Prefácio | A | B | C | D | E | F | G | H | I | J | K | L | M | N | O | P | Q | R | S | T | U | V | W | X | Y | Z |
Taxas moderadoras
Para responder ao aumento dos gastos com a saúde, em muitos países da União Europeia foram introduzidas, nas últimas décadas, formas de copagamento com o duplo objetivo de gerar mais receita (cofinanciamento direto) e reduzir o uso excessivo dos serviços (taxas moderadoras) no setor da saúde. Apesar de a Constituição da República Portuguesa estabelecer que «o direito à proteção à saúde é realizado pela criação de um serviço nacional de saúde universal, geral e gratuito», em 1980 foram introduzidas as taxas moderadoras no acesso aos cuidados de saúde. Após uma longa controvérsia acerca da sua inconstitucionalidade, a segunda revisão constitucional, em 1989, introduziu o conceito de Serviço Nacional de Saúde “tendencialmente gratuito”, que legitimou as taxas moderadoras, reconhecidas na lei n.º 48/90 (Lei de Bases da Saúde). Desde 1992, têm sido atualizadas pontualmente, a última das quais em 2011, sendo atualmente cobradas no momento da prestação em qualquer tipo de consulta médica, cuidados primários, serviços de urgência e até internamento.
Entre os argumentos a favor destaca-se o efeito dissuasor do consumo de cuidados desnecessários e o incremento da receita. Pelo lado contrário, os críticos referem que a taxa não modera a utilização dos serviços, constituindo um verdadeiro pagamento de prestações de saúde que os cidadãos já pagam com os seus impostos. Além disso, considera-se que uma cirurgia ou internamento resulta de uma decisão médica, razão pela qual o doente deveria estar isento de pagamento.
Assinalando a literatura uma correlação entre um “menor rendimento” e um “pior estado de saúde”, constata-se que os grupos economicamente desfavorecidos, que tendem a utilizar mais frequentemente os serviços, se tornam os principais pagadores. Isto é, apesar das isenções previstas, são estes que mais se ressentem com o pagamento das taxas, acabando isso por implicar, muitas vezes, um menor recurso às consultas e o subsequente aumento das desigualdades. E convém ainda ressaltar que as taxas moderadoras contribuem para acentuar a natureza regressiva do modelo de financiamento português, que já apresenta uma das maiores percentagens em gastos privados com a saúde comparativamente com os outros países da União Europeia.
Mauro Serapioni
Taxa Tobin
Data já de 1972 a ideia lançada pelo prémio Nobel da Economia James Tobin de taxar em, pelo menos, 0,5% qualquer transação financeira internacional. A Taxa Tobin pretendia ser um dissuasor dos investidores que procuravam grandes lucros de curto prazo através da especulação sobre a moeda de um país. Décadas mais tarde, ao assistirmos à mesma realidade, com os ataques às dívidas soberanas dos países, sentimos uma sensação de déjà vu.
A Taxa Tobin começou a ser defendida, inicialmente, como um instrumento de regulação da volatilidade dos mercados e de estabilização das transações cambiais e, mais tarde, como um mecanismo de recolha de fundos financeiros que deviam ser aplicados para reduzir as desigualdades à escala global. Em 1997, Ignacio Ramonet, diretor do Le Monde Diplomatique, reavivou o interesse na Taxa Tobin ao escrever um artigo defendendo ser esta uma medida essencial para a garantia de uma justiça social global. Tobin veio a dissociar-se desta perspetiva, por ir muito mais além do que defendera. Através da criação da ATTAC – Association pour la Taxation des Transactions financière et l’Aide aux Citoyens –, Ramonet e outros atores globais defenderam a potencialidade de uma taxa que, eventualmente gerida pela Organização das Nações Unidas, permitiria apoiar o desenvolvimento equilibrado dos diferentes países.
A própria União Europeia instou, em 2009, o Fundo Monetário Internacional, apesar da oposição norte-americana, a refletir sobre a possibilidade de introduzir este mecanismo de recolha de fundos. Apesar dos avanços e recuos, mais recentemente assistimos a uma nova tentativa de relançar a ideia por parte de alguns países europeus, como forma de garantir que são os mercados a contribuir para um fundo que apoie os Estados em dificuldades pela ação especulativa dos próprios mercados. A aplicação da Taxa Tobin, ou das suas variantes que entretanto foram aparecendo, à escala global implica um consenso difícil de atingir. Contudo, não a aplicar contribuirá, certamente, para a perpetuação do funcionamento atual dos mercados, ou seja, para o aumento da desigualdade e da exclusão social em qualquer parte do mundo.
João Paulo Dias
Teatro
Tendo em conta a diversidade de conceções que suscitou ao longo do tempo, duas das caraterísticas mais vincadas do teatro são as seguintes: uma arte marcada por um efeito intenso de presença – atores e espectadores encontram-se no mesmo “aqui e agora”, influenciando-se mutuamente – e uma forma de representação – os elementos em cena remetem para um campo simbólico.
A palavra teatro surgiu da expressão grega theatron, “o lugar de onde se vê”. Situados no lugar do teatro, onde se vê a crise? O teatro foi frequentemente um modo de encenar a conflitualidade, dando relevo ao momento crítico no qual as divisões entre indivíduos e grupos não podiam mais ser ignoradas, solicitando o encontro de uma solução. O teatro constituiu-se como palco para um exame intenso de problemas sociais, tirando partido da sua capacidade de dar conta da sociedade através de diálogos – daí o seu potencial para ensaiar a multivocalidade. A presença ao vivo dos atores permite ainda explorar os modos críticos pelos quais os problemas se inscrevem na materialidade dos corpos.
Situados a partir das mobilizações artísticas que se designaram como alternativas no meio teatral, encontramos uma multiplicidade de propostas: recusa do espetáculo como mero entretenimento, privilégio de modos coletivos de criação e autoria, envolvimento ativo do espetador na performance, formas radicalizadas de comentário político, dramaturgias do espaço como provocação do teatro fora dos teatros, o protagonismo a dar aos corpos e vozes de identidades e grupos excluídos de muitas “cenas sociais”, etc. Situados no lugar onde a sociologia vê o teatro, deixemos algumas pistas exploradas pelas pesquisas: a descoincidência entre público reivindicado pelos agentes artísticos e público efetivo; os públicos encontram-se em constante recomposição e a sua experiência teatral surge como um modo de viver a tensão entre o individual e o coletivo; a produção teatral tem conhecido diferentes pressões no quadro competitivo com outras formas de espetáculo; a retração e a desarticulação do apoio estatal às artes agudizam o cenário de crise para quem deseja experimentar as alternativas que recusam
o mero novo formato.
André Brito Correia
Teoria crítica
Nascida nos anos 1930, a teoria crítica consolidou uma perspetiva sobre a sociedade e sobre a produção de conhecimento cujo impacto, mormente nas ciências sociais e nas humanidades, perdura até hoje. A teoria crítica teve origem na “Escola de Frankfurt” (uma escola de pensamento associada ao Instituto para a Investigação Social de Frankfurt, criado em 1923). A leitura crítica proposta por esta Escola, celebremente sintetizada por Max Horkheimer, preconizava a necessidade de uma ciência que, ao invés de se limitar a descrever a sociedade, estabelecesse um compromisso com um projeto de transformação social a bem da emancipação humana. Assim, no quadro de uma perspetiva que defi nia a objetividade do conhecimento pela assunção do lugar situado do investigador, perspetivava-se uma transformação global da sociedade que permitisse superar um statu quo marcado por condições de dominação. Tendo em Karl Marx a sua principal referência, a teoria crítica entreviu na alternativa marxista ao capitalismo a pedra de toque de uma tal transformação, ao mesmo tempo que desenvolvia uma leitura do marxismo oposta à vulgata soviética.
O legado da teoria crítica é, no mínimo, paradoxal. Por um lado, a falência de uma teoria geral da transformação social, então corporizada no marxismo, viria a deixar órfão o pensamento crítico desejoso de horizontes de alternativa. Por outro lado, o apelo a um conhecimento comprometido marca decisivamente o emergir de uma teoria social crítica; não mais fundada em universalismos dualistas, mas capaz de visibilizar faces da dominação longamente negligenciadas: o racismo, o patriarcado, o colonialismo eurocêntrico, a subjugação das pessoas com defi ciência, etc.
No atual cenário de crise, a teoria social crítica vive tremendos desafi os: apresentar propostas que não se limitem à defesa do statu quo ante a voracidade do capitalismo predatório; estabelecer traduções fecundas entre as diferentes formas de resistir à dominação capitalista no mundo; combater o silenciamento das faces da dominação secundarizadas pelo discurso economicista; e, finalmente, opor-se a lógicas de investimento na ciência que, premiando saberes submissos à ordem vigente, aniquilam a teoria empenhada na busca de alternativas.
Bruno Sena Martins
Terceiro setor
O terceiro setor é povoado por organizações, princípios, relações sociais, valores e racionalidades frequentemente não associados ao Estado, ao mercado ou às relações na esfera familiar e de vizinhança. Pertencem a este espaço vários tipos de organizações de caráter não lucrativo ou sem fins de lucro que atuam nas áreas da solidariedade, da defesa de direitos e de interesses, da ajuda mútua, etc. Indica-se a solidariedade, a caridade, o altruísmo, a reciprocidade, a cooperação, a democracia, o interesse coletivo ou o interesse geral como características deste espaço e dos agentes que o povoam.
Na tradição europeia, o terceiro setor é frequentemente sinónimo de economia social – associações, cooperativas e mutualidades –, ainda que nem todos concordem com a ideia de separação entre Estado, mercado e comunidade, preferindo a ideia de relações múltiplas e hibridização.
Em Portugal, a recentemente aprovada Lei de Bases da Economia Social e a criação da CASES (Cooperativa António Sérgio para a Economia Social) vieram dar uma relevância política a este setor inédita entre nós, além do habitual reconhecimento do interesse público de muitas organizações ou a cooperação entre o Estado e organizações como as Instituições Particulares de Solidariedade Social e outras na governação do bem-estar.
O terceiro setor tem sido um campo polémico desde que emergiu na década de 1970 enquanto setor. Se para uns veio oferecer uma possibilidade de redução da intervenção e responsabilização do Estado, para outros tem sido um campo para reivindicações de emancipação e de alternativas, quer aos fracassos do Estado, quer aos fracassos do mercado, quer ao fracasso da atual relação entre o Estado e o mercado.
Associado à crítica e crise do Estado-Providência desde que surgiu, é presentemente, e uma vez mais, repositório de expectativas diferentes acerca da capacidade da sociedade de ultrapassar a atual crise através da inovação social, seja por via da retração do Estado e avanço do mercado, seja por via de uma nova forma de Estado e de uma economia mais plural.
Sílvia Ferreira
Trabalho
O trabalho é um elemento central da sociedade e uma dimensão intrínseca da economia. Várias componentes dessa centralidade emergem do sistema de referências de sociabilidade que lhe é intrínseco na sua relação com o global social e a natureza.
Ao longo da Idade Média, trabalhar era visto como algo desvalorizado, desprestigiante e estigmatizante. O ócio era apanágio das elites e o trabalho, relegado para escravos, servos ou indigentes, não concedia estatuto de dignidade. Com o avanço da sociedade foi reconhecido ao trabalho um novo sentido ético, positivo, libertador. Porém, desde os primórdios do capitalismo, o trabalho passou frequentemente a estar associado também a contextos de grande exploração e a ser sinónimo de opressão e alienação.
Em resultado de inúmeras lutas laborais e sindicais, desenvolvidas desde a primeira metade do século XIX, foi conquistada a valorização da retribuição do trabalho e das profissões, a dignidade e a segurança para as condições da sua prestação e organização, bem como a igualdade no acesso ao trabalho e a proteção do trabalhador, mesmo quando desempregado. O tempo de trabalho foi também progressivamente reduzido e os horários fixados com a participação dos trabalhadores de modo a conciliar o trabalho com a vida familiar e social, o que até favoreceu dimensões do trabalho voluntário. A valorização do tempo de trabalho propiciou valor ao tempo do não trabalho, daí resultando importantes atividades económicas e de desenvolvimento humano.
No século XX, foi criada a OIT (1919), que produziu importantes normas e recomendações, instituiu-se o Direito do Trabalho, conquistou-se a contratação coletiva, que melhorou imenso a distribuição da riqueza, afirmou-se o Estado-Providência. O direito universal ao trabalho foi plasmado em leis fundamentais, como é o caso da Constituição da República Por-tuguesa. Daqui resultou o reconhecimento de que «o trabalho não é uma mercadoria» (Declaração de Filadélfia, 1944); o trabalho forçado é ilegal; o emprego é trabalho digno, trabalho com direitos! No trabalho se exprimem e (re)estruturam indissociáveis dimensões sociais, económicas, culturais e políticas que têm de estar presentes nas relações de trabalho. As atuais políticas de “austeritarismo” e a proliferação de precariedades retiram dignidade e valor ao trabalho, tolhem a democracia e o desenvolvimento.
Manuel Carvalho da Silva
Transparência
Transparência não se resume apenas a combater a corrupção (ainda que, como se sabe, os processos de crise agravem a corrupção, ativa e passiva, sendo necessário criar mecanismos capazes de obliterar este fenómeno corrosivo da vida em sociedade). Não se pode limitar ao uso de uma palavra inglesa: accountability. Também não se pode restringir a repartições públicas em open-space ou a edifícios públicos envidraçados (tendência que hoje se impõe, tanto ao nível dos edifícios da administração pública como dos da administração judicial), onde o uso abundante de vidro transmite um sinal (ilusório – o chamado trompe-l’oeil) de se poder olhar para dentro da estrutura burocrática, administrativa e judicial, e compreender o que se passa.
Implica, ao invés, acesso a informação inteligível, clara, sobre os processos de decisão que têm implicações nas vidas dos cidadãos e das cidadãs, de modo a que todos/as possam, por um lado, perceber os esforços que lhes são pedidos e, por outro, criticar e manifestar a sua indignação, tendo, assim, a possibilidade de responsabilizar os decisores (políticos, económicos, judiciais e outros) sem, todavia, serem acusados/as de meros contestatários das políticas dos governantes. Acesso a informação “transparente” não é, porém, sinónimo de sobreinformação, que é um outro modo de tornar a realidade opaca e de favorecer a confusão, levando a uma submissão das vontades através de processos de diversão, que levam à distração e, em última instância, à alienação das pessoas, ofuscando o que é fundamental e destacando o que é aparentemente importante.
Um novo projeto democrático, que se quer mais cidadão e participado, deve, pois, garantir a criação de um sistema de acesso e divulgação de informação, com qualidade, permitindo espaços públicos de discussão que legitimem o sistema político, jurídico e judicial, com a intervenção da sociedade civil, onde as alternativas sejam fortes e passíveis de aplicação prática, adequadas a ultrapassar a dificuldade do presente.
Patrícia Branco
Tribunais
A Constituição declara os tribunais como órgãos de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo, incumbindo-os de assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos. Porém, para os cidadãos, os tribunais são cada vez menos um lugar de defesa e de afirmação dos seus direitos. Lentos, burocráticos e distantes, tratando de forma desigual ricos e pobres, estão a tornar-se cada vez menos relevantes em face de um direito negado ou ameaçado. São, na verdade, estas as perceções que a maioria dos cidadãos portugueses tem dos tribunais e que os estudos e indicadores estatísticos confirmam.
Avassalados por uma massa de processos de dívida e de crimes rodoviários, os tribunais não encontram espaço para responderem, em tempo e com qualidade, aos cidadãos que os demandam contra quem ofendeu o seu corpo, o seu nome, a sua propriedade, os seus direitos de trabalhador, o seu direito a receber uma indemnização em consequência de um acidente ou uma pensão de alimentos, etc. Esta condição de fraqueza dos tribunais portugueses tende a agravar-se no atual quadro dominado pela crise financeira, sobretudo ao serem privilegiadas reformas que visam aumentar a celeridade dos tribunais, reconduzida à produtividade, aquela que melhor serve os litígios de dívida. A maioria das reformas políticas pouca atenção dá à necessidade de dotar o sistema de justiça de condições que lhe permitam uma tutela efetiva dos direitos dos cidadãos. A alteração desta tendência depende muito da posição que o poder judicial vier a adotar.
Num tempo de mais precariedade laboral e de mais desigualdades sociais, de múltiplas ameaças aos direitos, de novos riscos públicos, de aumento da corrupção, os cidadãos esperam dos tribunais uma via segura para, em tempo, fazerem valer direitos, individuais ou coletivos. Poderão contar os cidadãos portugueses com os seus tribunais? Se for possível no futuro responder afirmativamente a esta questão, então os tribunais portugueses terão sabido encontrar o seu lugar na nossa democracia.
Conceição Gomes
Troika
O mecanismo de estabilização criado pela União Europeia em maio de 2010, com base no artigo 122 do Tratado de Lisboa, para alegadamente responder às expressões nacionais da crise do euro – as chamadas “crises de dívida soberana” – consistiu numa garantia de créditos repartida por três fontes: o orçamento da União, o Fundo Europeu de Estabilização Financeira e o Fundo Monetário Internacional. A troika é o rosto institucional desta abordagem da crise do euro, que articula a Comissão Europeia com o Banco Central Europeu e com o Fundo Monetário Internacional.
Do ponto de vista substantivo, a troika é o veículo da aplicação na Europa das receitas neoliberais ensaiadas anteriormente na Améria Latina e em África: privatizações de setores essenciais, corte abrupto da despesa social, flexibilização da legislação laboral e austeridade recessiva. Sublinham-se dois traços nesta orientação. Em primeiro lugar, a insistência em resgates financeiros nacionais, insistindo portanto na tese de que a crise é resultado das políticas económicas nacionais dos Estados e não do sistema de regras que enquadra o euro como moeda única. Em segundo lugar, uma conceção da governação económica europeia baseada numa disciplina centrada no controlo do défice e da dívida pública, articulada com uma lógica intrusiva e penalizadora das opções orçamentais dos Estados-Membros que privilegiem o crescimento económico e a coesão social.
Enquanto veículo daquela conceção de governação económica da UE, a troika é por isso mesmo expressão da rejeição política de um modelo de coordenação económica europeia assente em dois pressupostos substancialmente distintos dos atualmente hegemónicos: por um lado, um orçamento comunitário com dimensão adequada ao financiamento das políticas necessárias à coesão territorial e social em escala comunitária; por outro, um mandato do Banco Central Europeu centrado sobre o financiamento do crescimento e do emprego e não sobre o controlo da inflação.
José Manuel Pureza
Turismo
Embora as viagens sempre tenham feito parte da história da humanidade, o turismo, como atividade moderna, surgiu apenas com a Revolução Industrial. O desenvolvimento dos transportes e das comunicações, a urbanização e a progressiva separação entre os tempos de trabalho e de não trabalho ampliaram a capacidade de mobilidade dos indivíduos, ao mesmo tempo que libertaram os trabalhadores para o descanso ou atividades de lazer. O turismo passaria, a partir de então, a caminhar a par do capitalismo ocidental, desenvolvendo-se e organizando-se.
Durante o capitalismo organizado do séc. XX, a viagem individual empreendida pelos mais ricos evoluiu para o turismo de massas organizado. As atividades turísticas passaram a ser definidas pelos critérios ocidentais, estandardizando-se em pacotes de férias. Na transição para o chamado capitalismo desorganizado, os mercados turísticos segmentaram-se, dando lugar a diferentes tipos de ofertas, diversos tipos de públicos e experiências múltiplas. O turismo passou a ser associado às atividades de viagens e de alojamento em locais fora do ambiente habitual dos viajantes, por um período não superior a um ano consecutivo, por motivos de lazer, negócios, saúde ou outros.
Neste capitalismo recente, que envolve formas de produção não materiais e imagéticas, há uma importância acrescida das componentes simbólicas, elementos que se tornaram essenciais na organização e promoção de destinos turísticos. Do ponto de vista estritamente económico, o turismo é hoje encarado como um potenciador de revitalização, possibilitando que os destinos usem os seus recursos com fins lucrativos. Os modos como as localidades reatualizam as suas imagens e significados e os transformam em instrumentos estratégicos de promoção revelam a centralidade que o turismo adquiriu nas últimas décadas. Cidades, regiões e países esperam encontrar no turismo uma alternativa que lhes permita contornar signifi cativamente as limitadas oportunidades económicas de que dispõem.
Carina Gomes