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2019-10-28
Relembrando a crise académica de 69

Em 17 de abril de 1969 andava eu no 7º. ano do liceu, no Porto, encantada com o Grego e a Filosofia. Na cidade vivia-se uma vidinha burguesa, entre famílias conhecidas. Dos pobres não se falava, eram transparentes e tratados com uma caridade superficial. Só meses mais tarde tive ecos da crise estudantil de Coimbra.

Em casa, o ambiente conservador e pró Estado Novo, achava-se todo o movimento horrível e devasso. Eu tinha curiosidade, mas não piava, nem me atrevia. Só no ano seguinte, na Faculdade, percebi realmente do que se tratava e, como conhecia Coimbra, perguntava-me como era possível ser lá. A minha visão de Coimbra era de fim de semana: parada, provinciana, pequena.

No meu primeiro ano da Universidade começou a minha politização em sentido lato.Vivia dois mundos paralelos: o de casa e o de fora dela, mais fascinante e mais livre. Posso dizer que vivi o fascismo por dentro, cheio de subentendidos e tabus. Não foi nada pacífica a minha nova admiração pelas ideias que rapidamente se fizeram sentir. É duro perceber que aquele reduto que se julgava baseado em forte afectividade se altera, ficando frio e hostil.

Foi talvez essa constatação que mais me falou da brutalidade do regime. A maneira como a família alargada me via e como eu os passei a ver foi muito dura de roer, mas libertadora. A minha crise de 69 foi em 70 e 71.

 

Gi Ribeiro dos Santos - Colaboradora do Centro de Trauma/CES-UC
(Imagem: Centro de Documentação 25 de abril)