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Juros
O juro é o preço pago por um devedor ao credor pelo uso do dinheiro emprestado. As partes do contrato de crédito tanto podem ser pessoas, como empresas ou Estados. O juro é atualmente encarado com naturalidade como o preço do dinheiro determinado pela oferta e procura de dinheiro.
No entanto, ao longo da história, a legitimidade do juro esteve sempre sob suspeita. Na Grécia Antiga, Aristóteles ensinava que o dinheiro havia sido instituído para facilitar as trocas, esse seria o seu fim, e que gerar dinheiro a partir de algo “estéril” como o dinheiro era uma atividade absoutamente antinatural e condenável. Ao longo de toda a Idade Média, o juro (a usura), além de condenado em termos éticos, foi tornado ilegal.
Alguns doutores da Igreja Católica defendiam que vender dinheiro é vender tempo e que uma vez que o tempo só pertence a Deus, o usurário está a vender algo que não lhe pertence. Outros argumentavam que a usura é uma falha à obrigação da caridade ou à justiça. Todos reconheciam que a usura pode encerrar um potencial de abuso da situação de alguém que é forçado a aceitar o endividamento em posição de necessidade extrema. As leis antiusura, mais ou menos modificadas, existiram na Europa cristã durante 500 anos, até que o Código Napoleónico as aboliu. Só em 1830 a Igreja Católica abandonou a doutrina antiusura, sem nunca a revogar.
A dívida e os juros tornaram-se palavras-chave nos discursos sobre a crise. A própria crise foi desencadeada por práticas creditícias especulativas em consequência das quais muitas pessoas, surpreendidas na armadilha do endividamento, deixaram de poder pagar os juros e viram-se privadas das habitações adquiridas a crédito. Até mesmo alguns Estados foram submersos na voragem dos juros especulativos. Face a mercados de capitais subordinados ao turbilhão especulativo, as interrogações éticas relativamente ao crédito e ao juro, subestimadas na modernidade, regressaram. Será indiscutível a legitimidade de uma atividade que consiste em transportar, sem esforço, riqueza do presente para o futuro, aumentando-a no percurso com a apropriação de parte dos frutos do esforço de quem lhe dá um uso produtivo?
José Maria Castro Caldas
Justiça social
O conceito de justiça social é muito eclético e polissémico, mas tem vindo a ser utilizado como a necessidade de alcançar uma repartição equitativa de diferentes bens sociais. Se, inicialmente, este conceito emergiu como uma forma de responsabilizar o Estado na correção das desigualdades que surgiam na esfera do trabalho e do mercado, rapidamente se alargou para outros mecanismos produtores de discriminação.
A justiça social é, pois, baseada no compromisso público com os princípios da igualdade, distribuição, redistribuição e respeito pela diversidade. Numa sociedade onde haja justiça social, os direitos humanos encontram-se assegurados e as classes sociais mais desfavorecidas contam com oportunidades de desenvolvimento. Se, tradicionalmente, a preocupação com a justiça social, em ambiente de crescimento económico, nem sempre é uma prioridade na agenda dos diversos governos, surgindo, por vezes, como capa de aparente promoção de igualdade, num clima de crise económica mais facilmente essa preocupação é reduzida.
Podemos identificar três vias pelas quais tal acontece. Em primeiro lugar, o aumento do desemprego, os cortes salariais, a redução das prestações sociais, o aumento dos impostos e dos custos de bens de primeira necessidade contribuem para o empobrecimento daqueles que já se encontravam no limiar da pobreza. Em segundo lugar, implica cortes em áreas fundamentais de criação de igualdade de oportunidades, como a educação, e pressupõe um aumento de custos no acesso a sistemas fundamentais, como a saúde ou a justiça. Em terceiro lugar, numa lógica de interseccionalidade, estas medidas afetarão mais gravemente aqueles que, sendo pobres, se encontram ainda mais marginalizados na sociedade, como as mulheres, os imigrantes ilegais ou as pessoas com deficiência. Neste cenário, é fundamental, também, que a mobilização política contra a exploração económica não silencie as reivindicações pelo reconhecimento cultural mas, antes, que haja um reforço da complementaridade entre estas lutas, uma vez que, se a exploração aumenta a discriminação, a discriminação favorece a exploração.
Madalena Duarte