Teses Defendidas

Práticas sociais face ao desemprego: um estudo sobre a criação do próprio emprego

Joana Almeida

Data de Defesa
26 de Fevereiro de 2018
Programa de Doutoramento
Relações de Trabalho, Desigualdades Sociais e Sindicalismo
Orientação
Pedro Hespanha e Cristina Maria Pinto Albuquerque
Resumo
A criação do próprio emprego por desempregados é uma problemática desafiante, sobre a qual urge refletir de um modo crítico. Do ponto de vista conceptual, ela enquadra-se na análise do panorama das grandes modificações operadas nos últimos anos nas relações de trabalho. A libertação democrática do 25 de abril e a abertura da economia portuguesa aos mercados globais com a entrada na União Europeia, conferem à presente investigação um enquadramento específico ao fenómeno do autoemprego em Portugal que importa problematizar. Considerando que Portugal sempre registou altos níveis de trabalho autónomo, a partir dos anos 80 verificou-se um aumento deste tipo de trabalho. Contudo, os contornos que enquadraram este novo impulso, retratam um trabalho autónomo distinto do que Portugal estava habituado. Alimentado pela onda de despedimentos coletivos massivos ocorridos em meados da década de 90 na indústria transformativa, este trabalho autónomo denuncia uma especificidade que importa analisar no âmbito desta investigação. Tendo como objeto de estudo os processos de transição que são implementados por desempregados, seja no sentido da criação do próprio emprego, seja optando por outro tipo de estratégias adaptativas depois de uma situação de despedimento coletivo, a presente investigação pretendeu analisar o fenómeno do autoemprego a partir deste contexto histórico e social específico português. A desconcertante paradoxalidade do atual mundo profissional, onde o desemprego e a precariedade laboral pontuam, cria condições para o aumento das desigualdades e injustiças sociais. Neste contexto, a ação empreendedora tem-se apresentado como uma das vias possíveis para a resolução do problema do desemprego. No entanto, tanto do ponto de vista conceptual, como das práticas de intervenção social, este tema tem-se mostrado portador de grande complexidade e insuficiência prática. Partindo da análise temática do conteúdo de entrevistas a um grupo de desempregados oriundos de processos de despedimento coletivo em empresas industriais da região de Coimbra, ocorridos nos anos 90 e na primeira década deste século, e usando os procedimentos da metodologia qualitativa do estudo de caso, procurou-se evidenciar as motivações e os processos, que nalguns casos levaram à criação do próprio emprego, e noutros a outras vias de superação da situação de desemprego. Realizaram-se também análises sociodemográficas dos participantes, no sentido da elaboração de perfis e construíram-se esboços biográficos, bem como análises socio-organizacionais dos contextos empresariais aquando dos processos de despedimento coletivo, entendidos como processos de seleção social/profissional. Verificou-se pela análise conjunta dos dados, usando a abordagem bourdieusiana como instrumento analítico, que as diferentes trajetórias/estratégias de mudança no campo laboral resultaram de um processo intrincado de interações com os habitus e capitais dos participantes. A transição que decorreu ao longo do tempo de passagem da situação de desempregado para outras situações, nomeadamente, em termos de criação do próprio emprego, constituiu-se como uma interação relacional e sistémica entre as dimensões da agência individual e da estrutura social, que produziu diferentes práticas sociais no campo laboral, consubstanciadas numa diversidade de padrões de superação do desemprego. Concluímos que as trajetórias pós-despedimento coletivo resultam da confluência entre fatores situados aos níveis micro, meso e macrossocial. A nível microssocial elencámos fatores como a idade e tempo de serviço dos entrevistados aquando o despedimento coletivo e as redes socioafetivas dos entrevistados. A nível mesossocial identificámos as políticas sociais que foram mobilizadas como recursos importantes para atingir os objetivos subjacentes às trajetórias escolhidas. São eles os apoios de financiamento ao autoemprego, os apoios à requalificação dos desempregados, e a proteção social na velhice depois do preenchimento dos requisitos de idade e carreira contributiva. A nível macrossocial, foi possível identificar um conjunto de tendências socias mais vastas a nível europeu e nacional, como a crise económica, a terciarização e a flexibilização da economia. A interação entre estes fatores permitiu-nos compreender que, do ponto de vista sociológico, são diferentes identidades em termos de habitus (semi-proletários e/ou camponeses-operários), bem como diferentes dinâmicas em torno dos capitais cultural e social, que possibilitam a construção de padrões diversos de mudanças posicionais no campo laboral. Em síntese, a criação do próprio emprego não corresponde a um mito abstrato sobre competências de empreendedorismo, mas a um complexo processo de construção de práticas sociais. Dos resultados extraem-se, ainda, reflexões sobre implicações de natureza conceptual, de intervenção social e metodológicas.

Palavras-chave: Desemprego - Autoemprego - Práticas sociais - Agência vs. Estrutura