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União Europeia
A União Europeia (UE) é o resultado de um processo de integração económica iniciado no pós-guerra com o plano Marshall e a criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), em 1951. Em 1957, com a assinatura do Tratado de Roma, cria-se a Comunidade Económica Europeia (CEE). O Tratado de Maastricht, assinado em 1992, institui a UE. A integração económica evitou a reedição de guerras na Europa pela disputa de mercados. Mas o facto de ter sido, fundamentalmente, um processo assente na construção de um Mercado Único tem limitado o alcance deste projeto na vida dos cidadãos que vivem no espaço da União.
Sempre existiu uma tensão entre os que veem a construção europeia como estrada para uma nova comunidade supranacional e aqueles que entendem a “Europa” como uma união de nações. Com o Tratado de Nice, os defensores da intergovernamentalidade pareciam ter vencido. Mas a Conferência Intergovernamental que tomou esta decisão convocou também uma Convenção que viria a propor um Tratado Constitucional europeu onde se veio a reforçar os poderes do Parlamento Europeu.
No papel, a UE soma competências comunitárias – na política monetária, no ambiente ou na investigação – com políticas comuns – na agricultura, no comércio ou nos transportes – e ainda com políticas decididas em sede de cooperação intergovernamental e de soberania nacional. Porque a vertente do Mercado Interno sempre foi dominante, os aspetos sociais da integração foram relegados para a competência dos Estados. Institucionalmente, a UE assenta na Comissão Europeia (que detém a iniciativa legislativa e o poder de executar), no Parlamento (PE) e no Conselho europeus. Este modelo combina uma ideia de cidadania europeia, que se expressa na eleição do PE, com um Conselho onde os governos representam os Estados.
Na década de 1990, com a queda do Muro de Berlim, a então CEE confrontou-se com a opção de “aprofundar” a sua integração ou dar prioridade ao “alargamento” a leste. Venceu a opção pela expansão dos mercados. Atualmente, a Europa a 27 enfrenta problemas funcionais para os quais não tem solução. A crise tornou evidente as lacunas do modelo institucional e elas foram cobertas por uma “lei não escrita”: o mais forte manda. Hoje é Berlim que está por detrás das deliberações do Conselho, sobretudo em matéria económica.
Marisa Matias
Universidade
A Universidade sempre ofereceu, nos vários cantos do mundo, saídas para as dificuldades, fossem da democracia, fossem dos problemas dos pobres ou até mesmo das minorias. É verdade, porém, que isso aconteceu, tendencialmente, em alturas em que a Universidade não estava em crise. E em momentos em que, paradoxalmente, era frequentada pelos filhos daqueles a quem a crise, por regra, não afetava, pelo menos de forma aguda. A questão que se coloca é a de saber como pode agora a Universidade oferecer saídas para a crise quando ela própria atravessa uma crise profunda.
Na generalidade dos países desenvolvidos, os sistemas universitários cresceram fortemente nas últimas décadas do século XX. A passagem da Universidade de elites para a Universidade de massas e, depois, para a Universidade dita universal levou a que a que as dificuldades pessoais dos que a frequentam sejam também as dificuldades da própria Universidade. Tendo uma cobertura universal, a Universidade tende a refletir o mundo como ele é. Neste contexto, a Universidade parece ser hoje vítima do seu sucesso enquanto instituição de referência das sociedades contemporâneas. Repositório de grandes esperanças, apresenta-se hoje como símbolo de grandes desilusões, ao ponto de a crise que afeta a sociedade parecer resumir-se, recorrentemente, à crise da Universidade.
A questão do emprego, que é uma das dimensões mais visíveis da crise, e em relação à qual a Universidade sempre foi encarada como solução, agrava a sua agonia, que até nesse domínio deixou de ser uma solução com garantias. A capacidade em contribuir para o reforço e a reconstrução da democracia, colocando-a ao serviço do desenvolvimento, é outra dimensão da crise da Universidade. Tomada pelas políticas neoliberais, esta tem vindo a consolidar-se num sistema dual. Para alguns, os que dispõem de condições financeiras ou disponibilidade para se endividar, funcionando como as multinacionais, continua a oferecer oportunidades vantajosas; tão mais vantajosas que são cada vez mais raras. Para outros, a custos mais baixos, oferece o prestígio social que o canudo ainda tem ou a porta aberta da fuga para a frente. Produzir mensagens inteligíveis, quer para a sociedade em geral, quer para quem governa, reinventando a democracia de modo a contribuir para a saída da crise é a urgência mais imediata da Universidade.
Paulo Peixoto
Utopia
Utopia é a exploração, através da imaginação, de novas possibilidades humanas de vida coletiva e individual assenta na recusa da necessidade do que existe, só porque existe, em nome de algo radicalmente melhor por que vale a pena lutar e a que a humanidade tem direito.
O desenvolvimento da racionalidade científica e da ideologia a que deu azo a partir do século XIX foi criando um ambiente intelectual hostil ao pensamento utópico. O próprio socialismo, que representava na altura a possibilidade de um modelo social totalmente distinto, teve de rejeitar as suas raízes utópicas para se impor. Por isso, o século XX foi um século relativamente pobre em pensamento utópico, como se este se tivesse tornado obsoleto face ao progresso da ciência e à racionalização da vida social. No entanto, à medida que o século avançou, foram sendo evidentes os limites e os efeitos perversos da crença em soluções técnicas para resolver problemas éticos e políticos. A permanência e até o agravamento da guerra, da fome, da morte por doenças curáveis, da extrema desigualdade social e da destruição ambiental vieram abrir novas possibilidades para o inconformismo em que assenta o pensamento utópico.
A utopia está a regressar, mas desta vez através de iniciativas e experiências sociais concretas, que, apesar do seu âmbito limitado, rompem totalmente com os modelos dominantes de vida social e política e revelam, na prática, a capacidade humana de construir modos mais justos de viver e de conviver. Chamam-se, por isso, utopias realistas, o início da construção de outro futuro, não noutro lugar, mas aqui e agora. Se é verdade que as utopias têm o seu horário, o nosso tempo é o horário das utopias realistas. Torna-se agora mais claro que qualquer ideia inovadora é sempre utópica antes de se transformar em realidade. Porque muitos dos nossos sonhos foram reduzidos ao que existe, e o que existe é muitas vezes um pesadelo, ser utópico é a maneira mais consistente de ser realista no início do século XXI.
Boaventura de Sousa Santos