Mercado X pátria: a transnacionalização do esporte e os "europeus" do futebol brasileiro
Simoni Lahud Guedes (Universidade Federal Fluminense)
simonilahud@uol.com.br

Nas duas últimas décadas do século XX, os maiores craques brasileiros transformaram-se em jogadores de clubes europeus, sendo denominados, pela imprensa, no contexto das Copas do Mundo, como estrangeiros ou europeus. Estas categorias sinônimas concentram um debate mais amplo que opõe os mercados transnacionais às nações, tema desta comunicação, desenvolvido em dois momentos. No primeiro, se buscará sintetizar uma visão da dialética homogenização/diversificação através do futebol, o que permitirá elaborar a relação transnacionalismo/nacionalismo tal como se apresenta neste domínio social. No segundo, será exposto um dos efeitos deste processo, que se configurou a partir da derrota do selecionado brasileiro na Copa do Mundo de 1998, desenvolvendo-se posteriormente durante a Copa do Mundo de 2002, trazendo uma forma inédita de avaliação do desempenho do selecionado, através da produção de novas categorias ordenadoras deste campo simbólico.

Aspectos da globalização do futebol contemporâneo
José Jairo Vieira (Universidade Federal de Viçosa)

Futebol é uma instituição que em apenas pouco mais de um século de existência enraizou-se na maioria das nações do mundo. Sua penetração mundial faz com que os governos busquem nele formas de promoção de seus interesses favorecendo que ídolos locais e nacionais transformem-se em ídolos mundiais. Países inexpressivos do ponto de vista da política internacional (e até mesmo impopulares), por meio do futebol podem ganhar dias ou semanas de sucesso e popularidade. Desta forma, este trabalho objetiva analisar quais foram os passos da globalização do futebol, como é sua organização mundial e, também, como se deu seu crescimento ao longo deste século.
Para respondermos tais questões, desenvolvemos um banco de dados referentes a todas as federações nacionais filiadas à FIFA (Federation Internacional Futebol Association), neste banco constam informações relacionadas à fundação da federação, sua filiação à FIFA, e etc. Diante destes dados foi possível sistematizar a progressão do crescimento do futebol mundial, da mesma forma que tornou-se viável analisar a trajetória de expansão da FIFA e da globalização do futebol. Desta forma, percebeu-se momentos de grande divulgação e crescimento do futebol como nas décadas de 30 e 60, todos associados a momentos históricos mundiais específicos.
Desta forma, ao analisarmos a globalização do futebol, a partir deste dados, percebemos o quanto a FIFA e as Copas do Mundo são essenciais a propagação do futebol e também de que forma interagem com os interesses de diversas nações. A soma destes mecanismos com outras situações sócio políticas (guerras, catástrofes, tipos de governo) preenchem de forma fértil as explicações a cerca dos motivos e meios da massificação e globalização do futebol contemporâneo. A copa do mundo de futebol tem uma especificidade não encontrada em outros esportes. Enquanto a maioria dos esportes tem nas Olimpíadas o seu momento máximo, no futebol isso ocorre apenas nas Copas do Mundo, ser campeão Olímpico de futebol não fornece o mesmo status e reconhecimento do que ser campeão mundial.
Nas olimpíadas, existe uma limitação na convocação de jogadores, as seleções nacionais não podem ser compostas em sua maioria por jogadores profissionais, majoritariamente ela deve ser constituída por jogadores amadores. Por isso, mesmo que uma seleção ganhe, ela não passa de uma campeã olímpica, num campeonato reconhecidamente inferior a uma copa do Mundo, no qual as seleções levam seus melhores jogadores profissionais. Desta forma, as copas do mundo de futebol são momentos singulares da vida esportiva mundial, não tendo nenhum acontecimentos isolado de qualquer outro esporte que possa dela se aproximar em significado.
O futebol surgiu na Europa, depois foi para a América do Sul, somente estes dois continentes tiveram federações nacionais antes de 1900, embora na Europa já fosse profissionalizado. Depois, tivemos até 1930 o incremento do futebol em todos os continentes. Todavia, os países da UEFA e CONMEBOL já eram numerosos e exerciam grande influência junto à FIFA. Em 1960, já ocorria o aumento tanto das confederações nacionais quanto das filiações à FIFA em todas as confederações continentais. Isto pode ser atribuído ao grande sucesso das Copas de 58, 62 e 70 e, por conseguinte, da era Pelé, bem como à reestruturação do futebol mundial e à criação das seis confederações continentais, cujo objetivo comum era alavancar o desenvolvimento e a prática do futebol em cada continente.
De 1990 à 2004 atingimos o ápice do crescimento e o processo de globalização do futebol, agora o futebol transcende as barreiras das distâncias e dos pólos comerciais e econômicos mundiais, assistimos, torcemos e nos familiarizamos com campeonatos, times e jogadores do mundo inteiro.

Vitórias, derrotas e empates
Possíveis Interpretações do Desporto Português

Carlos Nolasco (Instituto Piaget)

O desporto é um dos mais surpreendentes e paradoxais fenómenos sociais do mundo contemporâneo. Atletas e equipas, através de programas de treino sofisticados são preparados para desempenhos espectaculares de força, rapidez, destreza técnica e táctica, com vista à obtenção de resultados. Os resultados são sempre a vitória desportiva e tudo o que daí decorre em termos económicos e políticos. Por outro lado, o consumo desportivo não é menos surpreendente, com imediatas apropriações de atletas e equipas na criação de identidades locais e nacionais. Entre o fenómeno desportivo e a sociedade estabelece-se um paralelo em que as vitórias são sempre vitórias colectivas e as derrotas frustração de todos.
Em Portugal o desporto ocupa um enorme espaço da vida social, monopolizando e manipulando as atenções e prioridades que determinam os ritmos da sociedade. Aqui, como em qualquer outro país, fazem-se opções de identidade em função da cor de clubes, foge-se à previsibilidade do quotidiano na incerta excitação do resultado do jogo, grita-se e discute-se contra o outro, exibem-se bandeiras e por vezes vandalizam-se espaços públicos. Os poderes políticos financiam eventos desportivos, aproximam-se das vedetas do universo do desporto e por vezes, actores políticos sofrem metamorfoses desportivas e actores desportivos metamorfoses políticas. Os órgãos de comunicação social dedicam uma enorme atenção ao fenómeno desportivo, dando-lhe um espaço que só muito excepcionalmente outra área da vida social tem. Os resultados desportivos são vistos e interpretados como diagnóstico do estado do país, sendo dominados pela frustração quando os resultados não correspondem às expectativas ou tomados pela excitação quando essas mesmas expectativas são ultrapassadas.

Género e desporto - implicações culturais nas práticas desportivas femininas e masculinas
Paula Silva; Paula Queirós; Paula Botelho Gomes (Faculdade de Ciências do Desporto e de Educação Física Universidade do Porto)


O Desporto, no século XXI, constitui-se como uma dimensão cultural inquestionável. Categoria integrante de uma cultura corporal, o desporto é o meio privilegiado da educação física na nossa sociedade, contribuindo indubitavelmente no desenvolvimento e estruturação da pessoa. Homens e mulheres praticam desporto, mas os modelos de organização da sociedade ocidental e representações da pessoa sexuada educam o modo como olhamos o desporto praticado por eles e por elas. Parece que ainda hoje persiste a dominância de um inconsciente androcêntrico, tanto entre homens como entre mulheres, que se traduz num sistema de estruturas duradouramente inscritas nas coisas e nos corpos (Bourdieu, 1999).
O desporto é um mundo onde o conhecimento, alicerçado em relações de poder, não é neutro, em que a quase totalidade desse mesmo conhecimento é construído, validado e representado por homens (Scraton, 1997).
Esta hegemonia masculina não deve ser considerada como algo estático, mas como um processo que, embora frequentemente contestado, desenvolve formas adaptativas e reconstrutivas. A própria noção de hegemonia masculina sofre de uma dominância quando se expressa por uma heterossexualidade e por um poderio físico, revelado por um modelo de corpo.
Para além do considerado, parece evidente a presença de uma cultura homofóbica também no domínio das práticas desportivas. Alguns estudos (Young, 1997; Scraton et al. 1999) salientam a complexa relação entre o praticar um desporto tradicionalmente masculino e as construções de feminilidade e sexulidade.
O clima homofóbico do desporto pressiona as mulheres atletas a apresentar uma imagem feminina heterossexual (Cox & Thompson, 2000), como também parece exercer uma necessidade de rapazes e homens reforçarem a imagem da sua masculinidade, quando os gestos e expressões corporais do desporto praticado não a ratificam (Williamsom, 1996).
Será em torno destas questões que se situará a nossa reflexão, realçando-se os estudos de género no âmbito do desporto.

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