Um caminho positivo: o efeito da solidariedade
Dilene Raimundo do Nascimento (Fundação Oswaldo Cruz )

Este paper pretende discutir uma experiência de pesquisa baseada na história oral centrada na caracterização da representação social da Aids, tendo como foco o indivíduo soropositivo para o HIV/Aids, bem como seus familiares. Na verdade, trata-se aqui de perceber o impacto do diagnóstico da doença e as estratégias desenvolvidas pelos indivíduos no sentido de sua superação.
No Brasil, a Aids surgiu associada à morte, à promiscuidade, à homossexualidade e medo de contágio, o que resultou em preconceito e discriminação dos indivíduos soropositivos para o HIV/Aids. O isolamento e a solidão do doente ficou patente no seu início.
Os depoimentos colhidos na minha pesquisa espelham bem o sentimento de exclusão vivenciado pelo indivíduo acometido de uma doença carregada de significados que estigmatizam o doente e constrangem seus familiares.
Por outro lado, mostram também que juntos os soropositivos ajudaram a produzir um contra-discurso sobre a doença, cujo impacto apontou novas representações sobre sua própria imagem. Através de organizações não-governamentais que se ocuparam com a questão da Aids, a produção de estratégias de prevenção e, mesmo, a interferência na condução das políticas públicas de combate à doença, produziram nos doentes um sentimento de pertencimento e cidadania, cujos efeitos puderam ser sentidos, inclusive, nos indícios de uma melhora em sua qualidade de vida.

AIDS: os sentidos do risco
Maria Angela Silveira Paulilo (Universidade Estadual de Londrina-PR)


INTRODUÇÃO: Este trabalho trata do risco do HIV/Aids e tem, como objeto central, a relação paradoxal das pessoas para com a aids. De um lado, tem-se o medo exagerado que fomenta dúvidas fantasiosas e leva a apontar formas descabidas de transmissão. De outro lado, tem-se o receio real da aids sendo relativizado, pois que a percepção do risco não vem se traduzindo em mudanças de comportamento, no que diz respeito à adoção de práticas preventivas. A aparente contradição entre a presença do medo e a ausência de mudança de comportamento é a questão aqui trabalhada. O estudo parte da constatação de que os trabalhos de prevenção, essencialmente baseados na perspectiva da racionalidade, não surtem o efeito desejado. Seu pressuposto é, portanto, a ineficácia da lógica predominantemente cognitiva do modelo racional nos discursos preventivos relacionados ao HIV/Aids. O caminho aqui discutido traz uma maneira diferente de elaborar uma análise de risco que teve, como pontos de partida: a) a fuga da lógica racional por meio da utilização da Teoria das Representações Sociais, em sua vertente sócio-histórica; e b) a contextualização dos riscos, ou seja, a análise de risco apoiada em fundamentos teóricos que levassem à compreensão da cultura na qual os riscos deveriam ser estudados, o que permitiu uma abordagem menos racional e mais interpretativa.

OBJETIVO: O objetivo principal consistiu em compreender a disjunção, aparentemente paradoxal, entre conhecimento e comportamento no que diz respeito ao risco do HIV/Aids.

METODOLOGIA: A escolha do universo a ser pesquisado recaiu sobre pessoas infectadas em face do pressuposto de que o portador e o doente se distinguem por apresentar o fato consumado da materialização da doença, o que os coloca em um contexto particular de análise. A história de vida tópica foi eleita como a técnica de acesso ao conteúdo das representações sociais elaboradas pelos sujeitos da pesquisa. As histórias de vida foram colhidas através de entrevistas semi-estruturadas, e o número de entrevistas realizadas incluiu a diversidade do universo pesquisado, no que concerne a diferentes situações de exposição ao risco. Assim sendo, foi entrevistado um total de seis pessoas soropositivas, número que abriga um bissexual solteiro; um heterossexual solteiro contaminado através de relações sexuais; um homossexual casado com homem; uma mulher contaminada pelo marido; um profissional do sexo, no caso, um ex-travesti; e um heterossexual casado, usuário de droga não dependente e ex-detento. O tratamento dado ao material coletado envolveu técnicas de análise de conteúdo, e, em particular, a análise da enunciação. Cada entrevista foi tomada na sua totalidade, compondo um discurso único e singular, perfazendo seis estudos de caso.

CONCLUSÕES: A síntese final aponta a diversidade de sentidos atribuídos ao risco do HIV/Aids: a) projeção do risco para um território distante constituído pela figura do "outro"; b) o processo de hierarquização do risco; c) a falta de credibilidade na ciência; d)a questão de gênero; e) a busca do prazer proporcionado seja pelo sexo, seja pela droga; f) fatores de vulnerabilidade social; g) a questão da cidadania; h) a complexidade interna dos sujeitos humanos. O conjunto das narrativas nos mostra que a invariância na determinação dos riscos simplesmente não existe. Não existe nem mesmo a dicotomia determinação/ evitamento de risco. Esta visão dicotômica leva a uma redução da pluralidade existente nos comportamentos. Entre estes dois pólos flutuam miríades de variâncias, sutilezas, significados, polissemias e sentidos. Trabalhar com riscos exige, portanto, abrir mão da busca da invariância, da lógica racional e dos discursos autoritários. Exige ainda estratégias de ação que aceitem a ambivalência das práticas sociais e descartem a expectativa de soluções definitivas.


Obstáculos para o uso de preservativo entre estudantes do nível secundário na cidade de Maputo

Sandra Manuel (University of Cape Town)

O presente estudo explora as percepções que um grupo de jovens estudantes do nível secundário tem sobre o seu comportamento sexual e identifica factores socio-culturais que os impedem a praticar sexo seguro, especificamente o uso do preservativo. A resposta a esta questão traz a superfície aspectos sociais e culturais que constituem obstáculos à prevenção contra o HIV/SIDA. Os resultados do estudo poderão ser de grande valia a gestores de politicas de saúde, pessoal das campanhas de prevenção ao SIDA; ajudando-os a repensar algumas das estratégias e reestruturá-las de modo a que se verifique um aumento no numero de indivíduos que usa o preservativo.

Um dos maiores obstáculos para o uso do preservativo é a crença, entre os jovens estudantes, de que não há necessidade de usar o preservativo em relações estáveis e consolidadas (como o namoro) porque nesse tipo de relações reina o amor e a confiança. Esta crença no mito da confiança e do amor dá-lhes um senso de imunidade ao HIV/SIDA. Estes estudantes são jovens e constantemente trocam de parceiros. Após algum tempo estabelece-se uma relação estável e consolidada com este novo parceiro, baseada no amor e confiança. Este sentimento, mais uma vez, fortifica o senso de imunidade ao HIV/SIDA. Este ciclo vicioso é ainda alimentado pelas prévias companhas contra o HIV/SIDA que advogavam o uso do preservativo apenas nas 'relações sexuais ocasionais', este slogan é ainda usado pelos jovens estudantes como mecanismo de auto-protecção. Outros factores que influenciam na decisão de usar o preservativo incluem: a percepção de prazer, falta de informaçao clara e sistematizada sobre sexualidade, ausência de educação sexual tanto em casa como na escola, desigualdades de género e poder.

O estudo sugere que a solução para as questões expostas passa por uma mudança do foco da maioria das campanhas de prevenção que incidem no preservativo; maior disponibilidade e propaganda do preservativo feminino e consequente redução do seu preço. Finalmente uma forte mobilização dos jovens para investirem emocionalmente na sua saúde usando o preservativo.

Implicações das representações sociais na vulnerabilidade de género para sida entre jovens universitários: estudo comparativo Brasil Portugal
Mirian Santos Paiva (Universidade Federal da Bahia)
Lígia Amâncio (ISCTE, Lisboa)

A sida desde o seu surgimento foi representada como uma doença do "outro", que era do sexo masculino, homossexual e adulto, e por esta razão, escamoteou a vulnerabilidade dos homens e das mulheres heterossexuais, bem como de jovens e idosos. Sabe-se que a vulnerabilidade à infecção pelo HIV guarda relação não só com os comportamentos individuais, principalmente aqueles relacionados à sexualidade e identidade de género, mas também, com o comportamento dos parceiros, com as condições sociais que deveriam proporcionar acesso aos serviços de saúde e, com existência de políticas públicas eficazes. O fenómeno da sida está ligado às práticas sexuais e em decorrência dos papéis sexuais. Quando a sexualidade é discutida, homens e mulheres apresentam respostas diferentes em decorrência dos diferentes processos de socialização que experimentam ao longo de suas vidas, o que estabelece padrões diferenciados de vulnerabilidade entre eles. Não se discute que medidas de prevenção são necessárias para modificar o estado actual da epidemia. Todavia, sabe-se que as dificuldades de prevenção da sida por parte das mulheres desvelam a importância de serem explicitadas as questões de género que circundam todo o enfrentamento da sida, já que a subalternidade de género tem se mostrado determinante na vulnerabilidade das mulheres. O papel da sexualidade na prevenção da sida assume um interesse particular quando se considera adolescência e a juventude, pois é nesta etapa da vida que o adolescente/jovem inicia sua vida sexual. Isto se reveste de fundamental importância, dado que a proporção de jovens portadores do HIV está em torno de 13% do total de casos notificados no Brasil e, de 7,53% em Portugal. Esta investigação tem como objectivo geral comparar o campo das representações sociais da sida de grupos de jovens universitários(as) brasileiros(as) e portugueses(as) e como objectivos específicos identificar o conjunto de características individuais e sociais presentes no quotidiano dos/das jovens que as/os tornam mais vulneráveis à infecção pelo HIV; identificar estratégias de enfrentamento da infecção pelo HIV e medidas de prevenção a serem adoptadas pelos(as) jovens e identificar as representações sociais da sida, sexualidade, sexo e práticas sexuais de jovens universitários(as). Tomou-se como suportes teóricos a Teoria Feminista, a construção teórica sobre vulnerabilidade proposta por Mann (1993) e por Ayres (1999) e a Teoria das Representações Sociais (TRS) de Moscovici (1961), pela sua importância na análise de aspectos psico-sócio-culturais que permeiam o processo saúde/doença e as práticas sociais relativas ao mesmo, assim como pelos actos de comunicação social e os fenómenos colectivos que contribuem na formação de condutas e, mais precisamente, das regras que regem o pensamento social. Trata-se de um estudo do tipo descritivo, exploratório e comparativo (Brasil e Portugal), com abordagem multimétodos, pois utilizou o teste de associação livre e a entrevista semi-estruturada. Para a análise dos dados apreendidos a partir da associação livre de palavras foi feita a Análise Factorial de Correspondência (AFC) através do Software Tri-deux-Mots. As entrevistas foram analisadas utilizando-se a técnica análise de conteúdo temática. Os resultados apontam para uma vulnerabilidade de género a partir de praticas e comportamentos individuais e sociais que deixam as jovens mais vulneráveis que os jovens em ambos os países.

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