Conjugalidade e família no Brasil: analisando famílias reconstruídas em Natal
Maria das Graças Lucena de Medeiros (Universidade Federal do rio Grande do Norte)
gracamedeiros@digizap.com.br

As transformações nas famílias brasileiras tem sido profundas e intensas. As separações conjugais, cuja incidência maior no mundo ocidental as retiram da condição de exceção para colocá-las como ocorrência banal na trajetória dos casamentos contemporâneos, vêm sendo responsáveis pela emergência de uma mutação familiar de transcendental importância neste ocaso do segundo milênio. Ao analisar conjugalidade, família e afeto, no seio de famílias reconstruídas de camadas médias urbanas, na cidade de Natal (Nordeste do Brasil,) destacam-se as seguintes características que configuraram essa "reconstrução": autoridade e poder; tarefas e atribuições masculinas e femininas decorrentes da divisão sexual do trabalho, dentro e fora de casa; direitos e deveres específicos; tipo de vínculo afetivo entre os cônjuges, entre esses e a prole, e as mudanças nas formas familiares, papéis e valores que ordenam a vida privada nas famílias. Averiguamos que o fato das mulheres terem se tornadas provedoras e parceiras importantes na formação do orçamento familiar, lhes confere nova posição na estrutura doméstica e altera os vínculos que as une aos maridos e filhos. Analisamos, também, a participação feminina no redimensionamento da divisão sexual do trabalho, ou seja se parte dos afazeres domésticos são redistribuídos entre esposas e maridos e, ainda, se o acréscimo de novos atributos a condição feminina, contribui para a introdução de formas alternativas de relações entre homens e mulheres dentro e fora da família, com alteração de papéis hierárquicos. Na pesquisa de cunho qualitativo realizada em 2003, efetivamos entrevistas qualitativas, semi-estruturadas, com dez pessoas, ate as respostas indicarem a saturação qualitativa. Ao todo, seis mulheres e quatro homens, todos pertencentes a casamentos diferentes entre si, ou seja, nenhum entrevistado(a) são cônjuges respectivamente, e todos(as) advindos de casamentos anteriores, estando em uma nova reconstituição familiar. Na análise dos resultados dessa pesquisa, evidenciam-se novos valores gestados nas famílias, na direção de um conteúdo mais igualitarista dos papéis sexuais, tais como: às novas atribuições do gênero feminino e masculino; aos conteúdos normativos que reordenam a sexualidade, aos estilos de vida familiar inventados e reinventados a cada dia. Se o fenômeno das famílias reconstruídas não é propriamente novidade na história da instituição familiar, passa a sê-lo quando consideramos as peculiaridades dessas novas estruturas familiares e a abrangência do fenômeno em sua inserção sociocultural. Essas famílias reconstituídas trazem uma nova realidade vivencial e o estabelecimento de vínculos que não estão prefigurados na família tradicional, seja ela nuclear, extensa ou abrangente, no Brasil.

Família e Política Social
Marta Silva Campos (PUC São Paulo)
martaxx_2000@yahoo.com

O tema é o do tratamento dado à participação da família no interior do paradigma atual de implementação da política social no Brasil.
O estudo dos principais programas sociais em curso e a análise da legislação pertinente evidenciam hoje um paradoxo entre o crescimento da responsabilidade neles atribuída ao grupo familiar doméstico e sua conhecida fragilização, em termos de morfologia, condições de sobrevivência e estabelecimento de vínculos internos.
No sentido da "transição demográfica", a família brasileira mostra tendência firme e acelerada de diminuição do número de filhos (o número médio/ filhos por mulher caiu de 5,8 em 1970 para 2,3 em 2000 -IBGE-PNAD -2001). Quanto à composição, continua em ascenção a proporção das famílias "monoparentais" femininas, com 30% do total, onde a viuvez pesa proporcionalmente mais, com o aumento, para sete anos, da diferença de expectativa de vida favorável à mulher. Envelhecimento populacional presente, ainda que muito abaixo das taxas européias, com uma cifra de 9,3% de pessoas com 60 anos e mais, 66% delas vivendo com filhos e parentes. Movimento em sentido contrário à diminuição do tamanho da família, fazendo aparecer o fenômeno da "conlongevidade" - a convivência de três gerações no mesmo núcleo (as novas gerações retardam a saída com as taxas altas de desemprego). Há um "giro" na posição de dependência do idoso, contribuindo ele com o sustento da família pelo recebimento regular de aposentadorias e pensões; no Nordeste, com indicadores sociais piores, sua participação chega a 75% da renda total familiar (IPEA- 1999). O firme crescimento da participação da mulher na força de trabalho, básico no conjunto de mudanças, há mais de meio século, é marcado recentemente pela informalidade e precarização.
Assim a família consegue sobreviver às custas de aumentar seu tempo de trabalho, lançar mão do trabalho infantil, restringir compras e lazer, andar a pé para economizar no transporte e desfazer-se de bens, em níveis inaceitáveis.
Esta situação, verificada para outros países da América Latina (González d.l. R., M.; Grinspun, A.2001), foi por nós avaliada em pesquisa qualitativa realizada em programa de transferência de renda, atingindo 13 000 famílias das áreas periféricas da cidade de São Paulo.
Também foi constatada a incapacidade do modelo familiar transitar daquele que pode ser denominado "institucional", basicamente motivado pelo interesse da fundação de uma família e da geração de filhos para o "associativo", no contínuo de recuo da importância da parentalidade e avanço da conjugalidade apontado por (TORRES, A., 2002). Não se realiza a transformação familiar para a centralização no casal e na intimidade do par, como descrito por (GIDDENS 2003).
O trabalho se inscreve no campo da discussão comparativa dos modelos de "WelfareStates", especialmente no caminho aberto pela exigência de aprofundamento da análise da situação específica da Europa do Sul, onde "a família, com sua divisão de responsabilidade e de trabalho, de acordo com o gênero e as gerações e com sua estrutura assimétrica de interdependências é o parceiro explícito do Welfare State" (BALBO 1977, 1984, apud SARACENO, C., 1994), resguardadas as diferenças com a situação brasileira. Implica ainda na análise da diferenciação de responsabilidades de gênero criadas na organização familiar, com impacto sobre o gozo dos direitos individuais, em prejuízo da mulher.
Analisa-se o papel de suplementaridade desenvolvido pela solidariedade parental na absorção das tensões causadas pela desigualdade distributiva, com a instância familiar maximizando as chances de sobrevivência da população, quando a renda "per capita" tem seu valor rebaixado na redistribuição interna.
Analisa-se o poder conferido à família como "matriz identitária", num mundo em que o emprego diminui, e com ele a possibilidade de identificação pelo trabalho. Ainda aparece como geradora de relações sociais capazes de evitar o aprofundamento do esgarçamento do tecido social, profundamente atingido pela pobreza e pela violência.

Referências Bibliográficas
CAMARANO, A. A. (org.) Muito além dos 60 - os novos idosos brasileiros. Rio de Janeiro: IPEA, 1999.
GIDDENS, A. Mundo em descontrole - o que a globalização está fazendo de nós. Rio de Janeiro/São Paulo: Record, 2003.
GONZÁLEZ D.L. R., M.; GRINSPUN, A.2001 Private Adjustments: Household, crisis and work, 55-87. In: Choices for the Poor, New York, 2001, UNDP - Grinspun, A., edit..
IBGE -Indicadores Sociais, 2001.
SARACENO, C. The Ambivalent Familism of the Italian Welfare State. In: Social Politics, 60-82, University of Illinois, Illinois, Spring, 1994.
TORRES, A. Casamento: conversa a duas vozes e em três andamentos. In: Revista Análise Social, Lisboa, ICS, n. 163, verão 2002.


Empreendedores exitosos: família, trajetórias, desafios e oportunidades.
Mónica Gueiros (Universidade Federal de Pernambuco)
monicagueiros@uol.com.br

O objetivo desta pesquisa foi identificar os fatores críticos de sucesso para empreender, sob o ponto de vista de alguns empreendedores exitosos no Brasil. Neste sentido, o presente artigo procura analisar alguns dos principais fatores que levam ao sucesso dos empreendedores de acordo com o referencial teórico sobre o tema. Especificamente, busca-se conhecer algumas características relacionadas ao comportamento empreendedor apontadas na literatura sobre o tema, dentre estas: os aspectos facilitadores e dificultantes da abertura e desenvolvimento de novos negócios e os critérios de identificação de oportunidades. Para coleta de dados foram realizadas ntrevistas semi-estruturadas, em profundidade. Conclui-se este artigo, corroborando com literatura e registrando que os empreendedores pesquisados fazem parte de um fenômeno (o empreendedorismo) que é regional e local; demonstram ser pessoas que valorizam relacionamentos e o desejo de crescer através do próprio esforço. Os resultados revelam a relevante participação dos familiares, principalmente, na fase inicial do negócio. Trata-se de um estudo exploratório que visa instigar novas pesquisas sobre as especificidades e contribuições da família nos negócios.

 

Família-Escola:Educação e Cidadania
Lurdes Cardoso (Instituto Politécnico de Castelo Branco, Escola Superior de Educação)
lurdes.cardoso@mail.ese.ipcb.pt

Dois mil e quatro é o Ano Internacional da Família, sendo os objectivos desta comunicação apresentar alguns resultados de um estudo efectuado no âmbito da relação Família-Escola e discutir o comportamento de seis crianças estudo de caso nos contextos familiar e escolar, bem como analisar as suas implicações no processo de ensino-aprendizagem.
O comportamento das crianças no contexto socio-cultural de cada família envolveu, principalmente, o método de observação participante e os resultados mostraram que as crianças faziam a distinção entre o contexto familiar e o contexto escolar.
Em casa, as crianças querem que os pais as ajudem nas tarefas escolares, nomeadamente no Aprender Ciências, como "pais", isto é, que os pais continuem a desempenhar o papel de pais e não o de professores. Isto sugere que a criança tenta legitimar a sua identidade como membro da família e a interacção pais/criança pode ser considerada como enraizada num determinado processo socio-cultural próprio de cada família.
As crianças apresentam um papel organizador e mostram-se mais activas em casa do que na escola. A relação de poder entre o professor e as crianças exerce nalgumas uma "violência simbólica", pelo que é necessário promover uma parceria entre a Escola e a Família dentro de um quadro político mais abrangente, de modo a contribuir para o desenvolvimento pessoal e social das crianças numa perspectiva de Educação para a Cidadania democrática participativa.


Rio Paraíso: família e compadrio, redes de solidariedade
Maria da Conceição Quinteiro (Universidade de São Paulo)
mquim@usp.br

Este trabalho é parte de um maior compreendido em um estudo qualitativo, cujo objetivo foi o de avaliar e apreender a experiência subjetiva e a vivência dos trabalhadores assentados no processo de reforma agrária . O assentamento em pauta é o Rio Paraíso, no município de Jataí, sudoeste de Goiás. Em cinco assentamentos foram realizados estudos de caso e a pesquisa qualitativa constou de narrativas sobre o modo como os assentados, enquanto protagonistas da reforma, vivenciaram as adversidades e suas soluções e como se ressocializaram ao novo modo de vida de agricultor familiar proprietário da terra. Nesta nova circunstância são reforçadas a visão familística do mundo, as relações de vizinhança e as concepções tradicionais de compadrio, independentemente da diversidade de trajetórias de cada família assentada.
Por isso nas manifestações da sociabilidade são combinados vestígios que denotam traços de organizações e situações sociais de outros momentos históricos com o do momento atual, porque estão associadas permanências do passado com as novas maneiras de organizar as sociabilidades. Lá a sociabilidade é determinada por um amplo arco de diversidades econômicas, sociais e culturais que abrangem desde as ações resultantes do mercado e do dinamismo técnico à modalidade de batismos folclóricos,como o da fogueira, à "rédea curta" na educação dos filhos e na forte valorização da amizade.
A sociabilidade lá tem num dos seus substratos o modo como os protagonistas percebem e vivenciam a sua nova condição: "a imbricação entre a terra para trabalhar e a casa para morar, garantia de enraizamento num modo de ser, pertencer e preservar e, ou, resgatar relações sociais tradicionais". "Pedra que rola não cria limbo", no dizer dos assentados. Todos os assentados buscaram ao longo de suas vidas um chão "aposseado" para fincar raízes e para gerir suas vidas, como bem lhes aprouvesse. E o trabalho na terra requer, de fato, raízes que simbolizam tanto a necessária identificação com o trato da terra, de que falam os assentados, como a persistência nos propósitos de consolidar a condição de agricultor familiar e o seu peculiar modo de vida
Neste modo de vida é desenvolvida e conservada uma forma de solidariedade, fundada nos laços familiares e na extensa rede de compadres, um compadrio ,principalmente baseado nas formas de batismo não canônico e ,também nas boas relações com a vizinhança .

Famílias na periferia de Maputo: o social nas estratégias económicas, o económico nas relações sociais
Ana Bénard da Costa (Centro de Etnologia Ultramarina, Instituto de Investigação Científica e Tropical)
asbbc@yahoo.com.br

Nesta comunicação analisam-se os processos através dos quais famílias, residindo em bairros da periferia de Maputo, obtêm e gerem os rendimentos e produtos necessários à sua sobrevivência e reprodução social. Num primeiro ponto definem-se, e caracterizam-se, as estratégias económicas das famílias dando particular atenção à dinâmica de relações sociais e de tipos de "troca" que estas implicam no universo em análise. Ainda neste ponto, defende-se a necessidade de, nesta análise, se ter em consideração todos os recursos e relações sociais que podem ser mobilizados, bem como as diferentes formas possíveis de acesso a esses recursos e de desenvolvimento dessas relações. O segundo ponto centra-se sobre as actividades geradoras de rendimentos e produtos desenvolvidas por mulheres e a sua importância nos orçamentos familiares e questionam-se as eventuais modificações nas relações de género daí decorrentes. Por último, e reportando-se a dados empíricos relativos a actividades geradoras de rendimentos e produtos desenvolvidas por membros de duas famílias, esta comunicação reflecte sobre as diferentes formas de gestão e coordenação existentes nestas famílias e sobre as relações de poder daí decorrentes.

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