O museu como espaço de educação intercultural
Teresa Albino (Instituto de Investigação Científica Tropical)

O carácter multicultural que caracteriza a sociedade portuguesa, está na base das motivações que levam à problemática a desenvolver na comunicação: a apresentação dos museus etnológicos como espaços de representação, de relação e de educação intercultural.
Os museus de Etnologia têm, inegavelmente, um papel fundamental na procura de soluções para as questões multiculturais e interculturais que se colocam às sociedades contemporâneas ocidentais. É esta situação que vem hoje conferir um novo papel a estas instituições forçando-as a reflectir sobre as representações que têm moldado a sua visão do "outro" e, em simultâneo, encaminhando-as para uma redefinição da sua prática museológica.
De igual modo, o sistema escolar, no seu processo de alargamento /acolhimento de novos alunos que introduzem no seu interior a heterogeneidade do meio social e cultural de que são originários, tem vindo a ser interpelado sobre a sua capacidade de transmitir os saberes e as aptidões fundamentais à comunidade escolar, de modo a inseri-la plenamente numa sociedade plural. Pelo que alguns estabelecimentos de ensino viram-se confrontados com a necessidade de cooperar com outras instituições, como é o caso dos museus etnológicos, de modo a encontrar novas configurações de sentido para a transmissão de conhecimentos adaptada aos recentes fenómenos sociais e culturais.
A inadaptação dos programas educativos, o insucesso e o abandono escolar, os conflitos entre os vários grupos sociais são alguns dos problemas das nossas escolas que não fazem mais do que reflectir o que se passa nos diferentes sectores da sociedade.
As escolas precisam de construir projectos educativos que respondam às necessidades das suas heterogéneas populações escolares. No sentido de melhor transmitir conhecimentos referentes às diferentes culturas em presença, os museus etnológicos podem oferecer aos estabelecimentos de ensino os recursos de que estes necessitam, pois integraram colecções de objectos, imagens, sons e documentos escritos provenientes de uma diversidade de grupos culturais, "guardando" deste modo o sentido mais universal da cultura humana.
Seguindo esta via, e este é o objectivo desta investigação, museu e escola podem assim ajudar-se mutuamente a vencer os tradicionalismos neles enraizados, saindo do isolamento, na convicção de que o ensino e a aprendizagem de saberes e valores, desenvolvem-se em múltiplos espaços e tempos.
O museu etnológico e a escola vivem deste modo um grande desafio: a heterogeneidade das populações que servem apela a uma noção de cidadania que já não se limita aos contextos nacionais. São, assim, chamados a responder às novas situações criadas pelo novo contexto da globalização, à qual não será alheia a intensificação de identidades locais. Deste modo, a escola e o museu terão de reflectir sobre formas de mútua colaboração de modo a criarem ferramentas pedagógicas, interculturais, que articulem conhecimento e formação pessoal com as novas realidades quotidianas. Este esforço implica, necessariamente, um trabalho de compreensão do singular e do global, que possibilite a cada uma das instituições assumir particularidades de cada indivíduo ou grupo, por referência com sentidos universais de preparação para a vida.
Gostaríamos ainda, de referir ao longo da comunicação que a necessidade de implementar uma pedagogia intercultural, não se limita aos museus etnológicos mas a qualquer museu de qualquer área científica, que deseje promover uma integração escolar e social bem sucedida de todos os indivíduos que compõem a sociedade multicultural, sociedade de interpenetração cultural, de formação de identidades novas e híbridas.
A propósito da relação museu-sociedades multiculturais e concepções e práticas da educação intercultural, apresentaremos o pré-projecto de exposição
"Eu, sou plural", destinada preferencialmente a um público escolar, com a intervenção de parceiros educativos e das comunidades representadas, e através da qual todos os intervenientes possam reflectir sobre o papel do museu no contexto da educação intercultural.


Pesquisa sobre práticas culturais e uso do tempo livre na Região Metropolitana de São Paulo
Isaura Botelho (Ministério da Cultura do Brasil)
isaura_botelho@minc.gov.br
Mauricio Fiore (Centro de Estudos da Metrópole/Cebrap)


A pesquisa sobre práticas culturais e uso do tempo livre na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), que está sendo realizada pela área de cultura do Centro de Estudos da Metrópole (CEM), sediado no Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), e financiado pela Fundação de Amparo a Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), tem como um de seus objetivos conhecer melhor as diversas formas de utilização do tempo livre da população dessa região, com ênfase em seus hábitos culturais. Além disso, a pesquisa busca consolidar no Brasil esse tipo de levantamento que, como constatado em diversos países em que é realizado há décadas, tem relevância tanto para discussões importantes do ponto de vista das ciências sociais quanto como um instrumento para o planejamento de políticas públicas para o setor cultural. A pesquisa é composta por duas fases: a primeira é centrada na realização de um survey sobre uma amostra de 2002 entrevistados para a toda RMSP, selecionada dentre o universo da população total da RMSP com mais de 15 anos. A amostra foi estatisticamente selecionada através de extração probabilística em três estágios: setor censitário, domicílio particular e sorteio do residente. A segunda fase, a ser realizada ainda no primeiro semestre de 2004, será aplicada para uma sub-amostra da primeira e tem como objetivo detalhar as práticas culturais e hábitos de lazer. Essa sub-amostra busca garantir a representatividade de praticantes, uma pequena minoria, frente a maioria de não-praticantes.
A primeira fase já possibilitou algumas análises importantes sobre a disseminação de diversas práticas culturais e hábitos de lazer na RMSP. Antes de tudo, é importante esclarecer que a pesquisa, embora eleja como foco principal práticas culturais legitimadas ou clássicas, como ir a um teatro ou a um museu, não tem o intuito de valorá-las a priori. Ou seja, a própria legitimidade social que identifica tais práticas como "nobres" ou "distintivas" é, por si só, um objeto da pesquisa. Algumas dessas, como os espetáculos de balé e as óperas, foram, como era esperado, bastante raras. No entanto, a amplitude de algumas práticas, como a leitura por prazer, ou seja, não escolar ou profissional, foi significativa.
Como já foi discutido na literatura internacional, a grande clivagem no que diz respeito às práticas culturais é o nível de escolaridade do indivíduo. Não obstante a importância de outras variáveis, como rendimentos, idade, sexo e local de residência, a escolaridade é, sem dúvida, o maior preditor de todas as práticas pesquisadas, inclusive de televisão. Mesmo assim, diferentemente dos dados internacionais, ter um nível alto de escolaridade não significou, necessariamente, possuir hábitos de freqüentação a espetáculos e equipamentos culturais. Por exemplo, cerca de 40% dos entrevistados com nível alto de escolaridade (curso superior completo ou incompleto) não foram a um teatro assistir uma peça nos últimos doze meses e 15 % nunca fizeram isso. Porcentagens próximas a essas também foram obtidas nas freqüências a museus e espetáculos de dança, para citar dois exemplos. Essas porcentagens são obviamente maiores para os níveis mais baixos de escolaridade.
A pesquisa também aponta para uma distribuição espacial desigual da população da RMSP. Levantamentos realizados pelo CEM apontaram para uma concentração espacial dos equipamentos culturais clássicos (museus, cinemas, teatros, etc.) nas regiões centrais, as mesmas que concentram a população mais escolarizada e mais rica. A primeira fase da pesquisa revelou que é nessas regiões que se concentram, obviamente, a maior parte dos "praticantes" culturais, mas, o que ainda está sendo analisado é se essa concentração ocorre simplesmente pelos níveis mais altos de escolaridade e renda, ou se há uma clivagem espacial.
É importante chamar atenção que a abrangência estatística da pesquisa, inédita no país, possibilita o estabelecimento de comparações com diversas cidades do mundo e, além disso, caso haja regularidade em sua realização, analisar os padrões de mudanças ao longo do tempo.

Carnaval, Mercado e Diferenciação Social
Gustavo Madeiro da Silva e Cristina Amélia Pereira de Carvalho (Universidade Federal de Pernambuco)
caluzio@assis.unesp.br

O Brasil é mundialmente conhecido por seu carnaval. Junto com o futebol, a Festa Nacional ajudou a construir e definir a imagem do povo brasileiro, desde a época de Carmem Miranda até à atualidade de fama e esplendor do Carnaval do Rio e da Bahia. Malandragem - também conhecida como "jeitinho" - liberdade, e igualdade ainda que fugaz entre as classes sociais, são características associadas a esta manifestação da cultura brasileira. Suas origens remontam ao tempo em que a Festa marcava os últimos dias de fausto e mundanidade antes do período de jejum e oração da quaresma. Apesar de não ter o mesmo formato, símbolos, ritmos e efígies em todas as regiões em que é festejado, o Carnaval preserva a imagem consensual de uma relativa permissividade e de quebra das regras. Entretanto, na era moderna, a difusão das grandes organizações de caráter empresarial, a dominação da lógica de mercado, a atomização da sociedade e a difusão de uma cultura massificada afetaram a Festa.
Ao partir deste contexto este trabalho analisa as mudanças ocorridas no carnaval desde sua origem até os dias atuais na região Nordeste do Brasil, observando com particular atenção o campo social do carnaval e o surgimento de novos atores sociais na cidade de Maceió capital do Estado de Alagoas. A pesquisa mostra que a festa atravessou as fronteiras temporais a que estava presa e, na década de 90, se espalhou ao longo dos doze meses do ano com as chamadas micaretas (carnavais fora de época). Nesses eventos, milhões de pessoas se aglomeram em torno de grandes trios elétricos que, ao som de uma música pasteurizada, animam camarotes e blocos pagos, ao tempo em que o carnaval tradicional, que antecede a quaresma, desaparece lentamente.
A análise qualitativa e o perfil histórico interpretativo do trabalho permitiram compreender as origens e os desdobramentos dessas transformações a partir de uma perspectiva na qual, as lutas pelo poder e pela definição de novos valores representam os eixos que conduziram a ação transformadora. A sociologia de Pierre Bourdieu sobre campos sociais ofereceu subsídios para analisar as conseqüências das lutas de poder entre os atores sociais, indivíduos e organizações, pelo controle da Festa. A sociedade é percebida como um mercado em que os atores têm interesses, estratégias e capitais, e no qual o prêmio máximo é a possibilidade de imposição da própria interpretação da realidade. A investigação indicou que a valorização de uma lógica do interesse no campo social do carnaval foi, simultaneamente, causa e efeito da emergência de novos atores. A aparência de desinteresse, a entrega e o amor à Festa transformaram-se em estratégias de exceção, e o esforço ela inserção no sistema econômico dominante apoiado por um modelo empresarial de organização, constituiu a regra. A própria estruturação administrativa transforma-se em um capital nas lutas pelo poder, denominado, neste trabalho, "capital empresarial". Não obstante, esta não foi uma mudança inevitável, nem representa "o fim da história".
Em suas conclusões os autores defendem que, mais do que um instrumento para aperfeiçoar a eficiência, o modelo empresarial mostrou-se, na situação dada, o melhor meio de garantir distinção social aos atores sociais que souberam usar seus recursos de poder nessa direção. Mostrou ser um meio de garantir a continuidade da festa de rua mas, com blocos e camarotes pagos, excludentes para a imensa maioria da população; espaços formalmente públicos mas privatizados em seu uso, reservados às classes dominantes. Apesar de manter a aparência da quebra de regras, hoje como no passado, o espírito do carnaval é o da reafirmação da ordem e das diferenças entre os homens.

Capoeira Angolana e cultura popular
Pedro Rodolpho Jungers Abib (Universidade Federal da Bahia)
pedrabib@ufba.br

Esse trabalho propõe-se a investigar as formas com as quais a cultura popular articula todo um vasto campo de conhecimentos e saberes, bem com as formas de transmissão desses saberes através de algumas categorias, que elegemos como base para essa tarefa, quais sejam a memória, a oralidade, a ancestralidade, a ritualidade e a temporalidade, na perspectiva daquilo que denominamos aqui de uma lógica diferenciada que prevalece nesse universo, diferente daquela lógica que a racionalidade ocidental moderna determina.
Trazemos também à reflexão, a partir de algumas teorias emergentes no campo das ciências sociais, a necessidade de constituição de uma nova racionalidade que seja capaz de interpretar e validar os saberes ocultos e silenciados, presentes no universo da cultura popular, como forma de ampliação das possibilidades de um diálogo frutífero entre os saberes provenientes das várias tradições, presentes tanto no âmbito da academia quanto no da cultura popular, sem hierarquias e discriminações.
Para realizarmos tal tarefa, elegemos a capoeira angola, manifestação da cultura afro-brasileira das mais significativas, como campo privilegiado de estudo, na tentativa de buscar os seus sentidos e significados, esforçando-nos para constituir elementos de análise que dêem conta de interpretar sua simbologia, ritualidade e ancestralidade, como parte de elementos da cosmogonia africana, enquanto sistema religioso/simbólico que influencia consideravelmente essa manifestação.
Buscamos, ainda, analisar as experiências educacionais contidas nos processos envolvendo a transmissão de saberes no universo da capoeira angola, e também como se articulam no âmbito da cultura popular, esses processos educacionais não-formais. Essas experiências envolvendo os "saberes populares" são, então, a partir de nossa análise, confrontadas com a perspectiva desenvolvida pelos processos formais de educação existentes em nossa sociedade, sobre os quais buscamos estabelecer uma crítica.

Palavras-chave: cultura popular, capoeira angola, educação não-formal

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