A provisão da família: a redefinição dos papeis
Zuleica de Oliveira - IUPERJ
zuoliveira@openlink.com.br

O modelo de família assentado na ética do provedor vem experimentando um declínio significativo na sociedade brasileira ao longo da segunda metade do século XX. Esta tendência é encontrada tanto nos países do capitalismo central como nos países da periferia.Nos Estados Unidos, por exemplo, apenas uma quarta parte dos domicílios correspondiam a este modelo familiar em 1990 O declínio deste padrão familiar reflete por sua vez, as profundas transformações que ocorreram na esfera do privado, com repercussões sobre as relações de gênero e a condição feminina.
É preciso lembrar que o tipo de família que se baseia na divisão dos papéis sexuais homem/provedor e mulher/dona de casa em tempo integral é o locus preferencial da dominação masculina.É este modelo que viabilizou a divisão sexual do trabalho na família. Os papéis sexuais desenvolvidos pelos homens e pelas mulheres no interior da família são marcadamente diferentes. Além disto, estes papéis estão associados de forma complexa a uma posição de status, que é definida de acordo com a profissão, o rendimento e o estilo de vida.
O ponto que cabe discutir é o da dissociação entre os papeis de "chefe" ou da pessoa de referencia na família e o de provedor. Antes o homem desempenhava estes dois papeis. Hoje a provisão familiar não é mais assegurada apenas pelo "chefe" ou pela pessoa de referencia na família. Os demais membros do grupo familiar passaram a contribuir para o orçamento familiar, cabendo a mulher cônjuge um papel importante. A mulher cônjuge desempenha, muitas vezes, o papel de co-provedora ou mesmo de provedora do grupo familiar. Assim, a rigidez dos papéis masculino e feminino (homem/provedor e mulher/dona de casa em tempo integral) não ocorre mais de forma tão marcada.
Diante deste quadro surgem algumas indagações. Em que medida a contribuição da mulher cônjuge, que deixou de ser dona de casa em tempo integral e se inseriu no espaço público do trabalho, passou a ser significativa para o orçamento da família? Em que medida a passagem do modelo de provisão familiar única centrada na figura masculina para o modelo de provisão compartilhada entre os cônjuges teve impactos sobre a situação da mulher cônjuge no espaço público do trabalho? E, em que medida a percepção do homem pessoa de referencia e da mulher cônjuge sobre a provisão familiar reflete a manutenção da visão que associa o papel de provedor à esta primeira categoria?
A proposta deste trabalho é a de buscar indicações que permitam uma melhor compreensão das questões acima referidas. Para tanto se recorrerá a análise de informações de um survey realizado no Brasil em 2003 sobre Família, Gênero e Trabalho. A base empírica deste trabalho compreende 1552 pessoas de ambos os sexos com 18 anos ou mais de idade residentes no contexto urbano do país. Cabe assinalar que este trabalho foi estruturado segundo três níveis analíticos distintos. O primeiro pretende examinar a contribuição das mulheres cônjuges para o orçamento familiar, buscando identificar, por sua vez, a influencia do seu grau de escolaridade e de sua situação de emprego. O segundo nível de análise contempla a situação de emprego do homem pessoa de referencia e da mulher cônjuge, tomando como base alguns aspectos como, o da sua participação no emprego assalariado em tempo integral, e em formas informais de trabalho. Por fim, o foco da análise se dirige para a análise das percepções do homem pessoa de referencia e da mulher cônjuge sobre a provisão familiar.


Família(s): permanências e mudanças. Os lugares sociais de mulheres e homens

Rosana Morgado (Universidade Federal do Rio de Janeiro)

A presença, no imaginário social, da família, como espaço de socialização unicamente pelo afeto, respeito aos indivíduos e união pelo amor, tem dificultado, em muito, a análise da família enquanto instituição social que, como as demais em nossa sociedade, está travessada por relações de poder e dominação. Ainda hoje, é dificultoso analisar a família, como uma instituição que se modifica em consonância com as transformações históricas, adquirindo particularidades em diferentes sociedades.
Assim, refletir e debater sobre as diferentes possibilidades de intervenção apresenta-se como essencialmente atual e desafiador para a reflexão acadêmica e o exercício profissional na medida em que, a família vem sendo considerada, novamente, como o espaço privilegiado de atenção das políticas públicas.
É importante notar, que embora possam ser identificadas diferentes e por vezes divergentes concepções sobre a família comportando, ao longo do tempo, tensões acerca de seu significado, é a difusão da concepção do modelo nuclear burguês, tomado como natural, que se apresenta, ainda hoje, como dominante em nossa sociedade. Este modelo traz com ele embutido a fixação dos lugares de homens/pais e mulheres/mães nesta instituição,
tomados como naturais.
Partilha-se da concepção de que a análise desta instituição com base na perspectiva de gênero tem trazido contribuições significativas para a compreensão dos lugares sociais ocupados por homens/pais, mulheres/mães e crianças/filhos (as).

Família e Papéis de Género: alguns dados recentes do Family and Gender Survey (ISSP)
Lígia Amâncio, Departamento de Psicologia Social e Organizacional, ISCTE
Karin Wall, Instituto de Ciências Sociais, Universidade de Lisboa
ligia.amancio@iscte.pt

Analisam-se nesta comunicação alguns dos resultados de pesquisa obtidos a partir do "Family and Gender Roles Survey", um inquérito aplicado em 2003/2003 no âmbito do ISSP (International Social Survey Programme). Numa primeira linha de análise, caracterizam-se as atitudes sociais dos portugueses relativas aos papéis de género na família, comparando-as com as de outros países europeus. Uma segunda linha de análise prende-se com a divisão de trabalho nos casais entrevistados e as percepções de justiça da divisão do trabalho doméstico.

Solidariedade e conflito na família brasileira contemporânea
Alda Britto de Motta (Universidade Federal da Bahia)
aldamotta01@hotmail.com

A família é o lugar social dos afetos radicais - onde as relações são quase simbióticas, as afeições mais doces e os conflitos entre os sexos/gêneros e as gerações podem ser mais dolorosos. Onde se encontram os modelos de sentimentos em estado mais depurado: os amores, as aceitações ilimitadas, as mais fundas solidariedades; ou as rejeições mais chocantes, os conflitos cotidianizados, ressentimentos "inexplicáveis" e ódios. Explícitos ou recalcados.
A família é o "nosso grupo", primeiro, primário, fundamental, que é preciso preservar a todo custo da dissolução - mas também dos olhares externos. Por isto, seu estudo, sua observação, sua análise do ponto de vista das relações que a constituem, ou parecem constituí-la, é difícil. Relações de gênero (principalmente entre marido e mulher), de gerações (pais e filhos, avós, netos), e intrageracionais (os irmãos) são, freqüentemente, tornadas opacas à análise do pesquisador. E não apenas pelo desejo, consciente ou inconsciente, dos indivíduos, de preservar a privacidade do grupo; também porque essas relações são carregadas de ambigüidade, nas suas contradições entre afetividade e poder/dominação, ou entre afetos polares, que podem não ser claros até para os que os vivenciam.
Se este quadro resume a situação sócio-afetiva "clássica" da família brasileira, a longevidade na sociedade contemporânea acrescenta-lhe uma feição nova, que torna este quadro relacional certamente mais complexo. É que, um fenômeno social atualmente evidente, embora ainda escassamente estudado, é a presença simultânea de três, quatro, até cinco gerações na família. Além disto, nada raro, por questões econômicas (desemprego ou precariedade de emprego) tanto quanto afetivas, pelo menos três dessas gerações vivendo no mesmo domicílio ou em espaços muito próximos.
A simultaneidade momentânea de várias gerações na família não constitui fato histórico raro - a especificidade atual centra-se no fato de estar essa situação estendendo-se no tempo, desdobrando-se como provável geradora de uma rede de relações mais ampla e complexa.
Questões teóricas fundamentais são então suscitadas, principalmente a retomada da percepção/enunciação mannheimiana (cf. Pinder) sobre "a não-contemporaneidade do contemporâneo" e a necessidade de definição de limites teórico/analíticos, diante da extensão crescente da presença social de um segmento geracional de velhos, que se duplica ou triplica. (Duas "gerações" de velhos? Três? Uma quarta e uma quinta idades?). Com várias "gerações" ou segmentos geracionais de idosos, como definir uma "política social da velhice"? Como estão (re)agindo as famílias como um todo, ante a presença simultânea de pais (e avós) idosos e avós (e bisavós muito velhos)?
Com tudo isso, torna-se urgente o conhecimento das experiências vividas nessa simultaneidade existencial composta por gerações diferentes, expressas nas suas interrelações também segundo o gênero, além das suas posições em uma sociedade de classes.
A pesquisa de caráter etnográfico começa a revelar nesses modos de vida a extensão, ainda que esgarçada, de uma tessitura de relações contraditórias: conflitos, solidariedades, disputas veladas, ambivalências. Vivências privadas que precisam ser matizadas por políticas públicas, principalmente porque direitos legais e proteção social precisam ser adjudicadas a segmentos geracionais socialmente mais fragilizados, como as crianças e os velhos - numa sociedade crescentemente individualista e violenta. Inclusive no âmbito da família.


Relações familiares no novo milênio: um estudo da diversidade social
Antonia de Lourdes dos Santos
Universidade de São Paulo

Este artigo se propõe a discutir a diversidade cultural no âmbito familiar, presente em todos os segmentos de nossa sociedade, cabendo a nós, estarmos preparados para reconhecer, respeitar e aceitar tais diferenças.

De acordo com Levi-Strauss, não existem regras fundamentais quanto à formação e organização do grupo familiar, pois estas se formam de acordo com as pressões sócio-culturais de cada tipo de sociedade. O que somos, o que queremos ser e o que demonstramos ser no convívio sócio-dinâmico, é fruto de anos de um relacionamento interpessoal e intrapsíquico, instaurado nestas relações familiares, desde a concepção.

No que diz respeito à dinâmica familiar, estamos falando de pessoas que interagem e procuram crescer e se desenvolver, de pessoas que se relacionam entre si e com a sociedade a qual pertencem, e que não estão limitadas a definições de dicionários: um grupo social caracterizado por compartilharem a mesma residência, com colaboração econômica e reprodução, incluindo adultos de ambos os sexos e filhos.

Por inúmeros fatores, causados por problemáticas diferenciadas, as famílias atuais deixaram de ser constituídas conforme os modelos europeizados que só reconheciam como família aquele que era formado por pai, mãe e filhos. Hoje nossas famílias passaram a ser formadas de diversas maneiras, seja por opção pessoal, por questões relativas a separações impostas socialmente ou politicamente, seja por razões naturais ou não, como no caso das guerras, dos massacres, etc., entre outros problemas, alheios ou não à vontade dos congêneres, seja por questões de raça, credo, nacionalidade, cor, orientação sexual, etc.

A proposta deste artigo é alertar para uma reflexão sobre esta nova dinâmica, e que constitui as 'novas' formas de expressões familiares que irão habitar o século XXI. Fazendo-se necessário, um "olhar" diferenciado sobre estas questões que dizem respeito a aceitação das diferenças em um mundo repleto de desigualdades, de não aceitação, e de exclusões sejam elas no âmbito cultural, social, político ou educacional.

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