Lula - lá se foram 13 anos
As Campanhas Eleitorais do Presidente Lula em 1989 e 2002

Carlos André Teixeira Gomes


O papel da mídia televisiva ou dos media, de uma maneira geral, em seus vínculos com a construção de sociedades democráticas, é um dos problemas que desafia o mundo contemporâneo e o novo século. Neste cenário, uma das questões que se destaca é a utilização da mídia televisiva nas campanhas eleitorais. A pesquisa "Lula-lá se foram 13 anos" procura abordar esses fenômenos. O estudo tem como propósito investigar as mudanças havidas em Luiz Inácio Lula da Silva enquanto candidato à presidência da república, nas campanhas presidenciais brasileiras de 1989 e de 2002, bem como os fatores que podem explicá-las. Desenvolve a hipótese de que as mudanças havidas, a par das continuidades, se devem a um conjunto de elementos sociais, históricos, econômicos, políticos e eleitorais. A investigação utiliza como corpus documental, os programas eleitorais gratuitos televisivos deste candidato, veiculados no primeiro turno das eleições presidenciais daqueles dois períodos. Este corpus foi analisado em seus aspectos técnicos e em seu conteúdo, nas perspectivas quantitativa e qualitativa, de modo a obter elementos comparativos. Foram focalizados três aspectos principais: a construção das imagens da pessoa de Lula, do Brasil e do Partido dos Trabalhadores. Quanto aos pressupostos teórico-analíticos, o estudo parte da idéia de que, nas sociedades contemporâneas, as disputas político-eleitorais se dão, fundamentalmente, em um cenário midiático, de competição pela construção de imagens sociais ou públicas. Tais imagens são entendidas como aquilo que se mostra ou aquilo que parece ser, envolvem o feito e o não feito, o dito e o não dito. Abrangem o tom, o vocabulário, a aparência, o real e o simulacro, entre outros aspectos e elementos. Para desenvolver a questão e hipótese investigadas, apresenta-se uma visão panorâmica do contexto econômico, político e social brasileiro nos dois períodos: as legislações que regeram o horário eleitoral gratuito nestas duas épocas; o contexto geral do Partido dos Trabalhadores; a da democracia brasileira recente; e a situação da candidatura de Lula nas pesquisas de intenção de voto em cada um destes pleitos. O trabalho constata que a imagem que se procurou construir para Lula no Horário Eleitoral Gratuito de 1989 e de 2002 apresenta semelhanças e diferenças, ou seja, continuidades e mudanças. Os principais atributos do candidato, nos dois períodos, foram a sua sabedoria popular, sua experiência de vida e seu profundo conhecimento dos problemas que afetam o povo brasileiro. Contudo, enquanto em 1989 Lula foi caracterizado como um trabalhador e como um líder popular e sindical, em 2002 foi apresentado como um político experiente. Quanto às imagens e proposições para o Brasil, destaca-se a presença, em ambas as campanhas, da afirmação de que o país estava em crise e exigia mudanças. Porém, enquanto em 1989 eram defendidas mudanças estruturais para o país, em 2002 propunham-se algumas reformas. Tais mudanças, por sua vez, podem ser explicadas por um conjunto de fatores, destacando-se: as modificações ocorridas no contexto econômico, político e social ao longo dos 13 anos que separam esses dois pleitos; as mudanças no Partido dos Trabalhadores, particularmente em sua política de alianças; e seu deslocamento político, ideológico e programático. No segundo pleito, o PT se desloca de uma posição socialista e de representante dos interesses dos trabalhadores em oposição aos empresários, para uma perspectiva de defensor de um pacto social capaz de unir tais classes e de encaminhar projetos sociais para a solução dos problemas brasileiros. O estudo se insere em uma região de fronteira, envolvendo elementos da Sociologia Política, da Ciência Política e da Comunicação Social, podendo ser considerado um estudo de caso no campo da Política e Comunicação, o que o torna particularmente significativo, inovador e desafiador.


Sobre Democracia, Ditadura e Cidadania
Ednéia Maria Machado ( Universidade Estadual de Londrina - Paraná)
edneia@sercomtel.com.br

As concepções de cidadania e de democracia têm-se apresentado como intrínsecas e complementares uma à outra. No Brasil, atualmente, a cidadania e a democracia têm se colocado como paradigmas na construção de um novo direito das relações sociais, na concepção de um Estado de Direito - um Estado que, em seus marcos legais, estabelece a democracia como sistema político e a cidadania como paradigma de aperfeiçoamento, aprofundamento e garantia da democracia. Mas, a política brasileira insere-se nos marcos do neoliberalismo, marcos estes que não se coadunam com o avanço da cidadania. É com a vitória eleitoral de Lula nas eleições presidenciais de 2002, que a cidadania parece ganhar contornos de uma ação que deve atingir, fundamentalmente, aqueles historicamente excluídos de qualquer cidadania - seja a de documentação, a de alfabetização, a de proprietário etc. Entretanto, o novo governo ao manter a política neoliberal, e ao aprofundar a subordinação ao FMI, está construindo uma cidadania às avessas, cidadania esta que se expressa em propostas de " inclusão" via sistema bancário - isto significa a abertura de conta bancária sem comprovação de renda e com um depósito mínimo em valores monetários ( aproximadamente 14 euros); significa, ainda, acesso a linhas de crédito com "juros baixos" - entre 2 e 4% ao mês para valores de, até, R$ 400,00 (quatrocentos reais; ou, aproximadamente, 112 euros). Significa, também, o estabelecimento de transferências monetárias, através de diferentes programas, para famílias sem qualquer condição de manutenção de sua sobrevivência, ou de mínimas condições, sendo que para receber as transferências monetárias, as famílias têm que se comprometer a investir o valor recebido dentro do definido pelo governo. Para se ter uma idéia, foi debatido em âmbito governamental se as famílias poderiam, ou não, comprar , por exemplo, iogurte, com o dinheiro recebido - debate este que se colocou na implementação do principal programa "social" do governo - o Fome Zero. O debate que, entendemos, se coloca como fundamental é: o Brasil elegeu, em 2002, um presidente da república que construiu sua história política nos marcos do movimento operário que se gesta no interior de uma ditadura militar. Este Presidente fundamentou sua campanha no discurso da mudança, onde a política social deveria se sobrepor à política econômica; discurso este que se sustentava numa história de luta, coerência e ética de um partido político - o Partido dos Trabalhadores. Entretanto, após 15 meses de governo, o que temos é o aumento do desemprego, a falta de investimentos em programas sociais, a redução dos direitos dos trabalhadores - fundamentalmente dos servidores públicos; o aumento da carga tributária; uma política econômica que privilegia o capital especulativo, onde os bancos são os maiores beneficiários.
Em síntese, o governo não apresentou nada de novo, e aprofundou a política neoliberal a um ponto que estrangula qualquer possibilidade de crescimento no curto espaço de tempo que os desempregados, os subempregados, e os empregados precisam para garantir a manutenção de sua sobrevivência em patamares, pelo menos, do ano de 2003.
As mais diferentes análises são possíveis. Mas, como partimos de uma reflexão de que a maioria da população ao eleger um presidente da república operário, sem curso superior (é importante ressaltar este fato, porque foi uma das bandeiras contra o Lula mais significativa nas eleições), e que pregava mudanças, a maioria da população ou, pelo menos, dos eleitores, garantiu ao presidente uma base de sustentação para realizar as mudanças que ele mesmo pregava.
A questão é: Porque não mudou? Porque o partido da mobilização popular - o PT - tem um presidente que governa sem ouvir o Congresso Nacional, emitindo medidas provisórias sem nenhuma consulta?
Em outros termos: o que distingue a ditadura da democracia?

 

Brasil em Contra-Reforma - desestruturação do Estado e perda de direitos
Elaine Rossetti Behring (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
elan.rosbeh@uol.com.br

Esta comunicação sintetiza resultados da tese de doutorado intitulada "A Contra-Reforma do Estado no Brasil", acerca da "reforma" do Estado brasileiro dos anos 90, desencadeada a partir das pressões para a adaptação passiva do país à dinâmica do capitalismo contemporâneo, mas com sustentação política e econômica interna. O estudo traça as principais tendências em operação no capitalismo maduro - a reestruturação produtiva e a mundialização do capital - e suas conseqüências para países como o Brasil, em particular o recrudescimento das expressões da questão social, tais como, o desemprego, a violência endêmica, a vulnerabilidade de crianças e adolescentes, dentre outras. Observa-se também as características da via brasileira para a modernização capitalista como uma via não-clássica, buscando apreender a especificidade das mudanças dos anos 90 e a procedência de categorias formuladas no pensamento social brasileiro, como modernização conservadora e revolução passiva, para uma explicação do tempo presente. Constatou-se a insuficiência desses conceitos, considerando as características e a natureza das mudanças orientadas pelo ideário neoliberal e pelo chamado Consenso de Washington.
A incursão analítica nos acontecimentos político econômicos brasileiros - desde a crise econômica dos anos 80 combinada aos dilemas da redemocratização no Brasil; passando pelas respostas no período Collor; e chegando à análise do Plano Real e das políticas do governo Cardoso, especialmente o Plano Diretor da Reforma do Estado (1995), documento base que orientou os deslocamentos do setor público - procura revelar aspectos decisivos para as projeções futuras do país. Constatou-se que houve uma aparente esquizofrenia entre as proposições da "reforma" e os impactos reais da estabilização econômica - a exemplo de uma não diminuição da dívida pública e do parco investimento em políticas sociais, apesar das promessas de que as políticas adotadas promoveriam um ajuste fiscal efetivo - donde decorre a natureza ideológica do Plano. Estivemos, portanto, diante de uma contra-reforma do Estado no Brasil, dado o impacto regressivo e destrutivo das medidas adotadas e a obstaculização da agenda progressista e democrática dos movimentos sociais e dos trabalhadores desde os anos 80. Esta agenda foi consolidada em aspectos da Constituição, em especial a seguridade social, freqüentemente ignorada pela agenda governamental. O programa progressista dos anos 80, atropelado pelas políticas neoliberais nos 90, apontava para uma ruptura com o drama crônico brasileiro, expresso pelas refrações da questão social e pela heteronomia - a relação de subordinação no mercado mundial. A análise da contra-reforma do Estado no Brasil dos anos 90 no que refere à flexibilização do trabalho, aos processos de privatização e à seguridade social expõe os dados factuais que corroboram o argumento desenvolvido.
A partir dessa análise, pretende-se também apontar os desafios para a coalizão de centro-esquerda, articulada em torno de Lula, tendo em vista a superação da herança recebida e das orientações neoliberais, bem como o enfrentamento efetivo da dramática questão social brasileira. A manutenção pelo novo governo da mesma orientação macroeconômica, a evolução dos seus gastos sociais e a conjuntura político-institucional permitem afirmar que, apesar das enormes esperanças despertadas, não há, ainda, o salto de qualidade esperado no enfrentamento da desigualdade social brasileira.

 

Sobre formas de governo antes de outro plebeiscito no Brasil
Valter Duarte Ferreira Filho
Universidade Federal do Rio de Janeiro e Universidade do Estado do Rio de Janeiro
Departamento de Ciência Política (UFRJ) e Departamento de Ciências Sociais (UERJ)
valterduarteff@yahoo.com.br

No Brasil, apesar de dois plebiscitos relativamente recentes sobre formas de governo terem sido amplamente favoráveis ao presidencialismo, um em 1963 e outro em 1993, começam os adeptos do parlamentarismo a movimentar-se no sentido de que seja realizado um outro que, acreditam eles, após ampla campanha de esclarecimento, possa finalmente apurar um resultado contrário aos anteriores. Todavia, como se pretende argumentar na comunicação ora proposta, mesmo vencedor até o momento, o presidencialismo, tanto quanto o parlamentarismo, é forma de governo também amplamente desconhecida e seus adeptos podem, numa ampla campanha de esclarecimento, valer-se de uma oportunidade, que rigorosamente ainda não tiveram, para falar do que vêm a ser essas formas, das que foram as suas origens, das que foram as suas primeiras razões de existir, das possibilidades que têm de garantir a unidade política nos países em que existem, de favorecerem estabilidade política, de favorecerem ou dificultarem transformações, entre outras propriedades desses formas de governo que podem falar em favor do presidencialismo no Brasil. Por isso, a comunicação faz uma breve revisão de idéias de Montesquieu, da declaração de onipotência do Parlamento na Inglaterra em 1765, da Constituição dos Estados Unidos de 1787, da crise do presidencialismo da II República na França e das instituições políticas brasileiras do Império à República, tendo em vista indicar que num país da extensão territorial do Brasil o comando dos poderes executivos por parte de um presidente e não de um primeiro ministro favorece não só a integração entre as suas partes, das mais próximas às mais distantes umas das outras, como favorece maior representação de massas em nível nacional, ao contrário do parlamentarismo que, em uma formação federalista, tenderia a conter a representação de massas nos limites estaduais.

 

A reestruturação do Estado Brasileiro no final do século XX
Edmundo Alves de Oliveira - (Doutorando em Sociologia. FCL/UNESP)
(Professor do Centro Universitário Araraquara/UNIARA)
Israel Roberto Barnabé
(Doutorando em Ciências Sociais. IFCH/UNICAMP)
(Professor da Universidade Federal de São Carlos/UFSCar)
Valquíria Pereira Tenório - (Mestranda em Sociologia. FCL/UNESP)
valquiriatenorio@yahoo.com.br

O texto apresenta o resumo de nossa pesquisa sobre a reestruturação do Estado Brasileiro nas décadas de 80 e 90 do século XX. Nosso objetivo é analisar as diversas reformas administrativas, empreendidas pelo governo federal brasileiro nos últimos 20 anos, como sendo o elemento mais visível de tentativas mais amplas de reestruturação do Estado, bem como, expressando importantes transformações na sociedade brasileira na busca de novas perspectivas organizacionais e de estruturação de um novo modelo de Estado e de organização social que permitam arquitetar novas formas de desenvolvimento econômico, político e social.
Objetivo de pesquisa que se fundamenta em uma proposta teórico-metodológica na qual tais reformas administrativas estão, cada uma a sua maneira, propondo a readequação ou a superação do modelo "desenvolvimentista".
Originado em um período autoritário e de profundo questionamento dos limites e capacidade do liberalismo e da democracia, o "desenvolvimentismo" no Brasil é construído e operacionalizado por meio de um Estado-nacional autoritário e fortemente interventor. A imposição desse padrão de desenvolvimento econômico gera dificuldades de convivência, durante toda sua existência, com aspectos mais democráticos de organização política e social.
O "desenvolvimentismo" à brasileira promoveu novos fundamentos de estruturação das organizações sociais e políticas, bem como, foi pedra angular de uma nova ideologia, que mais tarde constituiu as pretensões militares do "Brasil potência". Portanto, podemos considera-lo como sendo mais do que um modelo de desenvolvimento econômico, tornou-se um sistema de organização social que padroniza a ação pública e privada, assentando-as em bases ideológicas e teleológicas autoritárias que definem o desenvolvimento a partir de critérios econômicos, industrializantes e urbanos. O "sistema desenvolvimentista", nossa principal premissa de análise, cria determinados padrões de identidades, solidariedades nos agentes sociais, governamentais que servem de fundamento para sua operacionalidade.
Como hipótese geral: consideramos que as formas de organização da Sociedade e do Estado brasileiro definidas a partir do "sistema desenvolvimentista" geram especificidades que constrangem e entravam fortemente a formulação de novas propostas de organização que superem tal modelo após seu esgotamento.
O "Estado desenvolvimentista" compreendido, por nós, como elemento primordial de implementação e aprofundamento do "sistema desenvolvimentista" entra em crise pelo esgotamento do próprio modelo sistêmico. Assim, consideramos que os limites da reestruturação de um novo Estado estão definidos pelos padrões estruturais da sociedade brasileira gerados pelo "desenvolvimentismo" e ainda não superados. A forma de vinculação do setor público com o privado, o corporativismo dos grupos organizados, o modelo de sindicalismo, o populismo na política, a falta de organização de grande parte da sociedade civil são as principais características que permitiram a funcionalidade do "desenvolvimentismo" no Brasil e, agora, dificultam sua superação.
Dessa maneira, analisamos a reestruturação do Estado como sendo a expressão, realizada e/ou desejada, não apenas da reorganização política, mas também, econômica e social do Brasil. Apresentamos as reformas administrativas propostas e/ou realizadas no período - década de 80 e 90 - como sendo fatos que contêm esse processo reestruturador e como formas de se explicitar as transformações empreendidas tanto no Estado como na Sociedade. Portanto, concluímos que as diferentes propostas sobre as reformas administrativas apresentadas e/ou implementadas pelos diversos governos do período encontram unidade em relação à tentativa de superação do padrão "desenvolvimentista" de organização econômica, social e política do Brasil.

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