A insustentável leveza do ser santomense: colonialismo, socialismo, liberalismo e a persistência das desigualdades sociais
Marina Padrão Temudo (Instituto de Investigação Científica Tropical)
Alexandra Arvéola (ISCTE, Lisboa)

Neste trabalho pretendemos apresentar os primeiros resultados de uma pesquisa empírica realizada na ilha de S. Tomé (República de São Tomé e Príncipe) em 2002, através de estudos de caso em três "comunidades" de pequenos agricultores - Iô Grande, Sª Adelaide e Ribeira Palma Praia - com diferentes condições agro-ecológicas e sócio-culturais.

Analisaram-se as formas de adaptação das populações residentes nas actuais "comunidades" (anteriores dependências de roças/empresas estatais) aos contextos introduzidos pelo processo de privatização da terra, nomeadamente ao nível dos sistemas de sustento e da organização social. Este processo introduziu novas dinâmicas sociais, por um lado, ao acentuar as desigualdades entre um reduzido leque de forros (grupo auto-considerado autoctone) e o resto da população e, por outro, ao esbater as fronteiras socio-económicas entre os grupos mais desfavorecidos dos antigos trabalhadores agrícolas das roças (nomeadamente os cabo-verdianos e seus descendentes), os angolares (também "autoctones" mas desde sempre marginalizados) e uma nova franja de forros empobrecidos, que passaram a trabalhar a terra como forma principal de sustento.

Com efeito, se o apogeu das plantações coloniais foi conseguido à custa de mão-de-obra contratada - importada de Angola, Moçambique e Cabo Verde -, dado que os forros após o fim da escravatura se recusaram a trabalhar a terra nas roças, o processo de socialização da economia que sucedeu à independência, serviu a este mesmo grupo sócio-cultural para se apoderar do e ampliar o aparelho administrativo das então empresas estatais. É esta participação no trabalho das plantações que lhes vai legitimar o acesso a lotes de terra aquando da privatização, diminuindo assim a sustentabilidade económica das explorações das famílias dos ex-contratados (na maioria cabo-verdianos), que não puderam após a independência regressar aos seus (ou dos seus progenitores) países de origem. Paralelamente, os forros mais próximos do poder apropriam-se de grandes áreas situadas nas zonas mais favoráveis e com cacauzais em produção - as chamadas médias empresas -, sem na sua maioria as viabilizarem economicamente e mantendo em condições de total indigência os trabalhadores, que foram obrigados a permanecer pelo facto de não lhes ter sido atribuída terra.

O discurso público do poder imputa as baixas produções de cacau - do qual dependia a economia do país até à descoberta do petróleo - àquilo que consideram uma excessiva pulverização da terra imposta pelas instituições de Bretton Woods aquando do ajustamento estrutural, omitindo que não existem dados sobre a participação relativa de pequenos agricultores e médios empresários nas exportações deste produto. Se a estratégia dos médios empresários parece consistir em atribuir o seu desisvestimento à ausência de financiamentos e subsídios e à instabilidade do mercado do cacau, os pequenos agricultores adoptaram estratégias de sobrevivência diversificando a produção e as suas actividades por forma a prover ao sustento de famílias numerosas. Para os pequenos agricultores, o desafio consiste não só em desenvolver uma actividade económica viável, mas sobretudo em criar poderes locais nas "comunidades" surgidas no vazio deixado pelo fim do modelo de organização social das plantações (roças/empresas estatais), por forma a terem capacidade de manobra para reinvindicar o apoio do Estado e das organizações não governamentais na implementação de serviços sociais (escolas, postos de saúde, infra-estruturas de saneamento e de comunicação) e no escoamento dos seus excedentes de produção.

Narrar a nação: um projeto além da utopia
Shirley de Souza Gomes Carreira (UNIGRANRIO)

Nas três últimas décadas do século XIX, o imperialismo estimulava a expansão européia como objetivo político supremo e impunha a noção da superioridade da raça branca como princípio de dominação. O mundo foi reorganizado por uma lógica que se apoiava na antinomia dominador/dominado, traçando uma linha distinta entre "civilização" e "barbárie", entre "centro" e "periferia".
O século XX testemunhou profundas transformações políticas e sociais, dentre elas o processo de descolonização, bem como o surgimento de um novo campo de investigação que focaliza o que se convencionou chamar de "pós-colonialismo". Academicamente, o termo "pós-colonialismo" se reporta a uma série de estudos centrados nos efeitos da colonização sobre as culturas e sociedades colonizadas, que podem ser interpretados como parte da teoria pós-modernista, que busca trazer à baila as vozes das culturas e dos segmentos sociais periféricos. Essa busca de "descentramento", segundo os teóricos do pós-modernismo, é uma tentativa de "ouvir" as "margens", incluindo-se aí, todas as minorias raciais, as mulheres e os homossexuais. Os assim chamados "estudos pós-coloniais" focalizam, portanto, as manifestações culturais, entre elas a expressão literária, das nações que conquistaram sua independência após um longo período de dominação política e cultural.

 


Somos uma raça com duas pátrias'. Imigrantes Afro-Moçambicanos: Narrativas de Vida e Identidade, e Percepções de um Portugal pós-colonial
Sheila Khan (University of Warwick - Centre for Research in Ethnic Relations)
princesa_z@hotmail.com

O presente trabalho tem como objectivo a análise das vivências e narrativas de identidade dos imigrantes afro-moçambicanos em Portugal, e pela qual se procura recuperar possíveis respostas a questões de índole complexa, quando muito, só debatidas sob o ponto de vista da nostalgia imperial, ou sob o signo da lusofonia: que consciência e responsabilidade históricas tem Portugal perante aqueles que, anteriormente assimilados, decidiram refazer as suas vidas e sonhos na sua antiga 'mátria'?; que consciência pós-descolonização tem Portugal das identidades orfãs e culturalmente híbridas?; finalmente, o que é hoje o Portugal pós-colonial?
Palavras-Chave: pós-colonialismo; colonialismo; narrativas de vida; identidade.

 

Em preto e branco: estudo sobre representações da propaganda por afro-descendentes em Florianópolis
Marina Melhado Gomes da Silva (Universidade Federal de Santa Catarina)

A propaganda exibida na capital catarinense, assim como em todo o Brasil, representa o "negro", de maneira geral, e o exibe diariamente na televisão aberta para milhares de pessoas. Tais imagens e idéias são recebidas e "resignificadas" por uma heterogênea população de afro-descendentes da cidade e do país, a partir de seus diversos pertencimentos sociais.
Os estudos sobre a constituição dos afro-descendentes no estado sulista brasileiro de Santa Catarina, têm reafirmado uma invisibilidade histórica e política, que esconderia uma realidade de opressão e racismo. Porém, começam a chamar a atenção certos fatores de integração através, por exemplo, da mídia. As formas como a mídia apresenta a população afro-descendente, em especial a mídia de massa (assim definida pela quantidade de pessoas que atinge), como é o caso da propaganda televisiva, necessitam e merecem ser investigadas e relacionadas ao processo de constituição destes afro-descendentes em certos contextos históricos brasileiros, em especial na suposta "terra de brancos", como diversos estudos raciais no Brasil apontam o estado de Santa Catarina.
Entendendo que os sentidos culturais dialogam com as práticas e contextos sociais, sendo construídos e transformados nestes (Sahlins, 1985), este estudo têm buscado apreender como afro-descendentes percebem e resignificam as formas como propaganda os têm representado na televisão brasileira. Procuro relacionar o consumo destas propagandas por uma heterogênea população afro-descendente de Florianópolis, seus pertencimentos sociais e o processo de constituição desses afro-descendentes em Santa Catarina. É um longo caminho nos estudos sobre representações étnicas ao qual esta pesquisa pretende acrescentar, além de foco pouco explorado pela Antropologia.
Assim como o antropólogo Peter Fry faz em seu artigo "Estética e política: relações entre 'raça', publicidade e produção da beleza no Brasil" (: 2002), pretendo apreender os aspectos da interação entre a mídia e a produção de significados. No caso de afro-descendentes na cidade de Florianópolis, torna-se ainda inédita tal investigação sob a perspectiva da recepção do discurso audiovisual da publicidade sobre o 'negro brasileiro'.
Afinal, quem é 'o negro brasileiro'? As maneiras como a propaganda brasileira apresenta a população afro-descendente permite que, esta população como um todo, ainda que ocupando papéis sociais cada vez mais diversos, identifique-se com o que está sendo apresentado? De que múltiplas formas podem acontecer essa identificação, seguida de uma "resignificação" da mensagem publicitária para estes indivíduos?
Considerando pontos comuns e variáveis na percepção da população afro-descendentes, formamos grupos que compartilharam características indicativas de um pertencimento social comum, e trabalhamos cada um destes grupos através da dinâmica de grupo focal, conforme indicação teórica de autores que trabalham com pesquisa qualitativa em ciências sociais.
Dados recolhidos na pesquisa de campo nos apontaram ser difícil negar que, hoje, de várias maneiras, o afro-descendente já é bastante presente e visto na televisão brasileira, e cada vez ocupando os mais variados papéis. Assim, assumiu-se nesta pesquisa que, sem deixar de lado o que diz a propaganda que inclui afro-descendentes, seria mais enriquecedor focar a atenção nas variações da percepção dos afro-descendentes a respeito dos sentidos construídos e divulgados por esta propaganda, e relacioná-los aos seus pertencimentos sociais e ao contexto histórico. Com isso entendemos que estamos trazendo algo novo não só para a Antropologia em geral, como também para os estudos específicos sobre afro-descendentes no Brasil e no mundo.

 

A influência da pertença grupal no tratamento de informação social - A Pertença Ideológica na avaliação e processamento de informação sobre o 25 de Abril
Sónia Dantas (ISCET)
sdantas@mail.telepac.pt

A comunicação apresentada assenta na aceitação de que a dimensão política da identidade dos indivíduos tem um papel significativo na forma como estes analisam e interpretam o mundo social, permitindo-lhes estabelecer significações para a informação política a que têm acesso e na sua avaliação, bem como posicionarem-se a si próprios, aos grupos sociais e políticos em que estão inseridos e aos outros indivíduos e grupos sociais e políticos face a essa mesma dimensão. Concorrem, para esta aceitação, vários conceitos e modelos teóricos situados quer na área da Cognição Social, quer na área da Teoria da Identidade Social.
A opção de recorrer a estas duas áreas teóricas resulta de que ao estudar aspectos relativos à construção dum significado para o mundo social pelos sujeitos, - mais especificamente a forma como estes processam a informação política a que têm acesso - pretendo enquadrar essa análise numa perspectiva que tem em conta a dinâmica social como condicionante, (do ponto de vista histórico-social e também contextual), da forma como os indivíduos analisam, interpretam e se posicionam face ao mundo social.
De facto, se a existência dum esquema político mais ou menos complexo permite ao sujeito construir uma matriz interpretativa da realidade política, a sua construção é afectada pela importância que a dimensão política da identidade social tem para o sujeito, condicionando a forma como a informação política é processada.

O objectivo geral do estudo empírico realizado é conhecer o modo como a identidade social influencia o processamento de informação social. Sendo a identidade política aquela que nos interessa procuramos construir um modelo que estabeleça relações entre essa dimensão e o processamento de informação política.
Num primeiro momento, procuramos analisar a existência e importância dos esquemas políticos para a nossa população (estudantes universitários), nomeadamente quando dizem respeito a aspectos de memória social (os nossos participantes no estudo empírico não possuem memória pessoal do evento político que vão avaliar - 25 de Abril de 1974 - dado que nessa altura não eram nascidos). Por outro lado, procurámos ainda avaliar em que medida esses esquemas políticos têm expressão ao nível da categorização baseada em partidos políticos e de que modo se organizam as categorias direita e esquerda da dimensão política, nomeadamente através do conhecimento dos campos semânticos dessas categorias.
Num segundo momento, procurámos relacionar aspectos da dimensão política da identidade social (operacionalizada numa variável Pertença Ideológica) com o processamento de informação política através da avaliação de informação sobre um fenómeno político com alguma expressão (25 de Abril) e reconhecimento dessa mesma informação.

Os resultados encontrados permitem confirmar a existência de esquemas políticos, na medida em que os participantes fazem atribuições da autoria dos textos a diferentes partidos políticos de forma significativamente diferente e avaliam os textos e o 25 de Abril de forma significativamente diferente em função da sua pertença ideológica, bem como também é confirmada a hipótese de que a dimensão política de esquerda e direita está etiquetada de forma diversa ao nível da memória semântica dos participantes.
Foram ainda encontrados efeitos significativos da Pertença Ideológica dos participantes quer na forma como estes avaliam a informação política, que no reconhecimento dessa mesma informação, bem como um efeito significativo da ordem de apresentação das tarefas.
De um modo geral, verifica-se que os participantes de esquerda executam esta tarefa mais no sentido das hipóteses apresentadas do que os participantes de direita. Este facto por si próprio já é interessante, pois não previa diferenças significativas entre os dois grupos de participantes nas estratégias do próprio processamento da informação.

Clique no botão do lado direito do seu rato para imprimir