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João Paulo Borges Coelho

Estado, Comunidades e Calamidades Naturais no Moçambique Rural

(texto não editado)

 

 

 

 

1. Introdução

Moçambique tem sido vítima particular de variações climáticas bruscas, sofrendo regularmente o flagelo de secas, chuvas torrenciais com cheias, e ventos ciclónicos. Nos vinte e cinco anos de independência o país foi atingido por duas violentas secas com a duração de mais de dois anos cada uma, pelo menos dezasseis ciclones registados e várias cheias, duas das quais de grandes dimensões. Estes fenómenos são vulgarmente designados por "calamidades naturais".

O termo "calamidades" ganhou, após a independência, uma dimensão bastante lata, referida a todo o tipo de malefícios que se abatem sobre a sociedade, num contexto de procura da definição do "inimigo" associada ao esforço de construção do Estado-Nação. Assim, a par das calamidades provocadas pelos inimigos regionais (sobretudo o apartheid), surgiu, por extensão, a definição da natureza como inimiga quando o seu comportamento fugia à normalidade. Mais tarde, "calamidades" passaram a ser também, por exemplo e por antinomia, os bens doados pela comunidade internacional para socorrer as vítimas das situações de emergência criadas pela guerra e por esses fenómenos naturais (assim, roupa das calamidades, milho das calamidades, etc.). Neste texto, as calamidades naturais são manifestações climáticas extremas (sobretudo secas, cheias e ciclones) caracterizadas por desvios acentuados e muitas vezes bruscos dos padrões normais de comportamento dos factores climáticos, com efeitos frequentemente catastróficos para a economia e sociedade. Esses efeitos consistem na ameaça à segurança das comunidades, suas culturas e bens, quer de forma absoluta e repentina (ciclones, cheias), quer lentamente, provocando a escassez de água e alimentos (seca).

Moçambique não é, obviamente, uma vítima extraordinária das manifestações climáticas extremas. De facto, elas tornaram-se actualmente num dos problemas globais do planeta. Acentuadas por diversos factores, naturais ou produzidos pelas sociedades, têm como causas desde a industrialização ao crescimento populacional e à utilização intensiva dos recursos - muitas vezes impedindo a sua renovação. Algumas dessas causas são identificadas (embora nem sempre de maneira consensual ou definitiva) e produzem efeitos sobretudo negativos e frequentemente regionais ou mesmo globais.

De uma maneira geral, a identificação científica dos factores que provocam as manifestações climáticas extremas é levada a cabo pelos países mais desenvolvidos, com maior capacidade de investigação científica e mais mecanismos para "enunciar" essa identificação. Normalmente essas duas capacidades - de identificação e enunciação - residem nos Estados do norte.

Por outro lado, e de forma de alguma maneira correspondente, os Estados do sul, periféricos, são não só considerados como importantes agentes dos processos de produção das "manifestações climáticas extremas" (sobretudo no que respeita a uma má utilização dos recursos) como se encontram destituídos de capacidade científica e social de identificação dos factores que potenciam esses processos (de os "ver" como factores globais).

Quaisquer que sejam as causas - globais ou locais - as manifestações climáticas extremas manifestam-se de forma concreta e local. Este texto procura problematizar a resposta moçambicana aos efeitos desses fenómenos. O que torna particular o caso de Moçambique a este respeito, nas últimas décadas, é que a intensificação dos efeitos locais dos comportamentos anómalos do clima teve lugar no contexto de uma guerra civil particularmente prolongada e destrutiva, conjugação essa que generalizou uma situação de miséria no espaço rural e fez com que as políticas adoptadas para responder às calamidades naturais fossem não só fortemente afectadas como influenciadas por esse contexto.

O caso moçambicano constitui um bom exemplo de como as políticas de resposta às situações de emergência provocadas pelas calamidades naturais (e, mesmo, a prevenção dessas situações) estão longe de depender de meras opções técnicas. Pelo contrário, estabelecem-se em contextos históricos definidos e dependem da natureza do Estado que as formula e, portanto, da relação que este estabelece com a sociedade. A conflitualidade dessa relação assenta não só no confronto de interesses que são diversos mas, também, em condições bastante desiguais de produção e legitimação dos saberes que baseiam a definição dessas políticas.

2. Estado e Calamidades Naturais

2.1. A construção da resposta formal

Tal como ocorreram em Moçambique, o fim da ordem colonial e a independência do país, em 1975, implicaram uma profunda ruptura com o Estado colonial e o surgimento de estruturas completamente novas, em resultado de factores combinados como o êxodo maciço da população portuguesa (incluindo a esmagadora maioria dos funcionários do Estado), uma herança colonial de fraquíssima escolarização da população negra e uma postura da Frelimo, o movimento de libertação, que advogava essa mesma ruptura.

Compreensivelmente, o novo Estado revolucionário, de matriz "socializante", fragilizado pela falta de quadros, de meios, de tradição e rotinas, não concedeu grande atenção às questões de segurança da população face às calamidades naturais, absorvido que estava pelo esforço para estancar o descalabro da economia, "controlar" a população e o território, e enfrentar aquilo que era considerado como a ameaça principal: a eventualidade de uma agressão militar externa a partir dos "regimes brancos" da Rodésia e da África do Sul.

Surpreendido em 1977 pelas primeiras cheias de importante dimensão, no rio Limpopo e, um pouco mais tarde, no rio Zambeze, o Estado cria comissões para prestar socorro de emergência às populações afectadas. A experiência das cheias do rio Zambeze, para combater os efeitos das quais o Estado criou uma Comissão Inter-Provincial das Calamidades Naturais e Aldeias Comunais (CIPCNAC), revelou os limites do estabelecimento de organismos ad hoc, estabelecidos em situação de crise. A CIPCNAC teve grandes dificuldades na mobilização de meios e, sobretudo, na coordenação - composta que era por membros destacados de outros organismos numa base eventual. Assim, dois anos mais tarde, em Setembro de 1980, o Governo anunciou a criação de um mais estável e institucionalizado Conselho Coordenador de Prevenção e Combate às Calamidades Naturais (CCPCCN), chefiado pelo Primeiro-Ministro e integrando diversos ministros. Este Conselho criou, pouco depois, o seu "braço" executivo, o Departamento de Prevenção e Combate às Calamidades Naturais (DPCCN), destinado a ter um papel mais operacional sob a sua orientação. O DPCCN era chefiado por um Director Nacional sob a autoridade directa do Ministro da Cooperação.

Os primeiros anos da década de oitenta revelaram-se bastante difíceis. À severa seca que começou a fazer sentir os seus efeitos em finais de 1981, e que viria a durar até 1984, veio juntar-se o conflito civil, presente na forma larvar há um par de anos mas que agora iria sofrer uma expansão sem precedentes, com o alastramento da presença da guerrilha da Renamo à quase totalidade do país. A combinação dos efeitos da guerra e da seca, agravando os efeitos do processo de socialização do campo, acabou por desarticular completamente o mundo rural moçambicano, criando uma situação estrutural altamente negativa que viria a durar mais de uma década. Os efeitos na economia foram naturalmente catastróficos, agravados pela deterioração acentuada dos termos de troca no mercado internacional. Em resultado, o país tornou-se pela primeira vez, a partir de 1983, importador de alimentos assim como importante recipiente da ajuda alimentar.

Calamidades Naturais em Moçambique Após a Independência

Data

Calamidade Natural

 

Ciclones

Cheias

Secas

1976

Claudette, Dannae, Gladys e Ella

   

1977

Emille

Rio Limpopo

 

1978

Angele

Rio Zambeze

 

1979

     

1980

Bettina

   

1981

Benedette

 

Todo o país

1982

     

1983

     

1984

Domoína

   

1985

 

Centro e Sul do país

 

1986

     

1987

   

Sul do país

1988

Filão

   

1989

 

Centro e Sul do país

 

1990

     

1991

   

Todo o país

1992

     

1993

     

1994

Nádia

 

Todo o país

1995

     

1996

Bonita

Rios Zambeze, Púnguè e Búzi

 

1997

Lisette

   

1998

 

Sofala, Inhambane

 

1999

     

2000

Connie, Eline, Huddah e Glória

Centro e Sul do país

 

2001

 

Vale do Zambeze

 

 

Uma vez que Moçambique não era elegível para receber um apoio significativo dos países socialistas, o Governo procurou a ajuda dos países ocidentais, particularmente dos Estados Unidos. Esta veio acompanhada dos necessárias sinais de que a política do país estava realmente a mudar, nomeadamente pelos primeiros passos em direcção a uma economia de mercado e pelo pedido formal de adesão ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional, assim como, ao nível político, pelos primeiros contactos para negociações de paz com a África do Sul, que representava a principal fonte de apoio às forças anti-governamentais no contexto da guerra civil.

Os Estados Unidos responderam, pois, positivamente aos pedidos de ajuda alimentar desde que fossem aceites exigências específicas. Uma dessas exigências era de que as remessas da ajuda alimentar chegassem aos beneficiários sem ter que passar pelos canais do Estado considerados "suspeitos", nomeadamente a rede estatal de comércio e o DPCCN. O Governo de Moçambique reagiu alegando que a prevenção e o combate às calamidades naturais eram assunto de interesse nacional. Chegou-se por fim a um acordo segundo o qual o DPCCN se encarregaria da distribuição da ajuda alimentar em parceria com uma organização não-governamental norte-americana, a CARE (Concerned Americans for the Reconstruction of Europe). Desta forma a CARE International passou a actuar em Moçambique com um mandato central e muito amplo, que ia da assistência técnica à formação de pessoal e organização do DPCCN, passando pela intervenção directa no sistema de transporte da ajuda alimentar.

A CARE International ajudou a criar, no seio do DPCCN, uma Unidade de Apoio Logístico (LSU, Logistic Support Unit). Enquanto que o DPCCN definia a política de actuação, o LSU funcionava como unidade técnica dotada de meios de rádio-comunicações e de uma frota de camiões para o transporte das remessas da ajuda. A LSU tinha a seu cargo a coordenação técnica, a estatística, a formação de pessoal, e o transporte e armazenamento de mercadorias.

Os impactos negativos combinados da seca e da guerra forçaram o DPCCN a alargar o seu raio de acção. Enquanto que no início havia incidido os seus esforços apenas na província de Inhambane, em 1984 passava a operar em três, e em 1987 chegava já às dez províncias do país. Por esta altura o departamento criou delegações provinciais para coordenar as suas actividades a este nível.

O CCPCCN tornou-se assim numa estrutura pesada que o Governo, em Maio de 1987, procurou transformar, criando em sua substituição a CENE (Comissão Executiva Nacional de Emergência), encabeçada pelo Vice-Ministro do Comércio. Na sequência do surgimento da CENE foram criadas Comissões Provinciais de Emergência (CPE) em todas as províncias, naquilo que era entendido como um sistema mais descentralizado: a CENE estabelecia a sua lista de províncias prioritárias, em termos de actuação, enquanto que as CPE, ao nível provincial, estabeleciam as suas próprias prioridades e coordenavam as operações de ajuda de emergência.

A partir desta altura passou a haver dois organismos coordenadores centrais na CENE. O primeiro era o Conselho Técnico da Emergência (CTE), encabeçado pelo coordenador do CENE e em que participavam as unidades sectoriais de emergência dos ministérios envolvidos, nomeadamente a saúde, educação, agricultura, construção e águas, e transporte e comércio. Ao CTE cabia a identificação, concepção, implementação e controlo dos projectos de emergência. A outra grande estrutura de coordenação era o Comité das Operações de Emergência (COE), também coordenada pelo chefe do CENE e tendo por objectivo assegurar a articulação com os actores internacionais. No COE participavam representantes dos doadores bilaterais, das ONG, das agências das Nações Unidas e das estruturas governamentais (Ratilal, 1989: 77-79; 110-122).

Em finais de 1988, numa altura em que Moçambique havia aderido ao Banco Mundial e revelava já claros sinais de liberalização da sua economia, o Governo convidou diversos parceiros para reflectir sobre a eficácia da logística de emergência de base estatal. Nesta altura a USAID advogou fortemente o envolvimento de operadores de transportes privados, enquanto que parceiros como o Canadá, os Países Baixos e os países nórdicos manifestavam reservas relativamente a uma decisão deste tipo, dado que os operadores privados, actuando numa base comercial, não se mostrariam inclinados a levar a ajuda alimentar às regiões consideradas mais difíceis.

A partir de finais da década de oitenta o Governo procurou impedir o desenvolvimento de estruturas paralelas de emergência, num contexto organizativo já bastante complexo. Foi feito um esforço para integrar as estruturas existentes noutras mais permanentes, no quadro de organismos estatais como os ministérios da Agricultura e do Comércio e Transportes. Ao mesmo tempo, as dificuldades criadas pela guerra levaram o Governo a convidar as ONG a envolverem-se cada vez mais nos esforços de emergência. A partir desta altura foram assinados vários acordos tripartidos entre o Governo, ONG e agências das Nações Unidas, particularmente o Programa Mundial de Alimentação (PMA).

A seca de 1991-92, associada aos problemas de distribuição de ajuda alimentar provocados pela guerra, criou aquela que foi talvez a situação mais difícil no período que se seguiu à independência. O país solicitava, nesta altura, uma ajuda alimentar internacional de cerca de 450 mil toneladas por ano, quantidade que o DPCCN estava longe de conseguir manusear. Foi nesta altura que o PMA criou a sua unidade logística própria (UNILOG). Ao mesmo tempo, e na sequência das conversações que precederam o Acordo de Paz de 1992, foi criado o UNOHAC, departamento de Coordenação da Assistência Humanitária, como componente humanitária da operação de paz das Nações Unidas em Moçambique (ONUMOZ).

A severa seca dos inícios da década de noventa foi um factor muito importante por detrás da forte pressão exercida pelos parceiros externos (particularmente ONG) no sentido do estabelecimento de um acordo de paz entre o Governo e a Renamo. Só um cessar-fogo efectivo tornaria possível a abertura de corredores para que a ajuda de emergência pudesse chegar às centenas de milhar de vítimas.

No período de implementação do Acordo de Paz, entre 1992 e 1994, continuou a existir um vasto campo para as actividades de emergência. Para além do apoio ao repatriamento de 1,5 milhões de refugiados em países vizinhos e ao reassentamento de mais de 4,5 milhões de deslocados internos, as estruturas humanitárias também se envolveram no apoio às vítimas das secas de 1991-92 e 1994-95, e das cheias de 1996.

Contudo, com o final da guerra - sem dúvida a maior causa das situações de emergência no país - a falta de justificação para manter uma estrutura tão complexa como a existente, os problemas de que ela enfermava, assim como as pressões internacionais, levaram a que ela sofresse uma profunda remodelação. Em finais de 1994 o CENE deixou de funcionar e, após um período de discussões com agências das Nações Unidas, representantes de países doadores e de países da SADC, começou a surgir um novo modelo institucional para um organismo muito menor que o DPCCN mas capaz de assegurar a coordenação. Finalmente, em Junho de 1999, foi criado o Instituto Nacional de Gestão das Calamidades (INGC), em substituição do DPCCN.

Para além de assegurar a coordenação das actividades relacionadas com a emergência, é papel do INGC envolver bancos e companhias de seguros como parceiros, e mobilizar empresas e a sociedade civil. O INGC está, como anteriormente, sob a autoridade do Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação.

2.2. A natureza da resposta estatal

O desenvolvimento da resposta do Estado moçambicano às calamidades naturais foi informado por factores de contexto e, também, por um conjunto de opções políticas. Teve, desde a independência, dois grandes períodos: o socialista e o neo-liberal. No primeiro, que se desenrolou até meados da década de oitenta, o contexto predominante foi, sem dúvida, o de uma forte hostilidade com que Moçambique era encarado pelos seus vizinhos rodesianos e sul-africanos, contexto esse que, se não inviabilizou, tornou pelo menos extremamente difícil a implementação de uma política coerente e eficaz neste domínio. Não só porque forçou à secundarização desta questão no rol de prioridades do Estado (ou forneceu justificação para tal) como, também, porque impediu o desenvolvimento de perspectivas regionais para enfrentar problemas com origens em grande parte regionais ou, mesmo, globais. Um exemplo claro disso foi a inexistência de acordos ou concertações sobre a gestão dos recursos hídricos, numa situação em que todos os grandes rios de Moçambique provêm do hinterland e contêm diversas obras de represamento, colocando, portanto, o país à mercê da gestão que é feita dessas obras, em situações de seca ou de cheias.

Quanto às opções políticas iniciais por detrás da estruturação dessa resposta, sobressai claramente uma perspectiva de grande centralização de procedimentos, formalizada no III Congresso da Frelimo e desenvolvida nos anos subsequentes. Uma centralização autoritária que foi fruto, para além do esforço em garantir o controle do território - sob ataque de facto dos rodesianos, e potencial dos sul-africanos -, de factores como o referencial constituído pelos Estados socialistas do tempo da Guerra Fria, a herança do autoritário Estado colonial de que o novo Estado, algo paradoxalmente, se reivindicava a antítese e, também, para alguns, a influência da rigidez hierárquica do poder "tradicional".

Na esfera económica, esta concepção traduziu-se na emergência de uma perspectiva que encarava o progresso como crescimento quantitativo, num cenário dualista em que cabia ao Estado a função de motor, ficando as massas camponesas remetidas a um papel marginal de parceiro atrasado que, entretanto, deveria garantir a sua auto-reprodução. Enquanto o Estado se apossava das melhores terras e das escassas infra-estruturas deixadas do período colonial, alegadamente para modernizar a agricultura e proceder à acumulação que lançaria as bases do desenvolvimento, os camponeses deveriam concentrar-se em aldeias comunais, verdadeiras reservas de força de trabalho para os empreendimentos estatais. Nestes primeiros anos, ao sector estatal foram atribuídos 90% dos investimentos, enquanto que o sector cooperativo beneficiou de uns meros 2% e as famílias camponesas foram completamente negligenciadas.

Neste contexto, as primeiras respostas do Estado independente às frequentes calamidades naturais que atingiam o país surgem não dirigidas especificamente mas subordinadas aos objectivos e esforços decorrentes dessa perspectiva de desenvolvimento que concedia grande prioridade ao controlo político e administrativo da população e do território. Assim, o Estado pressiona e apoia a constituição das primeiras 26 aldeias comunais em Gaza, na sequência das cheias que afectaram o rio Limpopo em 1977, "aproveitando" igualmente as graves cheias que atingiram todo o vale do Zambeze, em 1977-78, para proceder à transferência de populações e impulsionar a criação de novas aldeias comunais. No distrito de Mutarara, por exemplo, um dos mais atingidos pelas cheias nesta altura, foram implantadas sete aldeias em apenas alguns dias, com base em planos trazidos de Maputo e desconhecidos das comunidades locais. Apesar de uma acção autoritária traduzida em pressões ideológicas e frases ambíguas como "intenso esforço de persuasão" ou "mobilização política agressiva", o projecto deparou com uma resoluta resistência popular. Claramente, desenhavam-se duas concepções de segurança face ao risco de novas cheias: enquanto que o Estado impunha a transferência massiva de população para terras mais elevadas junto das estradas (associando o controlo político administrativo à segurança face às águas), com o propósito de garantir a sua segurança, as comunidades relutavam em deixar as zonas baixas das margens do rio onde, apesar dos riscos periódicos de cheia, as terras eram muito mais produtivas, oferecendo portanto maiores garantias contra a fome.

A CIPCNAC, comissão do Estado para implementar este reordenamento, apresentava já dois dos mais importantes traços que viriam a caracterizar as respostas estatais nos anos subsequentes: por um lado, uma crescente centralização das acções (espelhando o funcionamento do Estado noutros domínios, particularmente na economia), e por outro a procura do desenvolvimento de uma capacidade de gestão das situações de calamidade mais do que da sua prevenção. Excluídas de protagonismo na esfera económica, também aqui as comunidades rurais o são.

A criação, em 1980, de uma estrutura estatal mais elaborada - o CCPCCN, com o seu corpo executivo, o DPCCN - faz parte desta "concepção socialista" assente num Estado todo-poderoso que o alastramento da guerra e um episódio severo de seca, em princípios da década de oitenta, só viriam a reforçar. Com ela o Estado procura ser capaz - também aqui "monopolisticamente" - de proteger a sociedade das calamidades naturais. Concorrendo para esta concepção, a agudização da seca e a intensificação da guerra nas províncias do centro-norte e do sul, nos anos que se seguiram, ao desestruturarem seriamente o espaço rural, multiplicando o número de populações refugiadas e deslocadas, altamente vulneráveis, forneceram espaço para a actuação do DPCCN e legitimação para o seu desmesurado crescimento. Os meios vieram do esforço crescente de um Estado apesar de tudo com preocupações sociais, e da multiplicação de doações internacionais.

A adesão de Moçambique ao Banco Mundial e ao Fundo Monetário Internacional, em resultado da acelerada desagregação económica e social que afectava o país em meados da década de oitenta, significou o início de um processo de profunda transformação do Estado socialista, processo esse que só viria a concluir-se já na década de noventa quando, terminada a guerra, o Estado assumiu contornos claros de submissão à dinâmica do mercado. Neste período "cinzento" de transição, o DPCCN resistiu à profunda "infiltração" norte-americana através da CARE International e, à medida que o Estado relutantemente abria espaço para a intervenção humanitária de agências internacionais e organizações não-governamentais, foi-se transformando naquilo que viria a ser no final dos seus dias: uma imensa e ineficaz organização estatal roída pela corrupção e desacreditada aos olhos dos moçambicanos e da comunidade internacional.

Na segunda grande fase da periodização que definimos, após as transformações que se seguiram à implementação dos Acordos de Paz de 1992 e à instituição da democracia multipartidária formal, o Estado ganha características marcadamente neo-liberais, de intermediação entre o mercado e a sociedade. Consequentemente, desaparece a "vocação estrutural" de protecção social que vigorava anteriormente. Nesta fase, a evolução da resposta às calamidades naturais é, igualmente, informada por factores de contexto e opções políticas. Em relação aos primeiros operaram-se, sem dúvida, grandes transformações. Em primeiro lugar, estabeleceu-se um contexto regional e interno de paz que permitiu dissociar mais claramente do contexto da guerra as políticas relativas à ajuda de emergência às vítimas das calamidades naturais. Na ausência de ameaças directas, a sociedade desmilitarizou-se rapidamente e o Estado perdeu a necessidade de controlar administrativamente o território (a luta pelo controlo político ganhou outras formas). Em segundo lugar, a distensão na África Austral permitiu o aprofundamento da cooperação regional e internacional com impacte local, no âmbito da previsão meteorológica e da segurança alimentar. Esta dinâmica nova, sem dúvida muito positiva, não significa contudo uma mudança profunda da atitude estatal na forma de enfrentar as calamidades. De facto, a investigação científica sobre a previsão continua a ocupar um lugar secundário na lista de prioridades estatais que, neste domínio, se situam cada vez mais ao nível da gestão. Na lógica de mercado em vigor, o Estado incide a sua acção no reforço da capacidade de gestão das situações de emergência. O INGC, criado em 1999 para substituir o DPCCN, ostenta na sua sigla a gestão, omitindo significativamente a prevenção. Ao contrário da prevenção, a gestão permite uma angariação de recursos muito mais substantiva, uma comercialização mais directa das acções de emergência (prevista nas linhas de acção do INGC), além de criar a aparência de uma resposta mais eficaz às situações de calamidade.

As opções políticas formuladas neste novo contexto não alteraram substancialmente a relação entre o Estado e as comunidades no sentido de uma intervenção mais participativa destas últimas. Pelo contrário, em certos aspectos acentuaram ainda mais a marginalização comunitária no sentido em que o Estado socialista, apesar de tudo, tinha inegavelmente mais preocupações sociais do que aquele que lhe sucedeu.

3. Comunidades e Calamidades

3.1. Os saberes da comunidade

Decorridos quase trinta anos desde a independência do país, as políticas de resposta às calamidades naturais continuam, pois, a reservar um lugar altamente marginal para as comunidades rurais neste processo. Tal não constitui surpresa, apesar do regime popular saído da luta de libertação nacional, na medida em que corresponde ao lugar também marginal por elas ocupado em outros sectores da vida moçambicana.

E, todavia, poderíamos apontar várias razões pelas quais a situação deveria ser muito diferente a este respeito, sobretudo se se tiver em conta que as comunidades rurais constituem a clara maioria dos moçambicanos (cerca de 80% da população) e, porventura, quem está mais exposto aos efeitos negativos dos acontecimentos climáticos extremos.

Mas existem também razões económicas na medida em que, sendo Moçambique um país eminentemente agrícola, as comunidades rurais praticam como actividade principal uma agricultura doméstica que é responsável pela maior parte das culturas alimentares.

A agricultura doméstica é, em termos gerais, uma agricultura de sequeiro sobre queimada que utiliza a enxada como instrumento de trabalho principal e opera num sistema de campos activos e em pousio. Porque depende grandemente das condições de pluviosidade e da fertilidade do solo, trata-se de uma agricultura que mantém um equilíbrio delicado e vital com o ambiente. A sua viabilidade depende, pois, por definição, da extrema atenção que os seus agentes prestam às variabilidades climáticas.

Podemos considerar o conhecimento local relativamente a estas variabilidades climáticas a dois níveis. Em primeiro lugar, o nível que integra um capital de saberes transmitido socialmente ao longo do tempo, construído a partir da observação, da repetição e da cadência de fenómenos, e baseando a acção e a pequena prevenção. Historicamente, este nível baseou critérios de instalação das aldeias (sobretudo perto da água), e de apuramento não só da fertilidade da terra mas, também, do comportamento dos rios, da ameaça ou benefício representados por determinado tipo de chuvas, dos sinais secretos contidos, por exemplo, no surgimento de determinadas pragas de insectos ou de determinados tipos de ventos, para formular as previsões (e prever é a forma por excelência de garantir a segurança).

As comunidades do Alto Zambeze constituem um bom exemplo da construção e utilização destes saberes de utilização dos recursos e previsão do futuro. A língua tauara, na margem direita do rio, distingue com grande precisão os tipos de terras, nomeadamente as terras directamente irrigadas pelos rios (‘gombe’, consequentemente muito disputadas), e as terras do interior (‘kunja’), ocupadas quando não há espaço nas primeiras. A escolha dos terrenos depende, também, do conhecimento de indicadores específicos de fertilidade ou adequação a determinadas culturas, como por exemplo a presença ou ausência de determinados tipos de árvores ou capins. Além da adequação dos solos, a escolha das culturas a desenvolver depende também, o que é muito importante, de critérios de previsão do sucesso dessas mesmas culturas, principalmente no que respeita à água. Assim, por exemplo, em certas zonas consideradas muito aptas para o cultivo de mapira esta pode, em anos de previsão de seca, ser substituída pela mexoeira, menos exigente em relação à água e com ciclo de maturação mais rápido; ou pelo milho, porque a experiência diz que a mapira é muito mais vulnerável a certo tipo de pássaros predadores locais (Oliveira, 1976: 32 e passim).

Evidentemente que este capital de conhecimentos se constrói e é utilizado no contexto de tensões concretas de poder, em que quem o detém assegura preponderância sobre a maioria que dele é suposta beneficiar. Para além dos saberes "comuns" há, também, o nível dos conhecimentos ritualizados, cuja construção é realizada também historicamente (por acumulação e adaptação), e cujo acesso e manipulação dependem de regras e códigos específicos. Os tauara fazem parte do complexo de povos shona cuja estrutura de conhecimentos, a este nível, assenta na crença que o espírito de determinados indivíduos, depois de mortos, pode encarnar num animal, sendo preponderante o que encarna no leão (‘m’phondoro’). O espírito encarnado volta ao contacto com a comunidade por intermédio de um médio, o ‘mvula’, cujo estatuto é exclusivo e socialmente reconhecido. É, portanto, por meio deste médio do ‘m’phondoro’ que o espírito predominante aconselha a comunidade nas decisões difíceis ou de vital importância, sobretudo quando estão em causa as culturas agrícolas e tudo o que se relaciona com a água. Não é por acaso que o termo ‘mvula’ designa, indistintamente, o médio do espírito e a chuva.

Na margem norte do rio, o complexo de povos marave realiza regularmente cerimónias propiciatórias da chuva, no final da época seca, num contexto cosmogónico em que natureza, sociedade e culto constituem uma tríade indivisível. As cerimónias são efectuadas em pequenos santuários de aldeia, realizando-se em santuários maiores e mais centralizados no caso de secas graves. Aqui, o espírito pode estar ‘adormecido’ durante longos períodos, só aparecendo através do médio quando surgem situações de crise provocadas por calamidades naturais ou por ofensas graves contra a ordem social ou contra o culto (Schoffeleers 1992: 61, 80). A chuva é considerada um bem comum que só pode ser obtido pelo chefe territorial (político), que para tal convoca o médio do espírito. Assim, segundo Schoffeleers (1997: 64-5), as cerimónias propiciatórias da chuva incluem o reconhecimento dos poderes do chefe e a dependência do povo em relação a ele. Só o chefe, e mais ninguém, pode pedir a chuva, e se ela não vier a culpa é dele (ou de um dos seus súbditos), e só o chefe pode remediar o problema.

Assim, uma estrutura de conhecimento (e sua organização social) que é considerada a partir do exterior como formada por elementos de natureza mágico-religiosa sem eficiência material no tratamento da realidade concreta é, para as comunidades do Alto Zambeze, pelo contrário, absolutamente fundamental na organização do conhecimento da realidade material e na manutenção da ordem social (Oliveira, 1976: 99). E a significância desse conhecimento repousa num nível, ainda que mínimo, de eficácia, quer sejam conhecimentos objectivos retirados da experiência, quer conhecimentos ritualizados nos quais a comunidade objectivamente acredita.

Importa ainda referir duas características importantes deste corpo de saberes populares. Uma é a sua extrema diversidade de região para região - correspondendo, afinal, à adaptabilidade que resulta da referida atenção extrema aos fenómenos climatéricos que uma cultura material dependente da agricultura precisa para poder reproduzir-se. A segunda característica é a sua flexibilidade e adaptação à mudança, tanto dos saberes "comuns" quanto dos ritualizados.

3.2. O confronto entre o Estado e as comunidades

Sem dúvida, a eficácia destes saberes para prever e defender as comunidades locais das calamidades naturais é muito relativa e terá sido muito maior no passado, quando as condições ecológicas eram mais favoráveis, a densidade de ocupação do território muito mais baixa, e quando eles podiam ser exercidos como totalidade.

Todavia, vários factores contribuíram historicamente, nos últimos cem anos, para limitar a capacidade de resposta das comunidades às calamidades naturais, grande parte deles resultantes de um confronto de interesses desigual entre o Estado e essas mesmas comunidades, sobretudo no período do processo de submissão à ordem colonial mas, também, naquele que se seguiu à independência, a partir de 1975.

No primeiro, o Estado colonial, no decorrer do processo de dominação, procedeu à desarticulação política das unidades existentes, retirando-lhes a condição de totalidade e alterando radicalmente as relações de poder e os laços familiares que regulavam não só as normas de acesso e gestão dos recursos do ambiente como estruturavam toda a actividade produtiva. Ao fazê-lo, determinou não só aquilo que as comunidades não podiam mais ser mas aquilo que elas teriam que passar a ser, numa dinâmica em que aquela desarticulação foi acompanhada de uma dupla ruptura das comunidades: por um lado com o seu território (conhecer o comportamento do clima significa conhecê-lo a partir de um território e condições particulares) e, por outro, com as suas redes organizativas internas, erodindo o corpo de saberes comunitários aos níveis atrás mencionados, dos conhecimentos empíricos e dos conhecimentos ritualizados.

O Estado colonial exerceu este impacto de diversas maneiras. Em primeiro lugar, implementou, frequentemente de forma violenta, políticas de controlo político-administrativo e de integração da força de trabalho rural que implicaram operações maciças de reordenamento populacional, de transferência de aldeias inteiras para territórios por vezes vizinhos mas, também frequentemente, distantes e desconhecidos. Concentrações algodoeiras, ‘compounds’ de trabalhadores nos empreendimentos agrícolas coloniais, aldeamentos no contexto da guerra colonial ou, mesmo, migração para os bairros pobres nas periferias urbanas, todos estes processos consistiram na transferência e concentração de populações em unidades maiores, que desarticularam as comunidades e lhes retiraram a sua arma estratégica mais fundamental na resposta aos desastres climatéricos: a ligação ao território e o ordenamento disperso.

A concentração da população em aglomerados maiores e localizados segundo critérios exteriores às próprias comunidades, significou uma síndrome induzida de sobre-população, tornando a terra mais escassa e o acesso a ela mais difícil e distante (normalizando e reduzindo a extensão dos campos de cultura), fazendo a água mais rara, reduzindo e sobrecarregando os pastos. Este fenómeno de concentração produziu, também, números maiores de vítimas à passagem de um ciclone ou quando as águas de um rio subiam repentinamente.

Ainda no âmbito das vulnerabilidades induzidas pelo factor colonial neste domínio, há a considerar todas as formas de trabalho forçado e de culturas obrigatórias. As primeiras porque retiraram sistematicamente às famílias os varões adultos, desarticulando o nível comunitário na base e enfraquecendo a sua capacidade de antecipação na resposta as variabilidades do clima. As segundas acentuaram esta dinâmica de maneira particularmente perversa, na medida em que, por exemplo, a introdução obrigatória e generalizada da cultura do algodão retirou, de forma absoluta, espaço e tempo às culturas alimentares, reduzindo drasticamente as reservas alimentares descentralizadas e introduzindo fomes cíclicas e crónicas. Numa sociedade ainda liberta do paradigma da acumulação, as reservas alimentares tinham certamente o importante sentido de garantir a segurança face às pragas e as secas. A sua redução estrutural e generalizada tornou obviamente as comunidades muito mais vulneráveis às calamidades naturais, particularmente à mais devastadora de todas, a seca.

A ruptura trazida pela independência não alterou esta situação de desmuniciamento progressivo e acentuado das comunidades rurais face às situações de crise provocadas pelas calamidades naturais. Pelo contrário, acentuou-a ao introduzir dois novos elementos, nomeadamente o desenvolvimento de uma política agrária do novo Estado que intensificou de maneira sem precedentes o reordenamento populacional (e, portanto, o desenraizamento e a concentração) e o alargou a todo o país de forma sistemática e planeada, e a irrupção da guerra civil.

As novas aldeias comunais trouxeram de volta grande parte das dificuldades que os aldeamentos coloniais haviam imposto às comunidades rurais alguns anos antes, acentuando-as com elementos novos. O mais importante, para além da intensificação da concentração, foi, sem dúvida, a introdução de formas colectivas de produção impulsionadas pelo Estado. Algo paradoxalmente (porque emanadas de um Estado que se auto-designava de popular), estas formas, com um sentido mais político-ideológico que económico, significaram uma poderosa e desigual competição com a já fragilizada agricultura camponesa, na medida em que ocuparam as melhores terras (marginalizando aquela em terras mais pobres e distantes) e procuraram retirar força de trabalho às culturas familiares, de que precisavam para os empreendimentos agrícolas estatais. Assim, as políticas do estado socialista elevaram os níveis de concentração do ordenamento populacional (tornando os núcleos populacionais mais vulneráveis às cheias) e dificultaram ainda mais a agricultura doméstica (reduzindo as reservas alimentares e tornando, assim, esses núcleos mais vulneráveis às secas).

Finalmente, ambos os Estados - o colonial e o socialista - combateram com igual energia e intolerância os conhecimentos ritualizados das comunidades locais. O primeiro, porque eles constituíam um obstáculo à penetração cristã, ilegalizando-os e criminalizando-os se sob eles recaíam suspeitas de poderem cristalizar ou potenciar formas de resistência à ordem colonial, ou simplesmente neutralizando-os através da sua integração no espaço do folclórico e do exótico. Quanto ao Estado socialista, a sua atitude baseou-se num racionalismo positivista que estigmatizou como "obscurantistas" e, portanto, fortemente criminalizados e consequentemente reprimidos, todos os fenómenos de explicação ritual do comportamento da natureza com base local e fora dos seus cânones. Esta atitude foi reforçada pela identificação que o Estado socialista fez destes conhecimentos com o chamado poder tradicional, encarado com forte suspeita pelo seu passado de convivência estreita com o poder do Estado colonial ao nível da base.

Mais uma vez, as comunidades tauara da margem sul do Alto Zambeze constituem um bom exemplo de como este longo processo de confronto entre lógicas estatais e lógicas comunitárias resultou em grave fragilização destas últimas. Como muitas outras comunidades, os tauara começaram a emigrar desde inícios do século XX, sobretudo para a Rodésia do Sul, em resultado da conjugação de factores centrífugos, na colónia, e de atracção por parte das agro-indústrias e mineração emergentes nos territórios coloniais vizinhos. Esta tendência, acentuada a partir da década de 1930 pelo Estado Novo de Salazar, transformou a região numa mera reserva de mão-de-obra pela qual competiam os territórios estrangeiros e a economia de plantação que surgia na colónia. Algumas décadas mais tarde, esgotada e empobrecida, a região ganhou elevado perfil estratégico com o início da luta nacionalista pela independência, devido a diversas razões, nomeadamente como corredor de passagem dos guerrilheiros da Frelimo para sul do rio Zambeze (onde se construía a barragem de Cabora Bassa) e para o centro de Moçambique, e como corredor de trânsito de guerrilheiros zimbabweanos que lutavam contra a ordem colonial na Rodésia. Consequentemente, as comunidades tauara foram submetidas a um intenso programa colonial de reordenamento, decorrente de considerações estratégicas militares de contenção dos guerrilheiros, mas, também, ligado à perspectiva de enchimento da albufeira de Cabora Bassa, no quadro da construção da barragem que estava em curso.

No decorrer deste programa, foi grande a tensão entre as suas duas principais entidades promotoras. Por um lado, o Gabinete do Plano do Zambeze (GPZ) que, na perspectiva do enchimento da albufeira de Cabora Bassa, realizava estudos com vista ao restabelecimento das populações cujas áreas viriam a ficar submersas - estudos demorados que incluíam a identificação de zonas férteis, com acesso a água e, também, considerações culturais. Por outro lado, o Governo do Distrito de Tete e as forças de defesa e segurança, que dada a aproximação da guerrilha tinham urgência em concluir a formação de aldeamentos para impedir os contactos entre guerrilheiros e populações, não se compadecendo portanto com a demora que os estudos do GPZ implicavam. Prevaleceu, no final, o segundo critério, e a população da área abrangida - entre quinze e vinte e cinco mil habitantes - foi reordenada em novas aldeias cuja localização foi determinada sobretudo por critérios militares, impondo sobre estas comunidades o duplo efeito negativo da concentração e do descentramento, para além do efeito da guerra que rapidamente se alastrou, particularmente intensa e internacionalizada nesta zona.

As comunidades formadas pelas dezenas de milhares de pessoas deslocadas devido ao enchimento da albufeira de Cabora Bassa não foram interlocutoras neste processo, que ocorreu no ano de 1974 e provocou uma profunda alteração ecológica na região. Essa alteração criou um contexto inteiramente novo, forçando uma adaptação radical do corpo de saberes empíricos. Um regime do rio que era "vivo", no qual se sucediam secas e cheias com um padrão de relativa regularidade que as sucessivas gerações de comunidades ribeirinhas aprenderam a conhecer e, à sua maneira, interpretar e prever, foi sucedido por uma albufeira de regime "morto", sem variações padronizadas (em que, por exemplo, as variações não têm qualquer relação com as estações do ano), em que a política de manutenção do nível de águas nada tem a ver com as necessidades dessas mesmas populações mas, exclusivamente, com critérios de produção de energia eléctrica. Consequentemente, teve lugar uma progressiva ‘desaprendizagem’ de comportamentos particularmente em relação às pequenas e periódicas cheias e aos procedimentos comunitários de emergência face a cheias extraordinárias. Esta erosão de saberes empíricos foi acompanhada de uma erosão correspondente dos saberes ritualizados, adivinhada, por exemplo, no facto da albufeira de Cabora Bassa ter submergido o túmulo de Kanyemba, situado em Malima, afectando gravemente os cerimoniais do culto e seu impacto prático na previsão do tempo.

Finalmente, este processo de degenerescência da capacidade de resposta comunitária face às calamidades naturais atingiu o seu ponto mais alto com o alastramento da guerra civil, generalizada praticamente a todo o território a partir da primeira metade da década de oitenta, e que viria a durar mais de uma década. Ela operou o mais gigantesco processo de deslocamento populacional ocorrido em Moçambique, afectando cerca de 40% da população entre refugiados nos países vizinhos e deslocados internos para as cidades e regiões mais seguras, completando o processo de ruptura das comunidades com os seus territórios. Em resultado da desestruturação operada, os saberes populares (que não resistem à descontextualização e à ausência da sua prática) foram ainda mais erodidos e as comunidades rurais perderam praticamente por completo a capacidade de se instituírem como interlocutoras nas acções nacionais de resposta às calamidades naturais.

Em resultado de um processo de transição para o qual concorreram pressões internacionais, o desfecho da guerra civil e, também, a crítica interna do anterior Estado socialista, o Estado mudou profundamente de natureza e de políticas, reduzindo drasticamente os domínios da sua intervenção (à medida que privatizava largos sectores de funcionamento da sociedade), e abandonando a vocação social que detinha anteriormente para procurar assumir uma nova vocação de facilitador do funcionamento do mercado, em suma, assumindo uma nova natureza neo-liberal. No campo, esta nova ordem criou uma situação ainda hoje não estabilizada, cujas linhas de força são a competição desigual pela ocupação das terras entre interesses comerciais e as comunidades rurais que se procuram reconstituir após a gigantesca dinâmica de refúgio e deslocamento provocada pela guerra.

Na área das estratégias de resposta às calamidades naturais o Estado actual desmantelou o DPCCN, um aparelho que, fruto da centralização, crescera para além dos limites do "manuseável" e se revelava não só ineficaz e caro mas, também, roído pela corrupção. Em sua substituição criou, em 1999, o INGC, um aparelho que resulta de um consenso interno e da intervenção de agentes externos (agências das Nações Unidas, serviços de cooperação bilateral como a USAID norte-americana e, também, organizações não-governamentais).

Todavia, o consenso interno que está na base da formação do INGC é um consenso obtido no interior do próprio Estado ou de sectores que lhe estão próximos, um consenso onde, de qualquer maneira, não houve certamente lugar para uma participação tangível das comunidades rurais. Em resultado, o INGC surge como estrutura que, ao invés da procura de uma estratégia original de resposta às calamidades naturais baseada na parceria entre o Estado e as diversas organizações da sociedade civil com as comunidades rurais, favorece antes a conjugação de técnicas internacionais de gestão de situações de desastre - em detrimento da prevenção -, com elementos residuais da anterior estratégia, nomeadamente a incidência numa gestão ainda demasiado centralizada.

Certamente, grandes passos foram dados, nos últimos anos, no desenvolvimento da cooperação regional relativa aos sistemas de prevenção, sobretudo no que respeita às componentes meteorológica e hidrométrica. Todavia, o alcance de tais avanços, traduzível em previsões muito frequentes e de grande detalhe e fiabilidade, tem sido contrariado pela fragilidade do serviço meteorológico nacional, relativamente marginal no quadro do aparelho do Estado e debatendo-se, consequentemente, com graves problemas de falta de quadros e meios de participação nesses sistemas.

As dificuldades que a prevenção encontra em conseguir um lugar central na estratégia revelam a falta de indigenização das perspectivas actuais: enquanto que a prevenção exige investimentos relativamente avultados, planeados e sem retorno em termos financeiros, a gestão das situações de desastre pode ser alimentada por uma muito mais fácil angariação internacional (e nacional, no seio da sociedade civil) de recursos, dado que a muito maior visibilidade daquelas desperta sentimentos humanitários e de urgência mais fortes.

4. Para uma nova relação na estratégia de resposta às calamidades naturais

A história recente tem mostrado um aumento consistente da intensidade e frequência das calamidades naturais em Moçambique, com um correspondente agravamento da perda de vidas e destruição de bens, num grau tal que tem afectado profundamente o crescimento económico, social e cultural do país. São duas as causas principais desta situação: por um lado, as alterações climáticas que estão a ocorrer à escala global e, particularmente, na região da África Austral; por outro, o acentuado enfraquecimento da capacidade de resposta dos moçambicanos, particularmente daqueles que habitam o campo, em resultado dos efeitos nefastos de políticas coloniais e pós-coloniais.

Embora emanadas por Estados de sinal contrário (o Estado colonial e o Estado socialista) ou muito diverso (o Estado socialista e o actual Estado neo-liberal), estas políticas têm um denominador comum, assentando todas elas num princípio de extrema centralização em que o Estado equaciona e procura resolver os problemas, cabendo à maioria da população o papel de espectadora e executora das linhas de acção traçadas.

A centralização, nesta perspectiva, pressupõe que o Estado é, por si só, capaz de enfrentar e resolver os problemas o que, no caso da resposta às calamidades naturais, os acontecimentos recentes têm mostrado ser cada vez mais duvidoso. De facto, apesar dos esforços para melhorar as políticas de resposta estatais, nomeadamente com a criação do INGC na sequência da análise dos erros do DPCCN, e com um maior esforço de coordenação, as cheias de 2000 e 2001 revelaram as graves fragilidades do Estado neste domínio. E não poderia ter sido de outra forma uma vez que Estados bem mais estáveis, antigos e poderosos, em termos de recursos e meios humanos, se têm revelado, por si sós, incapazes de fazer face a catástrofes destas dimensões.

Pelo contrário, a melhoria das condições de resposta só poderá surgir de uma perspectiva inteiramente nova, assente nos princípios conjugados da descentralização (por oposição à tradição de centralização) e da prevenção (por oposição à tradição de incidência na capacidade de reacção).

O actual programa do governo dedica duas páginas ao processo de descentralização (Governo de Moçambique 2000a: 91-3), nas quais a descentralização surge confundida com a edificação do aparelho de Estado ao nível local. Todavia, é necessário considerar o conceito numa perspectiva mais ampla, que inclua não só a edificação do Estado, a nível local e com base em forças locais mas, também, o envolvimento de sectores e forças sociais exteriores ao próprio Estado.

Em primeiro lugar, porque tal envolvimento cria condições para fortalecer a perspectiva da prevenção que depende, para além da mobilização dos conhecimentos formais que circulam nos canais estatais, dos conhecimentos produzidos fora deles e, também, dos saberes populares. Só assim o Estado cria condições de abertura que lhe permitam integrar, para além dos primeiros (produzidos por órgãos próprios ou canalizados através de redes internacionais e regionais), a investigação produzida em centros de pesquisa, universidades privadas e outros sectores da sociedade, assim como o conhecimento popular. A integração deste último, para além de reforçar as garantias de participação popular na prevenção, complementa o conhecimento científico formal que, no campo da previsão, está longe de ser infalível e absoluto devendo, portanto, afastar-se de uma postura positivista e exclusivista para poder acolher novas perspectivas e interpretações.

Mas há outra dimensão da importância dos saberes populares. Onde estes existem, a sua eficácia objectiva assenta não só na capacidade de leitura e descodificação empíricas de sinais da natureza e sua transmissão social mas, também, no facto de, para além da experiência quotidiana, a sua ritualização lhes conferir elevada credibilidade aos olhos da comunidade, o que os torna poderoso elemento de mobilização popular para as acções de resposta preventiva às situações de calamidade.

Uma comunidade mobilizada não é um mero depósito de avisos de iminência de situações de calamidade, mas aquela que reage como sujeito nas situações de prevenção, procurando refúgio quando sabe que há cheias ou reforçando as reservas alimentares perante a aproximação de uma seca.

Assim, o novo lugar que as comunidades devem ocupar na estratégia de resposta às calamidades naturais implica o estabelecimento de mecanismos de aviso prévio e de gestão de situações de crise a nível local, incluindo o estabelecimento de serviços locais de protecção civil, controlados localmente e coordenados verticalmente com as instâncias provincial e nacional. Tais mecanismos, que incluem sistemas de monitorização de cheias e rotas de fuga para zonas mais seguras, assim como sistemas de antecipação de situações de seca, permitem que as comunidades representem um papel mais activo. Elas podem, assim, tornar-se parceiros eficazes do Estado, percebendo com maior rigor os avisos de iminência de calamidade emanados centralmente e, no sentido inverso, gerindo as estações implantadas localmente para alimentar o sistema de previsão meteorológica.

Os erros do passado mostram que um ordenamento populacional imposto a partir do topo e segundo critérios e interesses exteriores às comunidades visadas traz resultados profundamente nefastos. Além disso, retirar as populações das áreas mais ricas e bem irrigadas em nome da segurança face às situações de cheia, é impraticável: as bacias dos rios e outras zonas baixas, economicamente mais produtivas e que concentram mais população, não podem ser abandonadas definitivamente devido a ameaças episódicas de cheias. Por outro lado, a edificação de obras de engenharia que garantam a segurança das populações nestas áreas é incomportável, pela dimensão que teriam que ter. Assim, a única solução reside num sistema eficaz de aviso prévio altamente participado a nível local.

Por outro lado, a coordenação não se trata apenas de um exercício de boa vizinhança ou intercâmbio de informações entre departamentos, aos níveis mais elevados do aparelho do Estado. Inclui, antes, a procura de um funcionamento coerente que pressupõe, por parte do Estado, uma elevada eficácia e um espírito aberto e integrador. Assim, por exemplo, a definição das políticas agrárias e de ordenamento do território deve ter em conta, e procurar contrariar, o processo que, historicamente, tornou as comunidades mais vulneráveis às situações de calamidade. Da mesma maneira, definindo a Constituição que a segurança dos cidadãos faz parte da política de defesa, e sendo o conceito de segurança legitimamente expansível para abarcar todos os tipos de ameaça, incluindo as ameaças extra-militares, a missão das forças armadas deve incluir explicitamente a disponibilização dos seus serviços médicos, de logística e engenharia para protecção dos cidadãos em caso de situações de calamidade e em coordenação com os serviços de protecção civil.

Os princípios da descentralização e da coordenação constituem um profundo desafio à verdadeira natureza do Estado actual. Significa isto que o Estado terá que abdicar de instâncias importantes do seu poder de decisão e restringir o âmbito da sua intervenção, reforçando correlativamente o nível do poder e intervenção locais.

Actualmente, o Estado neo-liberal parece fazê-lo não em favor da larga maioria (que não lhe garante retornos tangíveis a não ser, potencialmente, níveis mais elevados de legitimidade), mas sempre que o espaço que cede passa a ser ocupado pelas forças do mercado. Significa isto também que o Estado, embora aceda a articular políticas circunstanciais de gestão de situações de crise, dificilmente estará disposto a elevar a coordenação ao nível, por exemplo, da alteração de políticas agrárias para que as comunidades possam ser protegidas dos interesses comerciais que as desalojam das melhores terras, empurrando-as para os espaços marginais onde se tornam mais vulneráveis às calamidades.

O reforço do poder local pressupõe, assim, a procura de parcerias coesas entre forças locais que, a partir de baixo, possam pressionar as instâncias mais elevadas do Estado no sentido destas mudanças. Ele introduz uma dimensão que está muito para além da questão da procura de uma nova estratégia de resposta às calamidades naturais. Talvez esteja aqui - na tensão e no diálogo entre as comunidades, a sociedade civil e as estruturas de base do Estado - o início de um caminho ascendente que leve àquilo que Sousa Santos (1998: 34) designou de "Estado-novíssimo-movimento-social", abrindo espaço à edificação de um Estado em que a actual incidência na acumulação elitista da riqueza e no descomprometimento com o futuro sejam substituídos por preocupações com a solidariedade, o bem-estar e a segurança de todos os moçambicanos. Uma segurança que permita prever com antecipação operacional (para lhe atenuar os efeitos) e gerir com coerência e eficácia o resultado tantas vezes catastrófico das calamidades naturais.

 

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