Oficina de Poesia
 
 


n.6 - 2ª série
Especial: nos 800 anos de idanha-a-nova:
raia e fronteira
margens e centros
identidades


Data de Publicação: Janeiro 2006

Versão PDF

Editorial

Em Outubro de 2005, o curso livre "Oficina de Poesia" deslocou-se à vila raiana de Idanha-a-Nova, na Beira Baixa, para realizar uma leitura de poemas no Centro Cultural Raiano. O convite da Câmara Municipal, para a realização desta actividade de extensão universitária, surgiu no âmbito das Comemorações dos 800 Anos da Carta de Doação desta vila aos Templários pelo rei D. Sancho I (1206).
Ao longo de um ano (Janeiro de 2005 - Janeiro de 2006), a autarquia promoveu inúmeros eventos de natureza científica e artística, num exemplo raro de investimento na cultura: numa cultura que não se esgota em produções de e para uma elite, mas antes numa cultura viva, que se define como acto de participação colectivo, em que o/a artista e o/a poeta se encontram no âmbito de uma comunidade. Esta questão, menor para alguns, é contudo a questão fundamental poética e, simultaneamente, social e política - que subjaz à própria existência da "Oficina de Poesia". Muitas têm sido, por isso, as actividades de extensão universitária desenvolvidas ao longo de já quase 10 anos de vida: levando a poesia às escolas, às bibliotecas públicas, aos centros culturais, aos teatros, aos cafés, às ruas, etc. Porque a poesia, como toda a arte, se não estiver na comunidade, se não estiver no meio das gentes e das ruas, perde a razão da sua própria existência: perde o seu poder transformador (trans-forma-dor), o seu poder de por em movimento (verdadeiro significado do estético), de criar e partilhar novas visões do mundo que, assim, se verá renovado.
Em Idanha-a-Nova aconteceu mais um momento de partilha e de transformação: apesar do frio de uma noite de chuva e nevoeiro, o público da poesia esteve lá. E ouviu as/as poetas, também eles/elas transformados/as pela paisagem e pelas gentes que as/as receberam.
A escrita criativa surgiu com exercício de "catch" (realizado durante a Jornada científica que acontecera durante o dia, em que vários investigadores apresentaram trabalhos centrados nas questões da raia, da identidade, da fronteira e do território), seguindo-se os exercícios de variação e derivação, bem como de escrita a várias mão/vozes. Antes do jantar, houve apenas tempo para um curto ensaio de leitura, mas a apresentação pública foi, como de costume, uma surpresa. A "Oficina de Poesia" lia em português, tendo sido antecedida pelas vozes galegas dos poetas de Santiago de Compostela, Helena Villar Janeiro e Xesús Rábade Paredes. Em tradução do poeta António Salvado e lidos em português pelo tradutor e, em castelhano, pelo autor, ouviram-se também os poemas do peruano-espanhol Alfredo Pérez Alencart, a viver em Salamanca. Todos eles conhecem bem a realidade da fronteira, a realidade dos centros e das margens; todos eles conhecem a importância social e política da poesia nas suas vivências e nas suas línguas. Aqui contribuem com alguns inéditos. A seu lado, o cubano Pedro Marqués, este ano a participar semanalmente no seminário da "Oficina de Poesia", porque, ao abrigo da Rede Internacional de Cidades-Refúgio, lhe coube partilhar o seu exílio, físico e poético, com a cidade de Coimbra. Finalmente, Christopher Sawyer-Lauçanno, também ele conhecedor do confronto entre centro e margem, um poeta norte-americano de origem catalã, biógrafo de autores entre o centro e a margem também, autores como Paul Bowles ou E. E. Cummings.
A fotógrafa brasileira Martha Morais, que também acompanha este ano a "Oficina de Poesia", termina a nossa lista de convidados: as suas imagens de Idanha-a-Nova e do seu concelho surgem como mais um brilhante exercício de poética que, relevantemente, ilumina e se deixa iluminar pelas palavras.
O último livro do poeta brasileiro Álvaro Alves de Faria (que também participou numa das leituras de poesia em Idanha-a-Nova) é motivo para mais um pequeno texto crítico, o prefácio da edição brasileira, que aqui se publica ainda como inédito.
Esperamos que este número especial seja mais um contributo da "Oficina de Poesia" para encontrar esse lugar de centro, uma ausência entre o local e o transnacional que caracteriza, no dizer de alguns teóricos, a identidade portuguesa: para isso, estamos em crer, para ancorarmos numa posição de identidade nacional, precisamos decerto dos poetas e dos artistas, de órgãos de poder local que entendam (como, pelos vistos, a Câmara de Idanha-a-Nova quer entender) qual é o verdadeiro património que interessa legitimar - e precisamos ainda de uma ligação estreita entre esses actores e a universidade, que mais não faz do que cumprir o seu verdadeiro desígnio: ser uma univer-cidade.

Graça Capinha