Conflitos Ambientais e Lutas Simbólicas
Sonia Maria M. C. de Oliveira (IBGE)
smo@ibge.gov.br

A noção de conflito ambiental vem sendo pensada, no interior do processo de construção do campo ambiental, sob uma perspectiva que a identifica a lutas sociais travadas em torno a elementos que constituem uma mesma base territorial e seus recursos. Para a literatura especializada e para os sujeitos políticos constituídos no processo de luta, o ambiental estará geralmente relacionado às diferentes formas de apropriação, uso e significação (conferida por sujeitos diversos) de elementos do mundo material, referidos a tudo o que diga respeito à terra, água, ar, flora e fauna. Por muito tempo, a preocupação com o uso desses recursos e o eventual risco de sua degradação e/ou potencial de extinção ficou restrito aos estudiosos da biologia. Há algumas décadas, no entanto, movimentos sociais vêm-se constituindo, seja na defesa do que vêm chamando de sustentabilidade ambiental, seja reivindicando uma sociedade "ambientalmente" mais justa, (neste caso, incluindo no debate a questão distributiva) seja, por sua vez, na construção de uma visão alternativa de sociedade que conjugue simultaneamente o "ecologicamente sustentável" com o socialmente justo. Em todo o mundo autores vem discutindo a questão de diversos ângulos, focalizando-a através de inúmeros estudos de casos, em alguns dos quais fica clara a politização crescente da relação do homem com o meio ambiente, em outros, a forte tendência à tecnificação e cientifização da política . Muitas análises convergem para a conclusão de que problemas ambientais são, na verdade, o mote para a explosão de conflitos cuja questão central tem a ver com o uso desigual dos recursos disponíveis, a idéia de conflito ambiental aparecendo associada, portanto, à questão dos direitos sociais e da apropriação desigual do território e de seus recursos.
Seja como for, o fato é que se constata uma enorme diversidade de significados e motivações que orientam pessoas e grupos em direção a lutas ditas ambientais. Desde logo, no entanto, é preciso admitir que conceitos e expressões presentes no debate ambiental são freqüentemente utilizados com acepções diversas. A própria idéia de "questão ambiental" aparece de forma confusa, tanto no interior de discursos proferidos por sujeitos coletivos quanto em conceitos enunciados por autores dedicados à temática. Entendendo que os discursos acerca de uma determinada realidade social subentendem classificações e percepções próprios a cada grupo e que, neste caso, também estão a definir a especificidade do campo ambiental, vejamos alguns conceitos ou expressões, bastante presentes no debate sobre meio ambiente, freqüentemente utilizados com acepções diversas.

Participação Política e Organização Social na Gestão das Águas Brasileiras
Daniela Nogueira - Universidade de Brasília - Instituto de Ciência Política
nogueira.daniela@terra.com.br


Este trabalho é fruto de um interesse pelos temas relacionados à participação política da sociedade civil enquanto agente catalisador de processos de mudança social. A Política Brasileira de Recursos Hídricos, por meio da Lei das Águas promulgada em 1997, estabelece que a gestão de recursos hídricos deve ser descentralizada e participativa possibilitando aquilo que se pode chamar de um percepção mais sistemática acerca da dimensão social que caracteriza o referido recurso natural. Tendo em vista os problemas de qualidade e quantidade da água que vêm afetando os mais diferentes setores da sociedade e frente à complexidade dos desafios decorrentes de tais problemas, a necessidade do reconhecimento do conflito na gestão, assim como de uma transformação profunda nas abordagens adotadas para que contemplem as especificidades inerentes à natureza de uma política pública que tem como objetivo a gestão dos recursos hídricos, o presente estudo parte da recuperação do conteúdo semântico da categoria sociedade civil desde o pensamento clássico e procura fazer uma comparação com o que a Política Nacional denomina de sociedade civil para daí analisar a configuração assumida por este setor da sociedade frente à uma gestão compartilhada. O movimento da sociedade civil frente à questão ambiental e particularmente frente a questão das água é considerando como uma ação que vem no bojo de um movimento de reorganização da sociedade que se acentua com a crise de representatividade das instâncias tradicionais de representação. É nesse sentido que instâncias alternativas vão sendo criadas, caso dos conselhos municipais e particularmente importante para a presente análise, é o caso dos comitês de bacias hidrográficas. Mais do que a construção de novos espaços políticos, o surgimento desses novos fóruns de debates trazem à tona a necessidade de uma releitura da dicotomia público e privado que contemple outras instâncias de poder. Outro elemento de fundamental importância para essa análise são as especificidades inerentes à natureza da água enquanto veículo de organização social, é importante que uma análise da participação da sociedade civil na gestão de recursos hídricos leve em consideração a necessidade de uma perspectiva sistêmica que contemple a água como recurso em torno do qual se configura uma variedade de práticas sociais e interesses múltiplos cuja articulação demanda uma gestão integrada e inclusiva. Com o intuito de analisar e comparar duas experiências pioneiras de projetos de mobilização social em torno da gestão de recursos hídricos, são confrontadas as experiências de mobilização das Bacias Hidrográficas do Rio das Velhas no estado de Minas Gerais - por meio do Projeto Manuelzão - e do Rio dos Sinos no estado do Rio Grande do Sul - com o Projeto Peixe Dourado - onde foram identificadas ações pautadas pela busca recíproca de reconhecimento social e institucional por parte dos atores envolvidos. Esses projetos apresentam características bastante específicas que podem ser melhor compreendidas quando analisamos a relações de força entre os vários campos de conhecimento envolvidos na participação para a gestão das águas.


Redes de Organizações Sociais, a inserção da lógica de mercado e a formação de gestores.
Rosimeri Carvalho da Silva
Pesquisadora do Observatório da Realidade Organizacional
CAD-CPGA
Professora da Universidade Federal de Santa Catarina
Área de Investigação: Poder e organizações - Departamento de Ciências da Administração
rosimeri@cse.ufsc.br

O campo da cultura, assim como outros campos, tem passado nos anos recentes por grandes transformações. No Brasil a Lei Rouanet e a criação da figura jurídica das Organizações Sociais são marcos importantes desta transformação que implicam em novos modos de ação e, notadamente, novos modos de captação de recursos e gestão das organizações. No centro dessas transformações parece estar a inserção da lógica de mercado nas atividades culturais. Fundamentadas nestas percepções, oriundas de estudos realizados no grupo de pesquisa do qual participamos, realizamos um estudo etnográfico em uma rede de organizações não-governamentais denominada Rede Arte e Cidadania, que aglutina aproximadamente 30 ONGs que utilizam a arte em suas diversas manifestações para a construção ou recuperação da cidadania de grupos em situação de risco, notadamente crianças de classes desfavorecidas. Nosso estudo busca suas informações através da observação participante em todas as reuniões e atividades da Rede Arte e Cidadania desde a sua primeira reunião em agosto de 2003, bem como através da participação no grupo de comunicações via web, na coleta de documentos sobre a Rede e as organizações que dela participam. Ao longo de todos os encontros da Rede pode-se perceber a preocupação com a elaboração de projetos com o objetivo de captação de recursos. As principais atividades desenvolvidas têm este como objetivo principal aliado às discussões sobre arte. A discussão a respeito da cidadania é praticamente ausente das atividades desenvolvidas até o momento. Nesse artigo nosso foco se volta para a análise das atividades de formação de gestores, notadamente através das atividades de capacitação dos responsáveis das ONGs para o planejamento e elaboração de projetos sociais. Duas atividades centrais são analisadas neste estudo, um workshop de apresentação de projetos e o "Curso de capacitação em planejamento e roteiro de elaboração em projetos sociais". Nossa análise fundamenta-se nos estudos de Bourdieu sobre poder, definido pelo autor como o reconhecimento, por parte dos atores sociais, da posse desse recurso, ou capital, e pelo valor que estes dão a esse capital específico (BOURDIEU, 2000, p. 15). Nos interessamos, em especial, pelo conceito de poder simbólico, pela força que pode representar para explicar as relações no campo da cultura com a introdução da lógica de mercado. Segundo Bourdieu (2000, p.15) "o poder simbólico, poder subordinado, é uma forma transformada, quer dizer, irreconhecível, transfigurada e legitimada das outras formas de poder". De acordo com Silva e Carvalho (2003, p.4) é o poder de fazer ver o que não é visto, de consagração do existente, ou mesmo de criação, com o poder do discurso legitimado por outros atores. Assim supomos que para a compreensão das relações de poder que se estabelecem no campo das organizações culturais é importante considerar o capital econômico, mas também o capital cultural e social que constituem fontes de poder importantes para a determinação e reprodução das relações sociais (CARVALHO, 2003, p. 13). Os resultados de nossa análise identificam uma forte inserção da lógica de mercado na formação de gestores de ONGs pertencentes à Rede, através da discussão concentrada em elaboração de projetos com uma visão predominantemente empresarial, baseada em aspectos quantitativos e, por vezes, em interpretações errôneas. Destacamos a concentração do domínio deste conhecimento nas mãos de um dos parceiros que dão suporte à Rede e o papel que os critérios utilizados pelas fontes de financiamento podem representar na difusão da lógica empresarial.

 

Cidadania e Autonomia
Fernando de La Vieter Ribeiro Nobre - Presidente da Fundação AMI
fundacao_ami@mail.telepac

O assumir da nossa cidadania é à partida termos a correcta e completa noção dos nossos deveres e dos nossos direitos enquanto cidadãos. Em seguida, pugnarmos pela defesa desses nossos inalienáveis direitos, nunca esquecendo no entanto, também, os nossos inquestionáveis deveres de solidariedade activa para com os outros, a Sociedade Humana e a Terra.

Para que uma Sociedade Humana seja equilibrada, sustentada e harmoniosa é fundamental que se apoie em três pilares-força igualmente essenciais: O Estado, o Mercado e a Sociedade Civil. É no respeito e na conjugação de esforços, quanto baste, que haja a tentação de nenhum deles silenciar ou controlar os outros, que poderemos todos avançar em tranquilidade, estabilidade e segurança na construção da sociedade e do Mundo que todos desejamos.

O conceito de cidadania, que quanto a mim só pode existir e sobreviver se associado sempre ao binómio deveres-direitos, tem que estar sempre presente na mente das pessoas que actuam no seio dos três pilares-força atrás referidos; assim teremos, e não é nenhum eufemismo simplista nem nenhuma "palissade" (coitado do inocente General "de la Palice"), políticos-cidadãos, magistrados-cidadãos, polícias-cidadãos, funcionários-cidadãos, jornalistas-cidadãos, empresários-cidadãos..., e nós "simples" cidadãos, pugnando sem nunca fraquejar por uma Sociedade Civil livre, autónoma, responsável, activa e interveniente, essencial ao progresso e à Democracia.

Assim actuando conseguiremos todos um dia construir a Sociedade Humana sempre sonhada mas ainda não alcançada, a saber: ter no vértice da pirâmide representando a sua evolução, o Social como preocupação prioritária e objectivo final, e na base o Estado e o Mercado como sustentáculos contribuindo para que se atinja tão nobre fim. Para que as Sociedades Civis organizadas, constituídas por cidadãos livres e positivamente críticos, possam verdadeiramente ser actuantes e "consciências vivas", é absolutamente indispensável, quanto a mim, atingir uma autonomia, nomeadamente política e financeira, sem as quais mais não seriam quantidades sub-contratadas e manipuláveis, e investir fortemente, e cada vez mais, no voluntariado no actual contexto globalizante.

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