Contributo para o debate sobre a Justiça em Portugal: a centralidade da estrutura
Graça Fonseca - CES Universidade Coimbra
gfonseca113@hotmail.com

O curto-circuito social, político e judicial que atravessou a Sociedade Portuguesa no início do Século XXI terá, é nossa convicção, fortes e significativos impactos no sistema de Justiça Português da primeira metade deste Século. A forte mediatização da Justiça e um novo protagonismo dos Tribunais, magistrados e advogados quebraram (pelo menos conjunturalmente) com a tradicional opacidade do sistema e uma aparente indiferença dos cidadãos perante as questões de Justiça. Num muito curto espaço de tempo, assiste-se a um processo de conscencialização colectiva de que algo vai mal no Reino da Justiça. Multiplicam-se os apelos e os contra-apelos à reforma das Leis (Penais) e dos Tribunais (de competência Penal).
Esta conjuntura contém, em si, condições e oportunidades para um desenvolvimento mais democrático do sistema judicial português. Mas os riscos inerentes são, igualmente, inúmeros. Desde logo, o risco de descentramento da agenda de reforma da Justiça do todo para a parte e da estrutura para a substância. Em nosso entendimento, este descentramento constitui um sério obstáculo ao cumprimento do(s) desafio(s) da Justiça para o Século XXI: a edificação de um sistema de resolução de litígios mais eficiente, mais acessível, mais responsável e mais transparente.
Afigura-se, assim, necessário e urgente recentrar a agenda de reforma da Justiça em torno das questões conexas com a estrutura do sistema de Justiça, às quais, em nossa opinião, tem sido conferida uma diminuta centralidade, quando comparada com a evolução da substância do sistema. Nesta comunicação, o centro é a estrutura. O seu principal objectivo é apresentar uma visão, possível, de um sistema integrado de resolução de litígios que contenha, em si, os meios e os instrumentos necessários à adequação da capacidade de oferta à procura de Justiça. Cumprir com o nosso desafio colectivo de construir uma Justiça mais eficiente, mais acessível, mais responsável e mais transparente ao serviço da Cidadania e do Desenvolvimento passa, estamos convictos, por dar prioridade à edificação de uma estrutura diferente, assente numa visão estratégica e integrada das diversas peças do sistema. Do êxito que obtivermos nesta tarefa depende, em grande medida, a existência de uma substância ao serviço dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos e do desenvolvimento económico e a promoção de uma cultura legal de cidadania activa e exigente.

Pedagogia jurídica e democracia: possibilidades e perspectivas
Maria Cecilia Lorea Leite - Universidade Federal de Pelotas- Brasil mclleite.sul@terra.com.br

Este trabalho tem como objeto de investigação o ensino jurídico, propondo-se a refletir sobre novas formas de conhecer a realidade do Direito. Comunica parte dos resultados da tese de doutoramento da autora, defendida em 2003, cujo tema foi a análise das decisões pedagógicas e das inovações no ensino jurídico. A partir de um estudo de caso desenvolvido junto a um curso de Graduação em Direito, em uma universidade pública do Rio Grande do Sul - Brasil, foca as relações entre currículo, conhecimento e poder. Embasa-se, principalmente, em Basil Bernstein, Boaventura Santos e Kant. Insere-se no campo da Pedagogia Jurídica, definida como o campo do conhecimento que estuda os processos de educação jurídica. Considera-se que esta última ocorre mediante o ensino e aprendizagem dos princípios, das normas, dos institutos e dos procedimentos jurídicos de caráter oficial ou não, dos significados criados por seus conteúdos e aplicações, pelas formas de regulação produzidas, mediante processos interativos desenvolvidos por pessoas e instituições em tempos e espaços determinados. Neste sentido, a Pedagogia Jurídica abrange duas vertentes. A primeira envolve o estudo das teorias e dos processos de educação jurídica que informam e conformam uma pluralidade de diferentes normas as quais integram e constituem, de forma implícita ou explícita, o ordenamento jurídico de um Estado, sociedade ou grupo social. A segunda refere-se ao estudo das teorias e dos processos que embasam o Ensino Jurídico tal como se constitui e se desenvolve em cursos jurídicos em diferentes instituições, bem como em outras instâncias do poder do Estado, considerado como um todo ou no âmbito dos diferentes órgãos e níveis que o integram, ou em processos formais e/ou informais que se desenvolvem em outras organizações nos mais diversos grupos sociais. Como o ensino jurídico envolve o conhecimento jurídico normativo, é possível afirmar que esta vertente comporta uma dupla via de regulação. Pretende-se que se examine o discurso jurídico como um discurso pedagógico e nesta perspectiva, seja estudada sua Pedagogia e sua prática pedagógica. Investiga-se a lógica interna do dispositivo jurídico, suas regras distributivas, recontextualizadoras e de avaliação. Além da hierarquia relativa às inter-relações destes conjuntos de regras, considera-se a hierarquia presente no próprio texto jurídico, no conjunto de regras do ordenamento jurídico, relacionando-o a um discurso vertical. Articulam-se os campos Pedagógico, Jurídico e Pedagógico do Ensino Jurídico, procurando descrever as posições desses campos e as práticas especializadas que reproduzem sua estrutura. Aspectos importantes como a distribuição e circulação do conhecimento jurídico na sociedade e a Pedagogia Jurídica oficial são questionados. A reflexão propiciada a partir dos dados da pesquisa empírica realizada, permite perceber, entre outras questões, fortes limitações à atividade de seleção de conteúdos e de sua recontextualização no Ensino Jurídico, quando se tem como referência as disciplinas do plano profissional, baseadas no Direito Positivo Brasileiro. O desenvolvimento do estudo destaca a relevância da Pedagogia Jurídica para identificar e interpretar as formas de comunicação que fundamentam os processos pedagógicos no campo do Direito, bem como a importância da formação docente em seu âmbito. A título de conclusão, argumenta-se que são possíveis e necessárias novas formas de conhecer o Direito e que a Pedagogia Jurídica oficial não é adequada para a transmissão do conhecimento jurídico, apresentando, ao final, proposta de uma nova Pedagogia para o campo do Direito, com vistas à socialização do discurso jurídico e aos importantes reflexos para o processo de democratização da sociedade que poderão daí advir.

Obstáculos enfrentados pelas ONGs para a utilização dos instrumentos judiciais de realização dos direitos humanos
Domingos Sávio Dresch da Silveira
jaquemin@terra.com.br

As organizações não-governamentais no Brasil tem ampliado, grandemente, sua capacidade de organizar a população e de lutar pela proteção e realização dos direitos humanos, em especial dos direitos sociais.
Nesse processo, têm crescido a capacidade de mobilização social e organização das reivindicações, sendo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra o exemplo mais clássico.
Contudo, tal capacidade não se reflete no que diz respeito à arena jurídica, em especial a questão do acesso à justiça, através de instrumentos processuais coletivos, dos direitos humanos.
Nossa pesquisa busca identificar quais os obstáculos à utilização das ações coletivas, em especial a ação civil pública, regida pela Lei nº 7.347/85, pelas Organizações Não-Governamentais. Para tanto, dividimos a reflexão em obstáculos de natureza ideológica (o não reconhecimento, pelas ONGs da utilidade da via judicial) e processuais-materiais (inexistência de assessoria jurídica capacitada).
Chama especial atenção o fato de, nos quase vinte anos de existência da ação civil pública, a quase totalidade das demandas (mais de 95%) terem sido ajuizadas pelos Ministérios Públicos, apesar do protagonismo na defesa política das questões ser de ONGs. Quais os prejuízos para a realização concreta dos direitos humanos de tal atitude ? Essa é nossa principal indagação.

Democratizar a justiça: novas tecnologias, novas possibilidades
Jorge Almeida (Observatório Permanente da Justiça Portuguesa/ Centro de Estudos Sociais)
jj@ces.uc.pt

O desenvolvimento de um conjunto de técnicas e serviços que associam as redes de comunicação e a informática tem tido uma influência decisiva no moroso processo de democratização da justiça. O sistema de justiça é, tradicionalmente, labiríntico, distante, inacessível e opaco. Torná-lo acessível a todos os cidadãos não se afigura uma tarefa fácil.
Neste domínio, as novas tecnologias de comunicação e de informação (NTCI) representam uma real possibilidade de facilitar o acesso por parte dos cidadãos à justiça, de descomplexificar o seu funcionamento, de tornar o exercício do poder jurisdicional mais transparente e os seus operadores mais responsáveis, numa palavra, de democratizar a justiça.
Será central, nesta exposição, a importantíssima valência das NTCI quer para a transformação dos tribunais em espaços amigáveis e com um funcionamento mais evidente, quer para a transformação da justiça num processo mais compreensível e socialmente menos distante da maioria dos seus potenciais utilizadores: os cidadãos.
As NTCI apresentam-se, assim, como um dos poucos caminhos viáveis para conseguir transformar os tribunais e a justiça de modo a que se adeqúem às novas necessidades e aos novos desafios sociais. A utilização das NTCI facilita a introdução no sistema judicial de formas de gestão modernas, retirando do dia-a-dia dos operadores judiciais tarefas rotineiras e tornando mais produtivo, mais eficaz e mais eficiente o sistema no seu conjunto.
As NTCI poderão contribuir para que os tribunais sejam espaços mais abertos e mais amigáveis, auxiliando o cidadão a orientar-se no labirinto de salas e de procedimentos. São vocacionadas para, de forma automática, facultarem informação essencial aos utilizadores diários de um tribunal (placares informativos electrónicos, consulta on-line de marcações de julgamentos, quiosques electrónicos nos tribunais) ou ao cidadão que, sem ter que ir ao tribunal, quer compreender o que se passa com o seu caso (quiosques electrónicos em repartições e serviços públicos, sites na internete, linhas telefónicas e serviços on-line de apoio ao cidadão).
As NTCI desempenham também um papel importantíssimo no esforço de transformação da justiça num sistema mais transparente, quer através da introdução de mecanismos que possibilitem o controlo do desempenho, quer como meio privilegiado de divulgação de estudos e de auditorias que avaliem a qualidade do sistema.
No entanto, para garantir a eficácia das NTCI na democratização da justiça é necessário uma formação ampla e adequada de todos os cidadãos, a construção de redes desconcentradas de pontos de acesso e uma atenção especial para as necessidades de determinados grupos. A sensibilização, a formação e o incentivo para diminuir o número de info-analfabetos e de info excluídos é essencial. Em igual medida, é necessário garantir a segurança da informação confidencial e a qualidade da informação a que os cidadãos acedem.
A introdução de novas formas de gestão e das novas tecnologias no sistema de justiça necessita, em especial, para que seja eficaz e eficiente, que as redes e os programas a serem utilizados sejam desenvolvidos tendo em atenção as necessidades do sistema de justiça e dos utilizadores. Necessita que os operadores do sistema sejam sensibilizados para as vantagens das NTCI, que recebem formação adequada e que sejam incentivados a utilizá-las . É igualmente importante que se monitorize e avalie o seu uso por parte de todos os operadores: magistrados, funcionários, entidades públicas, entidades privadas e advogados.
É em todos estes domínios, e tendo em atenção todos estes riscos, que as NTCI podem e devem, em Portugal, desempenhar um papel dinamizador da democratização da justiça.

 

Participação através do direito: a judicialização da política
Gisele Silva Araújo (IUPERJ)
gssaraujo@yahoo.com.br

Os fenômenos da juridificação das relações sociais e da judicialização da política têm sido objeto freqüente nas ciências sociais dos últimos anos. A "explosão legal" observada nas últimas décadas é remetida pela literatura especializada ao Estado do bem-estar social que lançou mão do Direito como instrumento para implementar prestações sociais. A proliferação de legislação casuística e especial, a materialização do direito e a regulação estatal dos mais variados setores da vida social têm por conseqüência o que Gunther Teubner denominou de "trilema regulatório" do Direito contemporâneo. Segundo este autor, o direito do Estado-Providência tem limites intrínsecos, sob pena de sucumbir a três hipóteses de fracasso regulatório: a ineficiência da lei decorrente da mútua indiferença entre direito e sociedade, o aprisionamento da sociedade pela lei ameaçando sua auto-produção, e a desintegração do sistema jurídico pela hiper-socialização do direito. Conforme se observou noutro artigo, entretanto, a judicialização das relações sociais, fenômeno a que se refere Teubner sob o nome de "juridificação" é conceitualmente distinta da judicialização da política. No primeiro, oriundo da configuração do Estado do bem-estar social, o sistema político instrumentaliza o sistema jurídico para intervir nas demais esferas da vida social. No segundo, ao contrário, a sociedade utiliza o sistema jurídico para obter resultados políticos. O presente texto tem por objetivo refletir sobre a judicialização da política como movimento que, embora esteja associado às transformações do Direito advindas do Estado do bem-estar social, é conceitualmente distinto da juridificação das relações sociais.

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