Participação política e o enfrentamento da questão social: o potencial dos conselhos de políticas e do orçamento participativo no Brasil
Eleonora Schettini Martins Cunha (Universidade Federal de Minas Gerais)
eleonoracunha@yahoo.com.br

A questão social, no Brasil, encontra-se intimamente vinculada ao alto grau de concentração da riqueza e às desigualdades sociais decorrentes, cuja expressão é a reprodução da pobreza historicamente construída, associada a novas condições de vulnerabilidade, geradas pela reestruturação produtiva. A dimensão sócio-econômica dessa desigualdade é bastante contundente, mas sua dimensão política é também relevante e tem como expressão a precariedade da participação popular em processos de decisão política que venham possibilitar a sua autodeterminação enquanto sujeitos. Superar as manifestações concretas da questão social aponta para a necessidade de avanços nos campos social, econômico e político em direção à cidadania plena, o que implica em assegurar liberdades civis, participação política e condições sociais mais igualitárias. Nessa direção, a participação popular na esfera pública e a existências de espaços institucionais que assegurem essa participação adquire relevância.
A participação dos cidadãos nas decisões públicas foi apresentada como uma reivindicação de grupos e movimentos sociais que lutaram pela democratização do país, decorrente da constatação de que as instituições democráticas tradicionais não têm sido suficientes para o cumprimento das promessas da democracia quanto à justiça social. Sua luta foi tanto por conquista ou ampliação de direitos, quanto pela democratização da gestão pública, pleiteando a participação da sociedade civil nas decisões acerca da formulação das políticas públicas que intervêm diretamente na questão social e no controle público sobre o Estado.
A participação tornou-se princípio de organização e de gestão do Estado brasileiro, principalmente no âmbito local, inspirando a criação de inovações institucionais híbridas democráticas, de composição mista e plural, baseadas em processos dialógicos e deliberativos, tais como os conselhos de políticas e orçamentos participativos.
Os conselhos são estruturas político-institucionais permanentes, de caráter público, constituídas por atores sociais e políticos, que deliberam acerca de políticas sociais, criando parâmetros e controlando a ação do Estado, tendo sido amplamente implementados no país. Os orçamentos participativos são instâncias de deliberação democrática, onde sociedade e Estado apresentam, argumentam e negociam acerca de demandas e necessidades relacionadas aos investimentos públicos em determinadas regiões dos municípios ou áreas de políticas públicas, compartilhando decisões acerca de parte ou de toda a previsão de receita e de despesas do governo, ou seja, do orçamento público.
A expectativa com a criação desses novos espaços era de que a pluralidade de sua composição e os procedimentos deliberativos que instituíam, possibilitariam a efetivação de diálogos mais democráticos entre os diferentes atores e a produção de acordos legítimos visando a solução de problemas e o atendimento de necessidades e demandas da população, combinando a democratização das relações de poder e o efetivo atendimento às manifestações da questão social. Os diferentes contextos nos quais estão sendo implementados têm produzido formatos e resultados diferenciados no que diz respeito à participação da sociedade civil e à efetividade das deliberações, mesmo em cidades como Porto Alegre, Belo Horizonte e São Paulo, cujos governos baseiam-se em pressupostos da gestão democrático-popular.

O sistema político brasileiro, portanto, está mais complexo e democrático. Construiu novas possibilidades de participação política, especialmente para as classes populares, concretizando anseios da sociedade e projetos de grupos políticos que almejavam transformar as relações de poder em "relações de autoridade partilhada". Ainda resta a necessidade de avanços na distribuição da riqueza socialmente produzida, reduzindo as desigualdades que se ampliaram e aprofundaram durante o século XX em nosso país. Pela natureza das deliberações de conselhos de políticas e orçamentos participativos, esses espaços podem ser importantes instrumentos nessa direção.

 

A comunicação como estratégia de gestão do orçamento municipal: O Orçamento Participativo de Porto Alegre
Ilídio Medina Pereira (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)
ilidiopereira@bol.com.br

Este estudo aborda a comunicação governamental como parte da estratégia de gestão público. Teve por objetivo analisar como uma organização, no caso a prefeitura Municipal de Porto Alegre, faz uso de um veículo de comunicação governamental, o jornal Porto Alegre Agora, como instrumento para legitimar o Orçamento Participativo.O tema foi proposto pela projeção e premiações nacionais e internacionais conquistadas pela cidade e o governo e, a escolha deste jornal se deveu ao fato de ser o maior veículo de divulgação do governo para a população e por ela existir praticamente desde o início da administração da Frente Popular em Porto Alegre desde 1989, totalizando-se quatro mandatos consecutivos a frente da prefeitura.Considerou-se como amostra todas as edições do jornal Porto Alegre Agora publicadas nos anos de 2000 e 2002.Esses anos foram escolhidas por serem anos de eleições municipais e eleições presidenciais, respectivamente.Metadologicamente, com o levantamento das notícias, reuniu-se uma seleção de artigos do jornal Porto Alegre Agora referentes ao OP. Após a coleta de dados, esses foram sistematizados, categorizados, analisados, para a separação e medição das reportagens, matérias, notas, fotos, ilustrações, e tabelas referentes ao tema. Após essa categorizarão e seleção, os dados foram quantificados e analisados. Conversão em percentagem e medição das matérisa foram os passos que se seguiram.Para melhor definição do conteúdo das matérias pesquisadas, num segundo momento, realizou-se uma análise qualitativa, onde as mesmas foram divididas em unidades temáticas conforme o conteúdo do discurso: reconhecimento internacional, importância para a cidade, informações das atividades e glossário.O embate teórico sobre propaganda ideológica, visibilidade e opinião pública é ncessário para entender os poderes da comunicação e da informação na democracia comtemporânea.
O município configura-se como unidade de governo local, como agente transformador e organizador das relações públicas, possui poderes intrínsecos e extrínsecos, forma de gestão própria, dotada de uma capacidade transformadora da vida econômica, política e social das comunidades locais.
Através do poder local, do planejamento orçamentário, o município pode vir a encontrar o veia do ordenamento social, político e econômico. O resultado do empenho global poderá vir a apontar mudanças na cultura econômica, política e social, modificando as relações dos cidadãos com o órgão público.
A comunicação humana envolve o processo de persuasão, que na sua função, tende a levar outras pessoas a adotarem o ponto de vista de quem fala. A mídia impressa, como é o caso do jornal Porto Alegre Agora, trabalha com esse instrumento. Por isso lida com ideologia, compreendida como um conjunto de idéias geradas por grupos dominantes, ou seus agentes, coma finalidade de persuadir e motivar o receptor a agir de determinada maneira
Na contemporaneidade, o avanço da democracia, a expansão e a chegada ao poder de ideologias que sempre estiveram na oposição, assim como, o aumento do poder por parte das mídias de massa, fizeram emergir novas políticas de comunicação governamental.
Também ligada ao desejo e à necessidade de criar e produzir imagens públicas na política, está o conceito de opinião pública. É usada como espaço para mensurar imagens emitidas e como instância reguladora entre a sociedade e a política.
A atenção dada à opinião pública deriva da necessidade de manter uma boa representação das instituições e dos sujeitos políticos, fazendo com que o político esteja próximo da mídia para então formar uma opinião pública.
Na contemporaneidade, a disputa pela opinião pública é o eixo central da atividade política, se partirmos do pressuposto que, ela está ligada à imagem pública. Assim, investir na opinião pública é investir na imagem pública.
A prática política voltada para a competição da produção e do controle de imagens públicas de sujeitos e instituições políticas não é mais que a busca pela visibilidade. Buscam conceitos favoráveis, submetendo-se à produção e manutenção da imagem, através de discursos informativos e persuasivos num jogo constante de aparência, no qual a estética publicitária dita as regras.
Os resultados revelaram que o jornal funciona como propaganda ideológica contribuindo para a legitimação continuada do Orçamento Participativo enquanto instrumento de gestão.

 

A pobreza urbana e suas multifaces: experiências e significados
Antônia Jesuíta de Lima (Universidade Federal do Piauí)
a.je.l@uol.com.br

A comunicação ora apresentada resulta de pesquisa de doutorado, realizada no período de 1994 a 1997, em Teresina-Piauí, no nordeste brasileiro. Tem como campo privilegiado a cidade as populações urbanas. O estudo busca compreender os processos subjetivos pelos quais os pobres constroem suas referências do mundo social em que vivem, colocando em relevo as mediações simbólicas que articulam o modo de pensar sua condição social.
A motivação para a investigação adveio de duas preocupações: Uma, nasceu de uma instigante indagação: para além das condições objetivas haveria outras formas de explicar a pobreza? Partia-se do suposto de que a pobreza não pode ser explicada apenas como uma condição de vida, mas como uma forma de pensar e de se inserir no mundo, uma forma de se representar como categoria social. Para examiná-la era preciso outra lente, a partir da qual se pudesse elucidar significados, não visíveis, que se expressam na vida cotidiana e nas representações simbólicas desse segmento social.
Outra era de natureza empírica e residia na idéia de que pensar a pobreza em Teresina exigia um mergulho nos processos urbanos, sobretudo a partir da década de 1980, do século XX, momento em que se viram aprofundados os problemas sociais e se deteriorarem as condições de vida de sua população. O exame da realidade de Teresina, de suas manifestações espaciais e mobilizações populares evidenciou uma forte inflexão físico-territorial e social, caracterizada pela ação de agentes institucionais, por uma reconfiguração do espaço urbano e pela redefinição da pobreza. Nesse contexto emergiu um fenômeno social novo, as ocupações coletivas, novas formas de os pobres habitarem a cidade, que demarcavam uma fronteira com as formas populares de ocupação da década de setenta. Ao mesmo tempo anunciavam também a extensão do drama dos pobres da cidade que se associavam ao drama dos migrantes do campo, que se instalavam, na sua maioria, nas favelas.
Com base nesse escopo procurou-se refletir sobre as condições de vida, as práticas e as mediações simbólicas com as quais os pobres pensam a pobreza e constroem uma referência de mundo, buscando responder as questões: Quem são os pobres em Teresina? O que dizem sobre esta condição que os expõem a um conjunto de privações e vulnerabilidades e que elementos se apresentam como possibilidade ou não de sair da condição social de pobreza?
A pesquisa examinou duas experiências: uma favela localizada em bairro de alto padrão de renda; outra, situada numa região de forte concentração de segmentos pobres da população. Metodologicamente, foram definidas como principais vias de acesso à investigação, o espaço local e a família, entendendo que são esses os eixos norteadores das referências de pertencimento na formação da identidade dos pobres.
Os resultados trouxeram, para o primeiro plano, a imagem de pessoas que vivem em incessante luta cotidiana, buscando retomar trajetórias, retecendo relações e vínculos, e reconstruindo sonhos de uma vida que pensam como "decente", rompendo com o contingente que os torna desiguais pela excludência e diferentes por pertencerem a um segmento que é (e se sente) estigmatizado socialmente. Evidenciou ainda um forte traço que atravessa as trajetórias desses sujeitos no campo e na cidade - a itinerância. O nomadismo urbano que caracteriza a vida de grande parte dos moradores das favelas apresenta-se como uma etapa de sucessivas mudanças já ocorridas no meio rural.
Pode-se notar que, no conjunto das representações formuladas, são as experiências vividas em relação à família, ao trabalho e à sociabilidade local que constituem o amálgama da identidade social, pois aí se encontram as referências que permitem a interação com seus iguais, os pobres, e com os não iguais, os ricos. A representação que elaboram de si e de sua presença no mundo está imbricada com a própria imagem que produzem sobre a importância da família em suas vidas. O trabalho constitui-se a possibilidade desse reconhecimento do pobre no espaço público que, uma vez conquistado, reforça a imagem e os valores que ordenam a vida no mundo privado. Além dos valores morais que tomam como positividade em suas vidas, os valores religiosos sedimentam esse núcleo comum, que os leva a viver as privações com resignação, como forma de sobrevivência. É se apegando às crenças que suportam e enfrentam as circunstâncias adversas, mas também esperam um futuro diferente, mesmo que seja usufruído apenas pelos filhos. Essas pessoas ancoram-se nas sociabilidades locais, mas lutam pelo engajamento na sociedade, pois querem "mudar de vida". Supõe a conquista de cidadania, a construção de um lugar de pertencimento no espaço público, de onde possam ter reconhecidas suas necessidades como legítimas, espaço em que as diferenças sejam medida de respeito às subjetividades, à heterogeneidades e não de discriminação.

 

Portugal como sociedade crítica? Protesto e cidadania ao espelho dos media
José Manuel de Oliveira Mendes (CES/FEUC)
jomendes@fe.uc.pt

Nesta comunicação começo por fazer uma descrição de âmbito geral sobre os protestos sociais em Portugal nos últimos dez anos. Centro a minha atenção sobre todos os protestos que não estejam relacionados com a esfera laboral/sindical ou tenham um carácter corporativo ou profissional. Também deixo de parte todos os protestos relacionados com os estudantes do ensino superior e não-superior. Parto da hipótese de que Portugal, por influência directa da Revolução de Abril de 1974, é uma sociedade crítica ancorada num localismo acentuado. Esse localismo pode potenciar uma renovação da vivência política, assente numa democratização radical da vida política e social. Daí que seja importante ver como se cruzam, se constroem e rescontroem as memórias políticas desse passado revolucionário. Também é dada especial atenção à forma como são apropriados e aplicados em novos contextos e a novos problemas símbolos, palavras de ordem e conceitos que fazem parte de um reportório comum de protesto e que marcam definitivamente o imaginário social da sociedade portuguesa.
A base empírica da comunicação parte da recolha exaustiva de todas as notícias de protestos publicadas nos jornais Público e Jornal de Notícias no período em análise. Como segundo objectivo desta apresentação pretendo verificar como estes meios de comunicação social, enquanto mediadores culturais e políticos, constroem simbolicamente o protesto, a crítica e a vivência política em Portugal. Partindo de uma análise crítica do discurso, especifico os quadros de formatação das notícias e as lógicas de legitimação e deslegitimação das acções de protesto pelo discurso jornalístico, realçando também as versões de cidadania transmitidas à opinião pública.


Entre a dominação racional-legal e o carisma: o projecto Tamar e sua intervenção em comunidades pesqueiras do litoral brasileiro
Dulce Maria Filgueira de Almeida Suassuna (Universidade de Brasília)
dulce@unb.br

O trabalho discute a implantação e implementação de políticas públicas para o setor ambiental no Brasil, no período compreendido entre 1970 e 2000. Nesse contexto, realiza um estudo de caso do Projeto Tartarugas Marinhas (Projeto Tamar), apresentando uma análise comparativa das formas de intervenção em duas comunidades pesqueiras do litoral brasileiro: Praia do Forte/BA e Regência/ES. Por meio de uma abordagem qualitativa, foram reconstruídos discursos e postos em diálogo para a compreensão. Constatou-se que o Projeto Tamar apresenta formas discursivas que se sustentam no modelo de sustentabilidade causal, isto é, o econômico viabiliza o ambiental. Neste âmbito, verificou-se que a lei e o discurso racional-legal são utilizados como estratégia de dominação em Praia do Forte, enquanto o carisma é parte do tipo ideal de dominação em Regência. Viu-se que essa diferenciação não ocorreu por acaso, mas é fruto de processos de resistência e conflitos que emergiram nas duas comunidades de pescadores e que está relacionada com suas especificidades sócio-culturais, especificamente, na forma como apresentam suas representações sociais e simbólicas sobre a pesca e a caça da tartaruga marinha.
Palavras-chave: política pública, meio ambiente, dominação racional-legal, dominação carismática e comunidades pesqueiras.

 

Os movimentos e as lutas do período de 1964 a 2004 em São Paulo
Maria da Glória Gohn (Universidade de Campinas)
mgohn@uol.com.br

Abordar os movimentos sociais presentes na cidade de São Paulo implica reconstituir parte da história social e política do Brasil, porque São Paulo desempenha o papel de centro irradiador dos acontecimentos - muitos desses movimentos assumiram dimensão nacional. A pesquisa que apresentamos aborda os movimentos e lutas sociais na cidade de São Paulo entre 1950-2003. O texto busca fazer um mapeamento e uma periodização dos movimentos sociais. Iniciamos pela década de 50 do século passado porque foi um momento de grande expansão da cidade, tanto em termos da ampliação na ocupação de seu território e população, como na diversificação e aprofundamento de suas atividades econômicas e administrativas. De 1964 a 1975 tivemos movimentos de resistência ao regime militar, que prosseguiram até 1984, em outro contexto. De 1984 até o final do século XX os movimentos sociais paulistas tiveram momentos de grande efervescência, nos anos 80, assim como de crises e rearticulações nos anos 90.
No início deste milênio, os movimentos voltaram para o centro dos debates e problemas sociais sob a forma de busca de reconstrução da cidade deteriorada. Diferentes organizações, movimentos e entidades sociais lutam por condições de habitabilidade na cidade em áreas como: segurança pública, trânsito, poluição, moradia, saúde, educação, qualidade dos serviços públicos, áreas verdes, recuperação de áreas centrais, etc. Novos movimentos sociais foram criados nas zonas periféricas, que também se tornaram heterogêneas. As antigas Sociedades Amigos de Bairros construíram novas identidades, tanto em bairros periféricos como nas favelas; ao mesmo tempo elas emergiram - como força organizada em bairros de camadas médias e classes de altas rendas. Organizações Não Governamentais (ONGs) que demandam e constróem ações pela cidadania (em lutas contra a pobreza, a exclusão e a discriminação), programas e políticas sociais de inclusão social, projetos de fundações e corporações empresariais completam o cenário onde o novo associativismo se desenvolve, articulado por diferentes redes sociais. Todos têm participado da reconfiguração do planejamento urbano da cidade e da luta pela democratização ao acesso e gestão dos serviços públicos.
As fontes de dados desta pesquisa advém de material dos próprios movimentos, livros e teses, notícias da mídia nacional, e dados do Censo de 2000 do IBGE-Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. O resultado desta pesquisa será publicado em livro, no Brasil, pela editora do SENAC e pela Editora Vozes, em 2004.

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