Associações, democracia, economia popular e a constituição de novos atores sociais no sul do Brasil
Ricardo Mayer (Universidade de Santa Cruz do Sul)
r.mayer@laposte.net

Pretendemos investigar as condições de possibilidade da constituição de atores sociais no âmbito da economia popular que surge a partir de processos de exclusão social deflagrados pela reestruturação econômica em curso no país. Ou seja, por um lado, buscamos objetivar as possibilidades concretas do surgimento de atores sociais que se insurgindo contra a sua instrumentalização pelo princípio do mercado, avocam para si a construção de sua própria história a partir do advento de relações calcadas nos princípios da reciprocidade e solidariedade, e por outro, procurar perceber os condicionantes sociais dos processos de constituição de cooperativas enquanto política sindical articulada pelos sindicatos filiados à CUT - Central Única dos Trabalhadores - no sentido de mitigar os efeitos produzidos pelo desemprego crônico e pelos processos de precarização e informalização do trabalho.
A última década do século XX tem sido marcada no país como um período onde processos crônicos de precarização e degradação das condições de vida da população tem assumido graves proporções. Em particular, chama atenção a crise do emprego que pode ser interpretada como um profundo movimento de desestruturação do mercado de trabalho. Este processo está calcado em três elementos, a saber: o primeiro está vinculado à presença em larga escala de um desemprego crônico; o segundo elemento está relacionado à regressão do emprego formal, dando margem a um processo de desassalariamento da mão-de-obra; por fim, o terceiro aspecto surge no bojo do processo de reestruturação econômica em curso no país, provocando uma significativa destruição de postos de trabalho sem a mesma contrapartida quanto à quantidade de empregos criados.
Não obstante, a intensificação destes processos de exclusão social nas últimas duas décadas também foi acompanhada pela emergência de um novo associativismo impulsionado, em grande medida, pelo afastamento por parte do Estado da questão social. A precarização e diminuição dos direitos e serviços sociais aos quais a população normalmente tinha acesso, contribuíram para a proliferação de um conjunto de práticas de entre-ajuda, disseminadas por movimentos sociais e associações civis. Neste contexto, o próprio conteúdo da ação coletiva foi reformulado, passando a estar acoplado à construção, no nível local, da idéia de comunidade autônoma e solidária.
Tendo isso em conta, e a partir da sociologia da ação de Alain Touraine e da análise da gramática moral inscrita nas lutas travadas pelos coletivos de trabalhadores que se organizam em associações, nos surge o seguinte conjunto de questões: em que medida tais trabalhadores podem estar frente a um conflito social cindido de um lado pela violência da lógica mercantil, e de outro, pelo seu possível retraimento numa lógica comunitária a partir da predominância de relações de natureza primária no próprio seio das associações? Ou, de outra parte, quais as possibilidades destes trabalhadores, de meros indivíduos submetidos à lógica do mercado converterem-se em sujeitos de sua própria existência? E, como se define a sua identidade vis-à-vis à possíveis adversários?
Para verificar a validade de nossas hipóteses, selecionamos três associações de recicladores de lixo filiadas à FARRGS - Federação das Associações de Recicladores de Resíduos Sólidos do Rio Grande do Sul - e duas cooperativas filiadas à ANTEAG - Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas Autogestionárias - tendo em vista a representatividade e o número de associados de cada associação e cooperativa. No conjunto das 3 associações e 2 cooperativas foram realizadas um total de 99 entrevistas semi-estruturadas nas quais procurou-se perceber o tipo de sociabilidade preponderante em cada associação, os sistemas de ação, as possibilidades da democracia, as relações de poder configuradas nas associações e as relações de gênero presentes no seus interior.


As Mulheres E A Economia Solidária No Brasil
Françoise Dominique Valéry (Universidade Federal do Rio Grande do Norte)
francoisevalery@hotmail.com

Buscando caminhos para a geração de renda e de oportunidades de trabalho, as mulheres brasileiras, tais como a maioria das mulheres pobres da América Latina, ainda enfrentam um sem número de dificuldades e discriminações ao entrar no mercado de trabalho em condições geralmente desiguais em relação aos homens. A essa desigualdade de sexo, somam-se outras relacionadas às condições socio-economicas, à idade e aos preconceitos de raça e cor. Esses quatro elementos (classe, cor, geração e gênero) fazem parte de um arcabouço que se constituiu nos anos 80 e 90 para analisar de modo crítico o papel das mulheres brasileiras no mundo do trabalho. Serviu igualmente de suporte teórico para analisar e avaliar as políticas sociais no Brasil, montadas pelo chamado "Estado de Bem estar social" embora de modo imperfeito e inacabado, desmontadas na onda neoliberal da globalização dos anos 90. Fundamentou também o estudo das práticas sociais no cotidiano, no chão da fábrica, na rua, na casa, ajudando a desvendar as mil faces da questão social no Brasil. Ora, é justamente no cerne da condição feminina, da pobreza, da discriminação social, sexual e racial que as ciências sociais demonstraram seu potencial explicativo e seu limite. Trabalhar com a dimensão de gênero representa portanto, ainda hoje, uma questão epistemológica delicada na medida em que a incorporação da perspectiva de gênero na prática das políticas sociais e econômicas está se fazendo de modo lento. Apesar da pressão dos organismos internacionais no tocante à compreensão das relações entre gênero e desenvolvimento, de um lado, e dos movimentos de mulheres no que diz respeito à incorporação das demandas específicas das mulheres no quadro das políticas públicas, do outro, a maioria dos técnicos, profissionais e políticos que atuam no processo de gestão do desenvolvimento local ainda não enxergam essa dimensão e não a incorporam. No quadro do presente trabalho, pretende-se apresentar e discutir a inserção das mulheres na chamada economia solidária, refletindo sobre e experiência acumulada pela Rede Nacional de Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares- ITCPs neste campo. Essa rede integra docentes e discentes oriundos de instituições universitárias brasileiras, na sua maioria Universidades Federais, onde se desenvolvem modalidades de pesquisa-intervenção junto à grupos produtivos e se articulam ações de formação e capacitação em gestão social, empreendedorismo, desenvolvimento humano e sustentável e cidadania. Nesta rede, um diferencial importante é o papel das mulheres tanto do lado acadêmico (direção e gestão dos projetos de incubação, contribuição na elaboração de uma metodologia de incubagem própria ao contexto socio-economico e cultural brasileiro) como na base organizacional e nos projetos desenvolvidos pelos grupos. Como resultados, o trabalho pretende apresentar dados quantitativos sobre o perfil dos grupos incubados, fornecer informações acerca da metodologia de abordagem e refletir sobre a contribuição das mulheres na economia solidária no Brasil, à luz da perspectiva de gênero.


A autogestão e a nova questão social: repensando a relação indivíduo-sociedade
Cinara L. Rosenfield (Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS)
rosenfield@uol.com.br

Este estudo busca analisar o papel social desempenhado pelas iniciativas de produção cooperativadas e autogeridas, sob uma dupla abordagem: 1- análise das empresas autogeridas enquanto projeto político-social alternativo de geração de trabalho e renda (especificamente, no caso empírico aqui analisado, capitaneado pelo sindicato ao constituir uma cooperativa de produção a partir da falência de uma indústria metalúrgica); 2- análise sob a ótica de uma sociabilidade regida pela nova questão social que remete a uma outra relação indivíduo-sociedade, onde associam-se ações e projetos coletivos com estratégias individuais de inserção social.
A primeira abordagem refere-se ao universo empírico de estudo e a segunda à sua compreensão teórica. Dito diferentemente, o objetivo deste estudo é investigar, através de uma cooperativa de produção autogerida e de seus trabalhadores-cooperativados, as formas emergentes de combate à desfiliação (Castel, 1995) ou exclusão econômica e social e sua relação com um processo social de "individuação" (Martuccelli, 2002).
Diante das mudanças no cenário político mundial, marcado pela queda do socialismo na Europa Oriental - e do planejamento econômico estatal -, o "semifracasso" dos governos e partidos social-democratas na preservação do Estado de bem-estar social; originou-se um novo quadro político onde forças sindicais e partidárias priorizam os empreendimentos econômicos solidários que fogem à lógica mercantil capitalista (Singer, 2002). As iniciativas da sociedade civil, principalmente a partir dos anos 90, surgem com grande força no Brasil, permitindo uma maior exposição de movimentos sociais, mudanças de atuação dos sindicatos, crescimento da ação dos partidos políticos de esquerda, o surgimento de grande número de ONGs e, sobretudo como efeito das vicissitudes econômicas, a emergência de iniciativas alternativas na geração de trabalho e renda como os diferentes tipos de cooperativas no campo e na cidade, empresas de autogestão e pequenos projetos comunitários.
A nova questão social, marcada pela desregulamentação e flexibilização da estrutura social, remete à presença de indivíduos em situação de "flutuação" na estrutura social, de maneira que o mundo do trabalho ganha importância enquanto suporte e instrumento de inserção social (Castel, 1995). Esta nova forma de sociabilidade lança uma interrogação sobre a idéia de personagem social, de uma homologia entre uma trajetória social, um processo coletivo e uma vivência pessoal (Martuccelli, 2002). Há uma singularização crescente das trajetórias individuais, em um contexto de enfraquecimento do coletivo e da homogeneização de percursos sociais. Se o social não é mais garantia de trajetórias seguras e de inserção social - há a passagem do "sólido" para o "precário" - o indivíduo é obrigado a tomar para si a responsabilidade de sua biografia, aumentando a autonomia individual em relação ao todo social.
A proposta deste estudo é, assim, procurar compreender a articulação entre a empresa autogerida, enquanto forma de iniciativa e ação coletiva, e a intensificação do mencionado processo de "individuação". A partir da vivência destes trabalhadores e de sua relação com o trabalho, trata-se de investigar os elos que mantêm os trabalhadores cooperativados em um processo de natureza, simultaneamente, coletiva e individual. Após ter efetuado duas pesquisas a respeito da relação com o trabalho junto aos trabalhadores de empresas privadas de tipo puramente capitalista ("Autonomia outorgada e relação com o trabalho; um estudo comparativo França Brasil" e "Autonomia outorgada e resistência: a relação do trabalhador industrial com seu trabalho" ), o presente estudo busca investigar, além das diferenças e similitudes da relação com o trabalho entre trabalhadores de empresas privadas e de empresas autogeridas, a articulação entre indivíduo e sociedade no seio da nova questão social.
BIBLIOGRAFIA MENCIONADA:
CASTEL, Robert. Les métamorphoses de la question sociale. Paris: Fayard, 1995.
MARTUCCELLI, Danilo. Grammaires de l'individu. Paris, Gallimard,2002.
SINGER, P. Introdução à Economia Solidária. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2002.

 

Economia Solidária e Processos Psicossociais: autogestão, autonomia e solidariedade em construção
Ricardo Augusto Alves de Carvalho (Universidade Federal de Minas Gerais)
Ana Rita Castro Trajano (Universidade Federal de Minas Gerais)

A Comunicação que apresentaremos tomará como base "pesquisas - ações" (ou, "ações - pesquisas") desenvolvidas pelo Grupo de Pesquisa em Economia Solidária e Processos Psicossociais do Núcleo de Estudos Sobre o Trabalho Humano (NESTH) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), coordenado pelos autores, com a participação de alunos de graduação e pós, envolvendo organizações/agentes da sociedade civil e governo, formado desde o 1o semestre de 2000. O campo de pesquisa tem se ampliado ao longo da experiência, sendo inicialmente constituído por empreendimentos de autogestão do ramo metalúrgico, atualmente engloba grupos de trabalhadores em processo de construção de cooperativas/associações na área de alimentos e reciclagem, dando início à criação da Incubadora Tecnológica de Empreendimentos da Socioeconomia Solidária da UFMG. Buscando-se uma abordagem multidimensional, elege-se como foco a dimensão psicossocial dos processos em andamento, não deixando de estabelecer relações com as demais dimensões (econômico-jurídica, político-administrativa e outras), considerando sempre a interdependência e complementariedade entre elas. Neste sentido, a comunicação se articulará em 3 partes:
1) Trabalho e Identidade: trabalho como categoria fundante do sujeito
2) SocioEconomia Solidária, Autogestão e Autonomia :
2.1) Sócio - Economia Solidária e Autogestão em movimento
2.2) Autonomia e Autogestão - breves considerações
2.3) Estudos e pesquisas no campo em discussão
3) Compreensão praxiológica dos processos em andamento: o sentido vivido da experiência de construção de novas relações de trabalho - análise das categorias propriamente ditas
3.1) "Chão de Fábrica" X Administração:
a problemática entre a produção e a gestão
3.2) Cooperativismo e Unia
3.3) Trabalho Cooperativo, Liberdade e Responsabilidade
3.4) Dinheiro e Lucro
3.5) Cooperativa e Mercado

4) Heteronomia - Autonomia - Liberdade

Estas investigações enfocam, portanto, as relações entre Trabalho e Identidade, em Empreendimentos Solidários de Autogestão, onde o controle dos meios de produção e da gestão pelos trabalhadores é realizado na recriação coletiva do trabalho. Objetiva-se analisar como se configuram as relações entre a organização autogestionária do trabalho e processos de construção identitária de sujeitos trabalhadores. Em que medida os processos de construção identitária em empreendimentos de autogestão se diferenciam de processos identificatórios em empresas heterogestivas? Busca-se construir a autonomia, possibilitando a emergência de sujeitos humanos livres e criativos, criando uma nova cultura? Ou, ainda, apenas se está mudando o culto e não a cultura?
Trata-se de pesquisas essencialmente qualitativas, orientando-se pelos pressupostos da Pesquisa -Ação e da Psicossociologia do Trabalho.
Pode-se concluir que a experiência de construção do trabalho co-labor-ativo e da autonomia dos trabalhadores não se constitui em um processo linear, sem conflitos e contradições. Exige o rompimento com práticas heterônomas, ou, numa outra linguagem , práticas paternalistas e autoritárias, em que o outro decide por mim, em que normas e valores devem ser interiorizados, sem possibilidade de reflexão e crítica.
Como temos constatado no decorrer de nossas investigações, há certa dificuldade de assunção da autonomia, o que não quer dizer que esse processo de autonomização não esteja em andamento. Podemos dizer que os trabalhadores dos empreendimentos em foco têm buscado construir a autonomia e a solidariedade, inserindo-se no movimento de socioeconomia solidária e autogestão, reafirmando assim a convicção de que uma outra globalização é possível e desejável, fundada na cultura da cooperação e na ética da solidariedade; na participação ativa de todas as cidadãs e cidadãos do país e do Planeta, no controle e na gestão dos meios para o seu desenvolvimento pessoal e coletivo. Uma globalização que seja cooperativa e solidária.


Subjetivação e trabalho: reflexões sobre a Economia Solidária
Jaqueline Tittoni - Universidade Federal do Rio Grande do Sul
Jacquemin@terra.com.br

Este estudo reflete e problematiza os processos de subjetivação originados das experiências em Economia Solidária no Brasil, tomando como referência estudos realizados junto a grupos de mulheres na cidade de Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
A temática da Economia Solidária ou sócio-economia solidária inscreve-se na problematização do trabalho contemporâneo, pelo menos, através de dois tensionamentos: a tensão entre a perspectiva de geração de renda e a possibilidade de invenção de modos de trabalhar solidários e autogestionados e, do mesmo modo, a tensão entre a produção da autonomia e a necessidade da vinculação a políticas públicas que garantam algum nível de proteção do Estado aos empreendimentos marcados pela fragilidade na escalada concorrencial do mercado. Tais tensionamentos originam-se no campo do trabalho, ele mesmo marcado por importantes transformações: dentre elas, a idéia do trabalho como transformação da natureza alia-se às tensões entre a transformação e preservação e, do mesmo modo, a noção de reciclagem, como forma de lidar com a intensidade (ou mesmo voracidade) da sociedade de consumo; os efeitos da desregulamentação das relações de trabalho e a profunda sensação de desesamparo e insegurança trazidas pela perspectiva Néo-liberal, implicaram na separação entre trabalho e emprego.
A Economia Solidária visibiliza-se, então, como um movimento de resistência de modo a buscar potencializar a solidariedade e a coletivização do trabalho, da produção e das informações.
Nossa discussão central enfocou a problematização das formas de trabalhar vinculadas a autogestão e a Economia Solidária, de modo a visibilizar potências que indicassem sobre a invenção de outros modos de trabalhar e de viver, para além da perspectiva da geração de renda. O acompanhamento de dois grupos de mulheres, costureiras, moradoras da periferia de Porto Alegre-RS, inseridas em algum projeto de vida e de trabalho referenciado na Economia Solidária foi o eixo fundamental de nosso estudo-intervenção. Vinculadas a diferentes modalidades de políticas públicas, a existência destes grupos demonstra a possibilidade do poder público acolher novas estratégias de produção, apesar de reproduzir, muitas vezes, as lógicas assistenciais que historicamente definiram o papel do Estado junto às chamadas classes populares.
Nossos fundamentos teóricos buscaram interrelações entre trabalho, ética e estética de modo a construir teoricamente a noção de trabalho e de produção no campo da estética, tomando como referência a noção de "estética da existência" formulada no pensamento foucaultiano.
Para tanto, nossas intervenções metodológicas foram direcionadas para apreender o que chamamos de "sensibilidades anônimas", inspirados no que De Certeau (1996) chamou de práticas anônimas, no sentido de viabilizar uma discussão que abordasse o trabalho não só no seu caráter técnico, mas ético e estético. Tomamos dois recursos metodológicos centrais: o uso da fotografia e o acompanhamento sistemático dos grupos. Ambos os recursos associados à prática do diário de campo.
O acompanhamento dos grupos situa-se em uma abordagem de escuta e acompanhamento mais fluído e capaz de se fazer movimentar em acordo com os movimentos do grupo.Nossas intervenções se fazem a partir da escuta e da problematização dos percursos que levam a produção da autogestão e da solidariedade. Nestes casos, são ressaltados os movimentos do grupo neste sentido, mas os demais não são negligenciados. Constituem-se em conteúdos importantes que nos informam sobre processos que, apesar de diversificados, muitas vezes produzem encontros com nossas questões na pesquisa e no acompanhamento dos grupos.
A experiência dos grupos enfatizou os processos de invenção de modos de trabalhar coletivos, e de estratégias de movimento no emaranhado das políticas pública sobretudo no que diz respeito aos atravessamentos institucionais e as políticas assistenciais.

 

Negociando sociabilidades em meio urbano: associativismo feminino em Bissau (Guiné-Bissau, Africa Ocidental)
Manuela Borges (Centro de Estudos africanos e Asiáticos, Instituto de investigação Científica Tropical)

O continente africano tem sido caracterizado pela sua dinâmica associativa, particularmente a costa ocidental onde existem associações de mulheres no meio rural e também em meio urbano.
As formas de organização social das mulheres são comuns em África e estas práticas associativas das mulheres têm sido relacionadas com as assimetrias de género Assim sendo, o habitus histórico do associativismo feminino na África Ocidental dever-se-ia à posição social da mulher nas sociedades linhageiras, em que as hierarquias baseadas na senioridade e género, dispensando a participação das mulheres no poder e autoridades públicos, e instituindo assimetrias que marginalizavam socialmente as mulheres, teria propiciado os motivos, os meios e as oportunidades para a sua autonomia e individualização, concorrendo para o fenómeno do associativismo voluntário feminino. Em síntese, o dinamismo associativo feminino em África, tem sido explicado enquanto um habitus feminino, fundado no costume das mulheres se reunirem em associações, para promover os seus interesses económicos, sociais e políticos, associações essas que, embora tenham sido prejudicadas pelo impacto do colonialismo que não as reconheceu e as ignorou na administração colonial, teriam ressurgido após as independências, mesmo se adaptadas aos actuais circunstancialismos das sociedades em que se inserem. A comunicação reflecte sobre este movimento organizativo multi-funcional, procedendo na base da adesão voluntária e do sistema mutualista, a partir do trabalho de campo realizado em Bissau (Guiné-Bissau) junto de associações participadas por mulheres, como sejam as abotas e as mandjuandades.

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