Opinião

Elísio Estanque
estanque@fe.uc.pt

O novo boneco ou a política simulacro
Publicado no jornal Diário de Coimbra em 19 de Junho de 2009

Num jornal diário de hoje (17/06/09) surge em destaque de 1ª página, ao lado de um José Sócrates sorridente (a lembrar o sorriso pepsodente de Paulo Portas), e com a bandeira do PS em pano de fundo, o que se diz ser «O novo Sócrates – suave, humilde e modesto».  De facto, todos os analistas e agentes políticos têm vindo a diagnosticar, desde o passado dia 7, a forte probabilidade do PS perder as próximas eleições parlamentares. Os dirigentes do PS apressam-se agora a exigir mais humildade, menos arrogância e a necessidade de “falar de outra forma” para “chegar mais perto dos cidadãos”. Segundo os jornais “foi um outro Sócrates” que se apresentou aos seus camaradas na última reunião da comissão política do partido. O próprio PM admite que é necessário “olhar com humildade para aquilo que não correu bem”. 

Os pressupostos aqui presentes são os do marketing político, inventado para ser o elemento decisivo para se ganharem eleições. De resto, vivemos há pelo menos quatro décadas numa “sociedade de consumo” em que todos os produtos, materiais e simbólicos, tendem a tornar-se objectos de massificação. Associada a este tendência, a publicidade (centrada no produto e no seu aspecto) e o marketing (centrado nos clientes e nos mercados) cresceram e expandiram-se na mesma medida em que cresceu o mundo de consumidores, reais ou potenciais, em segmentos cada vez mais globalizados da população.

Porém, à medida que o poder dos grandes media se reforçou, os consumidores ficaram cada vez mais enfraquecidos enquanto cidadãos. À medida que aumentou a velocidade e o volume de informação, assistiu-se ao desinteresse pela mesma e a uma contínua perda de consciência crítica. À medida que se expandiu o consumismo encolheu o debate público e o sentido de dever cívico e ético que compete à política. Se a revolução informática permitiu afirmar um espaço de “ciber-democracia” – um bem inquestionável –, ela é, ainda, demasiado frágil para resistir com sucesso ao poder esmagador dessa “hiperrealidade” feita de “simulacros e simulações” (como lhe chamou Baudrillard), com que os “merketeiros” e fazedores de “imagem” iludem os eleitores e os próprios políticos, fazendo crer que só a imagem conta (ou, o que é o mesmo, confundindo a aparência com a realidade). Da fase do consumismo passou-se à da luta pelo emprego; mas mantém-se e agrava-se a recusa da política e dos políticos maquilhados.

Ora, sabemos que um dos traços característicos da actual liderança do PS, a começar pelo seu Secretário Geral – cuja imagem de marca ficou conotada com o uso habilidoso do “teleponto” no congresso da vitória em Guimarães – foi justamente a primazia do retrato em relação à pessoa, ou seja, do aspecto em relação ao conteúdo. A arte da representação (ou da manipulação da imagem) conduz, ao fim de um certo tempo, a que o actor e a personagem se confundam e misturem indelevelmente. É esse o ponto em que estamos no que toca a José Sócrates. Por isso mesmo, sendo certo que é necessário mais humildade democrática, também é necessário mais verdade e autenticidade na vida pública.

A margem de manobra do PS é de facto muito escassa, e o tempo que resta até às eleições legislativas não permite muitas brincadeiras. Se o “boneco” de Sócrates não tem sido eficaz (como se viu no dia 7 de Junho) é muito provável que criar agora outro “boneco” seja “pior a emenda que o soneto”. Já não há tempo para mudar de política, nem nada garante a vitória do PS em Outubro. Mas seria preferível arriscar trocar um ou dois ministros (sobejamente queimados) do que encenar agora uma “imagem de humildade” que já não cola, nem mesmo como caricatura.