Cidadania e movimentos sociais: uma relação paradoxal
Renata Gonçalves (Universidade de Campinas)
regon@unicamp.br

Pretendemos abordar o paradoxo existente na relação cidadania e movimentos sociais, procurando suscitar algumas reflexões sobre as implicações político-ideológicas que os vários usos da noção de cidadania trazem para os movimentos sociais.
A noção de cidadania tem adquirido os mais variados sentidos e intenções nas análises dos cientistas sociais. Os termos "cidadão" e "cidadania" utilizados hoje no Brasil e em vários outros países da América Latina mais se parecem com uma "cacofonia semântica". Apresentam-se como demanda de cidadania reivindicações como o estabelecimento de uma rede de esgoto, o pagamento de férias remuneradas para as domésticas, o aumento do número de vagas nas universidades
São tantos os sentidos e intenções atribuídos a ela que um questionamento acerca de sua eficácia explicativa se faz necessário. Por que esta noção adquiriu tamanha importância, principalmente, nas análises sobre os movimentos sociais? Qual a razão para que apareça como intrínseca aos movimentos a demanda por cidadania? Será que sua presença nas análises corresponde, de fato, à "experiência" dos movimentos? Estaríamos novamente diante da necessidade de homogeneizar para poder explicar? E quais as implicações políticas desta homogeneização?
Na tentativa de responder a estas indagações faremos, num primeiro momento, uma rápida incursão às origens da própria noção de cidadania na tentativa de evidenciar a ambigüidade presente nos seus usos. Esta ambigüidade nos conduz, num segundo momento, à análise de um movimento social que ganhou visibilidade ao longo dos anos 90, o MST. Qual a relação deste movimento com a chamada "demanda por cidadania"

Origens Sociais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Célia Regina Vendramini
(Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis)
Cvendram@ced.ufsc.br

O trabalho propõe uma reflexão sobre as origens sociais dos sem-terra, com base em uma pesquisa desenvolvida em acampamentos e assentamentos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) no estado de Santa Catarina, Brasil. Consideramos o trabalhador sem-terra como um sujeito social coletivo, constituído historicamente no processo de resistência contra a concentração da propriedade que caracteriza até hoje o desenvolvimento agrário brasileiro. Buscamos compreender e explicar sua natureza e trajetória política face às transformações econômicas e políticas que priorizam o grande capital latifundiário. As temáticas abordadas são a natureza de classe dos trabalhadores sem-terra, as origens sociais e a constituição do MST. Desde a década de oitenta, os sem-terra constroem uma identidade social comum chamada MST. Por meio de inúmeras ocupações de terra, espalhadas inicialmente na região sul do país, e alastrando-se posteriormente por todo o país, por meio de diversos tipos de mobilizações (ocupação de prédios públicos, caminhadas e manifestações), os desamparados da terra do início do movimento transformam-se em um sujeito político, nacionalmente conhecido e reconhecido, os "Sem Terra", um movimento social de novo tipo que se organiza na luta incessante para sobreviver com o próprio trabalho, o que exige a confrontação política da classe proprietária e do Estado. As origens sociais do MST em Santa Catarina podem ser encontradas no processo migratório internacional, o qual exportou uma grande massa de trabalhadores descartáveis para diversos países, entre eles o Brasil. Nos acampamentos e assentamentos do MST, observamos traços e sotaques italianos e alemães, misturados aos indígenas e aos caboclos (os quais emergem no contexto da construção da estrada de ferro e do Movimento do Contestado em Santa Catarina). Os sem-terra expressam o histórico processo de exploração dos trabalhadores, os quais vagueiam pelo mundo em busca de trabalho.


Analfabetismo ou analfabetismo visual - preferência de classe ou preferência de gente?
Ana Maria Augusta da Silva
Rede Metodista de Ensino - IPA, Porto Alegre/RS
Am.as@redemeta.com.br

Para Touraine (1991) a sociedade atual se caracteriza por uma exclusão extrema que permeia os indivíduos por meio de relações horizontais do tipo in/out. Estas relações fazem parte de outros processos sociais e aciona desdobramentos relevantes como a ausência de integração social de parcelas da população. Estes fatores geradores contemporâneos vão além dos mecanismos anteriores de exclusão econômica, mas englobam as dimensões culturais e simbólicas e, por isso, demandam transformações sociais e culturais no seu processo de resolução. A exclusão contemporânea invade os espaços culturais e simbólicos da realidade social por meio de práticas de guetização cuja imagem veiculada nas mídias reafirmam este processo.
Neste sentido, refletir sobre o papel da educação neste processo é um esforço para eliminar barreiras tradicionais na construção de um novo conhecimento e práticas sociais. Este conhecimento diferente e inventivo deve ter sua estrutura assentada no processo de criação e de invenção social, pois a criatividade individual não pode ser pensada separada de um contexto mais amplo cultural e social (Ostrower, 2003:147)
Uma educação para o desenvolvimento da criatividade como proposta de superação de problemáticas atuais de uma sociedade complexa, bem como para a construção de uma cidadania efetiva não pode se imiscuir de abarcar os aspectos culturais, sociais e políticos da sociedade em que se oriunda. Assim, se assume como necessário para isso uma educação voltada para a construção de sujeitos que possam fazer uma leitura complexa da realidade por meio de uma educação estético-visual que englobe no seu processo de constituição uma educação voltada para a percepção da diferença cuja manifestações artísticas e culturais são expressão.

Trabalho e Consciência de classe: A história de Dona Antônia e de Dona Maria na luta pela terra.
Fabiana de Andrade Campos (PUC/MINAS)
fafacampos@bol.com.br

O objetivo desse trabalho é buscar compreender a formação e o desenvolvimento da consciência de classe em Trabalhadores Rurais Sem Terra que realizaram a primeira ocupação de terras organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST no estado de Minas Gerais. Compreender a formação dos Sem Terra mineiros a partir das experiências singulares de trabalhadores e trabalhadoras, dando um enfoque específico à construção da história de vida de mulheres. Adotamos uma postura de diálogo e convivência com os Sem Terra, e estabelecemos uma relação de troca de saberes, segundo os ensinamentos de Paulo Freire e Carlos Rodrigues Brandão. Realizamos uma pesquisa de campo participativa, que levou em conta a experiência de alguns trabalhadores do Assentamento 1o de Junho, aonde participamos do cotidiano da agrovila e realizamos as entrevistas mais importantes para esse trabalho. Da mesma forma, realizamos visitas e acompanhamos os trabalhadores aos acampamentos Resistência (localizado em Jequitibá, próximo a Sete Lagoas), 6 de Julho e Terra Prometida (localizados em proximidades de Tumiritinga, às margens do Rio Doce), e em diferentes manifestações do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, como: Encontros, Marchas e acampamentos urbanos. Realizamos, também, pesquisas documentais sobre a história do MST em Minas Gerais, através dos arquivos do Centro de Documentação Eloy Ferreira (CEDEFES) e os arquivos da Secretaria do MST em Governador Valadares, que conta com os registros mais antigos do Movimento no Estado. Ao enfocarmos a reconstrução de histórias de vida de Dona Maria e de Dona Atonia, ambas assentadas em 1o de Junho e participantes da 1a ocupação do MST no Estado de Minas Gerais, fazenda Aruéga, pudemos perceber toda uma trajetória de resignificação da ocupação de terras. Através desta metodologia foi possível analisar três categorias: a) cotidiano; b) memória; e c) desenvolvimento da consciência de classe. Nesse sentido pudemos destacar: a) a importância da mulher na luta pela terra; b) a interferência da maternidade na vida dessas mulheres e a sua relação direta com a luta pela terra; c) a transformação da consciência de classe a partir da ocupação de terra. A importância deste trabalho se revela quando lemos os depoimentos na íntegra e podemos perceber a riqueza da narrativa dessas mulheres, o que é expresso no seguinte trecho de Dona Maria: Eu esqueci de te contar que... Mode nós chegou lá na Aruega, que nós andou uma distançona à pé e carregando os sacos na cacunda. Esqueci! O pior peso eu larguei pra traz... Aí eu falei: ? Eu tenho que começar é por aqui! Começar aonde que a gente andou a noite toda de carro. Mas quando foi pra chegar na terra mesmo, não teve estrada não. Fechou, sabe? A partir dessa passagem, que se refere ao 1o dia de ocupação de terras organizado pelo MST em Minas Gerais, dá início uma longa narrativa que possibilita a construção de diversas análises para nós pesquisadores. Acreditamos que a possibilidade dessa pesquisa se deu, principalmente, a partir do relacionamento que estabelecemos com os Sem Terra. Talvez uma contribuição importante deste trabalho seja a possibilidade de fazer a passagem entre os conceitos de memória coletiva e consciência de classe. No nosso caso, apreendendo o significado da ocupação de terras para os Trabalhadores Sem Terra.

 

Movimentos sociais e experiência geracional: a vivência da infância no Moviemtnos dos Sem Terra
Luciana Oliveira, Maria Amélia Oliveira, Maria Cristina Soares Gouvea (Universidade Federal de Minas Gerais)

A recente produção sociológica brasileira voltada para análise dos movimentos sociais contemporâneos, tem tido como foco privilegiado o estudo do papel de novos atores, protagonistas de tais movimentos, com suas inscrições identitárias múltiplas, definidoras de novas estratégias de ação social. Nessa perspectiva, vem se alargando as categorias sociológicas de apreensão dos sujeitos, desde a ressignificação do conceito de classe, até a incorporação de outras categorias geradoras de identidades sociais, tais como gênero, raça, religião, trabalhadas no seu entrecruzamento. Mais recentemente, uma série de trabalhos tem se voltado para o estudo do protagonismo juvenil na cena contemporânea e, com isso, conferido centralidade a categoria geração na análise dos processos identitários.
Vem-se superando uma análise dos processos de formação humana advinda das teorias psicológicas que produziram uma visão essencialista, conformadora de um modelo universal e normativo dos processos de desenvolvimento humano., fazendo emergir a diversidade de experiências e significados da juventude nas sociedades contemporâneas.
Porém, a categoria geração, nos estudos sociológicos tem pouco privilegiando outros recortes geracionais, com desenvolvimento de investigações acerca das diversas experiências da infância e velhice. No caso dos estudos sobre a infância, esta tem sido fonte de análises principalmente no campo historiográfico.Cabe indagar, tendo como referência o campo sociológico, numa perspectiva sincrônica, como as crianças, compreendidas como atores sociais experimentam a condição social da infância em contextos diferenciados?
Para tal, faz-se necessário o desenvolvimento de investigações empíricas que permitam analisar como crianças concretas experimentam a infância no diálogo com um modelo dominante reducionista. Nesse, a criança é representada como sujeito de consumo, no caso dos indivíduos dos extratos médios, ou como fonte de perigo, no caso das crianças das camadas populares..
É a partir dessa perspectiva de superação e fundadas nos referenciais teórico- metodológicas da ciência antropológica, que buscamos nesse trabalho analisar como um grupo de crianças, oriundas de famílias inseridas no Movimento Sem Terra vivem a condição da infância e compreendem seu lugar social, no dia a dia de um acampamento do MST em Minas Gerais.
Para tal, recorreu-se a observação participante do cotidiano infantil, através do acompanhamento de um grupo de sociabilidade, constituído por crianças de idades variadas, organizadas em torno do brincar coletivo. O brincar aqui foi tomado como expressão da cultura infantil, ao mesmo tempo que atividade simbólica de ordenamento do real. A partir daí, foram realizadas, após 6 meses de inserção no campo, entrevistas semi dirigidas com 6 crianças, participantes desse grupo de sociabilidade.
Buscou-se analisar as diferentes visões produzidas pelas crianças acerca de sua identidade social de participante de um movimento coletivo, que informava sua experiência concreta da infância, no cotidiano de um acampamento.
Verificou-se que haviam posições diversas na relação com o movimento organizado, fruto da relação dos pais com o mesmo. Assim é que algumas crianças participavam das atividades do MST, frequentando assembléias, indo a encontros nacionais de "Sem Terrrinha", a partir do lugar dos pais de lideranças do movimento. Outras, tinham uma relação de distanciamento com o MST, a partir do lugar também distanciado de seus pais, enxergando na experiência do acampamento uma possibilidade de melhoria das condições de vida familiares.
Por outro, havia uma ótica singular, comum ao grupo infantil, que tomava o acampamento como espaço de desenvolvimento lúdico. Assim, as crianças relatavam suas histórias de vida marcadas por 2 momentos distintos: a experiência urbana anterior na favela, associada a convivência com a violência e a restrição do espaço, no desenvolvimento de suas brincadeiras; e a experiência do acampamento, associada a liberdade de movimentação e a participação em atividades do MST que as distinguiam e valorizavam em relação as demais crianças, percebendo-se como portadoras de uma identidade singular positivamente siugnificada.

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