Reinvenção da Emancipação Social RES  
Reinventing Social Emancipation  English 
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Apresentação dos Temas

Os temas de investigação foram seleccionados em função do seu potencial para fazer emergir globalizações contra-hegemónicas nas próximas décadas. São cinco os temas a seguir enumerados sem qualquer ordem de precedência:

Será no âmbito destes temas que se desenvolverá a investigação nos diversos países que integram este Projecto.

Democracia Participativa ^
Paralelamente ao modelo hegemónico de democracia (democracia liberal, representativa), coexistiram sempre outros modelos subalternos de democracia, com graus diferentes de marginalização ou de descrédito. Vivemos tempos paradoxais: no exacto momento em que a democracia liberal parece colher os triunfos mais convincentes em todo o mundo, torna-se cada vez menos credível nos países em que mergulha mais fundo e há mais tempo as suas raízes. A dupla crise da representação e da participação é o sintoma mais visível desse défice de credibilidade e, em última análise, de legitimidade.

Simultaneamente, as comunidades locais, urbanas e rurais estão a levar a cabo, em diferentes partes do mundo, experiências e iniciativas democráticas baseadas em modelos alternativos de democracia, em que a tensão entre capitalismo e democracia surge renovada e se torna uma energia positiva na luta por novos contratos sociais, mais abrangentes e mais justos, mesmo se espacialmente circunscritos. Em alguns países, particularmente na África, formas tradicionais de autoridade e de governo estão a ser revisitadas, a fim de explorar as possibilidades da sua transformação interna e articulação com outras formas de governo democrático.

Sistemas Alternativos de Produção ^
As discussões sobre a globalização contra-hegemónica tendem a incidir preferencialmente nas iniciativas sociais, políticas e culturais, e só raramente se centram nas iniciativas económicas, isto é, nas iniciativas locais/globais que consistem na produção e distribuição não-capitalistas de bens e serviços, tanto em contextos rurais como urbanos: cooperativas, mutualidades, sistemas de crédito, cultivo de terras ocupadas por camponeses sem-terra, sistemas de distribuição de água, comunidades piscatórias, exploração ecológica da floresta, etc. Essas iniciativas são aquelas em que as ligações entre o local e o global são mais difíceis de estabelecer, quanto mais não seja porque elas se confrontam mais directamente com a lógica do capitalismo global por detrás da globalização hegemónica. Muitas vezes, enfrentam o dilema de, para sobreviver, terem de se acomodar a algumas das imposições hegemónicas.

Outra faceta importante dos sistemas alternativos de produção é a de estes não serem nunca exclusivamente de natureza económica. Eles mobilizam recursos sociais e culturais que tornam as ligações intertemáticas uma condição necessária para o seu sucesso.

Uma economia de mercado é, certamente, possível e mesmo desejável, dentro de certos limites. Pelo contrário, uma sociedade de mercado é impossível e, se fosse possível, seria moralmente repugnante e, de facto, ingovernável. Seria algo muito semelhante a um fascismo de mercado. Os sistemas alternativos de produção são uma resposta possível ao fascismo de mercado.

Multiculturalismo Emancipatório, Justiças e Cidadanias ^
A crise da modernidade ocidental mostrou que o fracasso de projectos progressistas para a melhoria das oportunidades de vida e das condições de vida de grupos subordinados, tanto dentro como fora do mundo ocidental, se deveu em parte à falta de legitimidade cultural. Isto aplica-se mesmo aos movimentos pelos direitos humanos, já que a universalidade dos direitos humanos não pode ser assumida como um pressuposto inquestionável. A ideia da dignidade humana pode ser formulada em diferentes "linguagens" culturais. Em lugar de serem suprimidas em nome de universalismos postulados, essas diferenças devem tornar-se mutuamente inteligíveis através da tradução e da hermenêutica diatópica.

Dado que a construção das nações modernas foi realizada, na maior parte dos casos, através do esmagamento da identidade cultural e nacional de minorias (e, por vezes, mesmo de maiorias), o reconhecimento do multiculturalismo e da multinacionalidade transporta consigo a aspiração à autodeterminação. O caso dos povos indígenas é, a este respeito, extremamente significativo.

Apesar de todas as culturas serem relativas, o relativismo é errado enquanto posição filosófica. É, por isso, imperativo desenvolver critérios (transculturais?) que permitam distinguir formas emancipatórias de formas regressivas de multiculturalismo e de autodeterminação.

A aspiração ao multiculturalismo e à autodeterminação assume, com frequência, a forma social de uma luta pela justiça e pela cidadania, envolvendo exigências de formas alternativas de direito e de justiça e de novos regimes de cidadania. A pluralidade das ordens jurídicas, que se tornou mais visível com a crise do Estado-nação, transporta consigo, implicita ou explicitamente, a ideia de cidadanias múltiplas que coexistem no mesmo campo geopolítico e, frequentemente, a ideia de que existem cidadãos de primeira, segunda e terceira classe.

Contudo, as ordens jurídicas não-estatais podem também ser o embrião de esferas públicas não-estatais e a base institucional para a autodeterminação, como acontece com a justiça indígena. Este projecto irá concentrar-se nas formas de justiça - comunitária, informal, local, popular - que são parte integrante das lutas ou iniciativas associadas a outros temas. Por exemplo, a justiça popular ou comunitária enquanto componente de iniciativas de democracia participativa; a justiça indígena como componente da autodeterminação ou da conservação da biodiversidade.

Biodiversidade, Conhecimentos Rivais e Direitos de Propriedade Intelectual ^
Devido aos avanços verificados, nas últimas décadas, nas ciências da vida, na biotecnologia e na microelectrónica, a biodiversidade é um dos "recursos naturais" mais preciosos e mais procurados. Para as empresas farmacêuticas e de biotecnologia, a biodiversidade aparece, cada vez mais, no centro do desenvolvimento de produtos mais espectaculares e mais lucrativos das próximas décadas. A biodiversidade existe sobretudo no chamado Terceiro Mundo, e predominantemente em territórios que, historicamente, pertencem aos povos indígenas. Enquanto os países tecnologicamente avançados procuram alargar os direitos de propriedade intelectual e o direito das patentes à biodiversidade - já houve tentativas de patentear sequências de genes humanos -, alguns países periféricos, grupos de povos indígenas e ONGs ao seu serviço têm procurado garantir a conservação e reprodução da biodiversidade através da atribuição de um estatuto especial de protecção dos territórios, modos de vida, e conhecimentos tradicionais das comunidades indígenas e camponesas. É cada vez mais evidente que as novas clivagens entre o Norte e o Sul se centrarão na questão do acesso à biodiversidade à escala global.

Embora todos os temas incluídos neste projecto levantem um problema epistemológico, na medida em que afirmam a validade de conhecimentos que foram rejeitados pelo conhecimento científico hegemónico, a biodiversidade é, provavelmente, o tópico em que o choque entre conhecimentos rivais é mais evidente e será, provavelmente, mais desigual e violento nas próximas décadas.

Novo Internacionalismo Operário ^
É bem conhecido que o internacionalismo operário foi uma das previsões mais obviamente incumpridas do Manifesto Comunista. O capital globalizou-se, não o movimento operário. O movimento operário organizou-se a nível nacional e, pelo menos nos países centrais, tornou-se crescentemente dependente do Estado-Providência. É verdade que, no nosso século, as ligações e organizações internacionais mantiveram viva a ideia da luta operária internacional, mas estiveram sempre dependentes das exigências da Guerra Fria. O seu destino seguiu o destino desta.

No período pós-Guerra Fria, e como resposta às investidas mais agressivas da globalização hegemónica, surgiram novas formas de luta operária internacional, por enquanto ainda muito precárias: o debate sobre os padrões mínimos de condições de trabalho; trocas, acordos e outras formas de cooperação institucional entre sindicatos de diferentes países que integram o mesmo bloco económico regional (NAFTA, União Europeia, Mercosul); articulação entre lutas, reivindicações e exigências dos diferentes sindicatos que representam os trabalhadores da mesma empresa multinacional em diferentes países, etc.

De maneira ainda mais frontal do que os sistemas alternativos de produção, as novas formas de luta operária internacional enfrentam a lógica do capitalismo global no seu terreno privilegiado: a economia de mercado. O sucesso dessas novas formas de luta depende dos vínculos "extra-económicos" que forem capazes de construir com iniciativas e movimentos sociais desenvolvidos no âmbito de qualquer dos outros temas incluídos no projecto.


Nenhuma destas iniciativas temáticas poderá, separadamente, contribuir para a globalização contra-hegemónica. O seu êxito exige que as suas preocupações emancipatórias sejam objecto de tradução em outras iniciativas com elas construídas em rede, alargando-se em movimentos cada vez mais híbridos socialmente, mas mais densos politicamente. Em suma, o que está em jogo em termos políticos no final do século é a reinvenção do Estado e da sociedade civil de tal maneira que o fascismo social seja eliminado como um futuro possível. Esse objectivo poderá ser realizado através da proliferação de esferas públicas locais/globais em que os Estados-nações serão parceiros importantes, mas não os centros exclusivos de legitimidade ou de hegemonia.

 
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