O que está a mudar no trabalho humano?
Publicado no Público em 2 de Fevereiro de 2008
O
número que acaba de sair do Anuário de Relações Internacionais – Janus 2008 (distribuído com o Público)
tem
como temática de fundo a questão das relações laborais, dando à estampa
um
conjunto de leituras realizadas por diversos especialistas das ciências
sociais
e económicas, que discutem e analisam as mudanças no trabalho no actual
contexto de globalização. Eis algumas pistas dos temas tratados: Qual o
lugar
do trabalho no mundo instável em que hoje vivemos? Que impactos sociais
poderemos esperar das actuais tendências de flexibilidade, mobilidade e
precariedade no emprego? O trabalho está a humanizar-se ou a
desumanizar-se
cada vez mais? É ele gerador de maiores desigualdades ou contribui para
reduzi-las? Que futuro para o sindicalismo?
Desde os tempos da escravatura e ao longo da Idade Média, trabalhar era
sinal de desclassificação social e algo indigno de cidadãos. Chegou a
colocar-se a pergunta "porque não exterminar o trabalho?" (Thomas
More). Antes,
o trabalho foi até entendido como punição "divina", porém, no século
XIX passou
a ser visto como factor decisivo de desenvolvimento em prol da
modernidade. Sobretudo
após a revolução industrial o trabalho tornou-se um campo de intensas
lutas sociais
e políticas, pois, apesar dos sinais de progresso, a máquina a vapor e
o tear
mecânico tornaram clara a profunda tensão entre trabalho e técnica. As
conquistas
da era moderna revelaram também novas injustiças sociais, com o
movimento
operário a ganhar protagonismo, evoluindo das primeiras revoltas contra
o
maquinismo para o estatuto de principal "sujeito" histórico da
sociedade
industrial.
Ontem como hoje a dialéctica do trabalho exprime profundos contrastes.
De
facto, a "questão social" e as lutas operárias tiveram um enorme
alcance
transformador, abrindo caminho ao direito do trabalho e ao modelo
social
europeu, que culminou nos "gloriosos 30 anos" e no Estado providência. Todavia, com a
globalização e a nova revolução tecnológica,
a força de trabalho não só não se emancipou como continua a engrossar
os "exércitos
de reserva", hoje em expansão por todos os continentes. Na Europa e no
mundo o
discurso neoliberal não esconde o novo cinismo social, que visa – a
pretexto da
despolitização – substituir a legislação laboral pela "civilista",
supostamente
defensora do indivíduo (e da criação de mais emprego), mas na verdade
submetida
à lógica do novo mercantilismo global.
Em vez de nos aproximarmos do "fim do trabalho", o que aconteceu foi
que
este deixou de ser o referente estável de "status" ou o principal
símbolo
identitário de cada um. Tornou-se mais volátil, escasso e difícil de
manter como
principal esfera de realização pessoal. Mas permanece um bem
primordial. Um bem
que, ao lado da família e da comunidade, é decisivo para contrariar a
insegurança, a desfiliação e o risco que hoje ameaçam o indivíduo, cada
vez
mais vulnerável e solitário.
As novas competências técnicas – da sociedade da informação – criaram
uma
minoria de profissionais altamente qualificados, para quem a mobilidade
e a
globalização significou melhores oportunidades, salários e
reconhecimento. Mas,
por outro lado, os efeitos predatórios do mercantilismo desregulado
aceleram as
metamorfoses do trabalho empurrando milhões de trabalhadores para novos
despotismos e servilismos, criando e recriando novas formas de
desigualdade
social, discriminação e exclusão.
O tema principal da Janus 2008 contribuirá, assim se espera, para
recolocar os temas laborais no centro da reflexão e da análise social,
numa
altura em que se adivinham novas agitações neste domínio e em que se
desenham
novas investidas na instrumentalização do movimento sindical português.
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