência na produção de frangos. Na área da agricultura há as machambas que têm que dar algum salário, mas não resolvem os problemas. Estamos à procura de novas soluções com a entrada da UGC no microcrédito, que deve ser agregado às cooperativas. Há 1400 trabalhadores que devem ter acesso ao micro-crédito para iniciarem as suas actividades. A média do crédito é de 1 a 1,5 milhões de meticais, podendo ir até 3 milhões de meticais. Esta pode ser uma saída para revitalizar as cooperativas, já que sem salário não se pode viver. A cooperativa de poupança e crédito já está registada, como uma ONG. A UGC também introduziu um sistema de segurança social. As cooperativistas descontam para a reforma. Mas os jovens não se querem associar às cooperativas, não vêem perspectivas.

O objectivo principal da UGC é ajudar as mulheres a pensarem mais e a tomarem as suas decisões.

O equilíbrio entre os pontos fortes e fracos que fazem mover a UGC, assenta sobretudo na sua capacidade para criar condições para eliminar os constrangimentos básicos que afectam a maior parte dos seus membros, maioritariamente mulheres, como a educação, formação técnica, acesso à terra ao crédito e ao emprego, potencializando deste modo a criação de espaços de liberdade. Neste equilíbrio, conta também a construção gradual de métodos democráticos de tomada de decisões pelas cooperativistas a vários níveis, num processo descentralizado.

Estamos, assim, perante um campo previlegiado para o surgimento de rupturas com uma cidadania socialmente restricta e fragmentada (Casimiro, 1999: 112), e para fazer emergir «elementos emancipatórios», que criam novas formas de relações, não só na esfera pública, mas sobretudo ao nível da família, face ao facto de «uma parte da vida produtiva da mulher se realizar fora da instituição familiar» (Casimiro, 1999: 203).

A autonomia adquirida pelas cooperativistas na luta pelo acesso e controle de recursos e para tomarem decisões na luta pela sobrevivência, conduziu-as gradualmente para um processo de empoderamento, com reflexos na família e na comunidade. Se considerarmos que as relações sociais de género são também relações de poder, e sem perder de vista que as relações sociais no seio da família e da sociedade são construídas na base de um modelo androcrático onde não há lugar para o protagonismo da mulher, fica claro que se trata de um processo gradual e em permanente construção, onde a luta para que a mulher se transforme em sujeito histórico implica em primeiro lugar a valorização da sua consciência de cidadã e uma luta permanente para fazer singrar os seus direitos.

Na luta para o acesso ao poder, a mudança tem que vir de dentro, faz parte de uma luta que conta com a participação das cooperativistas. Não pode ser imposta por via de modelos importados, nem pode funcionar na base do paternalismo, e tem de ir para além do exercício de uma cidadania formal, consentida pelo sistema, passando pela construção gradual de novas atitudes e novos valores. «Se der poder a alguém, pode também retirá-lo: é apenas quando o poder é conquistado por eles próprios que é mesmo deles» (Townsend et al, 1999: 24).

 

 

4. Conclusão

Partindo do caso da União Geral de Cooperativas Agro-Pecuárias de Maputo (UGC), o nosso estudo propunha-se equacionar a possibilidade de realização de alternativas de produção, com a viabilidade do projecto se manter válido num contexto de economia aberta.

A procura de soluções para os seus problemas, no quadro que caracterizou a emergência e desenvolvimento da UGC, ajudou a encontrar formas alternativas de produção, primeiro, como resposta às estratégias de socialização do campo introduzidas pela FRELIMO depois da independência nacional, em cuja estratégia global a cooperativização deveria desempenhar um papel vital; segundo, para encontrar uma nova resposta à introdução em Moçambique das políticas neo-liberais e à consequente hegemonia do mercado.

A história da UGC, também nos mostrou que a filosofia do seu crescimento, ao enraizar-se no princípio da necessidade de criar as condições económicas e sociais para capacitar os seus membros para decidirem sobre o melhoramento das suas vidas, e porque ancorada em grupos de populações pobres e maioritariamente mulheres, assumiu uma dimensão inter-sectorial entre o investimento no sector social e no sector económico.

Analisando a sua interferência na área social, a UGC considera como aspectos positivos do seu trabalho: a) o pagamento de um salário mensal às cooperativistas, acima do salário mínimo; b) a criação de emprego «através dos postos de trabalho gerados nos empreendimentos comuns e nas estruturas da UGC», beneficiando assim os membros da união e os seus agregados familiares (UGC, 1998); c) os serviços de saúde pública extensivos aos familiares dos cooperativistas; d) a educação: creches, escolas primárias e secundárias, ensino técnico e médio, extensível aos familiares dos sócios, e e) o encorajamento à produção, numa base individual no seio das cooperativistas (hortícolas e avicultura), com acesso ao micro-crédito, com o objectivo de desenvolver um pequeno empresariado rural, que foi mais tarde estendido a algumas famílias pobres fora das cooperativas (UGC, 1998).

Se tomarmos em consideração: a) que os rendimentos da economia familiar nas zonas urbanas como Maputo, estão ainda fortemente dependentes das várias contribuições dos membros do seu agregado, onde o peso do trabalho assalariado é ainda muito importante, b) que as reformas económicas introduzidas no país nas décadas de 1980 e 1990 diminuiram as oportunidades de acesso ao trabalho assalariado, c) que a maior parte das mulheres cooperativistas, pelo seu nível de educação e idade, dificilmente teriam acesso a um emprego assalariado, d) que, para além do acesso e o controle dos recursos, como a terra e o crédito, através da complementaridade dos aspectos sociais e económicos criaram-se as condições para o desabrochar de uma gestão colectiva, através dos métodos participativos na tomada de decisões, e e) que a UGC, mais do que ajudar as mulheres a encontrarem alternativas de sobrevivência, procura dar-lhes acesso à possibilidade de criarem uma actividade geradora de receitas - o balanço das suas actividades deve assim ser considerado positivo e centrado quer na capacidade criada para que a mulher tomasse consciência de sua cidadania real, abrindo assim espaços, quer para o seu acesso ao poder, quer na contribuição para a mudança gradual das relações de género na família e na sociedade (Casimiro, 1999).

Entre as décadas de 1980 e 1990, a UGC passou de uma fase embrionária a um crescimento quer qualitativo, quer quantitativo. Os dados apresentados nos pontos anteriores, mostram-nos hoje uma UGC constituída como empresa cooperativa, onde os seus rendimentos não dependem da produção das cooperativas, mas provêm particularmente das actividades das suas unidades económicas integradas na união. Ao mesmo tempo, estamos perante um cenário em que uma parte do sector cooperativo enfrenta problemas de sobrevivência, pela sua incapacidade de fazer face à concorrência do mercado.

Estando a UGC organicamente ligada às cooperativas, o seu esforço tem consistido em encontrar alternativas para compensar «algumas ineficiências da produção em moldes colectivos, particularmente no sector agrário, sem no entanto desactivar as estruturas de enquadramento, em especial o apoio logístico e os mecanismos de extensão» (UGC, 1998). A UGC, caminha assim para o processo de emergência de um empresariado rural (UGC, 1998), ao mesmo tempo que reforça os empreendimentos que permitem uma auto-sustentação da união como um todo.

Onde reside então a alternativa? Para se ajustar à hegemonia do mercado, a UGC tende a modernizar o seu capital, já que dificilmente consegue fugir à dimensão global da divisão do trabalho. No actual contexto económico de Moçambique, a procura de alternativas para as cooperativas, mais do que uma produção contra-hegemónica, parece ser antes a produção de uma alternativa para sobrevivência, onde a tendência parece conduzir para uma aproximação cada vez maior das mulheres ao mercado e à sua proletarização (Townsend et al, 1999).

As formas hegemónicas produzem invariavelmente respostas alternativas que não são exclusivamente económicas, mas podem apresentar a dimensão social. Foi justamente na área social que a UGC soube construir formas de inclusão social, particularmente para o caso das mulheres. A história da UGC mostra-nos assim, como foi possível construir um caminho que deu aos seus membros o papel de sujeitos de uma transformação. As formas democráticas de gestão e de tomada de decisões, feitas pelos cooperativistas, foram a alavanca que determinou essa mesma transformação, e que permitiu a construção de um saber solidário (Santos, 1998, 2003).

Para que as alternativas económicas deste projecto tenham uma viabilidade para manter a riqueza das alternativas sociais, a UGC terá que concretizar os projectos que tem em carteira, modernizar as suas cooperativas e unidades de produção, tonando-se concorrencial a nível nacional e internacional, e criar sistemas para que os seus diversos empreendimentos se autosustentem. Uma vez que o apoio do Estado, a nível local e nacional a este tipo de empreendimentos não se faz sentir, a União Geral de Cooperativas terá que reforçar as suas cooperativas e unidades de produção de cuja iniciativa depende o seu desenvolvimento.

 

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