A Emergência da Saúde Mental. Poder médico, secularidade e o campo psicoterapêutico em Portugal

Período
15 de outubro de 2014 a 31 de janeiro de 2019
Duração
52 meses
Resumo

A promoção da saúde mental entrou definitivamente no léxico cultural e nos discursos políticos do mundo contemporâneo. Se até há pouco tempo este desígnio se limitava aos países ricos do mundo ocidental, atualmente um novo campo disciplinar, a Saúde Mental Global, visa mesmo levá-lo aos países de "médio e baixo rendimento". Nestes projetos, nacionais e transnacionais, a saúde mental surge como evidência ética e conceito politicamente transparente. Nesse sentido, podemos dizer que a saúde mental é a nova encarnação do conceito de bem. É, sem dúvida, por isso que para falar do mal se recorre tão frequentemente a noções de doença mental (a depressão, a esquizofrenia, a dependência), e que uma das novas figuras de ser humano virtuoso corresponde ao indivíduo que maximiza a sua saúde mental (a autossatisfação, o autocontrolo). Se a autonomia é o alfa da saúde mental, o sucesso individual é o seu ómega. Entre um e o outro dispõe-se os vários gradientes de "losers" e de "winners."


Este projeto questiona a transparência política e o carácter de evidência ética da saúde mental através de uma investigação histórico-sociológica. O caso português é tomado como observatório de um movimento transnacional em que se combinam vários processos. Explora-se a hipótese de que são três os processos históricos determinantes da emergência da saúde mental: a interdependência dos modelos hegemónicos de desenvolvimento com novos conceitos normativos de pessoa; as transformações de um poder médico continuamente desafiado por inovações institucionais (a desafetação dos hospitais psiquiátricos), tecnológicas (os psicofármacos) e jurídicas (os direitos dos usuários); e o recuo da religião como matriz de representações morais, parcialmente substituída por uma matriz psicoterapêutica. Através da narrativa histórica e da evidência para aquilo que Freud chamou o "estranhamente familiar", Na boa tradição foucaultiana, a tonalidade geral do projeto é marcada pela suspeita.


Contudo, não desconsideramos a possibilidade de que certas formas de medicalização da felicidade e da virtude possam conter potencialidades emancipatórias.

Resultados

Impacto esperado:

- uma narrativa densa da história social da psiquiatria, permitindo uma melhor compreensão das transformações epistémicas, éticas e institucionais em contexto de globalização da Saúde Mental
- contribuir para uma epidemiologia reflexiva, combinando métodos quantitativos e qualitativos
- maior visibilidade da experiência da doença mental, com enfoque na depressão, com vista ao empoderamento e inclusão social dos pacientes/ utilizadores de serviços
- melhor compreensão da política e cultura da felicidade, nas suas ligações com a secularidade e o mercado de espiritualidades terapêuticas

Investigadoras/es
Ana Filipa Queirós
David Soares
Sílvia Damásio
Tiago Pires Marques (coord)
Palavras-Chave
saúde mental, epidemiologia reflexiva, hospitais psiquiátricos, psicoterapias, experiências de doença mental
Financiamento
Fundação para a Ciência e Tecnologia