BECOM - A escolha apesar da (in)comensurabilidade: controvérsias e tomada de decisão pública acerca do desenvolvimento territorial sustentável

Este projecto pretende explorar dispositivos (instrumentos e procedimentos) de tomada de decisão e o papel que desempenham no modo como os conflitos entre valores (incomensuráveis) são geridos nos processos de tomada de decisão pública a respeito da sustentabilidade de projectos com impactos importantes no ambiente. Com a Directiva da União Europeia 2001/42/EC o procedimento de avaliação conhecido como Avaliação Ambiental Estratégica (AAE) tornou-se um importante instrumento das políticas de desenvolvimento territorial sustentável na UE. Com esta directiva os decisores públicos são chamados a traduzir na prática o objectivo de desenvolvimento territorial sustentável – um princípio orientador da acção pública que requer a composição de definições diversas e muitas vezes contrastantes dos bens comuns que é desejável perseguir (O’Neil 2007). Contudo, a directiva não contem nenhuma indicação a respeito do modo como esta composição deve ser conseguida, deixando espaço para controvérsias e arranjos variados, dependentes do contexto. Na bibliografia respeitante à tomada de decisão pública, a necessidade de compor dimensões conflituais do ponto de vista normativo é tratada de forma distinta consoante a abordagem à escolha adoptada. É possível identificar, como extremos de um continuum , duas abordagens: a abordagem monistica e abordagem pluralista. Ambas constituem fundamento para a definição de dispositivos (instrumentos e procedimentos) de apoio à tomada de decisão. A abordagem monista assenta na comensurabilidade. Com origem no utilitarismo e a sua forma contemporânea aplicada mais sofisticada e influente é a análise custo-benefício (OECD 2006; Posner 2004). De acordo com esta abordagem a resolução de conflitos de valor requer a redução de todos os valores a uma métrica comum que possibilite trade-offs entre eles (Espeland and Stevens 1998). A abordagem pluralista, apoiada em diferentes tradições teóricas, entre as quais se destaca o pragmatismo, defende, pelo contrário, que a escolha pública pode ser racional apesar dos conflitos de valores e da incomensurabilidade (Richardson 2002). As abordagens multicritértio e integradas são dispositivos de tomada de decisão que procuram operacionalizar a abordagem pluralista de tomada de decisão. Este projecto combina duas linhas de exploração diferentes mas inter-relacionadas. A primeira é dirigida à análise da tradução das abordagens monista e pluralista em “dispositivos de decisão” (análise custo-benefício; abordagens multicritério e integradas). Em particular, pretendemos investigar o modo como estes dispositivos (instrumentos e procedimentos) lidam com a incomensurabilidade e a “dificuldade moral”, assim como com a incerteza epistémica que caracteriza as questões ambientais. O segundo eixo é dedicado à observação do modo como estes dispositivos têm sido operacionalizados em controvérsias respeitantes a grandes projectos infra-estruturais, especificamente aeroportos, em dois casos: a decisão acerca da localização do novo aeroporto de Lisboa e a decisão acerca do alargamento do aeroporto de Milão. Através de uma abordagem comparativa (Itália e Portugal) o nosso interesse dirige-se também à influência que as culturas políticas têm no modo como estes dispositivos são usados na prática (Jasanoff 2007). Tratando estas ferramentas e modelos de tomada de decisão como ferramentas sócio-técnicas especificas seguimos os Estudos de Ciência e Tecnologia numa das suas recentes tendências de desenvolvimento: a deslocação do estudo acerca do modo com as ciências “duras” participam na definição do nosso mundo comum para o estudo, feito com o mesmo objectivo, do papel da economia e das ciências sociais (Callon 1998). O objectivo do projecto não é propor um modelo formal de tomada de decisão em controvérsias sócio-tecnicas que envolvem conflitos de valor e incomensurabilidade. A nossa contribuição será antes dirigida a uma melhor compreensão do modo como os dispositivos de apoio à tomada de decisão lidam com a questão da incomensurabilidade em situações de incerteza normativa e epistémica. Procuraremos, em particular, com base nos resultados da pesquisa, assinalar algumas características dos dispositivos (instrumentos e procedimentos) que melhor contribuem para transformar a incomensurabilidade numa oportunidade para o debate democrático a respeito dos objectivos comuns e dos meios para os realizar. A exploração teórica e empírica que propomos pretende desenvolver uma análise crítica quer da influência dos dispositivos de tomada de decisão sobre os processos de tomada de decisão pública em controvérsias sócio-técnicas, quer das vantagens e inconvenientes dos modos específicos como eles ajudam a lidar com a incerteza normativa e epistémica.