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Banca
A banca está no epicentro da atual crise. Sendo vital para a economia, o crédito confere um enorme poder a quem o controla. Portugal, com a integração monetária, beneficiou de um financiamento externo acessível que pôde canalizar para uma pouco produtiva economia da construção com o apoio de um Estado que criou um regime fiscal favorável à banca e à compra de habitação própria. A banca beneficiou também de privatizações geradoras de comissões ou lucrativas parcerias público-privadas.
A banca portuguesa não foi diretamente atingida pela crise imobiliária e bolsista norte-americana. Sofreu sobretudo o embate da perda de confiança generalizada nos mercados interbancários europeus onde se financiava. Hoje enfrenta o crescimento do crédito malparado fruto da fragilidade das famílias e empresas resultante da austeridade imposta pela UE e FMI. Esta intervenção externa teve contudo o seu apoio. O financiamento externo garantido pela Troika adiou uma reestruturação da dívida pública nacional, que muito prejudicaria a banca que nela tem um dos seus principais ativos, e facilita a sua recapitalização, minorando perdas para os acionistas. Os bancos têm ainda o privilégio, não conferido aos Estados, de poderem aceder a financiamento a taxas de juro quase nulas por parte do BCE, por prazos cada vez mais longos e com cada vez menos restrições, o que lhes permite ir consolidando os seus agora fragilizados balanços.
Tendo beneficiado de condições de exceção que não foram oferecidas a nenhum outro ramo de atividade económica, a banca tem a capacidade de transferir cada vez mais encargos para o Estado sem que estes sejam devidamente acompanhados de contrapartidas de controlo público direto, já que são os recursos públicos que estão a ser mobilizados e já que o crédito é um bem público. O caráter privado da banca continua a ser ideologicamente preservado, enquanto os seus prejuízos são por todos partilhados.
Ana Cordeiro Santos
Banco Central Europeu
O BCE é a autoridade monetária responsável pela moeda comum europeia, o euro. Tem como base jurídico-política o “Tratado que institui a Comunidade Europeia” e os “Estatutos do Sistema Europeu de Bancos Centrais e do Banco Central Europeu”. Iniciou funções em 1 de junho de 1998, preparando a substituição de moedas nacionais pelo euro. As suas atribuições fundamentais são a definição e execução da política monetária para a área do euro, incluindo as taxas de juro diretoras; a condução de operações cambiais; a detenção e gestão das reservas oficiais dos países da área do euro e o bom funcionamento dos sistemas de pagamentos.
Três circunstâncias fazem do BCE uma entidade ortodoxa, sujeito a críticas que o responsabilizam pela dimensão da crise. A primeira resulta de assumir como objetivo primordial, quiçá exclusivo, a manutenção da estabilidade de preços a médio prazo. Esta prioridade tem filiação em doutrinas monetaristas. Para o BCE, a estabilidade de preços é «a base para um crescimento económico sustentável e para a prosperidade». O apoio ao emprego e ao crescimento, definido como não inflacionista, é secundário. Nisso se distingue da Reserva Federal norte-americana, que prossegue os dois objetivos conjuntamente.
A segunda circunstância é a designada independência política do BCE. Também doutrinariamente, assume que a independência dos bancos centrais «é benéfica para a manutenção da estabilidade de preços». Por isso, não podem «solicitar ou receber instruções das instituições» da União Europeia ou dos governos.
Finalmente, O BCE está proibido de conceder empréstimos à União e aos Estados, na convicção de que assim se protege da influência das autoridades públicas e isenta a economia da influência “perturbadora” da moeda. O facto de conceder empréstimos aos bancos a juros baixos, aceitando como garantias obrigações de Estados que pagam juros elevados, permite defender que o BCE favorece as operações financeiras e não as finanças públicas.
José Reis
Bens comuns
De acordo com um entendimento que supera a mera definição técnica, os bens comuns (commons) são os que se revelam indispensáveis para a garantia da vida de todos – a água, as sementes, o ar – e os serviços públicos necessá-rios a que essa vida seja digna.
Nas sociedades pré-capitalistas, os bens comuns tinham uma importância económica e social clara. A não apropriação privada da terra ou da água repercutia-se numa conceção não individualista da pastorícia, da agricultura ou da pesca. A sacralização capitalista da propriedade privada como matriz de organização da relação entre as pessoas e as coisas, e a transformação de todas as coisas em mercadorias potenciais acarretou uma quase extinção da realidade dos bens comuns em favor da sua apropriação privada. Ora, a essa histórica orientação privatizadora, o neoliberalismo contemporâneo acrescentou uma voragem inédita e instalou-a no campo dos bens e dos serviços essenciais à vida digna de todos, desde a água às florestas, à educação ou à saúde.
O pensamento económico dominante do capitalismo neoliberal insinua que, mantendo-se comuns, estes bens tendem a ser sobreconsumidos e a ver a sua qualidade desgastada. A mercadorização desses bens e a consequente definição de direitos de propriedade sobre eles são tidas por tal pensamento como imperativos para corrigir a tendência para o que é designado como “a tragédia dos bens comuns”. Ora, este modo de pensar arranca de dois pressupostos: o primeiro é a prevalência da conceção antropológica individualista e excludente do homo œconomicus; o segundo é a ausência de regras de uso partilhadas por todos os beneficiários dos bens comuns.
Contrariando o primeiro, a ética do bem comum coloca o centro nas condições conjuntas que favorecem o desenvolvimento integral de todos. Em oposição ao segundo, o regime de património comum da humanidade adota as regras da participação, responsabilidade e justiça intra e intergeracional como pilares da administração dos bens comuns.
José Manuel Pureza
Biodiversidade
Entende-se por biodiversidade a totalidade da vida no planeta, nas suas infinitas variações, desde o nível bioquímico às diferentes espécies e organismos. Os seres vivos habitam na crosta terrestre e modificam os ciclos biogeoquímicos, a atmosfera e o clima, criando condições favoráveis à nossa própria existência enquanto espécie. Os organismos estão em permanente relação entre si e com o planeta, através da água, do solo e do ar, estabelecendo trocas contínuas de matéria e energia através de associações simbióticas.
A visão dominante da biodiversidade é centrada na capacidade humana de a conservar a fim de a explorar como recurso para a acumulação de capital. Alguns dos seus usos são explorados por indústrias farmacêuticas, cosméticas, alimentares, materiais, caça, pesca e turismo, entre outras. Mais recentemente, fala-se de novos mercados de serviços ambientais, tais como os sumidouros de carbono. Esta conceção da biodiversidade conduziu à sua redução drástica através da simplificação dos ecossistemas para fins produtivos e da impermeabilização de solos para construção urbana. Ao mesmo tempo, conduziu ao confinamento da biodiversidade em áreas de conservação, enraizando-se a ideia de que o ser humano não é capaz de coexistir no seu ambiente com outras espécies sem as destruir.
No entanto, existem outras formas de organização social humana e de nos relacionarmos com as espécies a fim de assegurarmos a nossa provisão e qualidade de vida. Há no mundo inúmeras comunidades que conseguem produzir e manter locais de elevada biodiversidade, com base noutras economias políticas, conhecimentos e práticas. Os sistemas de produção mais biodiversos são agroecológicos e multifuncionais, e contam com várias espécies de animais, plantas, cogumelos e microrganismos. Através das suas práticas quotidianas, os seres humanos participam ativamente na reprodução dos ambientes onde vivem e desenvolvem uma convivência com outras espécies com as quais se relacionam e das quais dependem.
Rita Serra
Biotecnologia
Nas três últimas décadas, a rápida expansão de conhecimentos e técnicas ao dispor da ciência levou a que esta se tornasse um instrumento para ser utilizado pelo ser humano, ao serviço do ser humano e com aplicação direta no ser humano. Intrinsecamente associada à genética, a clonagem humana ou de órgãos é ainda uma promessa por cumprir. Porém, as técnicas de regeneração celular, a criopreservação de células do cordão umbilical ou a reprodução medicamente assistida são já utilizadas. Os organismos geneticamente modificados (OGM) são outra das aplicações possíveis, numa ten-tativa de debelar um dos grandes flagelos mundiais: a fome.
Os diferentes usos que a biotecnologia coloca hoje ao dispor do ser humano surgem como uma promessa de mais saúde e melhor qualidade de vida, trazendo uma esperança renovada não só a quem não tem o que comer, mas também a quem padece de doenças, permitindo a sua deteção precoce e identificando potenciais doentes assintomáticos, ou mesmo tornando possível a procriação sem a união de dois seres de sexo oposto. Concomitantemente, tem vindo a constituir-se como uma arma crucial no combate à insegurança, à criminalidade e ao terrorismo, quer através da utilização de métodos biométricos, que permitem o reconhecimento de características individuais (retina ou íris, por exemplo), quer através de bases de dados de perfis genéticos de ADN, que, ao armazenarem informações genéticas sobre os indivíduos, tornarão mais fácil identificar e condenar criminosos e ilibar inocentes, trazendo quiçá uma (falsa) aparência de mais segurança aos cidadãos. No próprio cenário do crime é visível o uso cada vez mais generalizado de tecnologia de ADN na análise de vestígios, propondo-se auxiliar na descoberta e apuramento da verdade, dando um contributo para uma justiça mais célere, mais eficaz e mais rigorosa. Importa, porém, equacionar as implicações éticas, morais e sociais, os benefícios, os limites, os custos (incluindo os sociais), as potencialidades e os riscos da utilização da biotecnologia.
Susana Costa
Brasil
Com 192 milhões de habitantes, a República Federativa do Brasil passou a ser, recentemente, a sexta economia mundial por PIB nominal e mantém-se enquanto maior economia da América Latina. Considerada uma superpotência emergente, pelo seu contingente populacional e rápido crescimento económico, integra, desde 2001, a lista dos BRIC, em conjunto com a Rússia, Índia e China. É um dos países de destino de portugueses que, perante a crise económico-financeira, emigram. O país atravessa, desde 2000, uma fase que tem sido apelidada de novo desenvolvimentismo, alicerçada na exportação de produtos manufaturados ou produtos primários de alto valor acrescentado (entre 2002 e 2008 as exportações triplicaram, em particular para a China) e recusando a substituição de importações como estratégia de superação da restrição externa ao crescimento.
Juntamente com o processo de crescimento do mercado de produtos primários, o Brasil passou a ter governos com maiores vínculos sociais, com maior intervenção no planeamento da produção e na distribuição de rendimentos. No entanto, a pobreza e a desigualdade constituem, ainda, os grandes desafios da sociedade brasileira atual. Apesar de ter havido uma evolução positiva da maioria dos indicadores sociais na última década, nomeadamente em relação ao aumento da esperança média de vida, diminuição da mortalidade infantil, acesso a saneamento básico, recolha de lixo, diminuição da taxa de analfabetismo, existem ainda claras diferenças regionais, em particular no que diz respeito ao nível de rendimentos.
Calcula-se que em 2011 existissem 16,2 milhões de brasileiros (8,6% do total) vivendo na miséria extrema ou com um ganho mensal de até 70 reais, na sua maioria jovens, sendo as regiões Nordeste e Norte as mais afetadas, contrastando com o Sul do país. No entanto, este número é já inferior ao de 2003, calculando-se que ao longo da última década mais de 24,5 milhões de brasileiros tenham saído da pobreza.
A classe média passou a ser predominante no país, em resultado do investimento na educação e da estabilidade económica do país. Simultaneamente, entre as classes mais baixas, os programas governamentais de transferência de rendimentos (prestações dependentes dos recursos dos benefi ciários) têm sido instrumentos centrais para a mobilidade social. Programas como o Fome Zero ou Bolsa Família são claros exemplos deste tipo de programas.
Tatiana Moura
BRIC
Sigla criada em 2001 por Jim O’Neil, economista da Goldman Sachs, em alusão à emergência do Brasil, Rússia, Índia e China como potências do sistema internacional. O crescimento económico destes países na última década (média de 6,6% ao ano) tem ajudado à sedimentação desta sigla no jargão político internacional. A este elevado crescimento económico, quatro vezes mais rápido do que o crescimento da economia norte americana no mesmo período, junta-se um peso político-diplomático crescente, o que, por exemplo, obrigou à substituição do G8 pelo G20 como fórum preferencial de discussão sobre a economia global.
Dito isto, é preciso compreender que a sigla BRIC esconde duas realidades particularmente relevantes para o mundo contemporâneo. Em primeiro lugar, esconde todo um conjunto de outras potências emergentes que têm tido crescimentos significativos nos últimos anos e cuja importância poderá, a breve trecho, ser equivalente a alguns dos atuais BRIC, como são os casos da Turquia, da Indonésia e da África do Sul. Em segundo lugar, coloca num mesmo contexto países muito diferentes e com pesos muito diferenciados internacionalmente, desde logo porque nenhum dos restantes três países se compara à dimensão e importância da China. No mesmo sentido, também a Índia, potência nuclear com mais de mil milhões de habitantes, não pode ser comparada ao Brasil e à Rússia. Por fim, Moscovo não pode propriamente ser entendida como a capital de uma potência “emergente”, pois, em termos militares, nunca deixou de ser uma potência e o seu crescimento tem sido baseado, não no desenvolvimento industrial, como no caso dos restantes BRIC, mas, sim, nos elevados preços de mercado dos seus recursos energéticos.
Assim, a sigla BRIC acaba por ser, sobretudo, um símbolo do reequilíbrio de poderes no sistema internacional, cada vez menos centrado no Ocidente e cada vez mais multipolar, um processo que tanto a crise financeira de 2008 como a atual crise europeia vieram, de certo modo, ajudar a acelerar.
André Barrinha