O Bacheralismo e a formação do Estado_Nação no Brasil : herança coimbrã
Mozart Linhares da Silva (Universidade de Santa Cruz)
mozartt@terra.com.br

O objetivo desta comunicação é apresentar algumas reflexões acerca da influência do bacharelismo, nomeadamente aquele formado por Coimbra e pelos Cursos Jurídicos de Olinda/São Paulo, na formação do Estado-nação brasileiro. O lugar da Universidade de Coimbra nesse processo é estrutural, principalmente se enfatizarmos os desdobramentos da Reforma dos Estatutos da Universidade na formação dos intelectuais-estadistas e das instituições de ensino jurídico no Brasil.
Esta análise permite recolocar os limites da interpretação acerca das "idéia fora do lugar" no Brasil, sobretudo a partir do entendimento das relações entre tradição e modernidade enquanto "fenômeno" liminar, ou ainda enquanto processo de amálgama. Tradição e modernidade, no pensamento brasileiro revela uma dinâmica que podemos considerar da ordem da hybris e não da dialética ou da contradição.
A análise da "influência" pombalina na formação da cultura jurídica moderna brasileira permite ainda revisitar o próprio conceito de iluminismo tomando como contexto a ilustração ibérica, cuja presença do patrimonialismo e das relações personalistas foram consideradas pela doxa corrente da historiografia como contraponto da modernidade, entendida em sua universalidade. É, portanto, a partir de uma análise dialógica que se analisa as relações entre tradição e modernidade no Brasil, considerando as implicações entre a tradição oriunda de Portugal, e relida no Brasil, com o pensamento moderno.
Do ponto de vista cultural, é preciso notar também que foi em Coimbra que despertou o sentimento chamado de Mazombismo por Vianna Moog, importante para entendermos a questão da alteridade na formação da nacionalidade. O bacharel foi a figura central deste processo. A análise das representações sociais do bacharel, bem como sua atuação na estrutura burocrática do Estado, se complementa na interpretação da Cultura jurídica moderna, o que não implica numa análise tipicamente da filosofia, mas sobretudo da história das idéias da filosofia jurídica que marcou nossa formação inicial enquanto nação. Vale dizer que a figura do bacharel serve de instrumento civilizador e compõe o projeto de construção do Império brasileiro.

Criminalidade, identidade e escravidão (Minas Gerais, século XIX)
Maria Teresa Pereira Cardoso (Universidade Federal São João Del Rey)
tcardoso@mgconecta.com.br

O objetivo desta comunicação é analisar a complexidade das relações no interior da comunidade escrava a partir do estudo da criminalidade em uma comarca de Minas Gerais. Através da leitura de registros criminais, pretende-se desvelar os valores, concepções de justiça e significados que os diversos sujeitos arrolados nos processos deram aos delitos cometidos, revelando noções de justiça distintos daqueles estabelecidos pela Lei. Os crimes que serão examinados ocorreram em um universo composto por escravos e afro-descendentes e, além dos aspectos já mencionados, trazem pistas sobre a diferenciação interna na comunidade escrava e seu entorno social, e sobre a constituição de identidades múltiplas construídas no confronto entre escravos de origens distintas e afro-descendentes.
A maioria dos trabalhos sobre criminalidade escrava trata de crimes coletivos, abordados do ponto de vista da resistência à escravidão. Nesta comunicação buscaremos caminhar em outra direção para mostrar que, sob a argamassa de termos e procedimentos jurídicos surgem fragmentos de relatos sobre desavenças cotidianas, brigas por motivos aparentemente fúteis, crimes violentos, roubos, furtos, traições, cumplicidades, e indicam a existência de uma criminalidade interna à comunidade de cativos e seus descendentes. Observaremos, assim, que por detrás das distintas formas de agenciamento dos escravos revelam-se múltiplas identidades construídas em suas experiências coletivas ou individuais.
Em segundo lugar, procuraremos, ainda que tangencialmente, analisar as noções de justiça dos escravos, partindo da hipótese de que havia formas dessemelhantes de entender o crime que traduziam gramáticas culturais distintas, e expressavam tensões particulares e valores muitas vezes referidos à memória da África. O tema é pouco trabalhado na historiografia brasileira, sobretudo devido a dificuldades com as fontes documentais. As falas dos escravos anotadas pelos escrivães obedeciam aos quesitos estipulados pelos procedimentos processuais e pouco revelam acerca dos valores desses atores. Mas os atos valem por mil palavras, e auxiliados pelos depoimentos das testemunhas procuraremos desvelar o significado dos atos dos escravos.
No universo pluriétnico pelo qual transitamos nesta pesquisa a cor e a condição social constituíam componentes essenciais da configuração identitária dos diversos grupos. Nomear um indivíduo como branco, pardo, pardo claro, mulato, preto, negro ou cabra denominações encontradas nas fontes, dependia do lugar social e da cor de quem depunha. Assim, por detrás de vários processos encontramos a menção à cor e a condição como um elemento fundamental dos conflitos. De um acervo cultural comum, demarcado pelas relações escravistas, em alguns conflitos apelava-se para o aspecto que naquele momento melhor servia para estabelecer a diferença entre os sujeitos em confronto: a cor. O uso dessa categoria como sinal diacrítico revelava, portanto, as tensões presentes naquele universo permeado pela escravidão.
As diversas noções de justiça com as quais operavam esses indivíduos e grupos também compunham suas identidades, acionadas em momentos distintos e, como veremos, traduziam valores que permitiam que eles se diferenciassem dos "outros" com os quais se confrontavam. Apoiamo-nos nos aportes de Stuart Schwartz e Stephen Gudeman para afirmar que os valores são idiomas, signos através dos quais os indivíduos expressam suas visões de mundo. E o fazem "com base em informações, influências, aconselhamentos, pressões, expectativas e regras", como afirma Manuela Carneiro da Cunha. Os crimes, pela afirmação ou pela ruptura de noções de justiça, talvez estejam entre os atos que melhor revelam valores e regras. Nesse sentido, traduzem as tensões cotidianas, embora, na maior parte das vezes, muitas delas fiquem subjacentes ao que foi considerado como o móvel central dos processos e, portanto, imperceptíveis aos olhos da lei.

Sociabilidade e aristocracia em Portugal no último quartel do século XVIII
Raquel Bello Vázquez (Grupo GALABRA - Univ. De Santiago de Compostela)
raquelbv@usc.es

A falta de documentação levantada e analisada tem provocado que a sociabilidade aristocrata em Portugal durante a Ilustração não tenha sido estudada suficientemente. Em linhas gerais, a historiografia tem-se limitado a aludir vagamente à existência de possíveis salões por exemplo o da Marquesa de Alorna , mas sem especificar que pessoas se reuniam, com que periodicidade ou que actividades eram desenvolvidas neles. O propósito do nosso projecto é, entre outros, reconstruir essas redes de relacionamento e sociabilidade a partir da documentação coeva, e o estado actual da nossa pesquisa permite apresentar aqui alguns avanços em relação a determinadas assembleias que se celebravam em Lisboa no último quartel do século XVIII onde se reuniam membros da "primeira nobreza" para cantar e ouvir ópera, trocar ideas políticas e ler cartas chegadas da corte vienense. Isto todo, e dadas as próprias características sociológicas da época, para ir dando luz sobre o desconhecimento quase absoluto dos processos de incorporação de novos repertórios estéticos e ideológicos e o seu sucesso ou fracasso, o que impede tirar uma imagem minimamente veraz dos campos cultural, social, político, etc. da altura.

Elementos residuais da alma barroca luso-brasileira em uma cidade da Minas colonial; a Igreja Católica em São João Del Rey
Suely Campos Franco (Universidade Federal São João Del Rey)

Análise de aspectos culturais remanescentes do período colonial mineiro, tendo como foco as celebrações religiosas promovidas pelas Associações Religiosas Leigas e incentivadas pela Igreja católica. No estudo das relações Estado-Igreja no período colonial em Minas Gerais é imprescindível explicitar a presença destas associações (Irmandades, Confrarias e Ordens Terceiras) que atuaram e ainda atuam no Brasil, com especial força na cidade de São João del-Rei. As festas promovidas por estas associações e preservadas nesta cidade desde o século XVIII apresentam elementos transplantados da cultura portuguesa. Com base nas formulações do historiador francês Fernand Braudel, constatamos "sistemas culturais prolongados" nesta cidade da Minas Colonial. A herança ibérica, representada nas festas religiosas ali promovidas, é um exemplo de realidade de "longa duração". A obra colonial portuguesa implantou no Brasil formas de vida e concepção de mundo vigentes na metrópole. A ação colonizadora trazia impressa formas culturais da sociedade íbero-barroca, mergulhada em um catolicismo ortodoxo, alicerçado na crença e ligado à expansão mercantilista. O catolicismo luso brasileiro transplantou o modelo festivo íbero-barroco, resultante da cultura contra-reformista. A linguagem lúdica, espetacular e persuasiva subjacente na mentalidade barroca, encontrou em Minas recursos e condições favoráveis. São João del-Rei urbanizou-se, transformando-se em vila cabeça de comarca, sob o primado da religiosidade, exibindo no requinte dos cultos e na proliferação das irmandades o seu poder e seu ânimo festivo. As formas culturais da sociedade colonial mineira encontram-se expressas nestas manifestações culturais ainda vivas em São João del-Rei.
Palavras chaves: BARROCO - MINAS COLONIAL - RELIGIOSIDADE
IGREJA CATÓLICA - IRMANDADES - MENTALIDADE - HERANÇA CULTURAL

A Ordem do Castigo no Brasil
José Luís Solazzi, (IMES-UNIEMP)
zezosolazzy@uol.com.br

Esta comunicação analisa a ordem do castigo no Brasil, percorrendo as diversas formas de saber-poder presentes na sociabilidade autoritária brasileira.
Orienta-se pela crítica de Wiliam Godwin à internalização da guerra proporcionada e instituída pelo direito penal, para a forma militar de construção da moral e das noções de bem e mal assinaladas por Niezstche, por meio da analítica do poder de Michel Foucault e suas pesquisas sobre a "alma" moderna e pelas propostas do abolicionismo penal, principalmente as formuladas por Louk Hulsman.
Aborda a matriz escravista brasileira e as relações entre direito e verdade, analisando o saber de inquérito elaborado pela Inquisição e sua aplicação sobre as culturas tribais numa justiça política exercida pelos "sacerdotes da lei" que repercutirá na seletividade como importante forma de direcionamento da justiça monárquica.
O estudo da historiografia sobre o escravismo permite o entendimento das estratégias de subordinação dos contingentes africanos por meio dos manuais de governo elaborados pelos jesuítas Jorge Benci e Antonil, compreendendo como o Quilombo de Palmares é o alvo contra o qual se dirigem o pão, o pau e o pano enquanto prescrições para o governo dos escravos. Contidos, os escravos estariam adstritos a suas funções sociais de bens comerciais semoventes, evitando-se, assim, pelo castigo moderado, as fugas constantes ou a destruição dos corpos escravizados.
Na formação do império escravista brasileiro, analisa-se a dominação dos escravos diante da heterogeneidade da população e as estratégias abolicionistas de embranquecimento da população escravizada e liberta, perante um sistema de justiça penal local, no qual os funcionários da justiça conformavam um sistema penal voltado para atender os reclamos de um corpo nacional saudável constantemente ameaçado pelos escravizados.
O abolicionismo oitocentista brasileiro é discutido a partir da afirmação de Joaquim Nabuco para quem a causa da abolição seria perdida ou ganha nas discussões parlamentares, não nas ruas, praças, fazendas ou quilombos.
Com a introdução das perspectivas positivistas no Brasil e a formação de um regime de correção e de polícia médica na república, o sistema de justiça penal se volta para a distinção entre crimes e contravenções, tendo em vista a defesa social por meio da prevenção médica necessária ao controle da população "criminosa" doentia, num processo de prevenção especial voltado para a regulamentação da infecção de um corpo republicano sadio. Sua repercussão estará presente nos prolongamentos do saber criminológico nos anos trinta com as propostas de esterilização de "doentes criminais" para se alcançar a formação eugênica de um Estado autoritário. Neste sentido, o código penal getulista introduz novas formas de controle dos encarcerados como a afirmação da periculosidade e a necessidade de prevenção, profilaxia e regime penitenciário ou manicomial.
Por fim, o abolicionismo penal é apresentado como estratégia de contenção das pulsões criminalizantes surgidas nos discursos da criminologia crítica, mostrando que as reformas penais ou sua vontade de humanizar-se sempre resultam na permanência de um regime de verdade inquisitorial e escolástico. Contra isso, o abolicionismo é libertarismo e volta-se para as suas tradições.


Judíos portugueses en la trata esclava.
Luis Alfonso Ramírez Vidal (Escuela Nacional de Antropología e Historia)
posgraduadosenah@yahoo.com.mx / luisvidales@hotmail.com

La participación de judíos portugueses en la trata de esclavos es un tema poco estudiado y de una importancia vital para comprender el cuadro general de los participantes en el comercio esclavo. Históricamente sea a visto como agentes principales a los europeos, pero en ello hubo participación de africanos y en menor medida de americanos y asiáticos. Algunos de estos judíos radicados en portugal habían llegado expulsados de España y se sabe que una fracción de ellos participó en la trata. Se plantea como hipótesis de trabajo de qué manera los judíos participaron en la trata y las estrategias que ellos emplearon para participar en un negocio donde se exigia de "pureza de sangre", es decir, donde sólo eran admitidos aquellos que podían probar su ascendente cristiano de varias generaciones: "cristianos viejos".

Palabras claves: Judíos, Esclavitud, portugueses, conversos.


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