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OIT
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) foi fundada em 1919, no rescaldo da Primeira Guerra Mundial e num contexto, vindo já do século XIX, de grandes desequilíbrios na relação entre capital e trabalho, de que resultava enorme pobreza e ausência de justiça social, fatores que minavam a paz e alimentavam a guerra. A primeira Convenção (ainda em 1919) insti¬tuiu a jornada das oito horas.
Desde a sua origem, a OIT, de natureza tripartida – governos, organi¬zações de trabalhadores e patronais –, prestou atenção aos problemas que marcam o mundo do trabalho e contribuiu grandemente para a afi rmação de direitos laborais e sociais fundamentais, do direito do trabalho, da nego¬ciação coletiva e do diálogo social. Da sua Constituição consta uma vocação universalista e uma forte preocupação com a necessidade de reconhecer e conferir um sentido humanitário ao mundo do trabalho, posição refor¬çada na Declaração de Filadélfi a (1944), que afirma: «o trabalho não é uma mercadoria». Em 1998, a adoção da Declaração dos Princípios e Direitos Fun¬damentais do Trabalho constituiu uma resposta às preocupações da comuni¬dade internacional face à liberalização do processo de globalização, tendo os Estados-membros reafirmado o compromisso perante os princípios da liberdade de associação e negociação coletiva, a eliminação do trabalho forçado, a abolição do trabalho infantil e a eliminação da discriminação em matéria de emprego. A introdução do conceito de “trabalho digno”, em 1999, que passou a ser a agenda da OIT, estabeleceu as aspirações da digni¬dade humana no domínio das relações laborais e fixou os objetivos sociais e normativos a atingir.
No atual contexto de crise económica, de desemprego e de défice de tra-balho digno, é crucial o papel da OIT na melhoria das condições de trabalho de acordo com os princípios de democracia, de justiça social (Declaração da OIT sobre Justiça Social para uma Globalização Justa, de 2008) e de liberdade, no exercício do tripartismo. Face a estes desafios, questiona-se se a dimen¬são social da globalização, preconizada pela OIT, produzirá efeitos no con¬fronto com o consenso hegemónico neoliberal, em que o trabalho é cada vez mais encarado como uma mercadoria.
Manuel Carvalho da Silva e Marina Henriques
Orçamento de Estado
Este documento, que regista anualmente as previsões de despesa e de receita do Estado, tem uma relação ambivalente com a democracia. Por um lado, a democracia parlamentar teve como um dos primeiros elementos de justificação o princípio “no taxation without representation” (sem representação não há tributação), o que contribuiu para localizar nos parlamentos o amplo e crucial poder de aprovação não só dos impostos, mas também da afetação dessas receitas às despesas previstas. Por outro lado, porém, um dos mais evidentes impactos atuais da globalização neoliberal é precisamente o esvaziamento deste histórico poder orçamental dos parlamentos, tornado cada vez mais num formalismo de aceitação de ditames impostos de fora.
Entre eles, o mais marcante vem sendo o do valor de norma superior conferido ao princípio do equilíbrio orçamental, o que traz consigo uma tendencial proscrição do défice das contas públicas. No centro desta tese está a afirmação, cara à ideologia dominante, de que o Estado Social é financeiramente insustentável, impondo-se um “emagrecimento do Estado” – através de cortes, seja na massa salarial, seja na despesa social do Estado (serviços públicos e políticas sociais). Assim, quer pelos conteúdos que tem, quer pelos conteúdos que lhe têm sido retirados, o OE é o mais político e ideológico dos instrumentos de governação contemporânea.
A técnica de elaboração do OE também está longe de ser politicamente neutra. Nesse sentido tem feito caminho a exigência da orçamentação de base zero – que rompe com a fixação das dotações setoriais a partir dos índices de execução das verbas dos orçamentos dos exercícios anteriores. Técnica igualmente alternativa que dá corpo a uma maior exigência democrática é a do orçamento participativo, que consiste no fim do monopólio dos governos e dos parlamentos nesta matéria a cuja competência é somada a expressão direta das preferências populares sobre afetação de recursos públicos.
José Manuel Pureza
Orçamento Participativo
As muitas experiências existentes pelo mundo tornam difícil uma definição “normativa” de Orçamento Participativo (OP). Em geral, trata-se de um processo no qual a população contribui para a tomada de decisão sobre a aplicação de parte ou da totalidade dos recursos públicos destinados a políticas e projetos. Embora os seus princípios centrais possam ser extensíveis a empresas, cooperativas e organizações do terceiro setor, a característica estruturante do OP é a criação de um diálogo entre as instituições da democracia representativa e a sociedade civil. Os processos de OP tendem a evoluir no tempo para satisfazer exigências de qualidade crescente, sendo as regras e as mudanças frequentemente decididas pelos participantes. Em África e na América Latina difundiram-se modelos híbridos, que fundem OP com planeamento participativo, alargando a partilha de decisões a um horizonte de médio prazo.
A nível mundial, a maioria das 1500 experiências de OP são de escala municipal. A mais conhecida é a de Porto Alegre (Brasil), a qual tem sobrevivido desde 1989 às transformações políticas dado o seu forte enraizamento no imaginário social. Em Portugal, desde 2002 desenvolveram-se 50 processos de OP, com alto grau de volatilidade e fragilidade política. No entanto, na dúzia de casos hoje existentes começam já a emergir experiências sólidas, como é exemplo o OP de Lisboa.
O OP oferece múltiplas vantagens em contexto de crise: maior controlo cidadão sobre os gastos públicos e transparência dos processos decisórios e de licitação; otimização dos investimentos em época de recursos escassos; construção de previsões orçamentais mais realistas; reconstrução de confiança mútua entre cidadãos e instituições; inclusão de grupos vulneráveis. Para alcançar tais objetivos, o OP não deveria ser visto apenas como uma política setorial, mas abranger toda a política económico-financeira das autarquias e de outros níveis do Estado. Seria também fundamental que os OP não fossem politicamente marginalizados e objeto de cortes lineares, sob pena de se revelar aos cidadãos que a democratização das decisões não é um projeto estratégico e desafiante da política, e que a suposta participação não passa, afinal, de marketing territorial.
Giovanni Allegretti
Ordenamento do território
Ordenamento do território (OT) corresponde a uma visão e atitude crítica sobre o território, visando compatibilizar critérios de eficiência económica, equidade social, manutenção da biodiversidade e boas práticas de governação. Procura, através de processos inteligentes e de autoconstrução, definir objetivos e ações que, devidamente articulados no espaço e no tempo, permitam garantir, simultaneamente, a proteção ambiental, a gestão sustentável de recursos, o desenvolvimento económico e a satisfação das necessidades humanas básicas.
O OT é baseado numa abordagem pública, interdisciplinar e global que procura organizar o espaço, segundo uma conceção orientadora, e definir estratégias de desenvolvimento, equidade e cidadania. O OT emerge igualmente enquanto processo de aprendizagem permanente e de intervenção pública sobre a complexidade e os desafios contemporâneos do território. Diferentes conceitos sobre OT têm emergido no quadro de discussão das políticas públicas: uma visão baseada no suporte instrumental da gestão do território, que enquadra a aptidão e vocação intrínseca do solo e fundamenta as especificidades dos planos; e uma visão dinâmica e estratégica, que coordena ações prospetivas de desenvolvimento sustentável e de coesão, e que suporta uma gestão participativa dos planos.
No âmbito dos desafios e crises contemporâneos, o OT deve ser entendido como a via que promove a articulação de perceções conflituantes, de adaptação a situações em mudança e de incerteza, de reinvenção dos espaços individuais face aos coletivos, de valorização das escalas locais em complemento de escalas mais alargadas, assim como de reforço da identidade como elemento territorial diferenciador. O OT, no contexto das mudanças sociais, deve igualmente ser entendido como espaço de informação e participação cívica, de credibilidade de processos e reconhecimento de saberes, assim como de mobilização de atores e comunidades para as epistemologias do território.
Alexandre Oliveira Tavares