Responsabilidade Social das Empresas em Angola: potencialidades de desenvolvimento
Cristina Udelsmann Rodrigues (Centre d'Économie du Développement de l'Université Montesquieu - Bordeaux IV)
crisrodrigues@yahoo.com

O investimento económico ao nível empresarial em África tem sido objecto de uma reflexão, por parte de instâncias internacionais, no que diz respeito à necessidade de se estender ao desenvolvimento social e humano, nomeadamente no âmbito da Responsabilidade Social das Empresas (CSR). Estas orientações de acção no âmbito do social, apesar de ainda pouco definidas quanto às formas de efectivação, operacionalização e avaliação, têm-se concentrado substancialmente em acções de apoio directo a instituições com projectos na área social ou ambiental. A realização efectiva de acções sob uma orientação responsável, mais do que uma simples atribuição de fundos por parte das empresas para a realização de acções na área social, deverá ser capaz de possibilitar a geração de benefícios para todos os implicados de uma forma sustentável. Nesse sentido, apostar nos trabalhadores das empresas, que constituem um canal de transmissão dos apoios de carácter social, permite estender até às famílias os apoios e ao mesmo tempo consolidar e melhorar as condições de vida dos assalariados, gerando contrapartidas ao nível da produção, ao nível das fidelidades, ao nível do empenho. A opção pelos trabalhadores e pela geração de reciprocidades e solidariedades inscreve-se na matriz sociocultural africana e, neste caso, na angolana. Esta opção possibilita a articulação entre o modelo assalariado e de mercado que tende a dominar ao nível global e o modelo das solidariedades que domina em termos das racionalidades e práticas económicas e sociais locais. A preferência e adopção destas orientações deve, contudo, basear-se num conhecimento aprofundado de cada uma das realidades empresariais, das necessidades e expectativas dos trabalhadores bem como dos interesses das organizações. O outro pilar do desenvolvimento e efectivação desta acção no âmbito social é a comunicação entre os diversos envolvidos (empresários, trabalhadores, comunidade local, instâncias governamentais) dos objectivos e dos resultados obtidos de forma a legitimar e reforçar este tipo de iniciativas.

Os quatro aspectos essenciais da economia de comunhão da liberdade na condução dos negócios
Heloisa Helena Gonçalves (Universidade Federal do Acre)

O artigo apresenta aspectos conceituais da denominada economia de comunhão - EdC na liberdade. A EdC é uma modalidade de economia solidária que inclui a centralidade da pessoa e valores espirituais, lógicos, éticos, estéticos, religiosos (HESSEN, 1950), nas práticas empresariais de 890 pequenas e médias empresas, espalhadas pelos cinco continentes e nos três pólos empresariais: Spartaco e Ginetta no Brasil, e Loppiano na Itália. No Brasil, onde nasceu, 90 empresas constavam do cadastro do Escritório Central de EdC, em 2003.
A economia de comunhão nasceu da reflexão da crítica social que fez a sua idealizadora, Chiara Lubich, em 1991, no Brasil, à lógica de ação do capitalismo e a ação empresarial desprovida de excelência moral (ARISTÓTELES, Ética a Nicômaco), que alimenta a acumulação da renda nas mãos de pouco ricos, promovendo violência, insegurança, desequilíbrio humano e da produção, e o aumento de empobrecidos e miseráveis. Está diretamente ligada à racionalidade comunicativa com o "mundo da vida" (HABERMAS,1981), aquela que inclui a interação da empresa na sociedade cujo propósito é a justiça social.
Têm como norma compartilhada a "cultura da partilha", que significa colocar em comum os lucros da empresa, incluindo nessa partilha beneficiários (as) que não investiram capital tampouco participaram do processo produtivo. Mas são aqueles lucros em que os meios para alçancá-los são coerentes com os princípios da dignidade humana, solidariedade, bem comum, primazia do trabalho sobre o capital e respeito ao meio ambiente.
A formação de homens e mulheres novos e as escolas para empresários (as) e demais envolvidos, são dispositivos de apoio relacional às empresas do projeto de EdC criados para auxiliar o princípio da tradução (CALLON e LATOUR, 1990; BOAVENTURA SANTOS, 1999; BERNOUX, 1989) dos princípios de ação de uma lógica do ator único sujeito, para a lógica da responsabilidade dialógica com outros (BUBER, 1986).
No Quadro A, os fundamentos da economia de comunhão e os da economia clássica.

Quadro A, fundamentos da economia de comunhão e da Economia clássica
Economia Clássica Economia de Comunhão
Adam Smith fundador da economia política clássica. Chiara Lubich fundadora da economia de comunhão.
A linha original de continuidade entre ética e economia é interrompida. A linha de originalidade entre ética e economia é incluída.
O individualismo na base das relações econômicas. A solidariedade na base das relações econômicas.
A racionalidade consiste na utilidade, na acumulação e no lucro privado. A racionalidade consiste na partilha do lucro e pressupõe o relacionamento e a felicidade humana.
Oposição entre bem individual e bem social. Não oposição entre o bem individual e o bem social.
O capital tem primazia em relação ao homem. O homem tem primazia em relação ao capital.
A relacionalidade incorpora sempre o elemento de condicionalidade A relacionalidade incorpora sempre o elemento de gratuidade.
Prevalência da racionalidade instrumental. Prevalência da racionalidade substantiva, a razoabilidade que segundo Aristóteles contém elementos de sabedoria. Racionalidade do Eu com Todos.
Os indivíduos não estão ligados uns aos outros por nexos indivisíveis antes de iniciar a troca. Os indivíduos estão ligados uns aos outros por nexos indivisíveis antes de iniciar a troca.
Apropriação privada do excedente. Apropriação do excedente privada e partilhada com atores beneficiários fora do processo produtivo.
Foco na avaliação dos resultados econômicos de mercado. Foco nos atores sociais.
Esquecimento da premissa antropológica. Afirmação da premissa antropológica.
Empresa e sociedade Empresa na sociedade

Os fundamentos e as características da economia de comunhão para serem concretizados necessitam de uma racionalidade capaz de comunhão (BRUNI, 1999), e da autenticidade humana, elementos que segundo Alberto Guerreiro Ramos (1989), não estão incluído nos espaços organizacionais das empresas capitalistas clássicas. A experiência dos empresários (as) vinculados ao projeto de EdC, é diferenciada daquela que "parece anular quaisquer vestígios da afirmação de que sem o Tu, o Eu é impossível, mensagem que hoje o mundo da globalização excludente tanto carece ouvir" (BARTHOLO, 2001).



Ensino Superior Brasileiro e a relação entre Público e Privado:
disputas históricas e ideológicas
Célia Elizabete Caregnato
Maria Elly Herz Genro

A educação superior na história do Brasil recente tem sofrido importantes modificações. As principais mudanças dizem respeito à intensificação do lugar ocupado pelo setor privado da educação superior e ao processo de diversificação institucional no sistema brasileiro de educação superior. Os dois fenômenos ocorrem no contexto de mudanças sociais e políticas mais amplas. Este estudo analisa momentos históricos que marcam a trajetória do ensino superior no Brasil, procurando detectar as relações e óticas político-ideológicas. Trata-se de entender manifestações e realizações que expressem o caráter público e/ou de interesses nitidamente privados relativamente ao ensino superior. Deseja-se interpretar os processos que foram constituindo as noções de público e de privado em torno do ensino superior brasileiro. O recorte feito aqui compreende cinco fases distintas, as quais se constituem através de processos conflituosos. Cada uma delas é abordada a partir de relações sócio-políticas e de concepções políticas em jogo, que influenciam de forma variável a natureza e a organização do ensino superior em cada período histórico. Os principais autores que contribuem para caracterizar períodos históricos passados são Raimundo Faoro, L. Werneck Vianna , L. Antônio Cunha, M. de Lourdes Fávero. A primeira fase é entendida com base nas noções de patrimonialismo e de liberalismo comunitarista, período do final do século XIX e início do século XX. A segunda fase corresponde ao período de ativação mais clara do pensamento liberal, embora não homogêneo, com forte influência no debate e em ações políticas para o ensino superior. Nesse período é enfatizada a perspectiva que visou mudanças substanciais nesse campo e que trabalhou na defesa da universidade pública e autônoma. É nítida a disputa entre os liberais e os católicos, contando com a intervenção estatal autoritária. O terceiro período identifica-se com a fase democrático-populista, entre 1946 e 1964. Distingue-se pela oposição entre desenvolvimentistas/populistas e liberais autoritários. É um período de importantes embates e definição de posições quanto ao ensino superior, mas o tom conciliatório prevalece. No quarto período ocorre a disputa entre a ideologia de segurança nacional e o anti-autoritaritarismo. Vê-se aí algo inusitado. Os liberais apresentam-se autoritários e o estado autoritário, não só expande o ensino superior financiado publicamente, como também viabiliza investimentos em pesquisas, o que expande a construção de conhecimento com importante autonomia. Paralelamente, ocorre a ampliação do ensino superior no setor privado. O período atual apresenta, de forma muito clara, a hegemonia da perspectiva político ideológica que exalta a lógica de mercado que, segundo Santos (1994), procurou colonizar tanto o princípio do Estado, como o princípio da comunidade (neoliberalismo), mas que também expressa uma vontade de ampliar o acesso ao ensino superior, para segmentos sociais antes excluídos dessa possibilidade. Trata-se de um liberalismo utilitarista e econômico, o qual também encontra resistências, contudo as forças que constituem estas resistências não formam grupo homogêneo. Os segmentos heterogêneos, neste caso, anti-mercantilização da educação estão dispostos a questionar a perspectiva dominante, mas o efeito de sua voz parece ainda muito frágil. Parte-se do suposto de que no momento histórico em que vivemos é necessário forjar comunidades interpretativas (redes, movimentos, etc.) capazes de investigar, apontando possibilidades de democratização do ensino superior e de sua relação com a sociedade, num alargamento permanente da questão social, incidindo num combate as diferentes formas de exclusão social.



A sociedade civil e a fome no Brasil: De Betinho à Fome Zero ( 1993-2003)
Céli Regina Jardim Pinto (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

O paper tem como objetivo analisar o envolvimento da sociedade civil brasileira na busca de soluções para o problema da fome. Parte da primeira campanha realizada no país pela ONG IBASE liderada por Herbert de Souza, conhecido como Betinho em 1993 e examina as ações de um conjunto de ONGs, até chegar ao programa Fome Zero lançado em 2003 pelo Governo Lula. A partir desta análise pretende responder basicamente duas questões estreitamente interligadas: 1 qual as potencialidades e os limites das organizações da sociedade civil para resolver ou propor soluções à questão da fome no Brasil. 2. até onde o Estado tende a transferir a responsabilidade desta solução para as organizações da sociedade civil.


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