Novas Poéticas de Resistência: o século XXI em Portugal

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Tim Peterson



Turbinas Hidráulicas

Passamos a tarde toda a ler textos impenetráveis como objectos místicos e quando levantamos os olhos o sol está a sofrer. Foi-lhe dado demasiado sentido e atravessa-nos a arder, tão preguiçoso e tão re-equipado de memória. Estar abertos quando queremos observar e ser observados é o melhor cenário. Um melhor cenário é uma jogada táctica, uma análise das forças e fraquezas da situação. Uma corrente de consciência volteia no seu percurso por entre as rajadas de eus lá em baixo na rua com jardins a rebentar nas bermas. As turbinas hidráulicas arrancam com um simples clicar do rato, uma auto-formação errante. Para humanizá-la, encontramos um raminho de ritmo saindo da parede que julgávamos sólida, minando-a. Nós implica um passeio por terras de deleite e também sofrimento, e alguma distância daquela manhã. A vista panorâmica, da janela errante, é de um estudo em cinza e tonalidades esbatidas. Sugere-se uma grelha absoluta ou grelhas relativas mas não definidas, conforme podemos afastar-nos das persianas a caminho da cozinha para beber um chá com antioxidantes cor de púrpura. Gravando o aviso numa lona lúdica, uma negociação, e depois apagando-o, em ressalto da intimidade para uma clausura de ossos.

 

 

 



Touca para Cabeleira

A semana passada estava eu numa livraria à procura de Espinoza e Whiteland. Trata-se de um exemplo de metonímia.

 

O Espinoza e o Whiteland queriam ir beber um copo depois mas eu disse que tínhamos que voltar para casa depressa, eu só tenho cinco horas até me transformar numa abóbora.

 

Passei os livros à senhora da caixa para pagar e disse: “Foi um alívio encontrar estes; são exactamente o que eu precisava.” Ela disse “Então e onde é que dá aulas?”

 

As abóboras vêem-se mais nas montras. Tu e eu formamos uma figura cuja área de semelhança e área de diferença se tornam mais finas do que uma touca para cabeleiras.

 

Por essa altura tive um sonho pavoroso em que engolia ratazanas enormes tentando não as matar.

 

Tinha a certeza que alguém haveria de reparar no meu engolir ratazanas com coragem e humanidade. Uma touca para cabeleiras protege-nos de doenças do couro cabeludo de outrem.

 

Esculpi um busto de Espinoza na abóbora e os putos mascarados passaram pela minha porta como  avestruzes.

 

Uns amigos tinham estado a ligar; nessa noite fiz o jantar no último tacho limpo.

 

 

 


 

 

Tim Peterson vive em Brooklyn e é poeta, crítico e coordenador de publicações. Since I Moved In, de que é autor, recebeu o Gil Ott Award, da Chax Press. Tim Peterson é presentemente editor de EOAGH: A Journal of the Arts e é comissário da série de palestras TENDENCIES do CUNY Graduate Center.

 

 

 

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