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María Teresa Uribe de H.

Emancipação social num contexto de guerra prolongada: o caso da Comunidade de Paz de San José de Apartadó

(texto não editado)

 

Introdução

O propósito deste capítulo é o de apresentar a experiência duma pequena povoação chamada San José de Apartadó - situada na região do Urabá, Colômbia - que, perante a intensificação do conflito armado no seu território e o subsequente deterioramento da vida em comum, decidiu adoptar uma estratégia de resistência civil e desarmada contra a guerra e pelo direito a permanecerem nas suas parcelas e nos seus lares, comprometendo-se mediante um pacto público a não se envolver com os actores armados, incluindo os do próprio Estado.

A declaração como comunidade de paz conduziu este grupo heterogéneo de colonos a recuperar a autonomia para decidir livremente sobre as suas vidas, a emancipar-se dos poderes verticais e autoritários que tinham vindo a gravitar sobre ele, a instituir a sua própria organização e a tornar-se visível na esfera pública estabelecendo relações com instituições nacionais mas, antes do mais, com entidades não governamentais e com governos estrangeiros dedicados à protecção de bens públicos universais.

O presente capítulo consta de quatro secções. A primeira ocupa-se do contraponto soberania em perigo / autodeterminação social; o primeiro termo desta dualidade permite apreender a natureza do conflito armado no país e na aldeia, cujo devir configura a urdidura sociobélica na qual os habitantes de San José articulam a acção colectiva e as suas estratégias de resistência; o segundo termo, a autodeterminação, é o que permite interpretar e dar sentido à acção e às estratégias dos moradores que no acto de se rebelarem contra os poderes autoritários e em disputa e de se emanciparem da ordem política que os oprimia, redescobrem novas formas de produção de poder e subscrevem inovadores pactos sociais que renovam as formas tradicionais da democracia participativa.

A segunda secção aborda de maneira sintética a urdidura sociobélica no contexto da região do Urabá; o significado de um estado de guerra prolongado e a sua incidência na constituição de ordens fácticas alternativas com pretensão soberana e hegemónica sobre territórios e colectivos locais. San José de Apartadó, sendo um caso entre vários, permite apresentar a importância da estratégia de comunidade de paz, adoptada pelos seus habitantes, em contraposição com a de outros lugares que, com uma história similar, sucumbiram perante o embate da intensificação da guerra e tomaram a via do exílio.

A terceira secção ocupar-se-á da descrição do processo de declaração de comunidade de paz, as acções e reacções dos diferentes grupos que se defrontam e/ou cooperam na localidade, do desenvolvimento do processo, os seus avanços e retrocessos durante os quatro anos de vigência deste propósito colectivo.

Na quarta secção tentar-se-á apresentar uma reflexão acerca do significado, sentido e alcance das acções reivindicativas e discursos emancipatórios dos moradores, indagando de que maneira essas acções e discursos podem revelar novas formas de fazer e pensar a política, ou de estabelecer outros vínculos de nação, de cidadania e de cooperação internacional.

 

 

 

1. O contraponto soberania em perigo / autodeterminação social.

O contraponto soberania em perigo / autodeterminação social pode contribuir para desvendar o significado e o sentido dessa luta persistente, desarmada e corajosa em que estão embrenhados os habitantes de San José de Apartadó. A soberania é um conceito filosófico, canónico, de conteúdos fixos e atributos substantivos, nomeadamente a exclusividade, indivisibilidade, permanência e totalidade do poder; atributos que sustentam as pretensões de legitimidade e hegemonia nos Estados modernos, sendo a soberania o que permite às entidades estatais exercer o poder, exigir a submissão e a obediência por parte de quem habita um território interno, bem como solicitar o reconhecimento internacional, a representação do conjunto da Nação e o respeito pela sua própria autonomia para decidir sobre os assuntos internos sem interferências (Badie, 2000: 43).

Porém, estes atributos podem ser ameaçados por processos bélicos internos, por intervenções directas do exterior ou por estratégias de resistência e revolta de diversos grupos e actores sociais desarmados que manifestem desacato ao poder institucional público.

A particularidade do confronto armado na Colômbia, a simultaneidade de conflitos de diferente ordem que se entrelaçam de forma distinta nas suas regiões, a co-implicação de actores bélicos, delinquentes e diversos actores sociais, a prolongada duração da guerra e as suas conjunturas de intensificação revelam que o Estado colombiano, apesar de possuir os atributos substantivos da soberania (poder último, total, indivisível e exclusivo) e de contar com o reconhecimento internacional, carece de poder e capacidade para instaurar uma ordem política comum consensualmente aceite ou violentamente imposta em todo o território nacional (Uribe, 1998). Por outro lado, apesar de ostentar a representação internacional do país, esta é desafiada por processos de cooperação e protecção de bens públicos universais que põem em relação directa e sem mediação estatal fragmentos do território nacional com actores internacionais de carácter muito diverso.

A natureza do conflito armado colombiano remete-nos para a fragilidade da soberania estatal e faz-nos duvidar da omnipresença do Estado em todo o território e da indivisibilidade da República. Introduz ainda dúvidas razoáveis acerca da sua omnipotência ou capacidade para pôr fim às hostilidades e violências entre cidadãos e para construir uma sociedade pacificada e desarmada, invertendo os termos da equação soberania / guerra declarada (Hobbes, 1980: 22-45). Se a soberania é frágil ou colocada em perigo em muitos territórios e entre vários agrupamentos sociais, isto quer dizer que o poder supremo se disputa nos espaços da guerra e é aí que se definem as competências, os domínios, as primazias, as obrigações e os compromissos dos cidadãos. Tratar-se-ia pois de uma guerra não declarada, que se trava pelo poder soberano na Nação; por outras palavras, uma guerra pela construção nacional em tempos de globalização (Uribe, 1999).

A guerra não declarada ou o estado de guerra quase permanente (Schmitt, 1997: 31) é um eixo da vivência histórica da Colômbia e, se a soberania do Estado é ameaçada durante lapsos temporais prolongados e tem uma presença desigual nas regiões, poder-se-ia pensar numa sociedade caótica e desordenada. Mas tal não acontece porque à sombra das dinâmicas bélicas entrecruzadas vão-se configurando ordens fácticas alternativas, poderes não institucionais que mantêm durante longo tempo, nos territórios por eles controlados, o mando e a capacidade de tomar decisões soberanas, uma vez que dispõem do monopólio das armas, dos impostos e do domínio sobre a população residente. Estes poderes fácticos não institucionais definem e controlam territórios com pretensão de exclusividade e permanência, demarcando fronteiras geográficas que subvertem na prática as divisões do regime territorial nacional, proporcionam ordem e organização às populações, incitam à obediência e logram algum consenso, bem como formas embrionárias de representação política (Alonso e Vélez, 1998).

A co-implicação de uma ordem política institucional legal, que possui os atributos formais da soberania em toda a nação, com outros poderes políticos fácticos de dimensão regional e pretensão de legitimidade e domínio exclusivo, sustentados pela força das armas, acaba por configurar uma competição de soberanias que desemboca num conflito aberto cada vez mais profundo pela construção nacional, uma guerra aparentemente arcaica, travada no mundo ocidental nos séculos XVIII e XIX, mas supostamente extemporânea em tempos de globalização.

Nesta urdidura bélica configurada pela disputa pela soberania entre actores armados (contra-institucionais - guerrilha -, para-institucionais - paramilitares - e institucionais -exército), nesta imbricação de ordens alternativas com pretensão soberana, as populações afectadas, colocadas em situação limite pelos avatares da guerra, vão desenvolvendo estratégias emancipatórias desarmadas que desafiam tudo e todos e vão configurando formas de autodeterminação social em cujo devir acabam por descobrir outros modos de produção do poder, reconhecendo-se neles, tornando-se visíveis no mundo público nacional e internacional e renovando as práticas democráticas e participativas mediante pactos socioeconómicos e ético-políticos, entrando também por esta via e de outra forma na disputa pela soberania.

A autodeterminação alude à capacidade que possui um colectivo social para se emancipar de poderes hegemónicos, ou pretensamente hegemónicos, percebidos por eles como opressivos, discriminatórios e injustos e que de alguma maneira estariam a condicionar o livre exercício da vida em comum, a lesionar a sua dignidade, a infringir os seus direitos ou a pôr em risco a suas vidas, os seus haveres e os seus bens colectivos (Arendt, 1974: 233-319). Desta perspectiva, autodeterminar-se implica assumir livremente e sem interferências o próprio devir como povo e como conjunto social; decidir sobre as regras da convivência e sobre o tipo de ordem política que se achar mais adequado, consultando a vontade geral ou a vontade da maioria consoante o caso; criar os aparelhos administrativos ou de gestão necessários para pôr em acção a ordem política adoptada e para preservar o que esse colectivo tiver definido como o seu património cultural e histórico.

A autodeterminação, tal como foi pensada pelas ciências sociais tradicionais (Miller, 1997: 149), parecia conduzir inevitavelmente à independência política, à fundação de um Estado soberano, próprio e distinto, que representasse o colectivo tanto no contexto interior como no externo. Não obstante, a emergência no cenário público de actores sociais portadores de reivindicações específicas associadas ao reconhecimento das diferenças de género, idade, etnia, cultura, desenvolvimento desigual ou condição social, entre outras, obrigou a redefinir os conteúdos da autodeterminação política em termos de transversalidade e alta complexidade. Estas lutas pelo reconhecimento já não têm como destino teleológico a fundação de um Estado moderno, mas estão antes a possibilitar o advento de uma nova matriz política que já não seria centrada no Estado, mas descentrada, com múltiplos pontos nodais que outorgam sentidos e direcções diferenciadas às tensões e aos conflitos da vida social (Cavarozzi, 1993).

É por estas razões que a autodeterminação se pode desenvolver em múltiplas esferas da vida social com base em formas de poder diferenciadas (Santos, 2000), sendo posta em acção por sujeitos muito diversos que, de acordo com as urdiduras culturais, económicas ou sociobélicas em que se inserem, desenvolvem acções e discursos contra-hegemónicos e emancipatórios profundos e com ampla capacidade para transformar as referências da sociedade no seu todo sem que isso venha a significar a independência política ou a criação de um novo Estado soberano.

Estes processos de autodeterminação social podem movimentar-se num raio de acção muito amplo e com implicações institucionais muito diferenciadas que passam pela revolta, a autonomia e o reconhecimento, podendo exprimir reivindicações de progressos institucionais e legislativos vinculativos (García e Uprimny, 2000), lutas pela inclusão mediante estatutos diferenciados (feministas e grupos étnicos), mudanças no regime político para formas federativas (Kymlika, 1996). Tais processos podem até carecer de expressão constatável nos quadros legais e institucionais, mas terem-na no universo social, nos modos de produção de poder e nas formas de acção e de conhecimento levadas à prática por grupos heterogéneos da população em situações por eles experienciadas como opressivas e relativamente às quais exigem reconhecimento, respeito, reparação moral e autonomia quase soberana para recriar as condições da vida em sociedade.

Este olhar transversal sobre a autodeterminação, situada no quadro de uma teia sociobélica, turbulenta e com múltiplos centros, que não tem como horizonte a inclusão, nem a reforma ou substituição do regime vigente e cujas pretensões têm fundamentalmente a ver com a resistência civil e desarmada face à situação de opressão criada pela guerra, exige uma reconsideração sobre os conteúdos possíveis deste conceito tradicional da ciência política à luz da experiência inovadora e desafiante da comunidade de paz de San José de Apartadó.

Neste contexto bélico, a autodeterminação política implica o autoconhecimento, isto é, a abordagem, a partir da experiência pessoal ou social, de uma situação percebida como opressiva, discriminatória ou excludente. Face a situações vividas desta forma, poderiam surgir várias respostas sociais: por um lado, o conformismo (Santos, 2000), e, por outro, uma série de estratégias que poderiam ser agrupadas sob o título de «resistência invisível». Estas não implicam formas de acção directa contra os poderes hegemónicos ou autoritários. Antes pelo contrário, podem exprimir formas de escapar ao controlo que se lhes pretende impor, formas de negar o seu domínio ou a sua aparente acomodação à espera de melhores condições para manifestar-se e actuar; porém, através delas pode-se estar a exprimir hostilidade, revolta, inconformismo e rejeição de qualquer forma de submissão ou de obediência dos poderes dominantes.

A resistência invisível pode implicar várias estratégias: o acomodamento ou a aceitação passiva e não participativa da ordem dominante ou das ordens em concorrência, feita de silêncios hostis e repúdios passivos; a perda de visibilidade ou a retirada estratégica do mundo público, ou das zonas controladas pelo poder institucional, no intuito de preservar a identidade, a autonomia e a liberdade face aos poderes estabelecidos com pretensões hegemónicas e soberanas que tentam civilizar, disciplinar, controlar, dominar, explorar ou inscrever a população numa ordem política que se rejeita mas contra a qual não é possível defrontar-se de forma directa; e pode implicar, por último, a acção dupla, que se refere a uma aceitação parcial e selectiva das diversas ordens em concorrência que gravitam sobre os habitantes residentes em áreas de conflito, sem que isso signifique enfrentar directamente ou repudiar publicamente alguma das ordens em disputa (Uribe, 1999).

Estas diversas estratégias de resistência invisível e oblíqua, surgidas em contextos de alta conflituosidade e guerra prolongada, poderiam permanecer no quadro da simples sobrevivência social; porém, muito embora não signifiquem formas alternativas de produção de poder, estão a desvendar maneiras silenciosas e não visíveis de expressão que já fazem parte do sentido comum dos excluídos e dos oprimidos na Colômbia, também patenteando aprendizagens culturais que ajudem a escapar às pretensões hegemónicas e violentas dos actores dominantes.

Para que a revolta chegue a assumir formas emancipatórias é necessário, além do autoconhecimento, o reconhecimento. Isto implica que a situação percebida como opressiva, discriminatória ou excludente, se exprima na esfera do público, se argumente razoavelmente, se narre a outros actores sociais que estejam fora do próprio meio e que, a partir dali, se desenvolvam formas autónomas de organização social e práticas alternativas de produção de poder através das quais se defrontem os poderes hegemónicos que causam a opressão.

A revolta emancipatória pode movimentar-se num continuum muito amplo que vai desde práticas disruptivas como as mobilizações, as marchas de camponeses, as tomadas de edifícios públicos ou os bloqueios das vias de comunicação, até formas de insurreição armada, passando por acções de resistência civil e desarmada, cujo significado pode apontar para a substituição de um regime opressivo, a rejeição de uma acção que se considera lesiva ou discriminatória ou a salvaguarda da autonomia e autodeterminação, impondo limites aos poderes autoritários.

A revolta emancipatória é visível, manifesta-se em público, é discursiva e dialógica, desenvolve práticas contra-hegemónicas através das quais se podem ir configurado formas alternativas de produção de poder e organização do colectivo para viver em sociedade, de maneira autónoma e autodeterminada, proporcionando novos conteúdos às fórmulas tradicionais da democracia participativa.

 

2. San José de Apartadó no contexto regional do Urabá - uma tradição de refúgio e resistência

Urabá, a região onde se situa San José de Apartadó, é um dos territórios nos quais se configuraram ordens fácticas e domínios políticos rebeldes com pretensão soberana. Urabá possui uma geografia de contrastes e uma diversidade étnica notável: combinam-se processos de urbanização acelerada e desordenada com pequenos casarios tradicionais e povoações de indígenas e negros; a economia envolve a produção de banana para exportação, com alta tecnologia e uma organização empresarial do trabalho, a pecuária extensiva, amplas zonas de economia camponesa e áreas de colonização espontânea em direcção à selva e aos bosques primários que ainda subsistem. As formas de organização social e política são também plurais e contrastantes: sindicatos agrícolas (hoje silenciados ou cooptados) justapõem-se a organizações comunitárias, associações de camponeses, concelhos indígenas e organizações de negros; pequenos grupos cooperativos subsistem ao lado de organizações gremiais de grandes produtores e exportadores; além disso, estão presentes todos os partidos políticos que existem no país com predomínio dos da esquerda, hoje praticamente banidos da região (Uribe, 1992: 63-102).

Se a toda esta complexidade acrescentarmos a situação geoestratégica do Urabá e os interesses nacionais e internacionais que a atravessam, o panorama torna-se ainda mais complicado. Poder-se-ia dizer que este território é um dos espaços da Colômbia que tem as melhores perspectivas de inserção nas redes do mercado internacional. A sua situação entre dois oceanos, o Atlântico e o Pacífico, a proximidade da América Central e do mar das Caraíbas, do Panamá e da Venezuela, a tradição exportadora, os seus recursos naturais e os megaprojectos desenhados para habilitá-la como zona de economia globalizada, manifestam a multilateralidade de interesses económicos internos e externos que se cruzam num território de alta conflituosidade social e intensa luta armada (Planea, 1999).

Apesar do território do Urabá ter sido a porta de entrada dos colonizadores espanhóis desde o século XVI, a resistência indígena, as disputas entre grupos de conquistadores e destes com outros colonos estrangeiros (franceses, escoceses e ingleses), a presença permanente de piratas nas suas costas, tudo isto contribuiu para alimentar um nível de conflito tão elevado que foi praticamente impossível estabelecer permanentemente uma população e, por isso, a zona manteve-se fora do processo de povoamento e colonização hispânica. O advento da República não alterou esta situação e durante séculos o Urabá foi um vasto território, pouco habitado, com uma presença institucional muito baixa e uma economia de recolecção e exploração do bosque na qual predominaram formas de trabalho semiforçado e de capitalismo predatório (Parsons, s/d: 43-51).

A sua condição de vasto território foi convertendo paulatinamente o Urabá em zona de refúgio e resistência para todos aqueles que por diversos motivos não cabiam nas estreitas margens da pretendida identidade fundadora da Nação. Negros fugitivos que escapavam à escravidão nas minas e nas fazendas, índios evadidos das reservas que se opunham à autoridade de brancos e crioulos, delinquentes perseguidos pela justiça, contrabandistas de ouro e de mercadorias europeias, indivíduos derrotados nas endémicas guerras civis, gente perseguida por causa das suas ideias políticas ou pelo seu comportamento pessoal; enfim, uma população heterogénea e diversa, identificada apenas pelo estigma da exclusão e pela procura de refúgio e de invisibilidade, longe do controlo das autoridades civis e religiosas (Uribe, 1992: 39-52).

A região apenas foi colonizada na década de 60 no século XX, processo marcado por dois eventos de magnitude relevante: o primeiro foi o da finalização da estrada (1954) que une a região com o centro do país, o que despertou de imediato uma forte corrente imigratória espontânea de camponeses provenientes de diversas províncias, deslocados pela violência política interpartidária dos anos 50; o segundo evento foi a proposta feita pela United Fruit Company, através da sua subsidiária a Frutera de Sevilla, que ofereceu aos empresários nacionais da bananaeventualmente interessados uma série de incentivos económicos muito atractivos com a finalidade de assumirem o risco deste tipo de produção empresarial. Esta proposta foi rapidamente aceite, o que em poucos anos transformou uma ampla área em terreno de agricultura capitalista, sujeitando-a a um acelerado processo de urbanização (Botero, 1990: 13-41).

Porém, estes processos de integração económica não tiveram a sua correlação no que se refere à presença institucional, à vigência da ordem jurídica, ao reconhecimento dos direitos e garantias dos habitantes e trabalhadores. Os interesses privados, deixados à sua própria dinâmica, acabaram por exercer, com recurso ao uso da força e da violência, controlos territoriais e autoritários sobre os residentes, expulsos violentamente das planícies graças à expansão da agricultura empresarial, e sobre os que iam chegando, submetidos a um regime laboral vertical e sem mediações institucionais nem apoios sociais. É nesta conjuntura de mudanças violentas, abruptas e rápidas que se enquadra a fundação de San José de Apartadó nas escarpas da serrania de Abibe, muito próxima do eixo bananeiro e do seu principal centro urbano, Apartadó.

No Urabá, a condição histórica de zona de refúgio, juntamente com a turbulência social produzida por uma transformação económica sem mediação institucional, deu lugar ao confronto armado. A partir de finais dos anos 60, a região ficou convertida num território bélico, com a presença de vários grupos armados, sendo os mais importantes as FARC, de orientação comunista, e o EPL, maoísta, convertido hoje em grupo político após o processo de paz com o governo nacional que culminou em 1991.

Para as organizações armadas, principalmente para as FARC, a zona bananeira era um espaço de acção militar, destinado não apenas a servir de fonte de recursos financeiros procedentes do sequestro e da chantagem económica, mas constituía também um espaço para o exercício político mediante a sua influência nos sindicatos operários e nas organizações sociais e um espaço de negociação forçada com os donos e administradores das fazendas para a contratação de trabalhadores e com os administradores públicos afim de canalizarem investimentos sociais para os bairros e zonas rurais onde detinham influência política. Tudo isto gerou simpatias mas também fortes reacções de quem sentia os seus interesses económicos lesados e a sua própria vida ameaçada (Uribe, 1992: 237-241).

Porém, nas áreas de economia camponesa, nas zonas de colonização e nos pequenos povoados, como San José de Apartadó, as pessoas não se sentiam ameaçadas pela presença guerrilheira, pois não eram alvo directo da sua acção militar e mantinham com eles relações mais fluídas e menos tensas do que os anteriores. Nestas áreas, os grupos armados mantiveram pois uma influência muito significativa; intervieram nos processos de povoamento e ocupação do território, na distribuição de baldios ou de terras ocupadas, na definição de direitos de posse, extensão e limites das parcelas dos camponeses, controlaram as actividades de corte de bosques e uso de águas, exerceram acções de vigilância sobre os preços dos fornecimentos e mercadorias distribuídas nas localidades, impuseram aos patrões das herdades, salários mínimos e condições adequadas de vida para os trabalhadores, participaram juntamente com as organizações sociais na construção de pequenas obras públicas (algumas delas realizadas com dinheiro oficial) e, em determinadas ocasiões, pressionaram para que o orçamento público tivesse em conta essas localidades (entrevistas pessoais, 1999).

Estes poderes rebeldes foram-se convertendo ao longo dos anos - mais de quatro décadas e a partir da sua fundação para o caso de San José de Apartadó - num ponto de referência na integração das populações que buscavam refúgio, com origens étnicas e regionais muito diversas e práticas culturais que em algumas alturas chocavam entre si. Todavia, esta situação de domínio, controlo e direcção teve um maior alcance, uma vez que frequentemente estes poderes cumpriam funções judiciais, resolviam conflitos familiares e entre vizinhos, controlavam a pequena delinquência e desenvolviam funções semiestatais de protecção, ordem e segurança a troco de lealdade incondicional e obediência absoluta e indiscutível.

A população sentia-se unida aos insurgentes, mais do que por uma identidade política ou acordo ideológico, por uma espécie de sentimento moral, tecido sobre a experiência da exclusão e do refúgio, sobre os ferimentos morais deixados pelos atropelos, as desigualdades e a falta de reconhecimento e talvez também porque compartilhava com as organizações armadas noções de revolta e de justiça, próximas da vingança, que legitimavam a acção violenta dos armados como forma de restabelecer um equilíbrio quebrado pelas violências anteriores. As acções rebeldes eram percebidas pelas populações como «uma outra lei», com capacidade de sanção e de castigo, ditadas por uma outra autoridade que também pretendia ser absoluta, total, permanente e indivisível, mas, ao mesmo tempo, lhes servia como princípio inteligível do universo social e como referência para as suas acções e comportamentos.

O desenvolvimento regionalizado e desigual do estado de guerra no país acabou por activar processos contra-insurgentes privados e ilegais mediante a irrupção de várias modalidades de paramilitarismo, entre as quais as mais importantes foram as Autodefesas Camponesas de Córdoba e Urabá, de clara vocação anticomunista. A acção destes grupos centrou-se principalmente naqueles territórios onde as organizações guerrilheiras tinham uma presença mais orgânica e de longa data, com o propósito de reconquistar o território e desvertebrar o controlo insurgente, adoptando uma estratégia muito similar à dos seus inimigos, a guerra de movimentos (Cubides, 1997).

Estes grupos desenvolveram uma estratégia de varrimento iniciada no norte da região do Urabá em direcção ao sul, deixando nas zonas reconquistadas uma esteira de sangue, assassinatos selectivos, deslocações forçadas e massivas, autoridades civis e militares cooptadas ou submetidas, redes e organizações sociais desarticuladas ou rearticuladas em volta dos seus projectos de domínio, e, evidentemente, grupos armados e simpatizantes desarmados para controlarem as populações e manterem o novo predomínio militar. Esta incursão paramilitar inicia-se na região nos finais dos anos 80 mas apenas em começos de 1996 logrará submeter o município de Apartadó e a sua freguesia de San José (entrevistas pessoais, 1999).

 

3. San José de Apartadó - uma história de rebeldia, resistência e organização social

San José de Apartadó foi um dos pontos centrais onde se desenvolveu um dos capítulos mais sangrentos e violentos da guerra pelo Urabá. A freguesia tinha uma história de resistência e rebeldia que a tornava suspeita aos olhos dos paramilitares. Após a chegada dos colonos à serrania nos anos 60 começaram a produzir-se conflitos e tensões com os proprietários absentistas que reclamavam com duvidosos títulos a propriedade da terra. Os colonos recém-chegados rapidamente se organizaram numa junta de acção comunal através da qual desenvolveram acções colectivas que os puseram em contacto com a Associação de Usuários Camponeses, onde foram ensinados a invadir, reclamar direitos e garantir a propriedade da terra por eles desbravada.

Ao mesmo tempo, e através da sua organização comunitária, os colonos entraram em contacto com as autoridades locais do Concelho de Apartadó e com os políticos dos partidos tradicionais para solicitar ajudas oficiais destinadas à construção da estrada que ligaria a freguesia com a sede do concelho, já que apenas existia um caminho estreito, intransitável no inverno e que exigia aos camponeses doze ou mais horas de viagem para colocar os seus produtos no florescente mercado municipal; também pediram subsídios estatais para construírem a escola e a casa da Junta de Freguesia e para comprarem ao proprietário absentista o lote de terreno onde construir a aldeia (Uribe, 1992: 116-117).

Perante a negação do proprietário em vender, procedeu-se à invasão, houve desalojamentos, prisão para os promotores, e participantes feridos e espancados, mas graças aos bons ofícios da Associação de Usuários Camponeses os colonos acabaram por ganhar o litígio legal e procederam à construção da aldeia. Reservaram ainda espaço para uma capela, para um outro edifício civil e destinaram uma parte para a praça de onde saíam as ruas principais à maneira das velhas vilas das províncias de Antioquía e Caldas, de onde provinha a maior parte dos primeiros colonos.

A esta primeira invasão seguiu-se uma outra para alojar aqueles habitantes que careciam de uma parcela própria; esta segunda invasão foi menos traumática que a primeira porque o proprietário decidiu chegar a acordo amigável através do Incora (Instituto Colombiano da Reforma Agrária), que estava a realizar o censo de proprietários de terra na zona, e ainda pela pressão que significava a presença de organizações guerrilheiras na área; desta maneira se fundou Mariano, primeiro nome da povoação (Parsons, s/d: 224) a que mais tarde chamaram San José, patrono dos agricultores, pois todos eles tinham em comum a sua dedicação à lavoura e o amor pela terra. Foi a rebeldia social e a luta organizada que tornaram possível a fundação da aldeia e a abertura das zonas circundantes.

Daí para a frente, os moradores desenvolveram um duplo processo: com o Estado e com o Contra-Estado. A guerrilha orientava a vida local, era o princípio de ordem do processo de colonização e assentamento no território, resolvia conflitos e controlava os pequenos delinquentes; porém, ao mesmo tempo, os habitantes relacionavam-se com as autoridades municipais através da acção comunal, para a dotação de infra-estruturas e para pôr em marcha alguns programas de melhorias sociais; um pouco mais tarde conseguiram atrair a atenção da Corporação Regional de Desenvolvimento (Corpourabá) que pôs em execução programas cooperativos de produção de cacau e bananas, apoiando-os com financiamentos, assistência técnica, manuseamento e tratamento pós-colheitas e comercialização dos produtos (Corpourabá, 1990).

Os habitantes de San José tinham consciência de que sobre eles gravitavam duas ordens políticas contrapostas: a ordem política institucional à qual solicitavam apoio económico, investimento público, programas de melhoramentos sociais e dotação de meios de consumo colectivo, mas da qual rejeitavam qualquer tentativa de controlo da ordem pública, o uso da força e a presença militar no seu meio; na freguesia, o poder judicial e a polícia brilharam pela ausência.

À ordem institucional pública, selectivamente aceite, justapunha-se a ordem político-militar da guerrilha que definia de maneira autoritária as normas da convivência social, a localização dos residentes no território, o controlo dos bosques e fontes de água, os preços dos abastecimentos e dos salários diários, os direitos para a instalação de lojas e cafés e exercia ainda funções de policiamento para o controlo dos delitos menores e funções judiciais para resolver tensões e conflitos domésticos e entre vizinhos.

A reforma do regime político municipal e a eleição popular dos presidentes das Câmaras permitiu que a União Patriótica, partido de esquerda que tinha surgido dos primeiros acordos de paz com as FARC, chegasse a controlar quatro Câmaras na região do Urabá, entre elas a de Apartadó, e que atingisse a maioria em vários concelhos municipais a partir de 1986. Isto significou um grande avanço para a freguesia, uma vez que boa parte dos investimentos municipais foram canalizados para favorecê-la (Comunidad de Paz, 1998: 3).

Por sua vez, os residentes, que tinham mantido uma muito baixa participação eleitoral, começaram a apoiar este projecto político e San José ficou convertida numa das praças fortes eleitorais mais importantes desse partido na região. Desta forma alcançava-se o reconhecimento institucional com a criação de um poder autárquico e a povoação passava a viver um período de expansão económica e social importante. Nos começos dos anos 90, San José contava já com mais de três mil habitantes localizados no centro urbano e nas trinta e duas povoações que se estendiam pelas encostas da serrania de Abibe (Comunidad de Paz, 1998: 2).

Esta história de revolta, resistência e organização social, assim como a sua simpatia política para com a União Patriótica, situou o lugar num dos pólos do conflito armado nacional ao lado das FARC; este motivo era mais do que suficiente para que a acção paramilitar se virasse contra esta pequena vila, mas esta não era a sua única razão; existia ainda uma, mais importante, que tinha a ver com a geoestratégia da guerra dada a sua localização espacial.

Com efeito, San José de Apartadó é a principal porta de entrada para a serrania de Abibe, santuário da guerrilha durante inúmeros anos; fica apenas a 12 quilómetros de Apartadó, o centro económico mais importante da região e o núcleo vital da zona bananeira, o que permite à guerrilha fazer intervenções militares na área e poder refugiar-se rapidamente nas montanhas, além de contar com uma zona agrícola rica para conseguir mantimentos e apoio logístico por parte dos seus moradores. Por outro lado, no município confluem os principais corredores de circulação guerrilheira: o que põe em comunicação Urabá com o ocidente de Córdoba, atravessando a serrania de Abibe; o que permite a saída até ao Meio e Baixo Atrato; o que une o Urabá com o sul de Bolívar e com o oeste e o nordeste de Antioquía pelo nó de Paramillo, hoje santuário do paramilitarismo. Por isso, quem controlar o território de San José de Apartadó possui uma grande vantagem militar para o domínio não apenas da região como de boa parte do noroeste colombiano; daí que a sorte de San José de Apartadó esteja ligada à própria dinâmica do conflito armado e ainda mais às questões estratégicas da guerra pela soberania nacional no meio da qual os seus habitantes perdem qualquer capacidade de manobra política e inclusivamente a simples sobrevivência. A permanência no território torna-se, pois, uma tarefa utópica.

Estes dois elementos - uma tradição de rebeldia, resistência e organização social e a sua situação estratégica - tornaram San José de Apartadó num dos pontos nodais culminantes da guerra pelo Urabá e é precisamente neste contexto que se enquadra a estratégia de declaração de comunidade de paz.

3.1. O itinerário trágico da declaração de comunidade de paz

A partir dos começos da década de 90 intensifica-se o conflito armado em San José de Apartadó. A acção de extermínio sobre os membros da União Patriótica afectou vários simpatizantes do movimento nesta localidade e os confrontos armados, cada vez mais frequentes, entre exército e guerrilha obrigaram ao êxodo de camponeses para a sede da freguesia regressando apenas quando terminavam as operações (Nieto, 1998). Não obstante, a maior parte dos relatos, das histórias e das memórias dos moradores estão de acordo em assinalar o ano de 1996 como o momento da irrupção paramilitar e do profundo deterioramento provocado pela guerra.

A 28 de Fevereiro de 1996 foram assassinados vários habitantes da vila numa operação paramilitar realizada na única via de entrada, facto que motivou uma marcha de denúncia e um primeiro êxodo de cerca de 90 famílias gerado pelo pânico e incerteza dos moradores que se viam confrontados e apontados como auxiliares da guerrilha (Naranjo, 2000).

A 27 de Março de 1996 o povoado de San José declara a sua neutralidade face a todos os actores armados, estratégia que já estava a ser adoptada em alguns municípios e comunidades indígenas. Contudo, naquela mesma noite os paramilitares atacaram os residentes da sede municipal, informando-os de que manteriam o bloqueio à estrada, e a guerrilha continuou a movimentar-se pelas redondezas num claro desconhecimento da vontade autonómica da população (Naranjo, 2000).

A declaração de neutralidade era uma estratégia muito difícil de adoptar para os residentes da freguesia; significava emancipar-se de um poder armado como a guerrilha com o qual tinham mantido relações muito complexas e multilaterais quase desde a chegada à zona. Além disso, implicava abandonar uma ordem política que tinha sido até então a principal referência para as suas acções e princípios e que contribuiu de maneira significativa para dar coesão, dirigir e organizar a população. Por sua vez, esta declaração pressupunha pôr limites ao avanço paramilitar, manifestando a vontade de não colaboração, e implicava ainda negar os atributos soberanos do Estado, pelo facto de declarar que as forças de segurança não deveriam transitar pelo território nem ocupar a sua sede. Em suma, declarar a neutralidade era «declarar a guerra à guerra».

A declaração de neutralidade bem cedo viria a custar um banho de sangue. Na segunda semana de Setembro de 1996, um grupo paramilitar retirou pela força das suas habitações Gustavo Loaiza e Juan González (presidentes da acção comunal e da cooperativa de cacaueiros, respectivamente), María Eugenia Úsuga, do comité de mulheres, e Samuel Arias, conhecido dirigente sindical, e assassinou-os. Alguns deles tinham promovido acções colectivas em favor do direito à vida, denunciado o bloqueio paramilitar da estrada (manter-se-ia durante nove meses) e tinham assinado, em Julho desse mesmo ano, uma acta de conciliação com o governo nacional mediante a qual se punha fim ao êxodo de camponeses e o governo se comprometia a garantir condições mínimas para o seu retorno (El Colombiano, 1996: 5). «Curiosamente no dia anterior ao do assassinato, o exército tinha-se retirado do casario que havia ocupado em Agosto» (Comunidad de Paz, 1998: 6). Este massacre provocou um êxodo massivo e os poucos que ficaram passaram a dormir na montanha «para evitarem ser vítimas dos paramilitares que actuavam juntamente com o exército, facto do qual nós, os habitantes da zona, fomos testemunhas» (Comunidad de Paz, 1998: 6).

O ano de 1997 não começava com melhores augúrios. Num dia de Fevereiro,

às seis da manhã, chegou um grupo de quarenta paramilitares, a maioria deles reconhecidos como reinseridos do EPL e fizeram sair todos os habitantes do casario até ao parque desportivo e, após ameaçá-los de morte caso não abandonassem o lugar, amarraram várias pessoas que apareceram assassinadas um dia mais tarde na estrada que conduz a Apartadó. A partir desse momento o controlo da estrada por parte desse grupo armado foi permanente: controlavam a passagem de alimentos, confiscavam continuamente as pessoas que iam nos veículos, revistavam documentos com lista na mão e quem aparecia na lista era imediatamente assassinado (entrevistas pessoais, 2000).

San José era uma povoação cercada pela fome e pelo terror, sem que as autoridades civis e militares fizessem qualquer coisa para evitá-lo. Esta situação insustentável provocou a deslocação da maior parte da população do centro urbano, que ficou quase desocupado, e deixou no mais profundo isolamento os moradores que resistiam nas povoações. As denúncias, as marchas dos camponeses, a declaração de neutralidade activa, todas as estratégias pareciam inúteis face ao avanço da guerra no território. Porém, os camponeses das povoações decidiram resistir, não abandonar a terra e emitir uma proposta de neutralidade declarando-se uma comunidade de paz (Naranjo, 2000).

O pacto denominado «Comunidad de Paz» foi subscrito a 23 de Março de 1997. No processo da sua elaboração os habitantes contaram com a ajuda e o acompanhamento da Diocese de Apartadó, da Comissão Intercongregacional de Justiça e Paz, com o Cinep, e por intermédio destas organizações não governamentais começaram a entrar em contacto com alguns organismos internacionais de direitos humanos que contribuíram para denunciar o drama humanitário dos moradores de San José (Naranjo, 2000). Muito embora a declaração de comunidade de paz implicasse uma qualificação e maiores obrigações face aos compromissos obtidos, não significou nenhuma resposta positiva por parte dos actores armados que continuaram com a acção bélica e o desrespeito por um colectivo que já não queria ser representado por nenhum deles.

Decorridos alguns dias após a declaração, a 28 de Março tropas do exército e a guerrilha defrontaram-se na zona rural concelhia, registando-se um saldo de quatro supostos guerrilheiros mortos na povoação La Unión, informação que seria desmentida pelos camponeses que afirmaram tratar-se de camponeses desarmados e dedicados à lavoura. As hostilidades continuaram durante vários dias, houve bombardeamentos intensos sobre a zona e, pouco depois, os paramilitares chegaram às povoações (Arenas, La Unión, Las Nieves e El Guineo), assassinaram alguns camponeses e deram ordens peremptórias no sentido de desalojar as casas aos poucos que ainda restavam, dando-lhes de dois a cinco dias para abandonarem definitivamente as suas terras (Comunidade de Paz, 1998: 18).

Não obstante, os camponeses não abdicaram do seu empenho e seguiram em frente com o projecto. Como era praticamente impossível sobreviverem no isolamento do campo, regressaram à sede do concelho que tinha ficado quase desabitada e ali, juntos, reiniciaram o processo de resistência. Por sua vez, alguns dos que tinham sido deslocados da zona regressaram sem qualquer garantia estatal, mas com a convicção de que a força moral de um colectivo decidido a viver de acordo com as regras da neutralidade e do trabalho colectivo poderia atingir o propósito de permanecer nas suas terras e resistir aos embates da guerra (Naranjo, 2000).

Já em Maio de 1997, e apenas dois meses após terem subscrito o pacto da comunidade de paz, os moradores de San José informaram, num evento sobre neutralidade activa nas comunidades retornadas do Atrato Médio, que Francisco Turqunico, um dos impulsionadores mais decididos da comunidade de paz, tinha sido assassinado e que no último ano tinham morrido 32 pessoas à mão dos actores armados. Acusaram a guerrilha de ser responsável pela morte violenta de uma jovem, namorada de um soldado do exército nacional, e de um camponês acusado de ser informante dos paramilitares, e estes, por sua vez, de serem responsáveis pelos 30 assassinatos restantes (El Colombiano, 1997: 6b).

O relativo isolamento da guerrilha e as dificuldades em conseguir mantimentos e o apoio logístico de outros tempos levou-a a pressionar cada vez mais os habitantes de San José e, perante a insistente recusa destes em colaborar, a guerrilha acabou por assassinar Ramiro Correa, membro do Conselho Interno da comunidade de paz, e Luis Fernando Espinosa e Fernando Aguirre, que formavam parte dos grupos de trabalho comunitário. Os factos tiveram lugar na povoação La Cristalina a 6 de Outubro de 1997 (El Tiempo, 1997: 7a).

O ano de 1997 foi para o Urabá um dos mais trágicos e sangrentos. Praticamente toda a região estava em chamas, os deslocamentos em massa multiplicavam-se, subia de forma alarmante o número de assassinatos e de massacres, sendo San José de Apartadó apenas um dos povoados e casarios arrasados pela guerra. Em situação idêntica viviam os residentes do Médio e Baixo Atrato, os vizinhos de Mutatá e Bajirá, assim como os municípios do eixo bananeiro (Naranjo, 2000). Não obstante, este colectivo social organizado continuava a resistir e a manter teimosamente a vontade de permanecer nas suas terras e recriar a vida em comum no quadro do pacto fundador da comunidade de paz.

Apesar da situação, e um ano após a proclamação da comunidade de paz, os habitantes do casario urbano começaram a regressar para as povoações. Em Março de 1998, um grupo de 300 camponeses regressaram à povoação La Unión para prosseguir com a lavoura; esse acto de coragem e de risco deu um segundo fôlego ao processo e o resto do ano foi para os colonos um período de regressos faseados, de fortalecimento da sua organização, de visibilidade perante os organismos estatais nacionais e de estabelecimento de nexos e vínculos muito importantes com actores não governamentais internacionais que decidiram prestar apoio directo a esta experiência de resistência e autonomia.

O decidido apoio internacional obrigou os paramilitares a fazerem uma declaração de respeito pela comunidade de paz, caso a guerrilha se afastasse da zona; os insurgentes, embora não o fizessem de maneira formal, mantiveram uma atitude prudente e conseguiu-se uma espécie de acordo tácito entre os armados e o colectivo social durante uns meses, o que lhes permitiu reiniciar a produção agrícola, consolidar a estratégia organizativa e pôr em marcha os propósitos da comunidade de paz (Entrevistas 2000).

No âmbito nacional, os residentes conseguiram pôr-se em contacto com a «Consejería para los Desplazados», a Procuradoria Geral, o Ministério da Presidência e a Rede de Solidariedade Social, entre outros, no intuito de procurar garantias mínimas para a permanência no território e também ajudas económicas para uma subsistência cada vez mais difícil e precária, dados os bloqueios à estrada, o controlo sobre os alimentos, a perda de colheitas, ferramentas e animais domésticos e o abandono, durante meses, das parcelas (Gap, 1998). Nem as autoridades municipais, nem as provinciais e distritais foram interlocutores dos residentes. A localidade tornava-se visível no âmbito nacional, saltando por cima das entidades administrativas intermédias; o processo foi acompanhado pelas organizações não governamentais que desde o princípio tinham estado junto deles, embora o mais significativo fossem as ligações e alianças estratégicas estabelecidas com diversos actores internacionais não estatais que, em última análise, eram a única garantia medianamente eficaz para a sobrevivência do projecto de comunidade de paz (Arenas, 1999).

As organizações não governamentais que têm tido uma mais longa e contínua presença na comunidade de paz são: a Comissão Intercongregacional de Justiça e Paz, entidade nacional que agrupa várias ONGs de orientação religiosa (católica), e as Brigadas Internacionais de Paz, cujo trabalho na Colômbia tem sido nomeadamente o de proteger a vida de colectividades e pessoas vulneráveis e colocadas em situação de risco pelo evoluir da guerra. Ambas as entidades têm vindo a acompanhar o processo desde o início e mantêm representantes seus a viver na localidade. As suas funções são múltiplas e variadas: acompanham os moradores na sua estratégia de resistência civil e desarmada; deslocam-se com eles até aos pontos de lavoura ou nas suas eventuais idas até à sede do município de Apartadó ou a Bogotá ou outras regiões; colaboram nas tarefas organizativas e pedagógicas e servem de canal para pôr em contacto os moradores com representantes de governos estrangeiros e com outras organizações não governamentais que se ocupam da protecção de bens públicos universais.

Porém, o sentido principal da sua presença é manifestar aos actores armados, inclusivamente aos do Estado, que este colectivo que optou pela paz e pela resistência à guerra está protegido pela Igreja Católica e pela comunidade internacional e que qualquer agressão que sofram os seus habitantes será fortemente contestada pelos países e organizações por eles representados. Este acompanhamento e as cartas e comunicados de solidariedade e apoio que permanentemente recebem os habitantes de San José de Apartadó vindos de todas as parte do mundo - em média mil cartas mensais - é o que mais valorizam os residentes da povoação porque, e segundo palavras suas,

a solidariedade internacional [...] é o que tem permitido que ainda se mantenha a força que temos tido para suportar todos estes sofrimentos [...] porque isto é dizer também ao Estado que a comunidade não está sozinha, e a nós, que não estamos sós, que temos muitos amigos noutras partes do mundo que se preocupam connosco [...] (Arenas, 2000).

A população, graças à mediação da Comissão de Justiça e Paz e das Brigadas Internacionais de Paz, vem recebendo ajudas económicas, em alimentos, sementes, utensílios de lavoura e outros apoios logísticos para reactivar a produção e para garantir a subsistência. A ACNUR, a Associação das Nações Unidas Para os Deslocados, tem sido uma interlocutora permanente dos habitantes de San José, tendo-os acompanhado nalguns regressos; o mesmo acontece com o Gabinete do Conselheiro das Nações Unidas Para a Protecção dos Direitos Humanos, cujos membros têm visitado o lugar em diversas ocasiões para receber denúncias sobre mortes e atropelos e iniciar as acções correspondentes. Outras ONGs Internacionais, como a Pax Christi e a Amnistia Internacional, vincularam-se em diferentes momentos a este processo (Naranjo, 2000).

As Universidades de York no Canadá e de Wisconsin-Madison nos Estados Unidos da América, assim como as suas cidades-sede, declararam-se cidades geminadas com San José e outorgaram um apoio de imenso valor pelo facto de manterem com eles uma comunicação permanente. Estas entidades contribuem para a divulgação internacional desta experiência desarmada e para a coordenação da recolha e posterior envio de ajudas de diversa ordem para os moradores. A Colombia Support é uma organização não governamental norte-americana que está a apoiar a reactivação das culturas de cacau e de banana exótica, contribuindo para a comercialização deste último produto com os olhos postos na exportação (Arenas, 2000).

A União Europeia, através da organização não governamental Echo, o Parlamento da Holanda e Paz e Terceiro Mundo da Espanha têm fornecido ajudas e reconhecimento a esta experiência de reconstrução social. Em 1998, San José obteve um reconhecimento internacional importante quando lhe foi outorgado o Pfeffer Peace Prize, da Fellowship of Reconciliation, que exaltou o lugar como um exemplo para o mundo na procura da paz (Naranjo, 2000). Alguns dos habitantes foram receber o prémio e tiveram oportunidade de explicar a sua situação perante a opinião pública norte-americana e, em 1999, foram de novo aos Estados Unidos da América e visitaram, entre outros, o Condado de Madison. Nesse mesmo ano, representantes da comunidade de paz fizeram uma digressão pela Europa com o apoio da União Europeia e visitaram três países: Holanda, Bélgica e Alemanha. A comunidade recebeu já a visita de mais de dez embaixadores europeus que reuniram com eles, acolheram denúncias e manifestaram a sua preocupação perante o governo colombiano pelos atropelos permanentes a este projecto de paz (Arenas, 2000).

Os habitantes de San José valorizam imenso a solidariedade internacional:

o facto de estarmos a desenvolver processos produtivos, de os nossos filhos estarem a estudar - as escolas tinham sido fechadas e destruídas -, o facto de dispormos de cuidados de saúde, embora mínimos, tudo isto é o mais importante porque foi conseguido com a luta e o sacrifício das nossas vidas (Arenas, 2000).

Estas alianças estratégicas com actores internacionais não estatais estão a levar à cena o que poderíamos designar por mundialização do local: um pequeno lugar de camponeses que nunca tinham saído do seu meio regional, dão a conhecer a sua situação perante o mundo, recebem embaixadores e funcionários estrangeiros, viajam para outros continentes, convocam solidariedade e ajudas económicas de carácter muito diverso e, o que é o mais importante, desafiam a subordinação hierárquica ao próprio Estado, ignorando os atributos substantivos da soberania para entrarem em contacto directo e sem mediação governamental com actores internacionais muitos diversos. É como se o espaço euclidiano dos Estados nacionais e da organização mundial que neles se baseia tivesse dado lugar a um espaço quântico, que configura redes e ondas sem centro, cujo sentido, no dizer de Badie (2000: 128), é o de conformarem comunidades de responsabilidade, feitas de fragmentações e interpenetrações, mas destinadas a proteger bens públicos universais como a vida, a paz, os direitos humanos, a natureza e a luta contra a pobreza.

O equilíbrio instável em que a freguesia viveu no decurso do ano de 1998 começou a desmoronar-se no momento em que se cumpria o segundo aniversário da comunidade de paz. Em Março de 1999, um grupo de criadores de gado, comerciantes e industriais do Urabá tornaram público um comunicado no qual manifestavam que, em sua opinião, havia uma certa coincidência entre as localidades que recebiam ajuda das organizações não governamentais internacionais e nacionais e a presença da guerrilha (El Colombiano, 1999: 8a). Tais acusações foram desmentidas por organismos nacionais de controlo e vigilância como a Procuradoria Geral da Nação e a «Defensoría del Pueblo», mas contribuíram para lançar um manto de dúvida não apenas sobre a neutralidade e autonomia das diversas comunidades de paz na região, mas também sobre o trabalho das organizações não governamentais que as acompanhavam. Com base neste pretexto reiniciaram os ataques directos às comunidades de paz, começando para San José de Apartadó um outro ciclo de atropelos e assassinatos que ainda hoje não acabou.

Em Abril de 1999, a comunidade de paz foi vítima de uma nova incursão paramilitar. Segundo várias testemunhas presenciais, membros das Autodefesas de Córdoba e Urabá invadiram o casario, intimidaram a população, reuniram-na sob ameaça na Casa do Povo, escolheram seis pessoas que já tinham sido previamente identificadas e assassinaram-nas em frente de todos os vizinhos e parentes (El Colombiano, 1999a: 7a). A este massacre seguiram-se violentas incursões da guerrilha. Em 2000 contabilizavam-se já 83 vítimas nos escassos três anos de vida da comunidade de paz; com este banho de sangue rompia-se o precário equilíbrio que se havia logrado no ano anterior e de novo a lógica da guerra voltava a entrar em cena.

Em Julho de 2000, um novo massacre perturbou os alicerces da organização comunitária; nesta ocasião um grupo paramilitar fez uma incursão na povoação La Unión, um dos grupos que tinha demonstrado maior capacidade de resistência e coragem civil; como de outras vezes, os habitantes foram reunidos num mesmo lugar e foi-lhes perguntado quem eram os dirigentes e, perante a resposta desconcertante sobre a responsabilidade colectiva na condução de todo o processo, elegeram ao acaso seis pessoas que ali foram de imediato executadas (entrevista telefónica, 2000).

A partir desse momento a situação de acossamento e ameaças piorou de modo significativo; em Dezembro de 2000, a Comissão Intercongregacional de Justiça e Paz enviou um comunicado aos altos poderes públicos colombianos no qual denunciava que havia sido reiniciado o bloqueio à estrada e que, tanto ali como na sede municipal de Apartadó, os moradores e seus acompanhantes eram seguidos e ameaçados por grupos paramilitares que os revistavam e lhes confiscavam as ajudas e o dinheiro recebido do exterior ou conseguido através da comercialização dos seus produtos e ameaçavam invadir o casario no caso de não o abandonarem num curto espaço de tempo. O comunicado terminava denunciando as cumplicidades entre militares da Brigada XVII e os paramilitares da zona (Justicia y Paz, 2000).

Em Março de 2001, e após quatro anos de existência da comunidade de paz, a ameaça que pairava sobre ela foi cumprida: um comando paramilitar armado tomou pela força o casario, destruindo e incendiando, parcialmente, a sede onde funcionava a comunidade de paz e que servia, ao mesmo tempo, de armazém para guardar as ajudas enviadas e de residência dos religiosos e de outros membros das Brigadas Internacionais de Paz que os acompanham. Quinze habitações ficaram reduzidas a cinzas e foram proferidas ameaças peremptórias para abandonarem a aldeia, caso contrário regressariam para massacrar toda a população, a começar «pelas mulheres e crianças» (Justicia y Paz, 2001). O comunicado da Comissão de Justiça e Paz denunciando os factos perante as autoridades nacionais e perante a comunidade internacional termina com estas palavras:

[...] Não chegam as recomendações da comunidade internacional expressas através dos sistemas das Nações Unidas ou do sistema regional da OEA [Organização dos Estados Americanos]; não chegam as expressões do corpo diplomático acreditado na Colômbia; não chegam as resoluções da União Europeia; não chegam as expressões recentes de dois congressistas dos Estados Unidos da América sobre a situação da «Comunidad de Paz de San José de Apartadó»; não chega a solidariedade internacional e o apoio moral manifestado com o envio de acompanhantes e observadores internacionais; não chegam os testemunhos oferecidos pela comunidade de paz perante a Unidade de Direitos Humanos do Ministério Público da Nação para que se abram os caminhos da verdade e da justiça. Hoje, perante o anúncio do sangue que vai correr de novo, esperamos que esta expressão da nossa constância e censura moral, deixada nos gabinetes, seja a última, para que no exercício dos deveres constitucionais se evite que as actuações criminosas do Estado possam ser desenvolvidas por quem as acaba de anunciar (Justicia y Paz, 2001).

Muito embora o sonho de paz dos residentes de San José tivesse sido mais uma vez interrompido, a decisão tomada foi a de resistirem, a de se aguentarem lá, a de continuarem na sua terra e voltarem a começar, mantendo sempre aberto um horizonte de possibilidade para a dignidade, o respeito e a autonomia dos moradores.

 

4. A «Comunidad de Paz»: um pacto fundador

A declaração de comunidade de paz foi o resultado de um acelerado processo de aprendizagem política colectiva mediante o qual os habitantes de San José foram descartando, uma atrás de outra, todas aquelas estratégias de resistência e rebeldia que no passado tinham contribuído para escapar a situações de crise: a denúncia através de mobilizações em massa e a ocupação de edifícios públicos; o êxodo forçado; a invisibilização, escondendo-se em zonas despovoadas e de difícil acesso; a aliança com actores armados em busca de protecção e, de alguma forma, apoio; e, inclusivamente, a declaração de neutralidade activa. Porém, a passagem do estado de guerra à guerra como acção significava romper com práticas tradicionais, inventar outras e imaginar uma ordem política e social diferente que assegurasse condições mínimas de sobrevivência. A declaração de comunidade de paz obrigou o colectivo de moradores a desenhar novas formas de produção comunitárias, a formular referências políticas e fundamentos éticos para a acção em tempos de guerra, a adoptar decisões individuais e compromissos sociais que os tornaram visíveis e os situaram como interlocutores não apenas dos grupos armados mas também dos actores nacionais e internacionais. Assim recuperaram a autonomia, a soberania e a autodeterminação sobre as próprias acções e decisões, assumindo um novo pacto fundador que denominaram «Declaração da Comunidade de Paz».

4.1. A organização colectiva da produção

Os moradores de San José tinham uma longa experiência na cooperação para a comercialização e venda dos seus produtos, nomeadamente o cacau. Não lhes eram alheias as experiências associativas para melhorar os rendimentos e procurar preços de sustentação e, de facto, a cooperativa de cacaueiros tornou-se uma referência da maior importância para a interligação de colonos dispersos que aprenderam ali o significado do associativismo e da solidariedade. Não obstante, cada um trabalhava sozinho ou com a família nas suas unidades de economia camponesa; mas a urdidura da guerra e a situação limite que os cercou contribuíu para a mudança das formas de produção, transformando uma economia camponesa tradicional numa unidade colectivizada (Uribe, 1992: 293).

O abandono das parcelas, o refúgio em Apartadó, a permanente persecução de quem se aventurava sozinho no campo e o bloqueio paramilitar da estrada que pretendia cercá-los pela fome, levaram à adopção da estratégia de «saírem juntos para trabalhar», de cultivarem a terra em comum, inicialmente para obterem produtos que complementassem em alguma medida a ajuda alimentar que recebiam da comunidade internacional, e mais tarde para reabilitarem os velhos cacaueiros de que já estão a fazer colheitas que comercializam em Medellín através da Companhia Nacional de Chocolates. Desenvolveram também outros processos produtivos como o da banana exótica, da qual já estão plantados cerca de 20 hectares com 26.000 pés tendo em vista a exportação do produto. Dizem os colonos: «para nós, na comunidade de paz não é possível comercializar explorando os outros, não se pode vender para que outros tirem todo o proveito, não se pode trabalhar individualmente, porque toda a nossa força está na unidade» (Arenas, 1999).

Trabalharem juntos implicou na prática subverter a ordem da propriedade individual e colectivizar o uso das terras que passaram a ser de todos; implicou também uma apropriação colectiva dos produtos obtidos ou dos rendimentos da venda: «tudo o que se consegue cultivar ou vender é em benefício de todos e não apenas daqueles que trabalham a terra. Uma vez que todos participamos nas tarefas que temos atribuídas, na comunidade de paz, todos temos direito a esses produtos» (entrevistas pessoais, 2001). E trata-se também de uma produção planificada que é levada a cabo pelos comités de trabalho que têm um coordenador nomeado pela comunidade e que, em conjunto, decidem onde vão semear, que produtos e de que maneira vão ser repartidas as tarefas, dando conta destes trabalhos ao colectivo comunitário.

Muito embora este processo de colectivização tenha sido induzido pelos impactos da guerra, os habitantes assumiram-no como uma componente fulcral da sua emancipação e como uma consequência lógica do sentido da participação comunitária. Para eles, trabalhar juntos em benefício de todos significa opor-se a formas de poder vertical como as que derivam do capitalismo (Comunidad de Paz, 1998: 11). Segundo as suas próprias palavras, tratar-se-ia de se converter em alternativa de poder e de encontrar na participação e no trabalho em comum uma estratégia de luta contra a exploração económica.

 

 

4.2. As referências políticas da declaração da Comunidade de Paz

A comunidade de paz, nas palavras dos moradores, significou uma experiência de resistência civil com o objectivo de conquistar a dignidade para todas aquelas pessoas apanhadas na teia de um conflito bélico no qual não tinham qualquer participação directa, embora fossem as suas vítimas principais (Comunidad de Paz, 1998: 3). A resistência civil significava para eles várias coisas: dizer não às deslocações forçadas, permanecer nas parcelas e continuar a trabalhar a terra e a conviver com os vizinhos de sempre, mas não apenas isto. Implicava também exigir que todos os actores armados, inclusivamente os do próprio Estado, respeitassem as pessoas e os seus bens, bem como o direito a não serem envolvidos contra a sua vontade em acções militares directas e indirectas que favorecessem alguma das forças que disputavam o controlo do território e a hegemonia sobre as populações (Comunidad de Paz, 1998: 11-13). Tratava-se, enfim, de rejeitarem «formas de poder verticais, excludentes e discriminatórias», propondo-se pelo contrário gerar estratégias de participação pluralistas e autonómicas diferentes daquelas «que nos quiseram impor pelas armas e pelo poder económico» (Comunidad de Paz, 1998: 10).

Porém, resistência civil quer dizer também resistência de civis desarmados, oposição racional, voluntária e pública a uma guerra de que não se sentem parte activa, o que implica uma declaração formal de rejeição à representação que os actores armados estavam a fazer dos seus interesses, utopias e propósitos de futuro, comunicando-lhes que daí para a frente os habitantes de San José estavam dispostos a tomarem as rédeas do seu destino; isto é, estavam decididos pela sua auto-determinação. Para os moradores de San José, a comunidade de paz torna-se assim qualquer coisa mais do que uma simples estratégia para escapar aos rigores da guerra. Trata-se, segundo eles próprios, de uma opção política,

[...] de dar uma resposta organizada a uma situação de guerra que transformou em vítima a população civil e é isto que a faz converter-se numa alternativa a essa guerra; [...] é isto que a faz converter-se num poder face aos actores armados e à lógica que os sustenta [...] construindo, a partir das próprias comunidades, alternativas diferentes às impostas não apenas pelas armas mas também pela subjugação económica do capitalismo (Comunidad de Paz, 1998: 11).

A opção pela política implica a proposta de um projecto alternativo fundador, de um pacto «entre iguais» para recriar as regras da convivência social, para instituir uma ordem diferente das que tinham vindo a gravitar sobre as suas vidas e para recuperar a soberania individual; trata-se, pois, de opor a política à guerra, de reverter a dinâmica do conflito e de optar pela convivência social. Contudo, esta nova ordem que se pretende instaurar não transcende os limites do seu próprio meio, será uma ordem que confrontará, a partir do local e de forma desarmada, os actores bélicos que disputam pela força das armas a soberania em toda a nação colombiana. Isto situa a comunidade de paz de San José de Apartadó numa dupla posição de vulnerabilidade: face à geoestratégia da guerra interna, que exige a conquista do território, e face à esfera estatal pública, que ficaria de fora e sem reconhecimento explícito por parte dos subscritores do novo pacto social.

4.3. Os fundamentos éticos do pacto

A proposta de comunidade de paz assenta sobre fundamentos ético-políticos bem significativos; o primeiro deles é o da participação social: «todos participamos e todos temos o direito a tomar decisões» (Comunidad de Paz, 1998: 19). Isto quer dizer que qualquer membro do corpo político tem idênticas possibilidades de liderar o processo, mas também que as acções individuais podem recair sobre o conjunto; daí a responsabilidade solidária de todos os seus membros: «por isso cada acção que realizamos fazemo-la sabendo que afecta os outros» (Comunidad de Paz, 1998: 20) e é nesse nós solidário e fraternal que descansa a força ética do projecto. Estes princípios da solidariedade e da responsabilidade têm expressão prática nas reuniões, nas oficinas de formação, no trabalho comunal no campo, que pretendem acima de tudo manter os laços solidários e o planeamento colectivo tanto das acções políticas como dos processos produtivos.

O segundo fundamento ético é o da liberdade, definida por eles como «a capacidade de autonomia das comunidades e de cada membro para tomar decisões autonomamente sem qualquer tipo de pressão e sem sentir-se excluído por não ser parte da maioria» (Comunidad de Paz, 1998: 19); trata-se da redescoberta de um princípio democrático fundamental que implica a aceitação da diferença e, inclusivamente, da oposição, sem que isso signifique ficar de fora do corpo político.

Partindo do respeito ao grande princípio, a neutralidade, cada um tem direito a discutir, a não estar de acordo e a colocar alternativas: ser-se preto, indígena, mestiço, branco, liberal, conservador, comunista, tudo isso se respeita porque a gente está a lutar por uma causa muito mais importante, a vida de todos (Comunidad de Paz, 1998: 20).

O terceiro fundamento ético é o da transparência.

Para sobreviver numa zona de guerra havia que mentir aos actores armados; a comunidade de paz, pelo contrário, baseia a sua possibilidade de sobrevivência na verdade e em dizer aos actores armados que não se pode colaborar porque isto envolve-nos numa guerra face à qual nós declarámos a nossa neutralidade (depoimento, 2000).

Os subscritores do pacto ou os proto-cidadãos sabem que a transparência das suas acções é condição de existência ou, melhor ainda, a razão de ser da comunidade de paz; e apesar disto não ter constituído garantia de sobrevivência, confere-lhes a força moral para denunciar e encontrar eco nos organismos nacionais e internacionais que protegem bens públicos universais.

Estes princípios éticos modernos, democráticos e pluralistas, contrastam com alguns critérios derivados da moral tradicional e religiosa que em teoria negariam os primeiros; chama grandemente a atenção que no regulamento interno da comunidade de paz esteja expressamente proibido o consumo de álcool e que entre as funções do Conselho Interno se coloque, por isso, a de «controlar o consumo de álcool que está proibido na comunidade de paz, e perante esta falta será chamada a atenção tanto ao consumidor como ao vendedor, aplicando-se a alínea d) do presente artigo» (Comunidad de Paz, 1998a: 2). O procedimento contra os infractores consiste em duas chamadas de atenção após as quais são expulsos da comunidade de paz.

O Conselho Interno também parece intrometer-se em demasia em outros aspectos da vida privada dos membros da comunidade, fazendo visitas domiciliárias de controlo (Comunidad de Paz, 1998a: 3), exercendo vigilância sobre as pessoas que entram e saem da freguesia, sobre as que não assistem às reuniões ou não participam no trabalho comunitário. Nos fundamentos éticos da comunidade de paz de San José de Apartadó misturam-se de forma bastante paradoxal o moderno com o tradicional, a ética laica com a moral católica, as liberdades públicas com o controlo da vida privada por vizinhos e família, a colectivização da produção com o individualismo liberal. Tais misturas desvendam o que uma qualquer situação limite provoca nos colectivos tradicionais que redescobrem a política no meio da guerra.

4.4. As decisões racionais, voluntárias e públicas

A comunidade de paz significou um passo em frente em relação à declaração de neutralidade territorial pois implicava, por parte das pessoas e comunidades das povoações, a subscrição de um compromisso explícito, voluntário e publicamente anunciado, com os princípios políticos e éticos do pacto de fundação. Segundo a declaração, os princípios eram os seguintes: não participar na guerra de forma directa ou indirecta; não levar armas e abster-se de guardá-las; não ter munições ou explosivos; abster-se de oferecer apoio às partes em conflito; não se socorrer dos armados para resolver problemas pessoais ou familiares; não manipular ou passar informações a nenhuma das partes; comprometer-se a participar nos trabalhos comunitários e não aceitar a injustiça e a impunidade dos factos (Comunidad de Paz, 1998: 10). Assim se exprimem os moradores a este respeito:

[...] cada um de nós, a partir da nossa actividade, assume compromissos específicos; por exemplo, se eu for comerciante e fizer parte do processo, não posso vender nada a nenhum actor armado [...]. Além disso, procuramos que aqueles que não moram na freguesia, mas mantêm contacto permanente connosco, observem também estes princípios e se tornem parte da comunidade de paz; é o caso dos condutores que cobrem a rota para Apartadó, eles comprometeram-se a não transportar nenhum actor armado já que põem em perigo as pessoas que utilizam esse mesmo transporte público [...]. Algo muito comprometedor é a questão das ordens que os actores armados nos obrigam a realizar, como levar recados, dar informação, guardar armas, dar-lhes guarida ou um prato de comida [...] porque nós como camponeses temos de pagar por qualquer coisa [...] (entrevistas pessoais, 2000).

Para pertencer à comunidade de paz cada pessoa deve manifestar voluntária e individualmente o desejo de formar parte do projecto; deve participar durante um mês em quatro oficinas organizadas pelo comité de formação; depois deve pedir formalmente a inscrição mediante «um documento que será assinado por cada uma das pessoas que dê a sua aceitação ao processo e que seja maiores de doze anos; os pais e adultos responsáveis responderão pelas acções dos menores de 12 anos» (Comunidad de Paz, 1998a: 1). Uma vez assinado o documento de compromisso ou deixada a impressão digital como prova de aceitação, receberá da parte do Conselho Interno e de maneira oficial um cartão que o acredita como participante da comunidade de paz.

Além dos requisitos anteriores, para receber o cartão o interessado deve demonstrar que conhece a declaração de «Comunidad de Paz», que não é parte directa ou indirecta do conflito, que aceita o regulamento interno, que vai conservar responsavelmente os símbolos da comunidade e que se compromete activamente no desenvolvimento do processo e nas actividades comunitárias que lhe forem atribuídas (Comunidad de Paz, 1998a: 3). Este compromisso explícito, informado, voluntário e racionalmente aceite, reconstrói o colectivo por outra via, a via política, deixando para trás noções nacionalistas tradicionais como as de pertença ao território, vizinhança, laços de sangue ou adscrição histórico-cultural a uma comunidade determinada e constitui um incipiente corpus político com deveres (neutralidade e participação) e direitos (protecção e eleição).

Dado o carácter voluntário e individual da comunidade de paz, nem todos os habitantes da freguesia são seus membros; das trinta e duas povoações que existem em San José, apenas dezassete acolheram o pacto assim como alguns moradores do casario do povoado urbano, em boa parte retornados depois dos exílios de 1997. Os grupos de povoações que formam parte da comunidade de paz são os seguintes: La Unión, Arenas Altas, Arenas Bajas, La Cristalina, Mulatos Medio e Mulatos Alto, La Resbalosa, Las Nieves, El Guineo, La Linda, Alto Bonito, Las Playas, El Porvenir, Buenos Aires, La Esperanza Bellavista e San José (centro urbano) (Comunidad de Paz, 1998: 4).

4.5. A organização social e política da colectividade

A declaração de comunidade de paz e as exigências de neutralidade implicavam a adopção de um modelo organizativo sólido, com alguma autoridade e reconhecimento, como garantia mínima para o cumprimento dos objectivos propostos; a mais alta autoridade da comunidade de paz, e a única no território, é o Conselho Interno. Este organismo possui funções administrativas e disciplinares: ao mesmo tempo que coordena todas as actividades que o conjunto social desenvolve e resolve através do diálogo, os conflitos e tensões que surgem entre os habitantes, também vigia, controla e aplica sanções disciplinares a quem violar os acordos assinados entre os subscritores do pacto (Comunidad de Paz, 1998a: 1-4). Trata-se de uma autoridade não institucional nem reconhecida oficialmente, sem referências nem vínculos formais ou constitucionais com outras autoridades regionais ou nacionais; em suma, uma autoridade social, plural, colectivamente exercida e popularmente eleita a partir da qual se dirige de maneira colegiada a vida dos subscritores do pacto mas com uma inegável influência sobre todos os habitantes da freguesia.

O Conselho Interno é também quem representa a comunidade perante diferentes instâncias; é o encarregado de falar com os actores armados, pedir-lhes contas da sua acção, interceder por algum membro que seja questionado por eles e esclarecer situações equívocas. O Conselho representa também a comunidade perante entidades externas - organizações sociais nacionais ou internacionais - e perante os organismos estatais da ordem nacional que prestam ajuda humanitária ou protegem direitos e liberdades. No interior da comunidade, o Conselho é a autoridade a quem se deve obediência e acatamento.

As funções disciplinares do Conselho Interno têm a ver basicamente com aqueles aspectos relacionados com a neutralidade e com a venda e consumo de álcool. Quando alguém rompe as normas constitutivas do pacto, «o Conselho chama o infractor com a intenção de que este resolva o problema. [...] Se a falta for cometida uma segunda vez, voltará a ser chamado e se o for uma terceira será excluído da comunidade de paz» (Comunidad de Paz, 1998a: 3). O Conselho não aplica sanções penais, mas é preciso ter em conta que na prática ser expulso da comunidade quase equivale a ser expulso do território.

Este Conselho Interno é constituído por oito membros: o coordenador geral, o vice-coordenador, o tesoureiro, o fiscal, o secretário e três vogais; se o Conselho assim o decidir, pode contar com o assessoramento de um delegado da Diocese de Apartadó e de um delegado de uma ONG presente em San José (Comunidad de Paz, 1998a: 2). Este Conselho é eleito por todos os membros da comunidade de paz e a sua vigência será submetida à consulta popular cada seis meses; para manter a continuidade do processo, deverão permanecer sempre no mínimo duas pessoas do anterior Conselho. Este organismo reúne cada oito dias, aos sábados, ou em qualquer momento se a situação assim o requerer, e para que haja sessão é exigida a maioria absoluta dos seus membros. A eleição dos membros do Conselho realiza-se da seguinte maneira:

Reunimos por grupos e por carreiros para reflectir sobre as características que cada membro deve ter e de acordo com isto, propomos os candidatos; depois faz-se uma lista de todos eles e há um dia dedicado a eleições; as oito pessoas que obtiverem a votação mais alta serão os integrantes do novo Conselho, se cada um deles decidir livremente aceitar o cargo (Comunidad de Paz, 1998: 25).

Abaixo deste Conselho estão os grupos de trabalho e os comités. Os primeiros encarregam-se da produção colectiva e comunitária de alimentos para cobrir em parte as necessidades mais elementares de todos os membros da comunidade de paz; existem 22 grupos de homens e 11 de mulheres; cada grupo de trabalho tem um coordenador que é encarregado de organizar o trabalho e informar o colectivo nas assembleias informativas sobre os avanços ou dificuldades no desenvolvimento das tarefas (depoimento, 2000). Os comités, por sua vez, ocupam-se de aspectos temáticos concretos para a organização da vida em comum, tais como saúde, educação, trabalho, desportos, cultura, mulheres e formação política dos membros da comunidade de paz. Cada comité conta com um coordenador que, além das suas funções específicas, se encarrega de organizar a entrega de ajudas às famílias, os grupos de trabalho ou as pessoas, consoante o caso. Todos os subscritores do pacto de paz comprometem-se a participar nas tarefas colectivas e devem fazer parte dos grupos de trabalho ou dos comités; esta não é uma opção voluntária, é um compromisso indeclinável perante os compromissos estabelecidos com a comunidade de paz (entrevistas pessoais, 2000).

Este programa produtivo colectivizado e de forte sabor comunitarista contrasta significativamente com a organização social e política centrada no sujeito individual, na autonomia pessoal e no pluralismo de clara tendência liberal e democrática que faz da comunidade de paz de San José de Apartadó um híbrido ou uma mistura na qual se podem encontrar traços de vários sistemas políticos, uma combinação de tempos históricos diferentes e uma sobreposição de espaços, fechos e aberturas que complexificam significativamente o devir de um colectivo camponês aparentemente simples.

Trata-se pois de uma comunidade organizada, permanentemente mobilizada, de pé face à adversidade, que, através do trabalho colectivo e solidário, resolveu em parte as necessidades básicas da subsistência, resistindo às deslocações forçadas. Com uma profunda dignidade e coragem civil, esta comunidade tem tentado impor limites à guerra e, talvez sem ser este o seu propósito, esteja a formar uma ordem política nova a partir do local.

 

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