A "virtualidade comunitária": Biografia individual e a construção da imagem do bairro.
Nilson Almino de Freitas (Universidade Estadual do Vale do Acaraú) nilsonalmino@hotmail.com

O presente trabalho é resultante de experiência vivida pelo pesquisador com dois narradores selecionados na cidade brasileira de Sobral, localizada no estados do Ceará. Estes narradores constroem em suas práticas cotidianas imagens associadas ao "líder comunitário" visando uma autoidentificação enquanto representantes de um determinado bairro ou segmento social. Seus discursos versam astutamente por trilhas que apontam imagens reveladoras da qualidade de construtores de bairros que pressupõem ser. Suas biografias coincidem com a própria história dos espaços que visam afirmar a condições de construtores. Além disso, as astúcias e espertezas contadas pelos narradores selecionados são emblemáticas para entender os jogos cotidianos de disputa por espaço no cenário político local. A virtualidade destas imagens que os narradores constroem, torna-se, em suas práticas, significativas para orientar condutas, comportamentos e atitudes que variam dependendo do contexto espacial e temporal. O bairro imaginado na narrativa, independente da própria conceptualização da palavra, dentre outros aspectos serve como justificativa e fonte. Os narradores selecionados podem ser classificados como tipicamente benjaminianos (1985). Ou seja, mostram senso prático, a história contada tem em si mesma ou de forma latente uma dimensão utilitária, eles sabem dar conselhos e comunicam suas experiências de forma épica, denotando sabedoria e paciência. Diante deste perfil, os narradores selecionados envolvem o ouvinte de forma a afetá-lo de forma significativa. O próprio pesquisador-ouvinte passa da condição de condutor da entrevista para conduzido pela história narrada. E é esta forma peculiar de construir imagens, típicas do narrador benjaminiano que se pretendeu analisar neste trabalho. Narrativa esta em que o espaço é cúmplice do narrador no exercício da liberdade de criar imagens.

 

Práticas culturais de cidadania nas fronteiras entre o local e o global: a Associação Cultural e Recreativa de Tondela
Cláudia Monteiro Pato de Carvalho - FEUC
claudia_patp2003@yahoo.com

O trabalho de investigação que me proponho apresentar refere-se a uma época específica da sociedade portuguesa em que se assiste à preponderância de formas da cultura global massificada. Algo paradoxalmente, as dinâmicas culturais, desenvolvidas ao nível dos espaços sociais descentralizados, ganham um crescente relevo sociológico. Estas são propícias à criação de espaços, com especificidades culturais, para a prática da cidadania cultural.
O contexto histórico-cultural do pós-25 de Abril, em Portugal, com a consequente dissolução da ditadura, abriu espaço para o surgimento de projectos de intervenção sociocultural. Proponho-me reflectir à luz de um estudo de caso singular, que serviu de objecto empírico à minha tese de mestrado - a Associação Cultural e Recreativa de Tondela (A.C.E.R.T.). A sua natureza, enquanto fenómeno da pós-modernização da cultura nas sociedades contemporâneas, conduz-nos a uma reflexão sobre novos possíveis formatos da cidadania cultural.
Neste sentido, pretendo equacionar a natureza das práticas de cidadania nas sociedades contemporâneas e a importância da democratização cultural para o desenvolvimento de novas cidadanias alternativas. Trata-se de reflectir sobre os novos contornos culturais e cívicos da comunidade, proporcionados pelas dinâmicas culturais, no sentido da criação de novas estratégias para a democratização dos acessos da sociedade civil à cultura. Neste contexto, é de relevar a influência da acção da associação no aperfeiçoamento de novas formas de realização dos direitos de cidadania, e especificamente dos direitos culturais. Ao identificar novas possibilidades de entendimento da cidadania cultural e novas estratégias para gerar o seu estímulo, interessa apurar quais as possíveis formas de empenhamento cívico das comunidades locais (pela participação activa) e as suas estratégias de inserção nos eventos associativos. Encontramo-nos, assim, frente a uma das grandes questões da sociologia, relacionada com a natureza problemática da cidadania nas sociedades contemporâneas e da consequente importância do potencial da democratização cultural no repensar de novas cidadanias alternativas.
Em Portugal, é notória, hoje, a existência, paralela aos grandes centros urbanos (principalmente Lisboa e Porto) de produção artística, de núcleos urbanos ou até rurais de menor dimensão, onde o isolamento é cada vez menos um obstáculo a situações de intenso tráfico cultural, assistindo-se progressivamente à alteração das suas dinâmicas. Qual será então a singularidade desta relação cultural que se cria ao nível do local? Qual o seu significado na e qual o seu contributo para a clarificação das sociabilidades culturais pós-modernas? A cultura pós-moderna é necessariamente uma cultura globalizada, pois a relação com o diferente torna-se cada vez mais cultivada em espaços e tempos distintos. Daí a emergência das redes globais de intercomunicação, que começaram por ser de carácter económico mas abarcaram todo o processo de relacionamento social e cultural individual e grupal. Torna-se inevitável a consideração do carácter das influências dos fluxos culturais globais nas dinâmicas do espaço público das comunidades descentralizadas. Interessa, então, do ponto de vista sociológico, identificar o tipo de interpenetrações sociais entre a presumível fidelidade ao tradicionalismo da cultura local e a inevitabilidade das influências da pós-modernização cultural na sociedade contemporânea. Paralelamente ao discurso sobre a preponderância hegemónica de formas de cultura global massificada, projectos culturais como a A.C.E.R.T. abrem espaços de manobra para a construção de dinâmicas culturais locais com especificidades culturais multiformes. É sobre estas sinergias culturais e o seu carácter ecléctico, que mistura influências globais e locais, que me interessa reflectir. Em suma, torna-se pertinente averiguar sobre a influência desta relação de fluxos entre o global e o local no reforço das identidades do local e/ou na sua recriação, pela inclusão nos parâmetros das relações sociais e culturais pós-modernas.


Movimentos Sociais em habitação e a intervenção do poder público
Giseli Paim Costa (Universidade de Caxias do Sul e Pontíficia Universidade Católica de São Paulo)
giselipc@terra.com.br

Este trabalho procura tensionar e aprofundar algumas questões observadas durante a realização da pesquisa de Mestrado, intitulada "A repercussão da violência social no cotidiano escolar". A pesquisa teve como foco central analisar a repercussão da violência no cotidiano de uma escola da rede municipal de Porto Alegre, localizada em um loteamento, denominado Cavalhada, na cidade de Porto Alegre, capital do Estado do Rio grande do Sul, sul do Brasil,. A transferência de ex-moradores de vilas para o Loteamento desencadeou uma diversidade de problemas. Os moradores vivem neste local desde 1995, porém não se percebem enquanto moradores de uma mesma comunidade. Não há articulação, há um aglomerado de ex-vilas dividindo e/ou disputando o mesmo espaço físico. A necessidade da mudança despersonificou essas famílias, que estão, ainda, em busca de uma identidade enquanto Loteamento, o que visivelmente é um processo longo e trabalhoso. Alguns reclamam da falta de participação da comunidade para reivindicar melhorias, outros esperam que o poder público - no entendimento dos moradores, o Governo Municipal - forneça o que é preciso, pois foi quem promoveu a mudança. A democratização do Estado assume papel importante quando se busca imprimir um novo comportamento na gestão da cidade. Nesse sentido, a criação de canais adequados de acesso e participação da população, capazes de incorporar os movimentos sociais e até mesmo aqueles ainda não organizados, é indispensável para a concretização e alteração do processo de ordenamento urbano. O planejamento urbano do Município deve ser capaz de pensar a cidade estrategicamente, garantindo um processo permanente de discussão e análise das questões urbanas e suas contradições inerentes, de forma a permitir o envolvimento de seus cidadãos. Por isto, a descentralização, ao lado da participação da população, pode ser entendida como um passo importante para a gestão de um novo modelo de cidade e de decisão das políticas públicas. No entanto, para os moradores do Loteamento, o que é direito assegurado pela legislação passa a ser confundido como uma obrigação paternalista dos órgãos públicos, de compensar as suas faltas e carências. Esse entendimento justifica a não participação em espaços públicos de participação e discussão, por que existe um discurso, no qual muitos moradores acreditam, que o Governo Municipal ou Estadual são os únicos responsáveis pelo provimento dessas faltas. Acredita-se que a convivência e a articulação comunitária podem fortalecer o grupo enquanto uma comunidade, resgatando um sentimento de auto-estima e minimizando a fragmentação comunitária. No Loteamento, a transferência das famílias trouxe à tona, indubitavelmente, a fragilidade das relações ainda fragmentadas e a dificuldade da Administração Municipal gerenciar esta situação. Na tentativa de proporcionar condições melhores de vida aos moradores, trazendo como conseqüência o exercício da cidadania, a Administração não previu a expropriação dos desejos, da memória, da identidade que cada uma dessas famílias constituiu ao longo de anos vivendo nas vilas. Há um processo, demarcado por um tempo, para que novos significados sejam configurados. A reelaboração desses novos significados precisa estar em consonância com o tempo de cada indivíduo, com seus desejos, com suas necessidades presentes no cotidiano vivido pelos indivíduos e seus grupos. E parece que há um distanciamento entre os tempos simbólicos (tanto dos moradores quanto da Administração Municipal) e o tempo real (que delimitou a data de transferência das famílias). A investigação deste trabalho percorre o entendimento acerca do comportamento político destes moradores, do seu processo de consciência política e a relação com o poder público.

 

A pobreza urbana e suas multifaces: experiências e significados
Antônia Jesuíta de Lima (PUC/São Paulo)
a.je.l@uol.com.br

A comunicação ora apresentada resulta de pesquisa de doutorado, realizada no período de 1994 a 1997, em Teresina-Piauí, no nordeste brasileiro. Tem como campo privilegiado a cidade as populações urbanas. O estudo busca compreender os processos subjetivos pelos quais os pobres constroem suas referências do mundo social em que vivem, colocando em relevo as mediações simbólicas que articulam o modo de pensar sua condição social.
A motivação para a investigação adveio de duas preocupações: Uma, nasceu de uma instigante indagação: para além das condições objetivas haveria outras formas de explicar a pobreza? Partia-se do suposto de que a pobreza não pode ser explicada apenas como uma condição de vida, mas como uma forma de pensar e de se inserir no mundo, uma forma de se representar como categoria social. Para examiná-la era preciso outra lente, a partir da qual se pudesse elucidar significados, não visíveis, que se expressam na vida cotidiana e nas representações simbólicas desse segmento social.
Outra era de natureza empírica e residia na idéia de que pensar a pobreza em Teresina exigia um mergulho nos processos urbanos, sobretudo a partir da década de 1980, do século XX, momento em que se viram aprofundados os problemas sociais e se deteriorarem as condições de vida de sua população. O exame da realidade de Teresina, de suas manifestações espaciais e mobilizações populares evidenciou uma forte inflexão físico-territorial e social, caracterizada pela ação de agentes institucionais, por uma reconfiguração do espaço urbano e pela redefinição da pobreza. Nesse contexto emergiu um fenômeno social novo, as ocupações coletivas, novas formas de os pobres habitarem a cidade, que demarcavam uma fronteira com as formas populares de ocupação da década de setenta. Ao mesmo tempo anunciavam também a extensão do drama dos pobres da cidade que se associavam ao drama dos migrantes do campo, que se instalavam, na sua maioria, nas favelas.
Com base nesse escopo procurou-se refletir sobre as condições de vida, as práticas e as mediações simbólicas com as quais os pobres pensam a pobreza e constroem uma referência de mundo, buscando responder as questões: Quem são os pobres em Teresina? O que dizem sobre esta condição que os expõem a um conjunto de privações e vulnerabilidades e que elementos se apresentam como possibilidade ou não de sair da condição social de pobreza?
A pesquisa examinou duas experiências: uma favela localizada em bairro de alto padrão de renda; outra, situada numa região de forte concentração de segmentos pobres da população. Metodologicamente, foram definidas como principais vias de acesso à investigação, o espaço local e a família, entendendo que são esses os eixos norteadores das referências de pertencimento na formação da identidade dos pobres.
Os resultados trouxeram, para o primeiro plano, a imagem de pessoas que vivem em incessante luta cotidiana, buscando retomar trajetórias, retecendo relações e vínculos, e reconstruindo sonhos de uma vida que pensam como "decente", rompendo com o contingente que os torna desiguais pela excludência e diferentes por pertencerem a um segmento que é (e se sente) estigmatizado socialmente. Evidenciou ainda um forte traço que atravessa as trajetórias desses sujeitos no campo e na cidade - a itinerância. O nomadismo urbano que caracteriza a vida de grande parte dos moradores das favelas apresenta-se como uma etapa de sucessivas mudanças já ocorridas no meio rural.
Pode-se notar que, no conjunto das representações formuladas, são as experiências vividas em relação à família, ao trabalho e à sociabilidade local que constituem o amálgama da identidade social, pois aí se encontram as referências que permitem a interação com seus iguais, os pobres, e com os não iguais, os ricos. A representação que elaboram de si e de sua presença no mundo está imbricada com a própria imagem que produzem sobre a importância da família em suas vidas. O trabalho constitui-se a possibilidade desse reconhecimento do pobre no espaço público que, uma vez conquistado, reforça a imagem e os valores que ordenam a vida no mundo privado. Além dos valores morais que tomam como positividade em suas vidas, os valores religiosos sedimentam esse núcleo comum, que os leva a viver as privações com resignação, como forma de sobrevivência. É se apegando às crenças que suportam e enfrentam as circunstâncias adversas, mas também esperam um futuro diferente, mesmo que seja usufruído apenas pelos filhos. Essas pessoas ancoram-se nas sociabilidades locais, mas lutam pelo engajamento na sociedade, pois querem "mudar de vida". Supõe a conquista de cidadania, a construção de um lugar de pertencimento no espaço público, de onde possam ter reconhecidas suas necessidades como legítimas, espaço em que as diferenças sejam medida de respeito às subjetividades, à heterogeneidades e não de discriminação.

 

Processos de segregação e exclusão social
Cármen Sílvia Carvalho (Universidade Estadual de São Paulo)
ccarvalho@assis.unesp.br

A segregação urbana é uma das faces mais importantes da exclusão social, não como simples reflexo, mas também como indutor da desigualdade, como a dificuldade de acesso aos serviços e infra-estrutura urbanos (saneamento, drenagem inexistente, dificuldade de abastecimento de água, difícil acesso aos serviços de saúde, educação e creches, soma-se menores oportunidades de emprego (particularmente do emprego formal), menores oportunidades de profissionalização, maior exposição à violência (marginal ou policial), discriminação racial, discriminação de gênero e idade, difícil acesso à justiça oficial, difícil acesso ao lazer e tantas outras necessidades, fazendo com que a população carente cotidianamente permaneça num processo de exclusão e precariedade.
O processo de segregação sócio-espacial, é uma característica existente nas cidades de porte médio, vistas como padrões de diferenciação social e de separação, como regras de organização do espaço na cidade, como coloca (Caldeira, 2000), essas regras variam cultural e historicamente, revelam os princípios que estruturam a vida pública e indicam como os grupos sociais se inter-relacionam no espaço da cidade.
Acompanhando este processo de segregação, hoje a discussão mais presente é da categoria "exclusão" que se apresenta com vários enfoques e análises, onde a exclusão é um termo amplo ou suficiente para descrever variados processos que abarcam desde a degradação das relações sociais, às desigualdades múltiplas colocadas em ação pela forma violenta da acumulação capitalista em nosso país.

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