A Reforma Agrária em S. Tomé e Príncipe: época pós- colonial
Maria Nazaré Ceita (Ministério de Educação e Cultura São Tomé e Príncipe)

A estrutura agrária em S. Tomé e Príncipe resulta de um sistema económico-social baseado na extroversão de produtos lucrativos imposto logo de início pelo sistema colonial. Tal estrutura agrária_ arcaica e eivada de sistémicas fragilidades estruturais nomeadamente, a dependência ao débil sistema agrário português e dos mercados internacionais, bem como de uma mão de obra flutuante e desmotivada trazida do continente africano, quase à força, sob a capa de contrato de trabalho- não se ajustou às novas exigências impostas pela abolição da escravatura no século XIX, tais como a introdução de novas técnicas e tecnologias, visando a melhoria de produção e de rendimento. Como tal, a queda de produção tornou-se inevitável, e S. Tomé e Príncipe perdeu a posição cimeira e de relevo que ocupava, nos períodos áureos de 1890-1920, para os países do continente, onde a monocultura do cacau tinha sido posteriormente implantada.

As estratégias adoptadas para a agricultura, após o acto da independência, resultam de programas e projectos económicos nacionalistas dos Movimentos de Libertação, que geralmente em África eram orientadas para uma radicalização política, cujas opções económicas consistiam em reformas agrárias baseadas em nacionalizações das propriedades agrícolas como o momento mais alto de conquista da soberania política, sem, contudo, criar as condições técnicas, humanas e materiais para uma verdadeira reforma estrutural do sector agrícola. A crise que se instala nas ilhas nos finais dos anos 80 para além de ser consequência da deterioração dos termos de troca no mercado mundial, agravado por dois anos de seca no mesmo decénio, é também resultado da caducidade do sistema agrário santomense, que levou a inevitável queda de mono- produção agrícola de exportação. Em 1985 os resultados das nacionalizações eram de tal modo catastróficos que conduiu o Estado à adopção de um Programa de Ajustamento Estrutural em 1987 e a aplicação, por imposição das organizações de Breton Woods, de modelos e políticas neo-liberais na agricultura, dentre os quais, a renovação dos cacausais_- uma solução sem se equacionar as matrizes ambientais, tecnológicas e de mão de obra disponível, o estabelecimento de contratos de gestão de 15-20 anos com companhias estrangeiras o que apenas contribuiu para avultar consideravelmente a dívida externa do estado santomense, posterior "privatização" e distribuição das terras, revolucionando toda a complexidade de um mundo rural prenunciando contornos de uma nova reforma agrária que redundou em fracasso completo. Até a presente data, o sistema agrário tem adiado imensos problemas que se prendem com a acomodação digna da população rural, uma ruralidade forçada desprovida de suficientes apoios e acompanhamento técnico, a ausência de políticas tendentes a preservar o rico património arquitectónico das roças, indício de eminentes conflitos face à ameaça do futuro desaparecimento de terras disponíveis, tendo em conta a distribuição, transferencia, apropriação e negociação indiscriminada de títulos de posse temporariamente concedidos e sobre os quais o Estado não tem criado mecanismos jurídicos de seguimento e controlo. A descaracterização do contexto socio-agrário não tem permitido aos agricultores rendimentos suficientes para fazer face aos problemas que enfrentam, nem mesmo alguns expedientes do Estado no sentido de disponibilizar algum fundo para este sector, tem-se revelado bastante, esperando-se mesmo que eles não venham a ser recuperados.

A transformação da pequena economia insular santomense, numa economia rural, baseada na agricultura familiar, é um paradigma novo, quanto à nós, e sujeito à mutações económicas e sociológicas, cujas consequências são imprevisíveis a curto prazo. Presentemente, o Estado santomense está envolvido quer na formação de um sector de pequenos agricultores, quer na construção dum modelo rural e da ruralidade, sem que de um modo geral, estudos multidisciplinares e análises aturadas fossem realizados. As limitações encontradas na aplicação dessas reformas agrárias nas ilhas têm contribuído para o acentuar das assimetrias regionais e locais, o que vem aprofundando o fosso entre o rural e o urbano, resultando numa forte pressão sobre a principal cidade do país com o crescimento do mercado informal.


Porque é tão difícil associar território e "projecto" em Portugal?
Daniel Francisco (CES/FEUC)

Quem se dedica a estudos sobre a dimensão local da política tem hoje ao seu dispor um estimulante conjunto de ferramentas conceptuais. Noções como "actor colectivo", "redes políticas", "governância" ou "troca política" procuram dar conta das mutações contemporâneas da acção pública e do papel dos territórios nesse processo. O que este acervo teórico ilustra é a progressiva definição e coordenação das políticas públicas a nível territorial, seguindo o imperativo da "proximidade" e da negociação descentralizada no tratamento dos problemas colectivos. O território, mais do que o aparelho do Estado, constitui actualmente o lugar de condensação e abordagem dos desafios sociais.
Na Europa, a territorialização das funções Estado passou, desde os anos setenta, por processos de descentralização na administração pública. Estes confortaram ou deram azo a modos de coordenação dos interesses socioeconómicos e estratégias de desenvolvimento a "partir de baixo". Nos anos recentes, devido a factores que vão desde as incertezas e doutrinas administrativas da globalização (o new public management) até à consolidação do papel das elites periféricas nos vários sistemas políticos, passando pelos procedimentos trazidos pela construção europeia (chamemos-lhe "europeização" e pensemos em princípios como a "subsidariedade" ou o "partenariado"), temos visto aquele conjunto de tendências ganhar nova roupagem.
A sociologia, na sua análise, fala em "sistemas de acção concreta" nos territórios, "actores colectivos" territoriais, constelações locais de poder, democracia participativa, "troca política territorializada", "governância multi-nível", etc., Porque a acção pública recorre cada vez mais a fórmulas contratuais, associando público e privado, Estado, autoridades locais e Europa, as abordagens têm enveredado por uma certa teoria da acção organizada, próxima da lógica dos actores. Para o fazer, recorre-se às teorias da escolha racional, mas as análises mais culturais da confiança, cooperação ou conflito entre os actores na sociedade, bem como os contributos institucionalistas, não são esquecidos.
No terreno, o que se pretende é tornar eficaz e legítima a acção pública. Velho problema, é certo, hoje agravado pela profunda crise de representatividade dos políticos e o cariz eminentemente especializado das intervenções que o poder tem de realizar ou coordenar.
Para avaliar os universos locais, na sua resposta a estas novas circunstâncias, a ideia de "projecto" tem-se insinuado. A sua utilização procura aferir a qualidade dos sistemas relacionais postos em campo para organizar a acção pública. Contribui assim para discutir em que medida cada sociedade encontra nos seus territórios energias e soluções de organização - que articulem público, privado e associativo, agentes socioeconómicos e lideranças autárquicas - que permitam partilhar recursos, gerir conflitos e empreender estratégias comuns para valorizar os quadros de vida de todos. No fundo, trata-se de saber, em cada cidade ou região, se as respectivas elites têm recursos, meios e vontades, quer dizer, predisposição mental, interesse prático e instrumentos operacionais, para se entregar em conjunto a projectos modernizadores - de renovação urbana, transportes e mobilidade, ambientais, científicos -, que possam aglutinar múltiplos intervenientes e servir a consciência de um destino colectivo mais ou menos sufragado pelos cidadãos.
O caso português será aqui analisado, à luz do quadro empírico fornecido pela cidade do Porto e seu metropolitano. Neste projecto de envergadura encontramos, para o nosso país, elementos esclarecedores da problemática acima proposta. Um projecto como o Metro do Porto reflecte necessariamente muito do que é a relação centro-periferia em Portugal, dando a ver aspectos decisivos da interacção público/privado e da articulação entre diferentes tipos de autoridades a nível local. Em causa, a coordenação operacional de diversas entidades, instâncias político-administrativas e dirigentes territoriais, no âmbito de uma importante intervenção pública e num espaço plurimunicipal. Este projecto exprime também boa parte do significado da Europa e seus requisitos programáticos (subsidariedade, adicionalidade, participação) na realidade portuguesa, pois a maior parte do seu financiamento provém de fundos estruturais. Finalmente, ilustra os tons da participação cidadã que o nosso país contempla nos seus universos locais, em matérias tão importantes como as políticas de transporte urbano.

Desigualdade social, cultural e apropriação territorial no Nordeste do Brasil: um estudo de caso em Ponta Negra - Natal.
Françoise Dominique Valery
francoisevalery@hotmail.com
Catarina Neverovsky (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)

As transformações econômicas, sociais e políticas nas ultimas décadas do séc. XX trouxeram mudanças que não se restringiram apenas ao sistema de produção. A acumulação flexível levou muitos trabalhadores a perderam seus postos de trabalho e a buscarem novas formas de sobrevivência, migrando para atividades administrativas, de prestação de serviços e para a atividade turística de pequeno e médio porte. No Brasil, o Estado tem investido na implantação de planos de desenvolvimento turístico a fim de criar condições favoráveis para a reprodução da atividade turística, principalmente na região Nordeste. O turismo requer investimentos em infra-estrutura urbana, saneamento básico e outros equipamentos urbanos, para seu desenvolvimento, que foram realizados durante duas décadas com recursos públicos no bairro de Ponta Negra na cidade do Natal, no Rio Grande do Norte, Brasil. Deste modo, após intenso processo de urbanização, o bairro de Ponta Negra passou a atrair mais investidores, tanto estrangeiros como brasileiros para o setor hoteleiro, que foram se apropriando da orla marítima, construindo hotéis, pousadas, restaurante, bares e no restante do bairro foram fixando moradias. Em conseqüência, Ponta Negra passa a se inserir no contexto global como "lócus" turístico privilegiado, mantendo uma ligação mais forte com a Europa, pelas agencias de turismo, hotéis de redes internacionais e por meio de redes de conhecimentos mantidos pelos forasteiros com seu local de origem. O espaço passa a apresentar uma fragmentação que se caracteriza pela internacionalização e cosmopolitização, resultante de processos migratórios internos e externos, com a recriação de fragmentos de outras culturas, trazidas por atores sociais que vieram em busca de alternativas econômicas. Essa espacialização da fração urbana resulta em um espaço a ser consumido e em relações sociais pautadas pela tecnologia e consumo de mercadorias globais, com a introdução do consumo de novos alimentos que não faziam parte da culinária local, de novas lojas de vestuário que atendem ao gosto cosmopolita. A grande maioria dos estabelecimentos hoteleiros está integrada a rede informacional e os que não estão, são de propriedade de nativos contrastam visivelmente com a prosperidade dos concorrentes. A difusão tecnológica configura-se como fator de desigualdade na sociedade desconectando culturalmente e espacialmente a população local. Esse processo mascara as desigualdades sociais, com espaços apropriados por uma elite de forasteiros estabelecendo uma hierarquia de segregação pelo preço dos imóveis, fragmentando o espaço social, cultural e economicamente. Assim a desigualdade não é apenas econômica, mas também cultural, onde há pouco espaço para os não iniciados na tecnologia da informação, se estabelecendo um processo de exclusão social pela dominação estrutural. A população local não participa destas mudanças, uma vez que se torna reserva de mão de obra barata e de pouca qualificação profissional sendo excluídas dos setores dinâmico da economia, tanto como produtores como consumidores. A apropriação do território dos nativos, principalmente na Vila de Ponta Negra, marcada pela apropriação espontânea do espaço pelos pescadores nativos, se processa com a expulsão dos mesmos para áreas mais distantes pela especulação imobiliária. Percebe-se uma tensão entre os forasteiros e os nativos, onde a construção de uma identidade torna-se uma trincheira de resistência frente a exclusão das redes de riqueza, poder e à apropriação territorial exercida pelos "outros". Aos nativos resta a luta pela preservação de sua identidade cultural e pela sobrevivência.


Os autarcas e a transição urbana
Graça Moreira (Faculdade de Arquitectura/UTL)
gmoreira@fa.utl.pt


Esta comunicação integra-se no estudo da transição das cidades portuguesas da fase industrial para a pós industrial, no último quartel do sec. XX.
Apresenta um trabalho de análise da alteração do perfil dos autarcas que dirigiram duas cidades portuguesas (Almada e Barreiro) durante aproximadamente 15 anos, entre o fim dos anos 70 e meados dos anos 90.
O estudo foi desenvolvido como uma hipótese explicativa da divergência de opções tomadas nas duas cidades, quando estas necessitavam de evoluir no seu ciclo de vida da fase industrial para a pós-industrial.
As elites socio-económicas que dirigiram estas cidades, tiveram um papel importante na definição das políticas públicas que podiam ou não facilitar a transição, inevitável, da fase industrial, quando estas cidades atingiram uma posição marcante no quadro da industrialização em Portugal, para a fase pós industrial, em perspectiva.
O estudo foi desenvolvido analisando para todos os membros da Assembleia Municipal as variáveis: naturalidade, perfil profissional e áreas de actividade.
Foi ainda analisada a evolução da tendência de voto da população dos dois municípios para a Assembleia Municipal e para a Câmara Municipal durante o mesmo período de tempo.


Clique no botão do lado direito do seu rato para imprimir