O Orçamento Participativo como instrumento inovador para reinventar as autarquias em Portugal e Cabo Verde? Uma análise critica da performance e dos transfers

A actual crise mundial levanta questões relacionadas com a distribuição dos recursos. A necessidade de encontrar estratégias inovadoras é igualmente sentida pela administração local, afectada pela diminuição das transferências do Estado e pelas dificuldades de auto-financiamento. Este desafio tem sido abordado a nível mundial através de inovações nas políticas públicas, desenvolvendo práticas participativas que permitem a partilha de responsabilidades entre os cidadãos e os actores públicos nos processos de decisão. Uma dessas é o Orçamento Participativo (OP), que implica o envolvimento dos cidadãos na discussão e na decisão sobre as prioridades de investimento público. Considerado como um “ideoscape” (Appadurai 1991), significando um modelo político que se dissemina a nível mundial mas cuja apropriação é moldada a cada local, o OP, emergiu nos anos 90 em países da América Latina, onde contribuiu para consolidar novas instituições democráticas (Santos 2003, Marquetti et al. 2007), espalhando-se pela Europa e África no final do milénio. Em África, o OP existe actualmente em 12 países enquanto instrumento de suporte aos processos de descentralização assim como de combate à pobreza. Na Europa o OP está presente em 130 cidades (Allegretti / Sintomer 2009), sendo visto como um instrumento útil na melhoria da gestão municipal e no abrandamento da “crise de legitimidade” dor órgãos políticos (Cabannes 2004; Allegretti/Herzberg 2004; Sintomer et al. 2006). O projecto incide sobre a situação do OP em Portugal e Cabo Verde, países que partilham uma herança político-administrativa, e estão agora, embora de formas distintas, relacionadas com a UE. Relativamente a outros países europeus, Portugal possui o maior número de experiências de OP, cerca de 20, enquanto que Cabo Verde iniciou as primeiras 4 em 2009. A propagação do OP, em ambos os países, deve-se muito à formação promovida por ONG’s e instituições públicas de investigação envolvidas em redes europeias e latino-americanas de investigação-acção, apoiadas por organizações nacionais de municípios. Também em ambos os países os estudos científicos sobre o OP são ainda inexistentes. Este estudo pretende preencher esta lacuna de conhecimento, contrariando a inexistência de trabalhos científicos comparativos sobre o tema, na Europa e África, para compreender em que medida o OP pode realmente promover a inovação nas instituições locais, e quais as condições de sucesso. Quanto a este último aspecto, as lições retiradas do OP, assim como de outras práticas de participação (Fung et al. 2003) sugerem que a falta de monitorização e avaliação correlacionam-se com o elevado risco de experiências que atingem rapidamente um limite na sua capacidade de impacto sobre os processos de decisão. Neste estudo sugerimos ligar o objectivo geral de explicar a presença ou ausência de efeitos positivos do OP à questão, que também pode ser válida para outros modelos políticos: como é que os cidadãos e as instituições locais adaptam o modelo aos seus contextos? Cremos que Portugal e Cabo Verde são excelentes casos para realizar um trabalho empírico ligado a esta questão, porque a experiência de apropriação do OP em Portugal está actualmente a ser utilizada como base para a transferência para o diferente, embora similar contexto cabo-verdiano. Finalmente, pensamos que a interligação dos efeitos e a apropriação de modelos requerem também o aprofundamento e a ampliação da agenda de investigação sobre o OP. Neste contexto, o projecto considera o OP como um ponto de vantagem crítica a partir do qual as transformações materiais/imateriais relativas às atitudes políticas, as relações de poder entre as partes interessadas e as estruturas organizacionais podem ser examinadas. Propomos realizar esta investigação, observando e comparando dois ciclos anuais de OP em 9 experiências seleccionadas em Portugal, bem como examinar a transferência desta prática em 2 municípios de Cabo Verde. Isto destina-se a preencher uma lacuna de conhecimentos e elaborar indicadores que contribuam para a realização de estudos comparativos entre a Europa e África, assim como fornecer elementos para estudar parcerias entre o Norte e o Sul. De acordo com uma epistemologia que beneficia dos interfaces entre a ciência e o senso comum, o projecto esforça-se não apenas para produzir políticas relevantes de conhecimento científico, mas também para providenciar ferramentas analíticas que permitam aos cidadãos, pessoal administrativo e político auto-avaliarem as suas experiências de OP. A nossa abordagem mista interpreta o OP como o domínio de uma “técnica”, mas também como um elemento de observação geral das transformações na política local, na vida social e económica. Isto reflecte-se na composição da equipa. Esta reúne especialistas com uma perspectiva académica e de investigação-acção sobre o OP, com investigadores com uma visão mais geral sobre as questões da governação territorial e das políticas de descentralização.