Trajectórias socioprofissionais de caboverdianos e indianos hindus em Portugal: uma análise extensiva e comparativa
Fernando Luís Machado (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia)
fernando.machado@iscte.pt
Maria Abranches (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia/ISCTE)

Apesar de já terem passado praticamente duas décadas desde que os fluxos de imigração em direcção a Portugal se intensificaram, pouco se sabe sobre as trajectórias dos imigrantes na sociedade portuguesa em geral e no mercado de trabalho em particular. O sentido dessas trajectórias é, no entanto, decisivo para os processos de integração ou de exclusão desses imigrantes.
É justamente de trajectórias profissionais de dois grupos de imigrantes - caboverdianos e indianos hindus - que trata esta comunicação. Os dados a apresentar resultam de um estudo empírico extensivo em curso no âmbito do projecto internacional LIMITS sobre os percursos sociais de populações imigrantes de origens diversas em cidades de seis países da União Europeia (Viena, Amsterdão, Bielefeld, Uppsala, Leicester e Lisboa).
A metodologia adoptada é a da reconstituição fina das biografias sociais de indivíduos, com 35 ou mais anos de idade e com um mínimo de 15 anos de residência nos países de acolhimento, começando pelo plano especificamente migratório e alargando-se a aspectos residenciais, familiares, profissionais e de integração social. O instrumento de pesquisa é um inquérito por questionário muito detalhado, cuja aplicação decorre entre Março e Julho de 2004.
Serão aqui analisadas, de forma comparativa, as trajectórias profissionais dos 300 caboverdianos e dos 300 indianos hindus inquiridos, tendo por base três momentos de referência do seu trajecto na sociedade portuguesa: um ano após a chegada, o ano correspondente ao ponto intermédio desse trajecto e o ano de 2004, em que a entrevista é realizada. Serão tidos em conta indicadores como a escolaridade, condição perante o trabalho, profissão, situação na profissão, sector de actividade, tipo de contrato, entre outros.
Estando ainda em curso a aplicação do inquérito, não é possível antecipar resultados, mas somente enunciar objectivos de análise. O que se procurará perceber, através dos dados do inquérito, é construir uma tipologia de trajectórias socioprofissionais que dê conta das permanências e transições entre emprego e desemprego, trabalho precário e trabalho estável, trabalho dependente e independente, profissões desqualificadas e qualificadas. Outro objectivo é o de estabelecer comparações sistemáticas entre os dois grupos e entre segmentos diferentes no interior de cada um deles.

Caboverdianos em São Tomé : trajectória social no pós independência
Marisa da Graça Costa (Ministério da Educação e Cultura/Instituto Superior Politécnico de São Tomé e Príncipe)
marisaespirito@yahoo.com

Abordar a trajectória social dos caboverdianos em São Tomé no pós independência obriga-me a lançar um olhar retrospectivo à primeira metade do século XX quando levas maciças de caboverdianos aportaram a Ilha para trabalharem nas plantações de café e sobretudo de cacau.
A fome que grassava as ilhas de Cabo Verde e a falta de mão de obra nas roças de São Tomé, natur levou a que milhares de caboverdianos, desembarcassem na ilha em regime de contrato para poderem trabalhar nas roças de cacau e café.
Embora os Moçambicanos, e os Angolanos estivessem também na faina diária e dura do trabalho das roças, dos caboverdianos , por serem em número consideravelmente maior passou a depender a sobrevivência das roças e em certa medida da ilha de São Tomé.
No entanto a promessa dos roceiros de que mal terminasse o contrato lhes pagariam o bilhete de regresso as ilhas de Cabo Verde não se concretizou uma vez que os patrões descartaram a hipótese e arranjaram sempre formas peritas de prendê-los ao trabalho na terra.
São desses caboverdianos que vivem entre a saudade e a resignação , dos seus filhos e netos que abordarei neste trabalho.
Após a independência, apesar das mudanças políticas ocorridas, as roças continuaram na posse dos seus antigos proprietários; uma realidade que não pôde ser ignorada na política nacional, pois condicionava toda a vida económica e social.
Em 1975 os novos dirigentes movidos por razões de ordem ideológicas e políticas argumentaram que a alteração da frágil situação económica da pobreza das populações (sobretudo das roças) dependiam de amplo movimento de reforma agrária.. Assim o decreto lei 24/75 determina a nacionalização das terras factor indispensável para consolidação da independência política, pois as roças foram no passado o símbolo da dominação e exploração colonial sobre o povo de S.Tomé e Príncipe e sobre os trabalhadores contratados. A nacionalização das roças visava dar um rumo diferente as estratégias de desenvolvimento, opção que preconizava o desenvolvimento nacional sobre uma estrutura harmónica e equitativa, onde fosse banida a exploração do homem pelo homem. O caboverdiano passou assim de contratado à trabalhador assalariado .
A nacionalização das roças não deu resultados almejados, a reforma agrária não foi acompanhada da necessária ruptura e substituição do antigo modo de produção por outro mais moderno as aquisições sociais dos trabalhadores rurais se circunscreveram-se apenas a alteração da situação do ponto de vista jurídico (ele passou de dependente ao trabalhador livre).
A luta pela sobrevivência continuo a fazer parte do dia a dia dos caboverdianos .
Através do decreto lei n.º 32/87 de 31 de dezembro o Estado Santomense preconiza o seu afastamento da vida económica.
Em Junho de 1991 a Assembleia nacional promulgou a lei da terra lei 3/91 que estabeleceu os métodos e mecanismo de obtenção da terra assim como os mecanismos de transferência do direito sobre a mesma. Em Agosto de 1992 o governo estabeleceu critérios e procedimentos para distribuição de terra através do decreto n.º 30/92 condição prévia para PPADPP (projecto de privatização agrícola e de desenvolvimento de pequena propriedade). A política estatal de tentativa de melhorar a produtividade, motivar os trabalhadores na maior parte das empresas agrícolas não resulta, as condições de vida dos caboverdianos da segunda e terceira gerações degrada ainda mais. A pobreza rural agudiza-se; a passagem da condição servo-empregado-proprietário é muito brusca sem preparação com pouca consciencialização sem pré requisitos que permitissem viver por si.
Hoje a comunidade caborverdiana em S.Tomé conta com cerca de 20000 pessoas dos quais 75% vivem na roça da roça e para roça.


Imigração portuguesa em São Paulo: pesquisando dois momentos distintos
Zeila de B. F. Demartini (Centro de Estudos Rurais e Urbanos (CERU) e Universidade Metodista de São Paulo)
ceru@edu.usp.br
Daniel Cunha (CERU/Universidade Metodista de São Paulo)
Ellen Doppenschmitt (CERU/Universidade Metodista de São Paulo)


Esta comunicação discute o processo de pesquisa sobre famílias luso-brasileiras que vieram para São Paulo em dois momentos distintos: durante a Primeira República e após o ano de 1970. O estudo analisa a inserção desses imigrantes e de suas famílias em diferentes campos durante período de forte imigração (1889 a 1930) e nos anos posteriores a 1970 em que, embora em número bem menor, a imigração portuguesa representou um fato importante para o estado de São Paulo; procura também conhecer as instituições que criaram ou com as quais se relacionavam os imigrantes.
O estudo inseriu-se na perspectiva de diálogo entre a Sociologia e a História, considerando várias possibilidades de pesquisa e de fontes disponíveis. As questões que nortearam o estudo levaram à discussão de formas diferenciadas de pesquisa com incorporação de novas fontes e novos sujeitos. Por tratar-se de um estudo sobre questões do tempo presente, tornou-se possível recorrer aos relatos orais de sujeitos envolvidos nos processos imigratórios, além das tradicionais fontes escritas usuais na História; numa aproximação mais antropológica procurou-se restaurar aos atores um papel ativo em promover e gerenciar as mudanças a eles referentes; assim, as entrevistas para obtenção dos relatos orais tornaram-se fontes privilegiadas. Trabalhou-se com a perspectiva da diversidade de sujeitos. Abordou-se famílias de imigrantes portugueses que se inseriram em atividades diferenciadas em São Paulo. Mas o processo de seleção dos sujeitos e de realização das entrevistas variou conforme o período considerado.
Para pesquisar as famílias imigrantes que chegaram antes de 1930, optou-se metodologicamente por trabalhar com as gerações sucessivas de cada família - com homens e mulheres. A abordagem de gerações para o estudo das migrações foi importante para a análise na perspectiva histórico-sociológica proposta: além de evidenciar como cada geração representa o processo imigratório, a origem lusa e o processo de reconstrução de identidades no novo contexto, permite a apreensão das histórias de família. Foram entrevistadas pessoas de vinte e cinco famílias cujos imigrantes da "primeira geração" chegaram em São Paulo durante a Primeira República. Como recurso auxiliar construiu-se a árvore genealógica de cada família. Na análise das entrevistas, abordou-se dois planos: o das gerações sucessivas de cada família, realizando uma análise interna aprofundada das várias trajetórias familiares; o outro, de comparação entre os relatos das gerações das várias famílias entre si, considerando os vários campos (econômico, familiar, educacional, cultural, religioso, político etc.), apreendendo informações e dinâmicas mais amplas sobre o grupo.
Quanto às famílias de origem portuguesa que vieram no período pós 1970, considerou-se duas procedências: os que vieram de Portugal, especialmente após a Revolução dos Cravos e os que vieram da África, durante as guerras coloniais e após a independência de Angola e Moçambique. Procurou-se explorar as complexas teias envolvidas no processo imigratório neste período, a inserção dos imigrantes na sociedade paulista e as relações estabelecidas com a já sedimentada "colônia" portuguesa existente em São Paulo. Imigrantes portugueses que vieram durante a Primeira República indicaram nomes de conhecidos que, ao formarem parte da mesma comunidade de imigrantes, puderam integrar-se à nova fase da pesquisa; mas outros foram localizados por outras vias, incluindo contatos com entrevistados pela internet. Esse processo ainda está em curso.
Além dos relatos orais, a análise dos jornais da grande imprensa paulista, das publicações do grupo português e da literatura produzida nos dois períodos tem sido incorporada para a compreensão das questões abordadas. A complementaridade de fontes é fundamental nessa pesquisa.

Desigualdades económicas e migrações externas
Sérgio Pires Vieira (Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales)
sergiopv66@hotmail.com

As migrações de trabalho internacionais resultam principalmente de oportunidades económicas diferenciais entre países, permitindo aos indivíduos aumentarem os seus rendimentos. No entanto, os estudos económicos tendem a analisar unicamente as contribuições da deslocação para o aumento dos rendimentos per se (absolutos). Porém, os diferenciais de salários esperados entre países podem também contribuir para melhorar a posição económica relativa dos indivíduos ou das famílias nos contextos de partida. Nesta segunda perspectiva, os incentivos económicos externos incidiriam preferencialmente sobre as famílias relativamente mais desfavorecidas. Por outro lado, as migrações internacionais seriam tanto mais importantes quanto maior fosse a desigualdade económica nos contextos de partida.
A verificação destas hipóteses implica a recolha de um conjunto de dados micro e longitudinais que permitam observar os processos de selecção dos migrantes nos contextos de partida (por exemplo uma aldeia) e procurar os fundamentos reais das acções individuais. A primeira questão consiste em saber qual a unidade micro-económica de análise mais pertinente : o indivíduo ou a família. Em economia tem-se privilegiado o individualismo metodológico, descurando assim as configurações sociais nas quais as acções individuais se desenvolvem. Mas a migração é raramente um acto de indivíduos isolados, envolvendo antes a participação e o interesse de um grupo mais vasto de pessoas no seio das famílias, tanto no local de partida como por vezes nos locais de destino. Se considerarmos que a migração apresenta riscos e necessita de investimentos iniciais (financiamento da deslocação, procura de trabalho, aquisição de novas qualificações, …), os indivíduos nem sempre estão em situação de assumir tais despesas, nomeadamente quando provêm de zonas economicamente desfavorecidas, tal como o meio rural tradicional. Deste ponto de vista a família representa um apoio inicial fundamental, mobilizando um conjunto de capitais mais vastos (económicos e sociais). A mais longo prazo, os próprios migrantes podem contribuir para o desenvolvimento da economia familiar. A família como unidade de análise oferece assim a possibilidade de estabelecer uma relação entre as acções individuais e as evoluções macro-económicas. Nesta perspectiva o processo de selecção e a motivação dos migrantes nos contextos de partida seriam determinadas pelas características individuais (idade, sexo, nível de educação), mas também pelos capitais familiares (nível económico, tradição migratória, redes sociais).

Partindo de um estudo de caso, uma aldeia do Norte de Portugal, compararemos as migrações internas e externas, entre 1950 e 1970, de indivíduos pertencentes a 100 agregados familiares. (1) Numa primeira parte, veremos que os percursos são totalmente diferentes consoante o estatuto económico da família e o nível escolar dos indivíduos. As oportunidades internas favoreceram maioritariamente as famílias menos pobres da aldeia e os indivíduos com melhores níveis escolares. As migrações externas foram pelo contrário marcadas maioritariamente pelas famílias mais pobres e os indivíduos com menores níveis de educação. (2) Num segundo ponto, um conjunto de dados longitudinais sobre os indivíduos e as famílias, permitir-nos-ão comparar o desenvolvimento micro-económico das famílias de migrantes internos e externos. Poderemos então estabelecer um primeiro conjunto de hipóteses sobre as motivações económicas, individuais e familiares, no caso específico das migrações externas. (3) Por fim, propõe-se uma reflexão sobre a evolução das desigualdades económicas nos contextos de partida e a propensão para as migrações externas, nomeadamente a ter conta em políticas de desenvolvimento local ou de controle dos fluxos migratórios.


A MIGRAÇÃO DE METROPOLIANOS PARA ANGOLA E MOÇAMBIQUE (1945-1974)
Cláudia Castelo (ICS, Universidade de Lisboa

Embora o Estado Novo (1933-1974) tenha desenvolvido um discurso que enfatizava a missão colonizadora e civilizadora de Portugal no continente africano, o surto migratório para o ultramar é tardio, coincidindo com o boom das economias angolana e moçambicana após 1945. Mesmo no período de maior fixação de naturais da metrópole em Angola e Moçambique, os destinos preferenciais dos emigrantes portugueses eram outros: o Brasil e, a partir de 1963, a França.
Nesta comunicação, propomo-nos apresentar um estudo sociográfico comparativo da migração de metropolitanos para Angola e para Moçambique, entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o ocaso do colonialismo português em África. O nosso objectivo é analisar a evolução dos contigentes migratórios para aquelas colónias e proceder a uma caracterização social da população portuguesa que ali se fixou, tendo em atenção variáveis como o sexo, a idade, o estado civil, a naturalidade, a escolaridade e a profissão. Em pano de fundo, trataremos a política de povoamento colonial do regime português, as suas ambiguidades e contradições. Julgamos poder demonstrar que a prioridade dada à colonização branca no discurso político, só gradualmente veio a ter correspondência na prática. O povoamento ultramarino fez-se sobretudo com base na migração espontânea e não em projectos dirigidos ou apoiados pelo Estado.

A imigração - uma alteração estrutural na sociedade portuguesa
Carlos Trindade (CGTP-Intersindical)

" Portugal, país de migrações - breve caracterização
" Democracia e movimentos migratórios - seus impactos
o O 25 de Abril
o A descolonização
o A adesão à CEE em 1986
o A evolução de União Europeia
" Desenvolvimento e movimentos migratórios em Portugal - suas limitações, potencialidades e desafios
o Modelo(s) de desenvolvimento
o Reflexos no mercado de trabalho
o Interculturalidade

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