O turismo mochileiro
Gisele Juodinis (PUC/São Paulo)
gijuodinis@uol.com.br

Podendo programar uma viagem dentro de determinado território nacional ou uma viagem interligada entre países, um mochileiro não estabelece um destino muito fixo, se surgirem novas oportunidades num determinado momento na viagem, o mochileiro não se priva de aventurar-se. O foco principal numa viagem é a liberdade de escolha, a autonomia na hora da decisão. Em geral, o mochileiro se interessa pelo meio ambiente, pela cultura, pela sociedade e pela economia de qualquer parte do globo. Muitas vezes, o fato de trabalhar num local estrangeiro pode ser mais um aspecto que possibilite vivenciar um cotidiano não familiar e diferente ao do sujeito mochileiro. Enfim, por todas estas características em que uma grande parte dos mochileiros se configuram, há quem diga que existe uma cultura "Backpacker", já que seria quase uma filosofia de vida.
De uma forma ou outra, podemos entender que essa tendência de um turismo individual/independente que vem ganhando visibilidade atualmente (principalmente no Brasil), nos diz sobre as novas maneiras de organização social que se formam permanentemente no mundo. A análise do fenômeno do turismo é uma forma de entendermos a organização e o movimento da sociedade ocidentalizada.
O estudo sobre o turismo hoje pode ser um instrumento para a investigação dos aspectos significativos das sociedades, tanto das que enviam turistas, como das que os recebem, e dos diálogos que se estabelecem implicitamente entre essas sociedades. Os signos que interessam aos indivíduos em suas viagens possuem valor em si (uma questão histórica ou o estranho, o diferente, o exótico), onde se busca ler conceitos preestabelecidos.
Nos últimos anos, ocorreu uma crescente pluralidade de práticas de turismo e de lazer, e isto se deve em parte porque as pessoas se inserem em diferentes sociedades, grupos sociais e/ou um determinado período histórico. Então, como decorrência, existem turistas que exercem diferentes olhares sobre a experiência de viajar, dependendo do contexto em que vivem/provém.
Atualmente, tendo em vista que o turismo tem sido movido pela expectativa de prazer, existem diferentes formas de se atingir tal prazer no mundo. A indústria do turismo tem se estruturado rapidamente e o leque de opções turísticas e de lazer tem se multiplicado com o propósito de atingir variadas preferências, tendências ou grupos específicos.
O turismo tem se vinculado ao crescente desejo de mobilidade, essa característica que se impregnou na modernidade. Contudo, tal mobilidade não se refere somente às questões do mercado do turismo, mas também aos sentidos mais amplos do homem: social, cultural, temporal, física e de identidade. Em geral, as pessoas buscam no turismo a experiência de estar presente em um tempo ou lugar real (não virtual, não imaginário). Neste sentido, tenho visto o turismo do mochileiro como algo além desse "estar", isto é, há uma vontade por parte desse viajante em vivenciar experiências culturais no mundo real.
Em parte, o mochileiro resgata um antigo sentido do lazer, ou seja, um tempo em que a sociedade pretendia que "os homens trabalhassem pouco e utilizassem todo o seu tempo livre para entreter-se da forma mais nobre possível - desenvolvendo seu corpo e espírito".
Essa prática alternativa de turismo se dá pelo fato de o "estilo mochileiro" se colocar além do turismo padronizado. É necessário verificar a difusão de um olhar "romântico" no mundo do turismo, o qual se reflete hoje num desejo de isolamento das pessoas em suas maneiras de andar pelo mundo buscando novas experiências. Ainda é necessário verificar sobre o ponto de vista de nossa sociedade consumista, se existe um certo modo simplesmente hedonista na forma do turismo "estilo mochileiro".

Patrimônio cultural alimentar: Brasil
Maria Eunice de Souza Maciel
mesmaciel@uol.com.br
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil.
Departamento e Programa de Pós- Graduação em Antropologia Social da UFRGS
Área de investigação: Antropologia da Alimentação

O trabalho trata da alimentação como patrimônio cultural entendendo este enquanto parte constitutiva da identidade de uma nação, ancorada profundamente em sua história. Enfocando o caso brasileiro, procura perceber as formas pela qual o Brasil se representa e é representado através das práticas alimentares.
Pode-se pensar a cozinha (e a culinária) como um vetor de comunicação, um código complexo ou mesmo uma receita que permite compreender os mecanismos da sociedade a qual pertence, da qual emerge e a qual lhe dá sentido.
A cozinha de um povo é criada em um processo histórico que articula um conjunto de elementos referenciados na tradição, no sentido de criar algo único - particular, singular e reconhecível em contraposição a outros conjuntos de mesma natureza. Entendendo a identidade social como um processo relacionado a um projeto coletivo que inclui uma constante reconstrução e não como algo dado e imutável, estas cozinhas estão sujeitas a constantes transformações, a uma contínua recriação. Assim, uma cozinha não pode ser reduzida a um inventário, um repertório de ingredientes, convertida em fórmulas ou combinações de elementos cristalizados no tempo e no espaço.
É a partir deste ponto de partida que é possível apreender a construção das chamadas cozinhas enquanto patrimônio cultural. Enquanto formas culturalmente estabelecidas, codificadas e reconhecidas de alimentar-se, uma cozinha faz parte de um sistema alimentar, ou seja, de um conjunto de elementos, produtos, técnicas, hábitos e comportamentos relativos à alimentação o qual inclui a culinária, que refere-se às maneiras de fazer o alimento transformando-o em comida.
Mas bem mais do que técnicas, estas maneiras estão relacionadas aos significados atribuídos aos alimentos e ao ato alimentar, que vem a ser um ato culinário, de transformação. Assim, a maneira de transformar a substância alimentar, de fazer a comida, ou seja, a culinária própria a uma dada cozinha, implica em um determinado estilo de vida.
Uma cartografia da alimentação no Brasil revela a grande pluralidade e diversidade alimentar que constitui a chamada "cozinha brasileira", fruto do processo colonizador português onde estão presentes mecanismos de adaptação de tradições, apropriações e transformações de elementos. Fazem parte deste conjunto as "cozinhas regionais" como também as "comidas emblemáticas" e as "comidas cotidianas", com suas influências étnicas, sendo necessário verificar as relações entre elas.
Colocar assim a questão da patrimonalização da alimentação enquanto expressão de identidades coletivas, conduz a uma reflexão sobre os processos através dos quais os grupos desejam se reconhecer e serem reconhecidos. A valorização deste patrimônio remete a um movimento ambíguo referindo-se tanto à uma idealização da cozinha tradicional (em especial ao que se refere à autenticidade) quanto às novas formas pelas quais as tradições culinárias são atualizadas (o que inclui a produção industrial de produtos tradicionais).
Mas o reconhecimento de determinado elemento alimentar transformado em comida identitária como patrimônio traz em si uma reflexão sobre os mecanismos de legitimação e seus significados nas lutas sociais, políticas e simbólicas em que a identidade é usada como elemento legitimador.

Estudo descritivo das actividades de tempos livres no ATL - um estudo de caso.
Anabela Sequeira e Beatriz Pereira (Universidade do Minho)
sequeirana@portugalmail.pt

O lazer é um fenómeno social de reconhecida importância na sociedade moderna na qual, apesar de tudo, se vive em função do trabalho, tornando-se difícil saber o que fazer com o tempo que resta, o denominado "tempo livre" em determinados grupos etários nomeadamente nas crianças e nas pessoas idosas.
As mudanças surgidas na estrutura familiar, em que a mãe, que outrora se dedicava unicamente ao lar, passa a ocupar o seu lugar no mundo do trabalho, implicam outras necessidades sociais, nomeadamente de se procurar apoio no atendimento às crianças, sendo este de índole educacional, ocupacional e assistencial.
Para dar resposta a esta necessidade, surgem instituições públicas e privadas, às quais cada vez mais crianças são confiadas para ocuparem o tempo extra-escolar, uma vez que a família perdeu a capacidade ou a disponibilidade para apoiar a ocupação desses tempos. O objectivo é manter as crianças ocupadas e supervisionadas, o que levanta um outro tipo de questões: se a criança tem direito ao lazer, em que medida este lhe é condicionado pela institucionalização dos tempos livres e intervenção do adulto na ocupação do seu tempo livre? Que práticas existem nestas instituições e de que forma vão ao encontro dos interesses e necessidades das crianças e jovens que as frequentam?
É neste enquadramento que se insere o presente estudo, efectuado num A.T.L.
situado na freguesia de Fermentões, concelho de Guimarães. O grupo em estudo foi constituído por 100 crianças de idades compreendidas entre os 8 e os 15 anos.
Conclui-se que as crianças permanecem na instituição durante as horas extra-escolares porque os pais trabalham e por gostarem de estar com os amigos. As crianças valorizam as actividades desportivas e o tempo passado no recreio, gostam que o adulto seja seu parceiro de jogo e demonstram preferência por determinadas actividades que varia em função da idade e do género.
Após a realização deste estudo, considera-se relevante a promoção do jogo livre ou pouco orientado, a introdução de actividades mais diversificadas a nível desportivo e o alargamento do período de recreio, pois a actividade primordial da infância continua a ser a brincadeira.


A implementação do Observatório de Políticas Sociais de Educação Física, Esporte e Lazer do Grande ABC: relato de uma experiência.
Edson Marcelo Húngaro (Centro Universitário Municipal de São Caetano do Sul)
Carla Cristina Garcia (PUC São Paulo) José Luis Solazzi (IMES/UNIEMP)
mhungaro@uol.com.br

A presente comunicação é um relato de experiência sobre o processo de implementação do Observatório de Políticas Sociais de Educação Física, Esporte e Lazer do Grande ABC. Objetivamos, com esse relato, dar ciência à comunidade acadêmica Luso-Afro-Brasileira sobre uma experiência de parceria, até o presente, bem sucedida entre o poder público e uma instituição de pesquisa a fim de avaliar e projetar ações no âmbito do Estado tendo por foco as Políticas Sociais de Educação Física, Esporte e Lazer.
Em face das transformações societárias ocorridas nas últimas décadas - que são de tal ordem a ponto de alguns analistas julgarem que vivemos tempos "pós-modernos".o - o papel do Estado tem sido rediscutido. Tem havido, nos últimos anos, um desmonte do aparato estatal no que diz respeito ao atendimento de direitos sociais. Dessa forma, transfere-se para a comunidade responsabilidades que outrora estiveram sob a responsabilidade estatal. Saúde, educação e combate à pobreza com políticas distributivas, por exemplo, deixam de ser da responsabilidade do Estado e passam a ser uma questão de solidariedade para a comunidade. Se direitos sociais tão importantes tem tido este tipo de tratamento do Estado, como este tem lidado com outros direitos, tais como: o direito à prática esportiva, ao Lazer e às manifestações culturais de movimento humano? Esta é a temática que nos interessava estudar, ou seja, como têm sido o trato do Estado com os direitos ao Esporte e ao Lazer, mais especificamente, como as prefeituras da região do Grande ABC têm lidado com tais direitos? Trata-se de uma região que historicamente ficou conhecida como pólo de lutas sociais e, por essa razão, despertou-nos a atenção sobre qual o trato do poder constituído, nesta região, com os direitos sociais em geral e, entre eles - com maior atenção -, os direitos ao Esporte e ao Lazer. Como se trata de uma temática inesgotável, a partir dela surgiu a idéia de implementarmos um Observatório de Políticas Sociais de Educação Física, Esporte e Lazer da Região em questão. Tal iniciativa fundou-se na convicção da necessidade do conhecimento teórico para a ação transformadora. A implementação de um Observatório deste tipo, portanto, foi uma maneira de darmos sustentação às diversas prefeituras da região em relação às demandas populacionais, aos resultados das políticas empreendidas, à manutenção da memória histórica daquilo que já foi feito, à avaliação dos resultados dos programas empreendidos e se estão coerentes com o Plano de Governo estabelecido. Vale ressaltar que a região em questão é composta por 7 cidades sendo que em 5 delas dirigidas pelo Partido dos Trabalhadores e, portanto, ao menos na intencionalidade, numa perspectiva emancipatória.
Subsidiados pelo Centro Universitário Municipal de São Caetano do Sul - o IMES -, demos os primeiros passos em relação a esta implementação. A instituição se interessou pelo projeto, concedeu algumas bolsas de iniciação científica e horas de dedicação a alguns professores envolvidos. Em virtude deste apoio inicial, conseguimos reunir um grupo de pesquisadores de iniciação científica interessados no tema. Deparamo-nos com a primeira dificuldade, pois a totalidade deles sabia bem pouco sobre Políticas Sociais, já que não havia, em seus currículos, matéria que desse um mínimo respaldo. Para dar conta de tal problemática, organizamos um cronograma de leituras, de março até novembro de 2003, a fim de cuidarmos da "iniciação científica" dos envolvidos com a temática. Alguns resultados parciais deste trabalho já foram, inclusive, apresentados na II Jornada Paulista de Educação Física do CBCE/SP. Em virtude desses primeiros resultados, o Observatório conquistou uma certa visibilidade e, assim, recentemente estabelecemos uma parceria com o Ministério do Esporte - instância do Governo Federal - para dar seqüência à implementação do referido observatório.

O híbrido como categoria de análise para os novos fenómenos sociais emergentes
O mix-appeal nas artes em Portugal

Cláudia Madeira (ICS - Universidade de Lisboa)


Uma das características dominantes do mundo da arte contemporânea e, poderíamos dizer como diversos autores, do mundo em geral (Canclini, Latour, Pieterse, Friedman, entre outros) é a produção de objectos híbridos. O apelo ao híbrido, à mistura, emerge como um motor de destruturação das categorias "puras", "fixadas", ou "classificáveis", modificando as formas de se falar sobre identidade, cultura, diferença, e abalando os principais binómios advindos de uma cultura modernista como sejam natureza/cultura, erudito/popular, elite/massas, masculino/feminino, arte/ciência, local/global, e por isso, surge essencialmente como princípio de mudança, transformação, inovação.
Tendo origens tão diversificadas e, por vezes, tão aparentemente distantes, o termo híbrido no domínio amplo do social pode representar uma multiplicidade ilimitada de objectos, que advém de fenómenos de hibridação étnicos, linguísticos, culturais, artísticos, etc., sendo que qualquer tentativa de definição de um objecto híbrido necessita da avaliação das propriedades ou características que dele fazem parte.
No mundo da arte contemporânea portuguesa o fenómeno de hibridação parece estar a constituir um novo território artístico, amplamente diversificado, e situado cada vez mais em produtos que dificilmente se revêem numa catalogação de género artístico porque cruzam diversas linguagens artísticas, que vão desde o teatro, à dança, à música, às artes plásticas, etc., mas também linguagens não artísticas, como diversas disciplinas das ciências sociais ou exactas, que introduzem novos conhecimentos e novos instrumentos para a criação.
Esse novo território artístico híbrido tem por base uma geração também ela impura, cujos limites próprios são, muitas vezes, de difícil identificação, na medida em que cruzam fenómenos que superam as escalas originárias: 1) nacional e local, substituindo-as por uma base transnacional e cosmopolita; 2) cultural e artística, substituindo-as por fenómenos que tendem a abranger todas as esferas do social, do económico e do político; 3) criador e criação substituindo-as por sistemas de co-autoria e co-criação partilhada, em diversos graus, com as esferas da intermediação ou mesmo da recepção cultural. Tudo isto num processo de amplificação e diversificação do território artístico, que tem por base, se seguirmos a linha de análise aplicada por Bakhtin aos estudos linguísticos, tanto processos de hibridação de geração "inconsciente" ou "orgânica" através de mutações advindas da própria experimentação artística, como processos de hibridação construídos "conscientemente" e "intencionalmente", através da regulação do fenómeno, por exemplo, mediante parcerias artísticas, programações ou políticas culturais específicas. Essas duas dinâmicas de hibridação, orgânicas e intencionais, potencialmente indutoras de inovação artística estão a gerar um novo território cujo poder virtualmente transgressivo e alternativo é fértil para discutir questões centrais como centro, periferia e inovação artística. É disso que tratará este artigo, tendo por base a identificação e caracterização das principais estruturas de programação e apoio "consciente" e intencional dos objectos artísticos híbridos.

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