Editorial
Tomámos neste lugar o lugar da ciência. Não na
totalidade, e talvez nem sequer na hegemonia. Mas este
número 4 da Revista Oficina de Poesia dedica
algumas páginas ao tema da ciência.
É provável que se diga da incompatibilidade entre o
discurso, lógico e rigoroso, da ciência e o discurso, da
imaginação e do belo, da poesia. Mas os poetas são assim:
violam as regras, as (in)compatibilidades, porque violam
os discursos. Ainda bem. Talvez digam outras vozes, que
existem vozes outras para dizer da ciência o que ela tem
de menos racional e também de belo. Talvez menos rigoroso,
mas mais próximo do olhar-poeta (poiesis) do
mundo. Talvez digam outras vozes, que existem vozes outras
para dizer da poesia o que ela tem de mais racional e
menos belo.
Este trabalho resultou de um trabalho dedicado a encontrar
na ciência - aparentemente dura e racional as palavras e
os sentidos, ou a sua ausência, que levassem à construção
do poema. O efeito aí está: vários foram os poetas que
encontraram, nas múltiplas expressões da ciência, o motivo
para criar o seu dizer, a sua forma de estar com a
ciência, nas mesmas palavras que fizeram a poesia.
Esta revista é também feita a outras mãos que, não sendo
as primeiras, não são também segundas, porque constroem do
mesmo modo um vértice que desdobra sentidos e sentidos, e
podem ver-se outros lugares e línguas, e a pele quase, dos
passos na luz translúcida que desprendem. São elas:
Affonso Romano de Sant'Anna, poeta brasileiro que esteve
no Encontro Internacional de Poetas de Coimbra, de 2001;
Ponç Pons, poeta catalão, estudioso de Fernando Pessoa,
visitou-nos este ano, no V Encontro Internacional de
Poetas, e é publicado aqui nas suas línguas mais próximas,
o cataIão e o castelhano; o norte-americano Mike Bas!nski
deu-nos imagens-poemas-gráficos - poesia traduzida por aNa
B; Bill Griffiths, poeta de Gales, e o português Xavier
Zarco - vencedor, este ano, do prémio de poesia Víctor de
Matos e Sá, atribuído pela Universidade de Coimbra -
contribuem também com o seu trabalho para este número;
André Brito Correia, sociólogo da cultura, publica uma
peça de ficção científica; na imagem, revelamos Luís
Filipe Santos, Fernando Ferreira e Georgina.
Depois dos nomes dos convidados, regresso aos
"oficineiros" da palavra, isto é, aqueles que continuam
teimosamente a insistir na manutenção do Projecto "Oficina
de Poesia" com os seus contornos iniciais, apesar de
alguma dificuldade financeira que se desenha na
Universidade de Coimbra. No entanto, é grande a procura da
frequência por muitos alunos, das várias faculdades e
outros públicos, a quem o curso livre é oferecido.
A vontade é continuar este trabalho de levar, junto de um
público que desejamos sempre mais vasto, a divulgação do
que fazemos, mas, sobretudo, a mostra deste construir da
poesia que consegue levar-nos a olhar o mundo com olhos de
intervenção. A comunidade, ainda que restrita, corresponde
com algum carinho, ouvindo, estando presente nas leituras
públicas que a "Oficina de Poesia" realiza em variados
locais, quer em Coimbra, quer em outros lugares de perto e
de longe. Esta presença estimula-nos e este gesto de dar
poesia, que para alguns pode parecer delírio, é ainda,
para muitos, uma forma incisiva de contribuir para mudar o
olhar sobre o mundo. Porque talvez seja aí que está a
razão profunda de toda a escrita - uma missão científica.
Jorge Fragoso
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