Concepções sobre loucura e doença mental: contributos para o estudo do sistema de referência leigo
Fátima Alves com Luísa Ferreira da Silv; Cristina Vieira; Ester Vaz; Tânia Sousa e Silva Leão; Alecksandra Berg; Fátima Sousa; Rudy Hooven; Clementina Braga; Maria José Guerra (CEMRI, Universidade Aberta)
estervaz@netcabo.pt

A forma como as sociedades se têm relacionado com a loucura é resultado das concepções dominantes sobre o mundo (Benedict, 1934; Devereux, 1970). A nossa sociedade criou a doença mental como objecto controlado pela medicina (Foucault, 1987). As concepções, as atitudes e as práticas associadas à doença mental são diferentes se captadas no universo cultural da medicina/psiquiatria, ou no universo popular, culturalmente muito distante da representação cientifica do corpo, da doença e do doente (Devereux, 1977).
Os estudos sobre os processos sociais excludentes subjacentes à construção da doença mental dirigem-se ás representações sociais (De Rosa, 1987; Bellelli, 1987; Serino, 1987; Jodelet, 1995) e à imagem pública das pessoas com doença mental (Cummings and Cummings, 1957; Nunnally, 1961; Philips, 1966; Bhugra, 1989; G.U.M.G., 1994; Philo et al., 1996), ignorando a perspectiva daqueles que a vivenciam e com ela lidam no quotidiano.
A condição semi-periférica da sociedade portuguesa justifica que características típicas das sociedades desenvolvidas e complexas coexistam a par de características típicas das sociedades menos desenvolvidas e menos complexas (Santos,1990). Esta situação permite-nos supor que, no interior do esquema mais global da modernidade, o sistema explicativo da loucura e da doença mental na sociedade portuguesa contenha especificidades que lhe são próprias. Por um lado, a psiquiatrização da sociedade "não está terminada" na medida em que o estado-providência só tardiamente e parcialmente se implantou, nomeadamente, a quase inexistência de estruturas comunitárias faz com que a integração social das pessoas com doença mental se apoie nas famílias (Alves, 1998). Paralelamente, a democratização tardia da sociedade acompanha uma estratificação social que "não permite" aos leigos interpelar a medicina. Ao mesmo tempo, a vivência da ruralidade ainda está presente nas gerações adultas o que alimenta um sistema de referência de tipo pré-moderno.
A nossa pesquisa tem por finalidade perceber a articulação entre os sistemas de definição politico-juridica e profissional por um lado e o sistema de conhecimentos populares sobre a loucura e doença mental, por outro.
A nossa comunicação apresenta dados empíricos de um estudo qualitativo desenvolvido no norte de Portugal.

A atenção em saúde mental em municípios de pequeno e médio portes:
ressonâncias da reforma psiquiátrica
Cristina Amélia Luzio (Universidade Estadual Paulista)
caluzio@assis.unesp.br
Solange L'Abbate (UNICAMP)

Esse estudo busca conhecer as ressonâncias da Reforma Psiquiátrica em municípios de pequeno e médio portes, situados na região oeste do Estado de São Paulo. A partir da análise da Política Nacional de Saúde Mental formulada nos últimos anos e das experiências desenvolvidas, após 1987, São Paulo (capital), Santos e Campinas procura-se: compreender como o Sistema Único de Saúde tem contribuído para o avanço da Reforma Psiquiátrica nos municípios; verificar como a assistência oferecida nesses municípios, está viabilizando os princípios da Reforma Psiquiátrica e a melhora das condições de vida dos usuários, bem como pesquisar o papel dos trabalhadores e dos gestores na construção de novas práticas de cuidado em Saúde Mental. A análise das práticas discursivas encontradas nos textos, documentos, bem como de entrevistas semi-estruturadas com gestores, trabalhadores, usuários dos serviços de saúde mental apontam que os vários segmentos sociais envolvidos na Saúde Mental conhecem os princípios e propostas da Reforma Psiquiátrica. No entanto, as gestões municipais não assumem integralmente as propostas do Ministério da Saúde para a área, sob a alegação de falta de recursos financeiros para a contrapartida exigida. No município menor o serviço de Saúde Mental se organiza no Centro de Saúde, oferecendo uma assistência mais integral aos usuários, com pouca incidência de encaminhamentos desencontrados. No município maior realizam-se mais ações de reinserção psicossocial, tendo um Centro de Atenção Psicossocial em funcionamento. Os usuários e seus familiares têm gradativamente assumido as novas propostas de intervenção, mas os mecanismos de participação e organização popular ainda são incipientes na Saúde Mental. Finalmente, deve-se destacar que, para uma efetiva consolidação das propostas atuais da Reforma Psiquiátrica é necessário, entre outras ações, maior compromisso dos gestores com a atenção em Saúde Mental, maior investimento nas equipes multiprofissionais, estímulo à organização e participação dos usuários e familiares e integralidade dos dispositivos de saúde, de assistência social e de cultura existentes nas cidades com objetivo de construir uma rede de cuidado e reinserção social.


Representações Sociais dos Distúrbios Alimentares: Anorexia e Bulímia Nervosas - Resultados de Estudo empírico junto a ex-pacientes, familiares e técnicos de saúde

Sónia Cristina Miranda Cardoso (Universidade de Aveiro)
scardoso@csjp.ua.pt

Sessão Temática: Considera-se que a presente comunicação, por se centrar na análise das representações (sociais) construídas por grupos distintos relativamente a um objecto particular (distúrbios alimentares: anorexia e bulímia nervosas), se enquadra na área temática da produção de Teorização Social/Sociológica. Contudo, dado a mesma não constar do painel de temas previstos pelo Congresso, e uma vez que se trata de uma abordagem sociológica sobre doenças psiquiátricas (distúrbios alimentares: anorexia e bulímia nervosas), considera-se a comunicação se pode inscrever na área temática 17. Saúde, medicinas e políticas de bem-estar.
Resumo:
Com base nos resultados da sua Dissertação de Mestrado em Sociologia, a autora pretende expor sucintamente as principais conclusões retiradas quanto à forma como diferentes grupos de indivíduos, caracterizados por relações de maior ou menor proximidade relativamente aos distúrbios alimentares (anorexia e bulímia nervosas), respectivamente os ex-pacientes, os familiares de pacientes e ex-pacientes e os técnicos de saúde especializados e não especializados nesta área, constroem as suas representações sobre a doença e as suas causas (etiologia), aduzindo e analisando as variações apresentadas na sua produção.


Psicossomática, Identidade e Função Paterna
O Lúpus Eritematoso Sistemático à luz da questão de Gênero e Psicanálise
Nadia Regina Loureiro de Barros Lima (Universidade Federal de Alagoas) nadiaregina@ofm.com.br

Com este trabalho, se busca tecer uma reflexão sobre o sentido da afecção psicossomática à luz dos pontos de confluência existentes entre relações de gênero e psicanálise. Enquanto uma perspectiva específica no modo de encarar o fenômeno da doença, a psicossomática tem como pressuposto a unidade funcional soma - psyche, apontando assim para a influência de variáveis emocionais no orgânico.
No decorrer dessa reflexão, far-se-á um breve histórico e evolução da psicossomática, enquanto campo de estudo, culminando com o estado atual da questão, em que a leitura lacaniana psicanalítica elege a "função paterna" como o significante por excelência na urdidura do fenômeno psicossomático.A complexidade desse objeto de estudo - psicossomática- implica, outrossim, uma apreensão da ordem do complexus (o que é tecido junto), daí a necessidade do veio teórico das relações de gênero, como uma outra vertente, além da psicanalítica, a ser abordada nessa reflexão.
Atualmente, o reconhecimento de variáveis emocionais como desencadeadoras das doenças já se tornou lugar-comum entre as pessoas; apesar do saber médico ainda funcionar sob os auspícios da lógica cartesiana, a atualização do antigo princípio hipocrático anunciado desde a Antiga Grécia - "mente sã, corpo são" - cada vez mais se faz presente, não só nas instituições médicas- seja de ensino, como as Universidades, seja nas Associações Médicas -, mas também na mídia, sempre veiculando notícias apontando para a importância da atualização dessa antiga forma hipocrática de lidar com o adoecer. No seio da produção psicanalítica esse reconhecimento já se faz presente desde o século XIX; criado por Heinroth em 1818, o termo Psicossomática, contará mais tarde com outras investidas pioneiras como as de Grodeck, Reich, Freud, entre outros.Esse último, apesar de nunca ter feito uso do termo - falava em "complacência somática" - inaugurou um campo de saber - o psicanalítico- em que a vinculação soma-psyche é premissa primordial.A nível de Estado, já se observa outrossim medidas direcionadas para o fomento de políticas públicas,tendo em vista a prevenção e tratamento dessas afecções,visando a minimização de custos e prejuízos.
Nesse trabalho, propomos tecer considerações tendo em vista elucidar a dinâmica de emergência do Lúpus Eristematoso Sistêmico (LES) -afecção psicossomática- , buscando apreender como essa manifestação pode funcionar como o simbólico expresso no corpo, bordejando a ação de indicadores presentes na construção da subjetividade e como podem eles vir a influenciar no surgimento da dita afecção.Como referencial teórico, a leitura lacaniana da Psicossomática constituirá um dos suportes dessa reflexão analítica; partindo da lógica do significante, em que a afecção psicossomática se caracteriza como uma espécie de solução para um defeito de filiação simbólica, o conceito de metáfora paterna, eixo teórico fundamental, se põe como crucial na apreensão desse modo particular do adoecer: neste, a função paterna não funciona e, no lugar dela, aparece a lesão, quando a filiação ao "Nome-do-Pai" se transforma em filiação ao órgão.
Outro eixo teórico chave é o de identidade de gênero, constitutivo da identidade social e, nesse sentido, uma construção, através da qual as subjetividades dos seres humanos são constituídas, inclusive pela identificação com o que seja da ordem do "feminino" e do "masculino"; enquanto construção social, essa identificação de gênero corresponde a efeitos de significado e de auto-representações produzidas nas pessoas através de práticas, discursos, instituições sócio-culturais que têm como função e efeito a produção de homens e mulheres.
Assim posto, a função paterna na estrutura edípica e a relação de gênero na estrutura patriarcal constituem os eixos teóricos basilares na leitura da Psicossomática, buscando evidenciar a relação e as repercussões na emergência e dinâmica do LES.

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