O racismo, resultando do projeto da modernidade, tem sido reconfigurado na interrelação de processos, estruturas e ideologias que ativam e reproduzem relações desiguais de poder, condicionando o acesso a recursos socioe-conómicos, culturais e políticos pelas populações etnicamente marcadas como inferiores em relação a ideias/práticas de ser europeu. Esta condição de inferioridade é interpretada como o modo de ser dessas populações, a ser “corrigido” por políticas públicas com vista à sua assimilação/integração.
Considerar uma abordagem política e histórica ao racismo é fundamental no contexto atual de crise, dado que é nestas conjunturas que são ativadas narrativas despolitizadoras das relações de poder, conduzindo a uma interpretação do racismo como uma questão de preconceito, de reação à diferença, validando os contextos históricos e políticos que produziram tais atitudes. A raiz desta conceção hegemónica de racismo situa-se no contexto pós-Holocausto e dos debates da UNESCO sobre o estatuto científico do conceito de “raça”, que evadiram a relação entre “raça”, processos de formação nacional, condições pós-coloniais e de cidadania na Europa.
O entendimento sobre o racismo não pode portanto ser separado das abordagens políticas e académicas dominantes que o têm constituído. Nesse sentido, os debates atuais sobre a integração/inclusão social das minorias étnicas e imigrantes são cruciais para compreender os padrões duradouros de racismo. Alimentando o pressuposto da homogeneidade nacional, estes debates têm conduzido mais à discussão sobre a presença de imigrantes/minorias e as suas características (i.e., contrastes e inadequações culturais) do que à problematização do próprio racismo. É neste contexto que as alter-nativas que a luta antirracista coloca passam pela contestação radical de ideias excludentes do “nós” nacional, baseadas na afirmação de uma história que converte em natural o que foi e é parte do projeto político específico moderno/colonial/racial.
Marta Araújo e Sílvia Rodríguez Maeso