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Violência doméstica
A violência doméstica (VD), segundo a definição legal, abrange vários subuniversos de pessoas, coabitantes ou não, sejam estas adultas ou crianças, do sexo masculino ou feminino. Contudo, a realidade indica que as mulheres continuam a ser o grupo mais afetado pela VD, pelo que pode, e deve, ser assumida como uma questão de violência de género.
Com uma crescente visibilidade na esfera pública, traduzida num claro aumento das denúncias, a VD tem sido, nos últimos 20 anos, objeto de diversas políticas dirigidas à sua prevenção, à sua criminalização e ao apoio às vítimas. Passos importantes foram a autonomização do tipo de crime, em 2007, e a Lei n.º 112/2009, que aprovou o regime jurídico aplicável à prevenção da VD e à proteção e assistência das suas vítimas. Esta Lei assume importância pelos direitos sociais atribuídos às vítimas e, também, ao nível das medidas de prevenção da atividade criminosa. De facto, se na prática já se verificaram melhorias na resposta, noutras vertentes esta Lei parece uma promessa por cumprir.
A atual política de austeridade poderá agravar este cenário por três vias. Primeiro, colocando um travão no desenvolvimento destas políticas e no seu aperfeiçoamento. Há medidas que têm de ser reforçadas (como, por exemplo, as medidas de proteção) e outras que, para serem eficazes, têm de considerar variáveis como o género, a nacionalidade, raça, etnia e orientação sexual. Em segundo lugar, uma preocupação com a diminuição dos gastos que o Estado tem com a VD (e.g., estruturas de atendimento, casas-abrigo, formação para profissionais diversos, vigilância eletrónica para agressores, julgamentos, etc.) pode aumentar significativamente os custos pessoais, sociais e económicos das vítimas (despesas com a saúde, absentismo laboral, desinvestimento profissional e formativo, etc.). No fundo da linha ficam as mulheres assassinadas, cujos números são preocupantes. Por fim, o panorama de instabilidade económica e social pode contribuir para dissuadir a vítima de apresentar uma denúncia, em nome da sobrevivência económica. Este risco está muito presente, uma vez que a tendência de crescimento das denúncias de VD que se verifi cava desde 2000 foi quebrada em 2011, com um decréscimo nas participações.
Madalena Duarte
Violência (estrutural)
A violência é normalmente associada à subversão da ordem, a um aconteci-mento disruptivo e excecional que provoca danos (físicos, materiais, psico-lógicos) em alguém ou em algo, sendo a sua forma mais extrema a guerra. No entanto, a violência também pode ser exercida e experienciada sem que seja reconhecida enquanto tal. O seu caráter aparentemente excecional transforma-se em algo normal, banal e até aceite socialmente.
Existem várias abordagens quanto à forma como a violência é produzida pelos sistemas social, cultural, económico ou político. Uma delas é a noção de violência estrutural, ou seja, a violência produzida pela organização eco-nómica e política das sociedades. Esta violência expressa-se na desigual dis-tribuição do poder e, consequentemente, em oportunidades desiguais, na discriminação e na injustiça (na distribuição do rendimento, no acesso à edu-cação, por exemplo). Johan Galtung define-a como uma violência que não é praticada por um agente concreto com o objetivo de infligir sofrimento, mas é gerada pela própria estrutura social, sendo as suas formas mais relevan¬tes a repressão, em termos políticos, e a exploração, em termos económicos.
A violência estrutural não se define necessariamente como um processo ativo e deliberado, mas pode revelar-se pela ausência de proteção e garan¬tia de direitos e necessidades. Pode até desembocar na impossibilidade de manutenção da própria vida dos indivíduos/cidadãos (como no caso da negação do acesso à saúde ou à alimentação). São exemplos de violência estrutural, decisões políticas como as ditas “medidas de austeridade” que conduzem a um empobrecimento coletivo e a um retrocesso nos direitos sociais (apoio no desemprego, saúde, educação) e no acesso a bens essen¬ciais (como a água). A violência estrutural sentida no domínio económico pode favorecer o surgimento ou o aprofundamento de atos de violência direta (criminalidade, violência juvenil, violência doméstica), bem como de violência política (xenofobia, discriminação, repressão de resistências e contestação violenta).
Sílvia Roque
Voluntariado
O voluntariado organizado, um dos fenómenos sociais mais dinâmicos, é objeto de interesse e de análise a nível nacional e internacional. Fenómeno sociologicamente complexo, antes de assumir uma dimensão pública (macro), constitui uma experiência individual (micro), mas socialmente compartida (meso) com outros voluntários e com os beneficiários da ação voluntária.
Diversos atores e processos históricos influenciaram o “voluntariado português”: a Igreja católica e as misericórdias, as mutualidades e o voluntariado cooperativo e sindical, o Estado Novo e a política de repressão, a Revolução de 1974 e os valores da democracia e da participação, o Estado-Providência, as IPSS e, por último, a instituição dos anos Internacional (2001) e Europeu do Voluntariado (2011). À semelhança dos países da Europa do Sul, em Portugal registam-se valores de participação mais baixos (menos de 10% da população adulta) relativamente aos países da Europa Central e da Europa do Norte.
Nos últimos anos, diversas instituições internacionais e governos reconheceram o papel do voluntariado na consolidação dos valores da cidadania ativa, da democracia, da solidariedade e da coesão social, ampliando enormemente as suas tradicionais funções assistenciais e de ajuda mútua. Um dos desafios das organizações de voluntariado prende-se com a conciliação da oferta de serviços às pessoas e às comunidades com a promoção da participação dos voluntários, mantendo um equilíbrio entre a dimensão participativa e a gerencial, entre o social e o económico. Esta complexa relação tem originado tensões, mal-entendidos e instrumentalizações.
O trabalho voluntário, embora se reconheça a sua mais-valia, qualidade relacional, espaço de atuação e complementaridade face ao trabalho profissional, é visto muitas vezes como uma forma de colmatar as insuficiências do Estado. De facto, as reservas e as críticas à aferição do valor económico do voluntariado – fortemente recomendado pelas agências internacionais – são alimentadas pela preocupação, já manifestada em vários países da UE, de que o voluntariado possa ocupar e substituir o trabalho remunerado, sobretudo neste período de aguda crise económica e financeira.
Mauro Serapioni