As masculinidades e os discursos de violência
Carlos Barbosa & Conceição Nogueira (IEP- Universidade do Minho)

As formas de violência mais frequentes e sistemáticas no espaço escolar são claramente formas de violência baseada.s no género. Vários estudos têm demonstrado que, na maioria dos casos, são os rapazes os principais actores de comportamentos violentos, e as raparigas, bem como outros rapazes, as principais vítimas (Mills, 2001). É importante reconhecer que os comportamentos violentos dos rapazes para outros rapazes são também comportamentos baseados no género, e não comportamentos próprios do "ser rapaz", como usualmente são interpretados (Collins et a1.1 996). Esta violência é muitas vezes exercida sob uma forma de "barreira policial", geralmente com um domínio homofóbico, que visa normalizar construções particulares de masculinidade e, ao mesmo tempo, determinar o lugar onde um rapaz é posicionado na ordem social masculina (Mills, 2001). Segundo Connell (1995), a estrutura de desigualdade das relações de género nesta escala, implica uma disposição maciça dos recursos sociais e, desse ponto de vista, difícil de imaginar sem violência.
Um dos atributos essenciais para a construção e manutenção das formas mais dominantes de masculinidade reside na capacidade para cometer actos de violência e/ou no exercício de poder coercivo sobre outros indivíduos, sejam eles do mesmo sexo ou do sexo oposto (Mills, 2001). Este atributo, tido como "natural", constitui o centro de redes de poder que mantêm um conjunto de privilégios sociais para as formas de masculinidade dominantes.
A tendência para associar os rapazes e os homens a comportamentos de violência e procura de poder, são ú resultado de práticas sociais de género, e não o produto de características individuais ou de predisposições biológicas (Amâncio, 1994). O conceito de "masculinidade" é entendido como um conceito inerentemente relacional. A compreensão das masculinidades requer a sua conceptualização como "práticas sociais colectivas" (Connell, 1995), socialmente organizadas e valorizadas, cultura] e historicamente específicas. Estas práticas sociais colectivas envolvem necessariamente diferentes tipos de discursos e acções.
A análise do discurso oferece vários caminhos para o estudo do significado, constituindo-se como uma forma de investigar o que está implícito e exp1ícito nos diálogos que constituem a acção social, os padrões de significado e representação que constituem a cultura (Nogueira, 2001). Partindo desta abordagem metodológica e conceptual, pretendemos apresentar uma análise aos "repertórios interpretativos" (Potter & Wetherell, 1992) de alunos(as), professores(as) e auxiliares de acção educativa, recolhidos a partir de entrevistas individuais, realizadas em três escolas do 3º Ciclo do Ensino Básico da Região do Porto. Pretendemos anat1sar, entre outros, o modo como os agentes escolares constroem múltiplas versões sobre a violência escolar, as justificações que utilizam e os recursos sociais que usam.

Homens de Classe: masculinidade e posições sociais
António Manuel Marques - Instituto Politécnico de Setubal
Lígia Amâncio - ISCTE
ligia.amancio@iscte.pt

Esta comunicação baseia-se numa parte de um projecto de pesquisa sobre os processos da construção social da masculinidade em contextos de dominância numérica e simbólica masculina e nas especificidades da identidade masculina que emergem nestes contextos. Nessa pesquisa, assumimos que os grupos profissionais com predomínio numérico de homens definem, provavelmente, um contexto privilegiado para a observação da construção social da masculinidade e, ao mesmo tempo, evidenciam uma possível coincidência com a construção da feminilidade enquanto 'outro'.
Nesta comunicação, e valorizando o facto de as quatro profissões envolvidas serem detentoras de capitais escolares e prestígio social diferenciados, realizamos uma análise comparativa que questiona a importância das posições de classe nos processos de construção das identidades profissionais e da masculinidade, aprofundando a relação entre os universos profissionais e a masculinidade hegemónica.


Masculinidade, sexualidade e hiv/sida em moçambique: a desconstrução do Masculino. Fase I de um programa de Investigação.
Manuel Macia & Patrício V Langa - Faculdade de Letras e Ciências Sociais (UEM, Maputo)
patricio.langa@uem.mz

O projecto visa colocar o Masculino em questão. Que homem é esse de que tanto se tem feito referência no contexto das relações sociais de gênero? Conhecemos parte do léxico que tem sido desenvolvido para dar conta da realidade das desigualdades sociais de gênero. Dominação masculina, violência doméstica, discriminação positiva etc. Hoje, numa época, em que a Pandemia do HIV/SIDA quase provoca, se ainda não o fez, uma revolução social no campo da sexualidade, cientistas sociais ensaiam nos seus "vasos comunicantes" e "tubos de ensaios" dentro dos seus laboratórios conceitos novos como, por exemplo, o da "feminização do SIDA". O modelo patriarcal de dominação masculina sempre aparece como o pano de fundo de quase todas as explicações que geram a situação desfavorável e subalternidade da mulher na estrutura social da sociedade. Se por um lado, podemos concordar, pelo nível elevado de argumentação e explicação que este modelo nos proporciona, por outro lado, sabemos como os paradigmas podem ter uma tendência totalizante na explicação dos fenómenos sociais e, deste modo, limitarem nossa compreensão sobre constituição dessas mesmas praticas sociais. Assim foi com Marxismo. E, porque assim foi, muito da realidade social lhe escapou. Alias, a própria mulher enquanto categoria social escapa ao esquema Marxista da luta de classes, representada por dois grupos antagônicos. No campo das relações sociais de gênero, colocasse-nos, então, o desafio da descontrução deste modelo de dominação masculina. Tal descontrução passa pelo reconhecimento de que o modelo patriarcal de dominação masculina não é um modelo natural, dos homens contra as mulheres, mas naturalizado e desishistoricizado. A nossa Hipótese de trabalho subentende que houve todo um processo, um trabalho social de cooperação e, quiçá, de cumplicidade entre homens e Mulheres na edificação deste modelo com (des) vantagens para ambos.

Na escuta dos discursos sobre a sexualidade - Desafiando para novos sentidos de cidadania
Carmo Marques (Faculdade de Psicologia e Ciências das Educação da Universidade do Porto)
carmomarques@tvtel.pt
Conceição Nogueira (Universidade do Minho)

Esta comunicação pretende ser uma reflexão sobre os conceitos de cidadania e justiça social perante as reivindicações assumidas dentro do movimento feminista (levantadas pelos feminismos pós-modernos), do movimento LGBT - Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais -, e queer, pelo reconhecimento plural da diferença e, consequentemente, na imposição de novos sentidos para estes mesmo conceitos. Novos sentidos... onde a exclusão passe a ser inclusão, onde universal passe a ser diferenças, onde unidade passe a ser diversidades...
É um debate complexo e cheio de tensões... mas acima de tudo, evidência que encontrar novos sentidos é rejeitar dicotomias e complexificar as questões de opressão e dominação, presentes nas relações de género.
Perante a pluralidade de ser e de viver as sexualidades parece demasiado redutor e insuficiente continuar a analisar as relações entre géneros com base numa relação de poder dicotómica, em que uma é dominada e o outro é o dominador. Com a emergente pluralidade de identidades sexuais e, consequentemente, de novos movimentos sociais, surgem também novas leituras sobre as realidades, tal como o feminismo pós-moderno e a teoria queer, que pretendem (re)definir novos sentidos para os termos cidadania e justiça social, incluindo o direito à sexualidade, seja ela qual for.
A reinvenção do conceito de cidadania, emerge do facto de esta ser pensada de uma forma excluente sustentando-se num paradigma universal, masculino e heterossexual, silenciando vozes que se afastam desta normatividade. Várias vozes têm reclamado uma reformulação do conceito de cidadania de forma a incluir as suas identidades nos direitos civis, sociais e políticos que cada cidadão (e coloco no falso neutro, ou seja, no masculino, porque são exactamente as mulheres que mais se sentem excluídas na actual concepção de cidadania - como entidade universal, singular e abstracta) deve usufruir. Tal como afirma Helena Araújo (2002), a cidadania atribuída como universal não interessa às mulheres e deve ser/ é questionada, colocando em causa o pensamento de alguns teóricos da cidadania que ""(...) precisam de ser lembrados, ou mesmos convencidos, de que este conceito [que analisam como] ostensivamente neutro quanto ao género, é, de facto, profundamente genderizado" (Lister 1997:1), implicando realidades e vivências de exclusão de participação nas estruturas de poder político e de falta de reconhecimento das diferenças em variados aspectos da vida social." (Helena Araújo 2002: 6).
O pensamento feminista, resultante das diferentes vozes que compõem o próprio movimento ( lésbicas, black feminists, ...) têm desafiado novas potencialidades para a cidadania, articulando esta com o género, etnicidade, orientação sexual, classe e cultura. Sendo o movimento feminista o grande impulsionador neste desafio, actualmente, e com a emergência pública e política de novas identidades de sexualidade(s), o movimento LGBT e queer vêm contribuir para a reformulação do conceito, reclamando também uma cidadania sexual, apelando e reivindicando que a discussão em torno da(s) cidadania(s) também deve incluir as questões das sexualidades, tornando o debate em torno da cidadania muito mais complexo.


Gênero e os nós da formação profissional
Sandra Lourenço - Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO/PR
sanlouren@ig.com.br

O presente trabalho tem por objetivo, apresentar dados e informações sobre as formas de abordagem da questão de "gênero" no processo ensino-aprendizagem, especificamente no curso de Serviço Social das Faculdades do Centro-Oeste Paulista. Neste estudo, retomou-se a perspectiva da ordem patriarcal de gênero e o pressuposto de que elementos dessa categoria permeiam o processo de ensino-aprendizagem. Vale ressaltar que, gênero é uma categoria ontológica e histórica, tendo como referente o sexo, do qual distanciou-se por conta das mediações históricas, incidindo numa dinâmica de poder, sendo constituinte e constituído pelas, nas e através das relações sociais e, portanto onipresente. A coleta de dados empíricos ocorreu entre os anos de 1998 e 2000, com os docentes dos cursos de Serviço Social de Bauru, Botucatu e Lins, abarcando inclusive a análise dos Trabalhos de Conclusão de Curso dessas Unidades de Ensino, produzidos nos anos de 1997, 1998 e 1999, além do estudo dos conteúdos programáticos das disciplinas de Desenvolvimento de Comunidade, Ética Profissional e Política Social. A compreensão de que a ordem patriarcal de gênero permeia o processo ensino-aprendizagem confirma-se por meio da observação do cotidiano educacional nas Unidades de Ensino e também com as entrevistas realizadas, que refletiram a diferenciação estabelecida entre os papéis alocados à mulher e ao homem, cuja representação é reproduzida por alguns alunos de Serviço Social ao pensarem propostas interventivas junto à população usuária. As relações sociais de gênero, de acordo com Cilene Swain Canôas vão se evidenciar nas funções exercidas pelo masculino e o feminino nos processos de produção e reprodução da vida (Cf. Canôas, 1998). Visando apreender se há reflexões na perspectiva de gênero, sistemáticas ou assistemáticas, levantou-se alguns questionamentos acerca da discussão em sala de aula sobre o número de mulheres no Serviço Social e das barreiras encontradas nesse sentido. Constatou-se que, aproximadamente 54% dos docentes não discutem o fato do Serviço Social ser composto em sua maioria por mulheres ou discutem esporadicamente ou ainda superficialmente. Esse é um dado preocupante, pois acredita-se imprescindível a análise sob a óptica de gênero da profissão, uma vez que esse é um dos componentes essenciais para a compreensão do Serviço Social, já que é uma profissão que possui um status de subalternidade, devido a diversos fatores, dentre eles a composição de mulheres. Vive-se em uma sociedade patriarcal e machista. Obviamente, que com isso, os espaços formados majoritariamente por mulheres, podem ser espaços considerados inferiores. A pesquisa apontou que, apesar da temática gênero estar presente no processo de ensino aprendizagem, ela é insuficientemente analisada pelos docentes. Por outro lado, expressa-se na produção acadêmica dos alunos com carência de densidade teórica, numa linguagem que revela uma série de esteriótipos inerentes à construção social de gênero. Foi visto ainda neste estudo que a discussão da categoria gênero não deve ser atribuída a uma disciplina do currículo, como está na Proposta Curricular da Associação Brasileira de Ensino e Pesquisa em Serviço Social - ABEPSS, mas dada a sua importância e relação intrínseca com classe social e etnia, ser estendida a todas as atividades inerentes ao desenvolvimento do Projeto Pedagógico.

 

Gênero: avanços e continuidades nas diretrizes curriculares para a "Orientação Sexual" no Brasil.
Erlinda Cristiane Maria da Silva (Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro)
erlindac@bol.com.br
Laura Moutinho (Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro)

Vemos que a partir da constituição do termo gênero e de sua utilização no âmbito educacional os postulados feministas relativos à educação vêm embasando uma nova perspectiva pedagógica relativa à Orientação Sexual. Nessa perspectiva, a critica ao determinismo biológico subjacente à educação diferenciada para homens e mulheres (Louro, 1998), bem como a (des)construção das identidades de gênero como fixas (Britzman, 1999) passam a ser algumas das questões centrais dessa proposição. Neste sentido, em se tratando da atual reforma curricular, especificamente, aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) a apresentação da proposta de "Orientação Sexual" incorporando a noção de gênero é tida, num primeiro momento, como um avanço em relação a essa aproximação entre os estudos feministas e a política educacional. Neste sentido, o objetivo desse trabalho é discutir e analisar a opção teórico-conceitual da categoria gênero tal como incorporada nas diretrizes curriculares nacionais referentes ao tema transversal - "Orientação Sexual". Para tanto, buscarei apresentar os principais argumentos explicativos que constituem a proposição do termo gênero, identificando as diferentes abordagens teóricas referentes ao seu uso, suas reflexões e análises de modo a problematizar algumas questões que emergem da proposição de tal categoria na "Orientação Sexual" no contexto da reforma educacional brasileira.
Palavras chave: Gênero, Parâmetros Curriculares Nacionais, Orientação Sexual.

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