Oficina de Poesia
 

 


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Data de Publicação: 1998

 
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Editorial

De quando em vez há o espanto nos olhos dos nossos alunos. De quando em vez alguns poemas que nos entram por debaixo da porta dos gabinetes. De quando em vez, exames que se escrevem poemas. De quando em vez algum que se confessa atacado pelo sortilégio da criação, só, incomunicável.
Ensinar literatura é toda uma lição. Ensinar poesia, toda uma nova literatura: um processo permanente de re-aprendizagem de leitura que todos os anos cada aluno nos traz.
Quando comecei o curso de Literatura Inglesa I ("Vozes da Poesia Contemporânea"), há já alguns anos, os pedidos repetiam-se: "podia ler-me estes textos?", "podiamos criar um grupo?", "então não disse que era depois da Páscoa?". E acabou por ser depois da Páscoa: um grupo de nove, das seis às oito, uma vez por semana, perguntando-se "Que é a Poesia?", "Que trabalho é este que se me impõe?", "Materialidade e/ou inspiração?", "Cânone ou experimentalismo?", "Que função social?", "Que tradições poéticas?", etc., etc.; depois partiu-se para os exercícios, com temas, com determinadas técnicas, derivando, estabelecendo variações; e sempre, a leitura pública do trabalho original e novo - semanalmente, no grupo, mas também, ocasionalmente, noutros espaços, para um outro público. Finalmente, no ano lectivo de 1997-98, a minha proposta e a aprovação pelo Grupo de Estudos Anglo-Americanos e pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra de um Curso Livre, anual, a que chamei "Oficina de Poesia".
Cursos de Escrita Criativa? Ou, como eu própria diria há alguns anos atrás, "modas americanas"? Continuo convencida de que não é possível ensinar alguém a ser poeta. Mas o meu cepticismo acerca da Escrita Criativa teve por força que ser revisto quando entrei pela primeira vez no Programa de Poética da Universidade de Nova Iorque, em Buffalo, e quando pude participar nos seminários de Pós-Graduação dos poetas/professores Charles Bernstein, Robert Creeley e Susan Howe. Porque aprendi, rigorosamente, que a Poética é também, e sobretudo, uma prática. Porque a escrita é também uma actividade que exige técnica e domínio sobre a matéria a que se dá forma. E hoje, agora já no fim de mais um ano, porque o confirmo nas vozes destes jovens poetas que, entusiasticamente, me acompanharam em sessões semanais que de três horas passavam muitas vezes a quatro ou cinco: "não sei que é que me aconteceu, que já não gosto do que escrevia antes" ou "agora dou por mim a limpar os meus poemas! A eliminar adjectivos, a acrescentar silêncios!...", ou outra mudança qualquer.
O curso não foi mais do que um desafio à reflexão, um encontro com a escrita dos outros (também dos colegas), um convite ao jogo e à queda na matéria do texto, para um encontro com a sua própria escrita. De facto, não os ensinei a ser poetas. Essa continuará a ser uma tarefa impossível. Procurei apenas oferecer-lhes uma oportunidade de fazerem uma aprendizagem consigo próprios. Os poetas foram os docentes. Eu, mera coordenadora, a quem foi dado o privilégio de poder observar os momentos mágicos em que o campo fértil da poesia se lhes abriu, como diria um dos meus poetas preferidos:


Often I am permitted to return to a meadow

as if it were a scene made-up by the mind,
that is not mine, but is a made place,

that is mine, it is so near to the heart,
an eternal pasture folded in all thought ( ... )

Robert Duncan, The Opening the Field

Graça Capinha