Oficina de Poesia
 
 


n.4 - 2ª série

Data de Publicação: Dezembro 2004

 
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Editorial

Tomámos neste lugar o lugar da ciência. Não na totalidade, e talvez nem sequer na hegemonia. Mas este número 4 da Revista Oficina de Poesia dedica algumas páginas ao tema da ciência.
É provável que se diga da incompatibilidade entre o discurso, lógico e rigoroso, da ciência e o discurso, da imaginação e do belo, da poesia. Mas os poetas são assim: violam as regras, as (in)compatibilidades, porque violam os discursos. Ainda bem. Talvez digam outras vozes, que existem vozes outras para dizer da ciência o que ela tem de menos racional e também de belo. Talvez menos rigoroso, mas mais próximo do olhar-poeta (poiesis) do mundo. Talvez digam outras vozes, que existem vozes outras para dizer da poesia o que ela tem de mais racional e menos belo.
Este trabalho resultou de um trabalho dedicado a encontrar na ciência - aparentemente dura e racional as palavras e os sentidos, ou a sua ausência, que levassem à construção do poema. O efeito aí está: vários foram os poetas que encontraram, nas múltiplas expressões da ciência, o motivo para criar o seu dizer, a sua forma de estar com a ciência, nas mesmas palavras que fizeram a poesia.
Esta revista é também feita a outras mãos que, não sendo as primeiras, não são também segundas, porque constroem do mesmo modo um vértice que desdobra sentidos e sentidos, e podem ver-se outros lugares e línguas, e a pele quase, dos passos na luz translúcida que desprendem. São elas: Affonso Romano de Sant'Anna, poeta brasileiro que esteve no Encontro Internacional de Poetas de Coimbra, de 2001; Ponç Pons, poeta catalão, estudioso de Fernando Pessoa, visitou-nos este ano, no V Encontro Internacional de Poetas, e é publicado aqui nas suas línguas mais próximas, o cataIão e o castelhano; o norte-americano Mike Bas!nski deu-nos imagens-poemas-gráficos - poesia traduzida por aNa B; Bill Griffiths, poeta de Gales, e o português Xavier Zarco - vencedor, este ano, do prémio de poesia Víctor de Matos e Sá, atribuído pela Universidade de Coimbra - contribuem também com o seu trabalho para este número; André Brito Correia, sociólogo da cultura, publica uma peça de ficção científica; na imagem, revelamos Luís Filipe Santos, Fernando Ferreira e Georgina.
Depois dos nomes dos convidados, regresso aos "oficineiros" da palavra, isto é, aqueles que continuam teimosamente a insistir na manutenção do Projecto "Oficina de Poesia" com os seus contornos iniciais, apesar de alguma dificuldade financeira que se desenha na Universidade de Coimbra. No entanto, é grande a procura da frequência por muitos alunos, das várias faculdades e outros públicos, a quem o curso livre é oferecido.
A vontade é continuar este trabalho de levar, junto de um público que desejamos sempre mais vasto, a divulgação do que fazemos, mas, sobretudo, a mostra deste construir da poesia que consegue levar-nos a olhar o mundo com olhos de intervenção. A comunidade, ainda que restrita, corresponde com algum carinho, ouvindo, estando presente nas leituras públicas que a "Oficina de Poesia" realiza em variados locais, quer em Coimbra, quer em outros lugares de perto e de longe. Esta presença estimula-nos e este gesto de dar poesia, que para alguns pode parecer delírio, é ainda, para muitos, uma forma incisiva de contribuir para mudar o olhar sobre o mundo. Porque talvez seja aí que está a razão profunda de toda a escrita - uma missão científica.

Jorge Fragoso