O estado da arte em S. Tomé e Príncipe:
Augusto Nascimento (Assembleia Nacional da República de São Tomé e Príncipe)

À independência de S. Tomé e Príncipe sucedeu-se a imediata desmontagem do saber colonial. Todavia, a este saber, ao tempo considerado ideologizado e instrumental, sucedeu-se um outro igualmente redutor e vincadamente ideologizado. No tocante à produção de são-tomenses, só recentemente se tornou mais frequente o aparecimento de dissertações onde é patente um certo distanciamento relativamente a mitos do ideário anti-colonial.
Nesta comunicação, propomo-nos a um inventário crítico da produção do saber social relativo a S. Tomé e Príncipe, sublinhando os seus mais recentes tópicos, perspectivas e eventuais estrangulamentos. Tentaremos, em particular, escrutinar as razões sociais e políticas da rala produção local e, mais importante, do eco quase nulo de tal produção na vida colectiva no arquipélago.

 

Educação/Formação/Investigação em São Tomé e Príncipe. Será uma aposta do país no caminho para o desenvolvimento?
Manuela Cardoso - ISCTE

A Educação/formação são hoje elementos integrantes e condicionantes dos processo de desenvolvimento. Mas o sistema educativo de São Tomé e Príncipe durante todo o período da II República não esteve vocacionado para esses novos desafios que o mundo globalizado enfrenta.
Se na primeira fase do período pós independência (1975-1990) o país elegeu como um dos seus objectivos fundamentais a alfabetização em massa, no período seguinte (após 1990), o sistema de ensino deveria estar orientado para um outro nível, um nível de ensino que permitisse os cidadãos intervir activamente no processo económico extrovertido. A descoberta do petróleo no país ou mesmo a dinamização da actividade turística, apontadas como estratégias de desenvolvimento, deveriam ter imposto novas dinâmicas em termos de educação e formação.
O decreto-lei nº53/88 definiu a estrutura do Sistema Nacional de Educação que se manteve até à publicação da Lei de Bases do Sistema Educativo, em 2003.
De acordo com aquele decreto-lei o sistema de ensino estava dividido nos seguintes sub-sistemas:
- Educação Geral;
- Formação e Capacitação de Quadros Docentes;
- Educação Técnico-Profissional;
- Educação de Adultos.

Apesar do primeiro (Educação Geral) apresentar como componentes essenciais os ensinos pré-escolar, primário, secundário básico, o ensino pré-universitário e o ensino vocacional, o investimento efectivo foi reduzido. Na prática, um conjunto de condicionantes, nomeadamente a assinatura do Programa de Ajustamento Estrutural, não permitiriam imprimir ao sistema a dinamização e a qualidade necessárias. Neste aspecto, a análise do sub-sistema seguinte, permite determinar a grande incongruência da política de ensino. O encerramento, em 1989/90, da escola de formação de professores do ensino básico (Escola de Formação e Superação de Quadros Docentes) fez entrar o país numa década de completo vazio na área de formação de professores daquele nível.
A formação de professores para o ensino pré-universitário apenas se iniciou em 1997/98 com a criação do Instituto Superior Politécnico, mas aqui também apenas em algumas áreas.
Em termos do educação técnico-profissional, apesar de ser definida no referido dectreto-lei como "o principal instrumento para a materialização da política de formação da força de trabalho qualificado", tem sido quase inexistente. Apenas duas escolas merecem referência: o Centro Politécnico, criado pela cooperação francesa, que disponibiliza apenas 40 vagas anuais e a Escola de Enfermagem, que funcionou de 1983 a 2003 com carácter não contínuo.
A educação de adultos pouco desenvolvimento apresentou.
A formação de nível superior e a investigação parecem em situação crítica. Para além do Instituto Superior Politécnico, já referido, existe o Instituto Universitário de Contabilidade, Administração e Informática, instituição privada, que disponibiliza 50 vagas anuais.
Relativamente à investigação, apenas uma instituição é de mencionar: o Centro de Investigação Agrária e Tecnológica, criado sob domínio colonial português e reapetrechado entre 1994 e 2000, através de um projecto da cooperação francesa. Apesar de constituir um dos centros tecnológicos mais bem equipados da região, com meios técnicos e humanos, a falta de autonomia financeira e de dinamismo não tem permitido a criação do valor acrescentado para que está capacitado.
Em síntese: as condicionantes financeiras impostas pelo Programa de Ajustamento Estrutural, a falta de uma política concertada de desenvolvimento, a escassa importância dada na II República aos sectores sociais, a desarticulação entre os vários projectos de ajuda, não permitiram maior empenho na educação, nomeadamente na educação técnico-profissional. E tendo São Tomé e Príncipe uma população jovem, possui um dos recursos mais importantes ao processo de desenvolvimento, impondo-se um investimento educacional mais activo e continuado.


Ciência e Democracia nos PALOP: Um Cruzamento de Baixa Intensidade
Odair Bartolomeu Varela (FEUC)

Existe um consenso geral, mesmo assim polêmico, de que com inicio do colonialismo europeu no século XV, se começa não só a experiência de organização colonial do mundo como - simultaneamente - a tentativa de constituição colonial dos saberes, das linguagens, das memórias e do imaginário. Dá-se inicio ao grande processo que culminará nos séculos XVIII e XIX na qual, pela primeira vez, se organiza a totalidade do espaço e tempo - todas as culturas, povos e territórios do planeta, presentes e passados - referencialmente numa grande narrativa universal. Nesta a Europa é - ou foi sempre - simultaneamente o centro geográfico e o culminar do movimento temporal.
Nesse sentido, as ciências modernas (naturais ou exatas, humanas e sociais) tiveram como substracto as novas condições que se criaram quando o modelo liberal de organização da propriedade, do trabalho e do tempo deixa de aparecer como uma modalidade civilizatória em luta com outra(s) que conservam o seu vigor, e adquire a hegemonia como a única forma de vida possível. A constituição das disciplinas das ciências se dá neste contexto histórico-cultural do imaginário que impregna o ambiente intelectual.
A constituição histórica das disciplinas cientificas que se produziu nas academias ocidentais, foi, assim, uma construção eurocéntrica, que pensa e organiza a totalidade do tempo e do espaço a partir da sua experiência para a toda humanidade, colocando a sua especificidade histórico-cultural como padrão de referência superior e universal. Mas é mais do que isso. Este meta relato da modernidade foi e é um dispositivo de conhecimento colonial e imperial em que se articula essa totalidade de povos, tempo e espaço como parte da organização colonial/imperial do mundo. Desta forma, as sociedades ocidentais modernas se constituíram, presumivelmente, na imagem de futuro para o resto do mundo.
É assente também que em todo mundo já ex-colonial, particularmente nos PALOP, as ciências modernas, particularmente as ciências sociais continuaram a servir, por razões que abordo durante o presente ensaio, mais para o estabelecimento de contrastes com a experiência histórico-cultural universal (normal) da Europa (ferramentas neste sentido de identificação de carências e deficiências que têm de ser superadas) do que para o conhecimento dessas sociedades a partir das suas especificidades histórico-culturais.
Isso mostra-nos que a imagem acima referida continua a ser exportada, ou seja, o ocidente como modo de vida a qual o resto do mundo chegaria naturalmente se não fossem os obstáculos representados pela sua composição racial inadequada, sua cultura arcaica ou tradicional, seus preconceitos mágicos e religiosos ou, mais recentemente, pelo populismo de uns Estados excessivamente intervencionistas que não respeitam a liberdade do mercado. Sendo estes Estados considerados periféricos ao nível da ciência, as distâncias reconhecíveis entre indicadores e experiências em relação dos países do centro são reduzidos a um problema de atraso, resolúvel com tempo recursos e esforço colectivo.

É propósito desse ensaio fazer uma retrospectiva crítica, de como esse "trauma" ou "herança" da colonização tem sido, por um lado, explorado para aumentar o fosso entre o Norte e Sul, servindo, actualmente, os interesses da globalização neoliberal e dos países que o lideram, e, por outro lado, de como a "exportação" da democracia representativa para o Sul tem funcionado como suporte legitimador dessa exploração. Seguidamente, vai-se tentar fazer um exercício desmistificador do discurso da ciência e da democracia para de seguida apresentar uma visão critica da sua associação à globalização neoliberal. Sendo que este ensaio se incide sobre o caso particular dos PALOP, pretendo adicionar à comunicação final, os dados recolhidos dum pequeno estudo de caso que fiz em Coimbra em 2003, em que pretendi vislumbrar como é que estudantes originários dos PALOP, que se encontram nessa cidade inseridos programas de pós-graduação ou de projectos de investigação, encaram, entre outros aspectos, a probabilidade de estarem a contribuir para perpetuar o domínio dos cânones modernos da ciência e da democracia ou de, pelo contrário, estarem a contribuir para o descerramento e visibilidade de outras ciências, conhecimentos e formas de organização cultural e política, imbuídas de grande potencial emancipatório. Este estudo mirou englobar também a posição de alguns dos centros de investigação desta cidade universitária, sobre a política que têm seguido em relação a estes estudantes. Por fim, se possível, lançar pistas ou prospectivas para uma(s) ciência(s) e democracia(s) de alta intensidade nos PALOP e no hemisfério Sul em geral.

 

Navegando pela lógica do pensar através do recurso pedagógico da problematização
Divanir Eulália Naréssi Munhoz - Universidade Estadual de Ponta Grossa-Paraná
denmunhoz@uol.com.br

Este estudo fundamenta-se no entendimento de que ao professor cabe não apenas informação acerca do saber já sistematizado pela humanidade, mas, sobretudo, a tarefa de discutir esse conhecimento com o aluno; de assessorá-lo na identificação da lógica de pensamento presente nos diversos pensadores e autores estudados; de, conseqüentemente, fortalecê-lo no processo de construção de sua própria autonomia. E a partir do entendimento da importância do professor reconhecer que é necessário elidir, de seu universo, a pretensão de ser professor da verdade, o estudo sobre o uso do recurso pedagógico da problematização na discussão epistemológica tornou-se um desafio, no sentido de ajudar os alunos na construção de caminhos em busca do conhecimento, onde verdade é conceito sempre testado no movimento da realidade. Fundamentando-se na consideração do potencial do aluno no processo de conhecimento, esse recurso nem por isso dispensa o saber já sistematizado pela humanidade, como ponto de partida, nem confunde autonomia do aluno com negação da necessidade do professor. Pelo contrário, entende o trabalho do professor com um constante enfrentamento de desafios, uma eterna superação de limites. Nessa concepção de ensino, o professor poderá ser assessorado pela técnica, mas, sem dúvida, nunca substituído pela técnica. Assim, o recurso pedagógico da problematização foi utilizado por esta pesquisadora, em experiência singular, para introduzir alunos, de diferentes áreas do conhecimento, no tema epistemologia, em cursos de graduação, especialização e mestrado. A partir do desafio para "falarem" sobre objetos diversos que lhes foram submetidos, os alunos trouxeram questões relacionadas à problematização da realidade, à influência da visão de mundo nesse processo, à influência das experiências de vida do cientista-cidadão na motivação científica, à relação conhecimento científico-senso comum, à relação entre verdade absoluta e verdade relativa, aos procedimentos de descrição, explicação, interpretação, compreensão na leitura da realidade. Também às possibilidades de um objeto ser abordado pelo pesquisador quanto a sua estrutura física, sua funcionalidade, seu simbolismo, estando cada tipo de abordagem em parte condicionado pelo significado que o objeto possa ter para o sujeito cognoscente; à distinção entre aparência e essência, à diferença entre considerar o empírico e restringir-se ao empirismo; à relação entre ciência e tecnologia, entre produção/comunicação do conhecimento e os sujeitos consumidores do mesmo; à concepção de conhecimento como processo; à relatividade e à historicidade dos conceitos; à relação entre real e virtual; à importância das trocas intersubjetivas e da interdisciplinaridade no processo de conhecer. Além disso, identificou-se que o uso oportuno e apropriado de uma técnica pode resgatar (ou despertar, ou melhorar) a auto-estima no estudioso e propiciar-lhe oportunidade de desvelamento de sua própria potencialidade, bem como a importância de: o aluno despertar para a existência de multiplicidade de perspectivas frente a um mesmo objeto; aprender a dar-se conta do arsenal de conhecimentos científicos que ele vai naturalmente incorporando e que aciona ou pode acionar espontaneamente ao defrontar-se com o estudo da realidade. Também de entender-se a diferença entre reconhecer a existência da diversidade de olhares sobre um mesmo objeto e a preocupação com os determinantes dessas diferenças; de o professor libertar-se de parâmetros rígidos para análise da qualidade do desempenho do aluno.A problematização é, sem dúvida, válida como recurso pedagógico, mas seu uso é muito mais do que valer-se de uma técnica de ensino; requer uma visão de mundo compatível com seus fundamentos. A potencialidade maior do emprego do recurso para tratamento do tema epistemologia está na amplitude das decodificações possíveis para a expressão "fala", que pode conter, basicamente, procedimentos de "descrição", "compreensão", "explicação", bem como possibilita que o sujeito aborde o objeto sob perspectivas as mais diversas.


A parceria núcleo de ensino e licenciatura de ciências sociais: a contribuição das ciências sociais na escola
Drª Sueli Guadelupe de Lima Mendonça (UNESP - Universidade Estadual Paulista)
sueli_guadelupe@uol.com.br , mendonca@marilia.unesp.br

A licenciatura de Ciências Sociais não tem sido objeto de muita reflexão pelos sociólogos, nem tão pouco a educação e suas variadas e densas dimensões sociais, manifestas especialmente na escola, na intensidade que esta demanda social exige. Por outro lado, as Ciências Sociais pode de deve contribuir para o enfrentamento desse problema social, não só porque apresenta uma trajetória teórica que lhe permite uma análise sociológica da questão, mas principalmente porque a sua presença no cotidiano escolar pode, de fato, contribuir para a superação de muitos entraves. Porém essa problemática não se desvincula da atual conjuntura internacional da educação. Um dos grandes desafios da educação é a formação do educador. Essa questão se apresenta não só em nível da formação inicial dos educadores, mas também na sua formação continuada. A política de formação implementada pelo governo brasileiro pauta-se, atualmente, no aligeiramento e na desqualificação da formação dos professores, em consonância com as diretrizes gerais de organismos internacionais como Banco Mundial, ALCA, OMC, que visam ao sucateamento e privatização dos serviços públicos, em especial, a educação. Na contramão dessa política existe uma experiência educacional na UNESP conhecida como Núcleo de Ensino. Criados a partir de 1987, os Núcleos de Ensino buscaram construir uma nova relação Universidade/Sociedade, por meio de estratégia de ação junto à comunidade local ou regional, onde houvesse câmpus da UNESP. Essa ação se concretizou mediante assessorias aos municípios e trabalho sistemático junto à Rede Pública Estadual de Ensino. Docentes e alunos da UNESP, juntamente com docentes e especialistas da Rede Pública de Ensino, trabalham em parceria de projetos. O Núcleo de Ensino tem aglutinado, no mesmo espaço, os professores em seus diversos níveis de formação: os graduandos (em formação inicial), os professores da Rede (formação continuada) e os professores universitários (formadores dos futuros professores). Esse encontro propiciou mudanças significativas na prática social desses agentes sociais, pois a base do trabalho concentra-se na articulação entre o ensino, pesquisa e extensão. A oportunidade de confrontar o cotidiano escolar - expresso pelos professores da Rede - com as teorias - trabalhadas pelos professores e alunos da UNESP - deu origem a uma reflexão de qualidade diferenciada. Partia-se da prática pedagógica do docente da Rede e, a partir de sua problematização, buscavam-se possíveis respostas, através de processo investigativo conduzido, coletivamente, pelo Núcleo de Ensino. Esse trabalho já apresenta resultados expressivos: produção de pesquisa educacional decorrente de projetos do Núcleo de Ensino realizada por seus participantes - estudantes e professores da UNESP, professores da Rede pública, que ingressaram na pós-graduação estimulados pela experiência -; melhor articulação das disciplinas pedagógicas e do estágio supervisionado, especialmente Didática e Prática de Ensino, com a realidade escolar e, conseqüentemente, uma formação mais consistente do futuro professor; produção de material pedagógico de apoio nas diversas áreas do conhecimento; formação continuada de qualidade dos professores da Rede, alguns deles ingressantes ao quadro docente da UNESP. Assim, a licenciatura de Ciências Sociais, em parceria com o Núcleo de Ensino da UNESP vem investigando problemáticas na escola que extrapolam a prática pedagógica, entre elas, a crise de identidade da escola. Diante desse contexto, os licenciados de Ciências Sociais têm desenvolvido uma formação que atenta para o papel fundamental das as ciências humanas no resgate da identidade da instituição escolar, passando por um amplo processo de reflexão e transformação de seus agentes, isto é, alunos, professores, funcionários e a comunidade local. Isso implica uma nova perspectiva de atuação da universidade, trazendo para si a necessidade de redefinir o seu trabalho acadêmico, principalmente no que se refere à formação de professores e pesquisa educacional.

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