Os jovens e a política
Publicado no Diário de Coimbra em 2 de Maio de 2008
Perante
os alertas acerca do desinteresse dos jovens pela política, conviria
antes de mais lembrar que o fenómeno não é de hoje. Embora enquanto
Primeiro Ministro Cavaco Silva não se tenha mostrado particularmente
sensível às manifestações de jovens contra as suas políticas, a actual
chamada de atenção não deixa de ser importante. Esperemos que ela tenha
eco junto dos seus destinatários (que, diga-se, não são apenas os
jovens). Porquê o desinteresse dos jovens pela vida pública e pela
política? A meu ver, há três factores principais que estão na base
deste acentuar da indiferença e do alheamento perante a política: as
politicas neoliberais que acentuam o individualismo; a má imagem da
política e dos partidos; e o desemprego e a precariedade no trabalho. 1.
O primeiro deriva das mudanças sociais e económicas mais gerais que,
nas democracias ocidentais, têm conduzido a um aumento do
individualismo, do consumismo e da desfiliação, devido às pressões do
mercado, aspectos largamente acentuados pela globalização neoliberal. A
isso soma-se a perda de importância da família na educação dos jovens e
a falência das politicas educativas nos seus diferentes níveis (básico,
secundário e superior), sobretudo na promoção da consciência
democrática das novas gerações. Por exemplo, a história recente da
nossa democracia é completamente alheia à actual juventude. A falta de
atenção dada pela escola à formação cívica e política dos jovens é uma
das razões para a crescente indiferença. No entanto, o individualismo,
a concorrência, o salve-se quem puder deriva, naturalmente, da força do
mercado e dos seus instrumentos, sobretudo as indústrias do marketing,
da publicidade e da moda que, com os poderosos meios audiovisuais que
têm ao seu dispor, modelam as orientações e subjectividades juvenis. 2.
O segundo prende-se com o funcionamento dos partidos políticos e a sua
crescente perversão aparelhistica e burocrática (é a chamada “lei
férrea da oligarquia” no seu pleno). O discurso repetitivo, as
promessas não cumpridas, a defesa obsessiva do pequeno poder, as
alianças promíscuas, a recusa do debate público aberto, etc, só
contribuem para cavar o divórcio entre os jovens e a política. E essa
atitude dos partidos reflecte-se nas instituições públicas (em geral
por eles dominadas), na sua falta de transparência (desde logo no plano
local) e na forma burocrática como os utentes e cidadãos são tratados.
Para além disso, os partidos vêm cultivando o carreirismo e o
seguidismo ao mesmo tempo que esquecem e abandonam o debate ideológico
e a discussão política. E as estruturas das juventudes partidárias
parecem limitar-se a reproduzir, senão mesmo a acentuar, essa mesma
lógica tecnoburocrática. O mesmo se passa no associativismo estudantil.
O calculismo, a estratégia pessoal ou a ilusão de aceder a uma carreira
na política é o que mais importa na actividade do jovem e promissor
quadro partidário. Percebendo isto, a massa da população juvenil
(nomeadamente nas universidades) não vê nenhum estímulo em participar
nas actividades cívicas e associativas (recordo apenas que nas ultimas
eleições para a AAC houve uma abstenção de cerca de 75%). 3.
Finalmente, a questão laboral e da precariedade no emprego é outro
motivo para a indiferença da juventude perante a política e o
associativismo. Os sindicatos, embora gritem contra a precariedade, não
se mostram capazes de atrair os jovens para as suas estruturas. Porquê?
A sua mensagem, igualmente gasta e repetitiva, não consegue desligar-se
do velho modelo, da permanente auto-vitimização e auto-elogio,
julgando-se ainda no centro da transformação histórica (embora já sem
vanguarda), ao mesmo tempo que na prática privilegia a defesa
corporativista dos sectores estáveis do emprego. As experiências e
movimentos associativos de outra natureza tendem a ser ostracizados
pelos sindicatos. Tudo isto é agravado pelo facto de serem os jovens as
maiores vitimas do desemprego, dos recibos verdes, dos contratos a
termo, numa palavra, da precariedade no trabalho. Os que já trabalham e
estão nestas condições têm poucas possibilidades de intervir no
movimento sindical (até porque são dissuadidos de o fazer pelos
empregadores). À indiferença junta-se também o medo. Os que estão à
procura do primeiro emprego ou a terminar os seus cursos estão
dispostos a tudo para agarrar a primeira oportunidade laboral. O tempo
de sobra é para o lazer, a diversão e o consumo (mais ou menos
alienantes). Compete ao poder político dar o exemplo, protegendo os que
querem intervir nos sindicatos. Compete aos dirigentes associativos
mudar de atitude e mostrá-lo na prática. Compete às instituições de
ensino e a todos nós investir mais na construção de uma cultura
democrática para a juventude do século XXI.
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