Desigualdade entre mulheres: um elemento-chave do sistema socio-económico português
Lina Coelho - FEUC
lcoelho@fe.uc.pt

Neste trabalho defendemos que a desigualdade socio-económica entre as mulheres portuguesas é um elemento chave da regulação do sistema social e económico do Portugal de hoje. Nesse sentido o sistema de relações entre Estado, Mercado e Família evidencia, com particular intensidade, a ideia de que "as mulheres não são uma categoria homogénea" e de que a discussão relevante deve feita "no quadro da interacção entre género e classe" (O'Connor:1996).
Enquanto país do "Sul da Europa" Portugal faz parte dum espaço particular no conjunto dos países que partilham de um regime "conservador-corporativista" na classificação de Esping-Andersen. Segundo vários autores esta especificidade deve procurar-se numa particular "economia da família" que se articula e interage de forma específica, quer com Estados-Providência relativamente sub-desenvolvidos, quer com mercados de trabalho muito assentes na ideia do homem/pai de família provedor de sustento que justificam políticas sociais pouco "amigas da família".
Mas Portugal apresenta, neste contexto, uma situação única no que respeita à elevada participação das mulheres (e em particular das mães com filhos pequenos) no trabalho remunerado. As mulheres portuguesas suportam então um "duplo fardo" particularmente pesado na combinação entre trabalho remunerado e trabalho não remunerado, uma vez que os homens portugueses (tal como os outros da Europa do Sul...) revelam uma propensão muito reduzida para a participação no trabalho doméstico e, em particular, nas tarefas de cuidado aos filhos e outros dependentes.
Os factos convocam, pois, a compreensão do modo como o sistema socio-económico português tem vindo a acomodar esta realidade que é relativamente recente uma vez que Portugal era, ainda em 1970, um dos países da UE com mais baixa taxa de actividade feminina.
Ana Rute Cardoso (1996) aponta o modelo de especialização, assente na exportação de bens industriais com competitividade baseada em baixos salários, como o principal factor explicativo. A especialização portuguesa teria sido subsidiária do recurso intenso a mão-de-obra feminina porque esta é mais barata e sustenta a elevada flexibilidade do mercado de trabalho. A elevada feminização dos sectores exportadores tradicionais como o vestuário, o calçado e os têxteis confirma esta leitura.
Ainda que válida, esta leitura parece-nos parcelar, pois as actividades em que as mulheres têm ganho peso relativo no emprego em Portugal nos últimos 20 anos são particularmente actividades dos serviços e, muito especialmente, dos serviços às pessoas como sejam os restaurantes e hotéis e os serviços domésticos (OCDE, 2000).
A nossa hipótese é a de que o grande diferencial salarial existente em Portugal (o maior da UE) pode ser, em grande medida, a explicação para o fenómeno. Segundo esta hipótese, os salários relativamente elevados dos trabalhadores e, muito especialmente, das trabalhadoras portuguesas mais escolarizados alimentam uma procura de serviços substitutos das tradicionais tarefas domésticas que, por sua vez, geram emprego feminino nas actividades empregadoras de mulheres não qualificadas. Encontramos pois aqui um processo de causalidade cumulativa segundo o qual o aumento do emprego das mulheres cria emprego para outras mulheres, eventualmente em maior proporção do que noutros países da OCDE. A condição para que tal aconteça são, contudo, níveis de desigualdade (também entre as mulheres) que se situam entre os maiores do mundo desenvolvido.


Mulheres nas polícias ostensivas brasileiras: inserção e políticas de acção afirmativa
Márcia Esteves de Calazans (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

Este estudo busca dar visibilidade às carreiras, formação e trajetórias femininas nas polícias brasileiras, discutindo os impactos relacionados a essa inserção e a possibilidade de implementação de políticas de ação afirmativa para alavancar a participação feminina nas polícias brasileiras.

 


As Políticas de Género em Contextos de Trabalho, de Formação e de Educação Escolar: Para uma redefinição da justiça social
Custódia Rocha (Universidade do Minho)
mcrocha@iep.uminho.pt

O princípio da igualdade de oportunidades entre as mulheres e os homens encontra-se explicitamente formalizado em documentos legislativos que se foram elaborando a partir da Revolução Industrial e da Revolução Francesa mas que, em maior número, se inscrevem nas balizas temporais das últimas décadas do século XX.
Tem-se, de facto, assistido a uma mudança no que concerne os papéis sociais e profissionais que as mulheres desempenham. Contudo, algumas políticas sociais e medidas político-legislativas que se têm produzido no sentido de atenuar as assimetrias das relações de género em contextos de trabalho, de formação e de educação devem ser alvo de uma abordagem crítica já que estão envoltas de uma complexidade de processos que se estendem aos mais variados domínios da organização social.
Tentaremos com esta comunicação reflectir sobre alguns desses processos. Para isso, teremos em consideração os panoramas legislativos da Comunidade Europeia e de Portugal e veremos como apesar da consagração político-legislativa se tem verificado uma certa inoperância das medidas, regras e normas que pretendem regulamentar a igualdade de oportunidades entre os géneros.

 

A educação dos indivíduos como tarefa prioritária de todas as sociedades. Reflexões a partir do Relatório Mundial sobre Educação para Todos 2003/4.
Cristina Maria Coimbra Vieira (Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra)
vieira@fpce.uc.pt

Considerando que o acesso ao conhecimento é um recurso fundamental para o desenvolvimento pleno das sociedades, parece-nos que qualquer estratégia que vise a promoção da igualdade de oportunidades, entre homens e mulheres, deve passar pela educação formal e informal dos indivíduos. Será possível, deste modo, dotar todas as pessoas das ferramentas necessárias à procura e à interpretação da informação, independentemente da respectiva categoria sexual de pertença, promovendo-se também nelas a formação de valores éticos e morais, de importância basilar para uma consciência critica nada permeável a juízos discriminatórios.
Uma análise atenta da situação actual dos direitos dos homens e das mulheres no mundo permite-nos afirmar que já alguns passos importantes foram dados para garantir, por exemplo, a igualdade entre ambos os sexos perante a lei, ou a possibilidade de a mulher ter perante si, agora, oportunidades que, até há pouco tempo, lhe eram negadas, como o acesso à escola ou a participação na vida pública (e.g., possibilidade de voto). No entanto, isto ainda não se verifica em todos os países do mundo (e.g., sociedades islâmicas), e é um facto iniludível que, nos dias de hoje, as disparidades continuam a ser evidentes, no que conceme ao acesso ao conhecimento. De facto, segundo dados do Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI, publicado em 1996, se bem que o número de alunos inscritos nas escolas primárias e secundárias de todo o mundo tenha passado - de cerca de 250 milhões em 1960 para mais de mil milhões hoje em dia, há ainda no mundo 885 milhões de analfabetos, atingindo o analfabetismo a seguinte proporção: em cinco mulheres duas são analfabetas e em cinco homens um é analfabeto. Por este motivo, e de acordo com estimativas feitas em 1995, cerca de dois terços dos analfabetos do mundo, ou seja 565 milhões de pessoas, são do sexo feminino, a maior parte delas vivendo em regiões em desenvolvimento da Áftica, da Ásia e da América Latina. Partindo desta realidade, pode ler-se no Relatório Mundial sobre Educação para Todos 2003/4, dedicado ao tema Paridade de Géneros na Educação e recentemente publicado pela UNESCO, que a desigualdade actual no acesso à educação constitui uma das principais violações dos direitos das raparigas e das mulheres. Como seria de esperar, esta situação continua a ter inevitáveis consequências sociais e económicas, pois a disparidade no acesso ao conhecimento condiciona quer o modo como ambos os sexos participam na sociedade, quer os beneficios que dela destrutam.
Perante este cenário, pretende-se com esta comunicação reflectir sobre os desafios propostos pela UNESCO para os primeiros anos deste novo milénio, a saber, a eliminação até 2005 das desigualdades entre os sexos no acesso ao ensino básico e secundário, e a garantia da abolição dessas mesmas disparidades, em todos os níveis de ensino, até 2015.
Para a prossecução de tais objectivos, entendemos que, nos diversos países do mundo, deverão ser concertados os esforços das várias instâncias que concorrem para a socialização dos indivíduos, havendo que chamar a família, a escola, a comunicação social, a Igreja e o Estado, entre outros agentes, a desempenhar o seu papel específico e intransmissível a este nível. Nesta sequência, são propostas algumas estratégias de actuação pedagógica, em contextos formais e não formais de aprendizagem, destinadas a assegurar e a promover nos educandos o respeito pelo princípio da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, nos vários domínios pessoais e sociais e ao longo da vida.

 


Encontrando espaços de emancipação na história de vida de ex-alunas de escola luterana
Claudete Beise Ulrich (Escola Superior de Teologia - São Leopoldo - RS)
caclaul@netuno.com.br

"Onde há vida, há inacabamento.
Mas só entre mulheres e homens o inacabamento se tornou consciente.
(...)
A consciência do inacabamento entre nós,
mulheres e homens, nos fez seres responsáveis,
daí a eticidade de nossa presença no mundo."

A partir do método etnográfico, procura-se conhecer a história de vida de ex-alunas de escola luterana. A etnografia está baseada "na procura de alteridades", sendo sua preocupação "captar algo da experiência das pessoas", a partir do "método de reunir partículas". A importância da técnica da história de vida "se dá na medida de sua correlação com as demais fontes de dados do método etnográfico: a convivência prolongada que permite uma observação antropológica elaborada, o conhecimento dos ritmos e espaços da vida cotidiana, os complexos eventos coletivos, as múltiplas redes sociais onde os indivíduos circulam e negociam identidades (os rituais, os laços familiares, de parentesco, o poder local, os agentes, etc)."
O objetivo de narrar a história de vida de ex-alunas de escola luterana é, em primeiro lugar, afirmar que cada mulher é capaz de envolver-se com a produção do conhecimento. Quando as mulheres narram suas histórias de vida, processa-se a construção da auto-estima, de um sentimento de identidade de classe social, gênero, etnia, profissão, religião, de pertinência a comunidades afetivas, ou categorias que participam de um passado comum, destacando-se acontecimentos-geradores que estabelecem continuidades, rupturas e marcas na existência.
Com a narração da história de vida, busca-se resgatar espaços de emancipação na vida de ex-alunas da escola comunitária de confissão luterana. Emancipação é o caminho para a libertação de todas as alienações (históricas, sociais, econômicas, culturais, morais, teológicas, etc...) que não permitem às mulheres tornarem-se seres humanos históricos, sujeitos éticos. A construção da emancipação humana leva para o processo do uso da própria razão, da constituição do "eu autônomo", do resgate da corporeidade, aspectos importantes a serem incorporados na história das mulheres. Portanto, nas histórias de vida das ex-alunas de escola luterana, além do processo educacional também é necessário considerar as interligações com a teologia e a igreja luterana. Neste sentido, a teoria e a teologia feminista, tendo como chave hermenêutica o cotidiano, a experiência das mulheres (opressão e libertação) e o instrumental de análise de gênero, serão ferramentas que ajudarão a fazer a leitura da história de vida das ex-alunas, encontrando os espaços de emancipação, tendo como motivação ética, a construção de uma vida boa. A narrativa das histórias de vida têm um significado vital para as mulheres, sendo um importante processo de construção, desconstrução e reconstrução de suas vidas. Deifelt entende ser esta uma tarefa teológica, pois as "(...) palavras sempre foram o material de trabalho da teologia. Aliás, a religião, de modo geral, serve-se de ritos e palavras, trabalhando o imaginário simbólico e traduzindo-o para dentro de um universo específico de palavras." É necessário incluir no fazer teológico e pedagógico a "palavra vivida/experimentada" no cotidiano histórico das mulheres: o prazer e a dor, a alegria e a tristeza, a libertação e a opressão, as coisas concretas da vida.
Percebe-se que a história emancipatória das mulheres continua sendo tecida, sendo um processo de inacabamento transgeracional. Nesta direção, Ricouer recorre à noção de dívida, contrapartida do distanciamento no espaço e no tempo" , sendo o presente fruto de um passado e o futuro vai se construindo a partir do presente. A dívida com o passado nos intimida para uma vivência responsável e plena no presente, comprometendo-nos com as gerações que ainda virão. A luta emancipatória das mulheres é um processo de memória transgeracional e trans-histórico, é "aquilo que atravessamos, ou seja, o que nos aproxima daquilo que a história parece nos distanciar." Dar voz às silenciadas (ex-alunas de escola luterana), portanto, tem como compromisso a construção de uma educação emancipatória, onde as questões da diferença de gênero, classe, religião, etnia sejam incluídas no processo da práxis educacional.

 

O diálogo social e a igualdade
Maria Odete Filipe (CGTP)

Todos os indicadores sobre o mercado de trabalho em Portugal apontam para uma discriminação de género, reinante na generalidade dos locais de trabalho, empresas e serviços.
As mulheres continuam em geral a ganhar menos do que os homens no exercício das mesmas funções e a ter dificuldades acrescidas em progredir na carreira e em aceder a cargos de chefia, sofrendo, frequentemente, pressões de vários tipos.
Os sectores de actividade de mão-de-obra predominantemente feminina são os de mais baixos salários; as mulheres são as mais afectadas pelo desemprego de longa duração, pela precariedade e pela desprotecção em situações de maternidade.
Ter consciência desta realidade, confrontar os responsáveis, mudar mentalidades e forçar a negociação para atingir práticas positivas é, sem dúvida, um caminho que, quando trilhado, dá bons resultados até, por vezes, surpreendentes! e, também por isso, um caminho a percorrer em todos os locais.

Da prática sindical da CGTP-IN, integrada, em parceria, nos projectos NOW e, mais recentemente EQUAL, constam acções positivas nas empresas e serviços que contrariaram todas as formas de discriminação no trabalho, promoveram a inserção de mulheres e homens em profissões em que estavam sub-representados e integraram a igualdade e os direitos de maternidade e paternidade na negociação colectiva.
Destas práticas é necessário tirar ilações e a partir da análise duma realidade que é múltipla e complexa, apontar cominhos e propostas para resolver as discriminações de género em meio laboral.


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