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Marxismo
Estruturado inicialmente a partir das obras de Marx e Engels, o marxismo constituiu-se como uma análise das dinâmicas do capitalismo e do modo como estas determinam as sociedades, como uma filosofia do materialismo dialético e como uma corrente socialista ancorada na ideia de emancipação e de transformação da sociedade. Cada um destes três eixos deu lugar a intensos debates, fazendo do marxismo, mais do que uma doutrina delimitada, uma raiz inspiradora de práticas políticas e posicionamentos intelectuais. Assim, em termos políticos, a par da defesa da ditadura do proletariado, desenvolveram-se caminhos que propuseram uma transição para o socialismo num quadro pluripartidário; a par da ideia de “socialismo num só país”, afirmou-se a defesa do comunismo enquanto projeto internacionalista; a par da defesa da revolução russa de 1917 e da experiência soviética, ganharam relevo críticas focadas na perversão estalinista (ou leninista) e buscaram-se outros modelos de transformação social.
Em termos teóricos, se o marxismo afirmou a centralidade do conceito de exploração e a ênfase na análise dos modos de produção, inspirou também teorias assentes no conceito mais vasto de alienação e na recusa de leituras estritamente economicistas. Esta linha foi classificada por Perry Anderson como “marxismo ocidental” e nela cabem autores muito distintos mas apostados na hibridização do pensamento de Marx. É assim que este aparece conjugado com Hegel (Lukács), com Freud (Marcuse e Reich), com Heidegger (Sartre) ou com a corrente utópica (Bloch). Esta tendência de hibridização mantém-se hoje em autores como Negri (conjugando Marx e Foucault) ou Zizek (associando Marx e Lacan).
Outros fatores de inovação do marxismo – mas também de identificação dos seus limites – radicam na necessidade de aprofundar aspetos – como a teoria das classes (Olin Wright), o conceito de Estado (Poulantzas, Jessop) ou as noções de ideologia/hegemonia (Gramsci, Althusser, Laclau) – ou de dar conta de novas preocupações – como o indigenismo (Mariátegui, Garcia Linera), o feminismo (Sheila Rowbotham, Juliet Mitchell) ou a ecologia (John Bellamy Foster, Michael Löwy).
Miguel Cardina
Média
Até à década de 1960, média designava um campo integrador dos “meios de comunicação de massas” enquanto instrumentos de propaganda destinados a impor uma mensagem de natureza política ou publicitária. Na década de 1970, essa perspetiva foi alargada, percebendo-se que a dimensão instrumental não indicava apenas aos públicos o modo como estes deveriam pensar, mas incorporava também a aptidão para impor aquilo em que eles deveriam ou não pensar. Neste sentido, os média têm funcionado como aparelhos de subordinação dos cidadãos a formas de perceção do real social e do curso da História que escapam à intervenção da crítica, não sendo acidental que as piores formas de opressão, instaladas nos regimes de pendor totalitário mas também nas fissuras das democracias, recorram a eles para impor o seu domínio e eliminar a divergência.
A ideia de “indústria cultural”, proposta por Adorno e por Horkheimer, referia já o modo como a instauração de um dado fluxo de informação servia de instrumento de propagação da ideologia dominante, dando lugar a uma uniformização dos quadros de pensamento e dos comportamentos, no sentido da aceitação ordeira do capitalismo. Para Baudrillard, o peso do signo na “sociedade de consumo” irá, por sua vez, suscitar uma vertigem de natureza opressiva.
A vulgarização da televisão e depois a disseminação da Internet, crescentemente dependentes da intervenção dos grupos financeiros e também dos governos, irão reforçar este papel de manipulação e controlo, impondo, perante o recuo do jornalismo de combate, um ruído que ao mesmo tempo silencia. No presente contexto de crise, este tende a difundir a convicção de que não existe escolha perante os desmandos do sistema, o qual poderá quanto muito ser reabilitado. A capacidade da rede mundial de computadores integra, porém, uma forte dimensão democrática e libertária que tem servido a circulação de informação (veja-se o caso WikiLeaks), o debate político, a mobilização do protesto e a perceção da possibilidade de uma mudança mais profunda, contornando os média tradicionais, eles próprios forçados a repensar-se.
Rui Bebiano
Medo
A ligação entre medo e violência é provavelmente universal, fruto de instintos de autodefesa. Quanto mais o ser humano se sentir ameaçado, maior propensão revelará para se fechar sobre si próprio, para exercer violência sobre o que o rodeia e menor atenção prestará ao sofrimento que atinge os seus semelhantes. Daqui resultam a força política e as potencialidades da gestão do medo: dominar as fontes do medo de uma sociedade sempre foi um meio privilegiado para obter poder sobre essa sociedade.
Num mundo globalizado e em profunda transformação, em que as competências sociais do Estado tendem a desaparecer, o cidadão vive a angústia do amanhã, o medo de tudo perder e vir a encontrar-se na situação dos pobres que vivem nas margens ou, pior, na dos migrantes ilegais que nem sequer possuem direito de residência. Como personificação de tudo o que as nossas sociedades temem (pobreza, exclusão, falta de oportunidades), estes indivíduos são encarados com crescente desconfiança: são acusados de terem esgotado o Estado com apoios sociais, são responsabilizados pelo desemprego e pela criminalidade.
Quando a diferença pode ser culturalizada, os temores económicos ganham contornos existenciais, com o Outro a significar até uma ameaça ao modo de vida autóctone. Idealizam-se então passados seguros, sociedades homogéneas e pacíficas que nunca existiram. Por isso, a xenofobia e o racismo sempre prosperaram em períodos de forte crise económica, oferecendo um rosto palpável a forças difusas de uma ordem mundial complexa. Como tal, são indissociáveis de discursos securitários, que acabam por relegitimar o Estado enquanto entidade robusta monopolizadora do direito ao uso da violência. Quanto maiores forem os perigos percebidos ou imaginados, maior a predisposição para se aceitar a violência: brutalidade policial, vigilância intrusiva, limitação às liberdades individuais, práticas que em situação normal apelidaríamos de inumanas (por exemplo, o encarceramento de crianças, como se verifica atualmente nos centros de detenção de imigrantes ilegais).
Júlia Garraio
Memória
A memória social refere-se aos processos através dos quais o conhecimento e a consciência do passado são gerados e mantidos em sociedade. Acontecimentos importantes – revoluções, vitórias, crises – surgem como defi nidores da identidade coletiva e eventos essenciais para a aprendizagem. Como disciplina que procura expandir o conhecimento do passado, a História contribui para a memória social. Neste sentido, a memória pode ser intencionalmente (re)construída e representada ou não-intencional e implícita.
Hoje, apesar do avanço da globalização, o Estado ainda é um dos principais agentes da memória. A Reconquista, o terramoto de 1755, o 25 de Abril ou a atual crise económica são momentos cruciais na vida da sociedade portuguesa. Através dos seus rituais e manuais, o Estado português reproduz a versão oficial destes eventos, a fim de afirmar a continuidade e a unidade da comunidade política e moldar as relações sociais, as instituições, a arte e as atitudes políticas.
No entanto, a versão oficial da História nunca é a única, sendo próprios da política democrática os conflitos sobre o significado do passado: há, naturalmente, uma inevitável dimensão interpretativa na memória social. No entanto, para que as comunidades possam aprender com as vitórias passadas – e especialmente com os erros do passado –, os debates democráticos têm de filtrar as visões flagrantemente distorcidas do passado, que servem interesses de poder no presente. O que os atores políticos omitem é tão importante como o que eles relembram aos cidadãos. Uma vez que a memória é maleável à interpretação e à manipulação política, a crítica social deve prestar especial atenção à forma como aquela é invocada nas atuais tomadas de decisão. Isto é especialmente importante em tempos de privação, em que é muito frágil a memória das crises passadas e de como foram ultrapassadas pela comunidade. Para que a aprendizagem social seja possível, a memória das crises não pode sucumbir a uma crise da memória.
Mihaela Mihai
Mercadorização
O acesso a um número crescente de bens e de serviços é determinado pela capacidade dos indivíduos para pagar um preço. A mercadorização é o processo de expansão dos discursos e/ou das práticas mercantis a esferas da vida social cujo acesso estava dependente de outros critérios, como o reconhecimento de uma necessidade a ser diretamente satisfeita sem racionamento pela carteira. Sendo o mercado uma transação institucionalizada de mercadorias, de direitos de propriedade, cujo valor se cristaliza num preço – um sistema de regras –, as múltiplas formas como este sistema pode ser instituído fazem com que seja um processo politizado.
Juntamente com o ponto de partida dos participantes, que podem ser compelidos a transações mais ou menos desesperadas, a estruturação dos direitos e deveres que necessariamente enquadram uma transação mercantil, envolva esta a compra e venda da força de trabalho ou a aquisição de um vulgar bem de consumo, vão determinar quem se apropria do quê e porquê. Também por isso, o processo de mercadorização nunca é neutro nos seus efeitos socioeconómicos e morais e nas suas estratégias de justificação.
Um dos argumentos para colocar limites à expansão dos mercados prende-se precisamente com a ameaça que paira sobre certos valores, que as comunidades têm boas razões para proteger, quando algo passa a ter um preço e as motivações para a sua provisão passam a ser guiadas pelo ganho. Por sua vez, a representação de todas as interações humanas como se fossem transações mercantis serve de base ideológica ao mimetismo mercantil, presente em instrumentos de política pública, como a análise custo-benefício, ou na introdução de modelos de gestão empresarial guiados por incentivos pecuniários nas instituições do setor público. Esquece-se que, para que haja uma esfera em que quase tudo tem um preço, é preciso que haja muitas outras em que os preços são recusados. A esfera dos mercados funcionais depende da existência de um setor público, que, entre outras coisas, cria e aplica as regras do jogo de forma imparcial, ou seja, um setor regido por valores não mercantis.
João Rodrigues
Microcrédito
Historicamente, sempre se registaram práticas de concessão de crédito a quem apenas tinha a oferecer a sua palavra como garantia. Nas sociedades de hoje, porém, tal princípio estrito de confiança pessoal não só se veio a perder como a tornar-se numa espécie de afronta à lógica das economias de mercado dominantes. Em contracorrente, assiste-se ao emergir do microcrédito, conceito que se sustenta nessa ideia elementar de confiança, constituindo alternativa às práticas financeiras vigentes, reprodutoras das desigualdades sociais.
A génese do microcrédito contemporâneo é comummente atribuída à experiência de M. Yunus, no Bangladesh, em 1976. Ao perceber que bastavam pequenos empréstimos para pessoas muito pobres iniciarem atividades que as levariam a superar essa condição, fundou o Grameen Bank. O sucesso desta iniciativa (reconhecida com um Nobel) fez com que não tardasse a ser seguida por outros países do dito Sul, movendo-se, depois, para os mais prósperos do Norte. Atendendo às múltiplas formas que assume, em função das adaptações às realidades nacionais, é muito difícil definir microcrédito. Todavia, genericamente, pode ensaiar-se a seguinte definição: empréstimo de baixo valor, com taxas de juro mais baixas do que as correntes e sem necessidade de colateral (garantia), concedido por organizações diversas a indivíduos desfavorecidos, excluídos dos financiamentos tradicionais. Servindo sobretudo para financiar o autoemprego, têm-lhe sido associados, entretanto, outros tipos de serviços (crédito ao consumo, seguros, etc.). Sublinhe-se, porém, que nem tudo o que aparece sob a designação de microcrédito o é verdadeiramente. Algumas instituições têm-se apropriado indevidamente do conceito, atribuindo-o a produtos financeiros que não respeitam a sua filosofia.
Em tempos de crise profunda, o microcrédito revela-se um instrumento de grande interesse pelo incentivo ao empreendedorismo e pelo potencial emancipatório que representa para um crescente número de pessoas em situação de vulnerabilidade. Contudo, tal como muitos estudos indicam, não deve ser encarado como panaceia. Com efeito, tem os seus limites, não dispensando a existência de outro tipo de medidas, designadamente as que são próprias dos Estados-Providência.
Cláudia Nogueira
Movimentos sociais
Os movimentos sociais constituem uma forma de ação coletiva, paralela às revoluções, aos motins ou aos grupos de interesse. No caso específico dos movimentos sociais, estes caracterizam-se pela solidariedade entre membros face a um objetivo comum, pela identificação de um determinado obstáculo ou adversário e pela possibilidade de ameaçar o poder vigente, produzindo transformação social.
Estudos sobre movimentos sociais identificam Portugal como historicamente frágil em matéria de mobilização social em virtude de ter vivido a mais longa ditadura da Europa ocidental. Neste cenário, o movimento sindical, com características muito próprias, surge como a grande exceção. No entanto, estudos recentes sublinham o potencial de mobilização social em torno de momentos específicos, a capacidade de articular causas de modo transversal e os mecanismos através dos quais a sociedade civil portuguesa aprendeu a mobilizar o direito e a cultura em prol de demandas específicas. Ao longo dos anos 1990, diversos movimentos sociais adquiriram visibilidade, ganhando espaço na esfera pública nacional. Entre estes, destacam-se sobretudo os chamados novos movimentos sociais, tais como os movimentos ambientalista, antirracista, estudantil, feminista, pró-escolha, e lésbico, gay, bissexual e transgénero (LGBT). Debatendo-se com parcos recursos financeiros e humanos, estes movimentos revelam reportórios de ação estrategicamente adaptados aos objetivos identificados, investindo sobretudo em técnicas de ação direta (beijaços, sit-ins, flashmobs e demais manifestações de rua), em técnicas de pressão (lóbi parlamentar) e no uso dos média como forma de aceder ao espaço público. Em especial após o 1.º Fórum Social Português, em 2003, estes movimentos desenvolveram técnicas de trabalho conjunto, verificando-se por vezes uma acumulação de trajetos simultâneos de militância, envolvendo também experiências no mundo sindical e político-partidário.
Os movimentos sociais representam uma energia preciosa, funcionando como mecanismo de monitorização relativamente ao governo e às políticas públicas, ao mesmo tempo que permitem canalizar a indignação para formas organizadas de intervenção e transformação social.
Ana Cristina Santos
Multiculturalismo
O conceito de multiculturalismo nasceu nos anos setenta do século passado em países fortemente marcados pela presença de comunidades imigrantes, como o Canadá ou a Austrália. Diferentemente da ideologia assimilacionista do “melting pot” norte-americano, assente no postulado da integração e fusão numa nova identidade pós-migratória (cujos limites, aliás, eram desde logo evidentes pela exclusão da população negra ou indígena), a noção de multiculturalismo aponta para políticas adotadas por Estados que se reconhecem como multiétnicos e estabelecem o respeito pela identidade cultural das diferentes minorias como princípio de governação.
Na medida em que reconhece a diversidade cultural como um valor positivo que deve ser defendido, o conceito é de manifesto sinal progressista. No entanto, tem vindo progressivamente a ser posto em causa a partir da perceção de que, mais do que baseado numa lógica de reconhecimento, o multiculturalismo assenta num princípio de tolerância que não põe verdadeiramente em causa as relações de poder nem pressupõe dinâmicas de inter-relacionamento. Deste ponto de vista, o multiculturalismo alimenta uma conceção estática de identidade e, em consequência, uma perceção da diversidade cultural em que, como nas peças de um puzzle, a diferença apenas se justapõe e as fronteiras surgem, não como espaço de encontro e hibridação, mas como linha de demarcação entre realidades que não chegam a interpenetrar-se. Assim, a crítica ao multiculturalismo tem-se feito em nome de um conceito de interculturalidade, no âmbito do qual se torna possível pensar as lógicas de tradução e as dinâmicas inter-relacionais que desestabilizam a rigidez da construção multicultural da diferença.
Por outro lado, declarações como as proferidas não há muito por Angela Merkel sobre o “fracasso do multiculturalismo” na Alemanha mostram como o conceito, apesar das suas ambiguidades, mantém um potencial crítico de visões hegemónicas das políticas de identidade.
António Sousa Ribeiro
Música
O grande debate das últimas décadas na atividade cultural prende-se com a dicotomia que se estabelece entre o Estado e o mercado. Nas músicas é necessário ir mais além, dado o corte transversal que atravessa essa antiga dicotomia e a pulveriza em numerosas interações e circulações. Se será válida para discutir o papel e o financiamento das grandes instituições do Estado, há vários outros fatores que multiplicam a presença no mercado e a sua interação com o Estado.
Ao mesmo tempo, a crise da indústria discográfica traduz-se na sua concentração nos artistas de lucro assegurado e no abandono de todas as expressões musicais que envolvam fatores de risco. Há assim uma dupla retração, a do Estado e a do mercado discográfico, com influência direta nas redes de concertos. Neste quadro, emergiu nos últimos anos um conjunto de pequenas editoras independentes, dirigidas para áreas musicais minoritárias de vários matizes e esse é já um fator em curso de alternativa.
Nas instituições fortes do Estado, a programação de “autor” depende dos critérios pessoais do programador e o efeito “cosmopolita-mas-subalterno” tem sido um aspeto negativo. Ao ser emulado pelo país fora, dificulta a circulação de produções no interior do país quando as redes que existem já são precárias. As práticas musicais mais atingidas pela crise serão talvez as mais pesadas ligadas às grandes instituições culturais. As orquestras existentes verão a sua existência ameaçada pela diminuição do financiamento estatal ou autárquico. Para os compositores, será previsível uma diminuição das encomendas em geral e será necessário transformar o desejo criativo numa espécie de política de amizade com músicos. Não apenas na atividade propriamente artística, mas também na descoberta ou criação de novos espaços, procurando grupos de músicos amigos, respondendo aos pedidos de novas peças como modo alternativo de dar realidade ao impulso criativo,
o que significa, antes de mais nada, “ser tocado”. Face a um desafio desta natureza, uma atitude passiva ou de indiferença será um prelúdio fúnebre.
António Pinho Vargas
Mutualismo
O mutualismo é um associativismo solidário, baseado na reciprocidade. Os seus membros cooperam entre si, mutualizando riscos sociais relevantes. As entidades que o protagonizam nasceram da nebulosa associativa, de onde saíram as diversas componentes do movimento operário. Iniciativas idênticas surgiram ainda na Idade Média, quer ligadas a atividades religiosas, quer exprimindo vínculos corporativos ou solidariedades rurais.
Em Portugal, há também uma tradição pluricentenária de auxílio mútuo de cariz essencialmente religioso. Mas o grande surto do associativismo mutualista laico ocorreu durante o século XIX. Atingiu o seu apogeu na segunda década do século XX e retraiu-se durante o salazarismo, refletindo quer a hostilidade política do poder, quer a implantação de um seguro social obrigatório. Hoje, as associações mutualistas são instituições particulares de solidariedade social (IPSS). No plano jurídico-constitucional, integram a vertente solidária do setor cooperativo e social, todas elas fazendo parte da economia social. Também na União Europeia é reconhecida a importância socioeconómica do mutualismo no quadro da economia social, cuja lógica subalterna num contexto capitalista não a inibe de ser um foco de resistência à ideologia dominante.
Os fins fundamentais das entidades mutualistas são a concessão de benefícios de segurança social e de saúde aos seus associados. Daí a íntima relação entre o desenvolvimento dos sistemas públicos de proteção social nestes campos, expressões centrais do Estado-Providência, e a perda de importância relativa do associativismo mutualista. Entre os princípios mutualistas, destacam-se: a adesão livre e voluntária, a democraticidade, o fomento da formação e do mutualismo, a igualdade de géneros e a intercooperação. Exprimindo-os globalmente, o mutualismo dá vida a uma solidariedade emancipatória e democrática, vocacionada para enfrentar alguns problemas das sociedades atuais, de modo a contribuir para que eles se não reproduzam.
Rui Namorado